Em Génesis 2:7, "Deus soprou o seu fôlego de vida no homem, depois de o ter formado do pó da terra". Fomos concebidos pelo Criador para refletir a Sua imagem e semelhança. Por conseguinte, é lógico que, apesar das nossas lutas internas, fomos feitos e destinados a preferir o bem, o bom e o agradável a Deus, e a ser criaturas do Seu agrado, exibindo caraterísticas da Sua natureza divina.
Para além destas razões espirituais, durante o processo evolutivo, nós, seres humanos, apercebemo-nos de que há também muitas vantagens socioeconómicas em escolher o bem em vez do mal. Ao orientar a nossa sociologia e psicologia da vida em torno do projeto original e do desejo do Criador, descobrimos o que é viver em sã convivência, unidos por alianças e comportamentos que nos favorecem, partilhando "dos frutos da terra e do trabalho do homem". Tudo é condição para permanecer em paz e não em conflito, crescer e prosperar, garantindo a sobrevivência de todos. É antropológico e universal.
Em praticamente todas as religiões, observamos que uma parte da religiosidade foi dedicada à reverência à divindade, e a outra parte à inter-relação saudável. A fé judaico-cristã dedica a maior parte dos seus ensinamentos a exortar a humanidade a esta fé que convida à reverência a Deus e à fraternidade que produz frutos palpáveis. No Antigo Testamento, Moisés dá-nos os mandamentos da lei de Deus e, depois, lemos em Deuteronómio 28,1-2: "Se obedeceres à voz do Senhor, teu Deus, e cumprires todos os mandamentos que hoje te ordeno, ele te colocará muito acima de todas as nações da terra. E porque ouviste a voz do Senhor teu Deus, toda a espécie de bênçãos virá sobre ti e te alcançará". Salmo 133, 1 diz: "Vede como é bom e agradável que os irmãos vivam juntos". E no Novo Testamento há inúmeras exortações à sã convivência, como por exemplo em Efésios 4, 31-32 "Arrancai de entre vós toda a cólera, raiva, ira, clamor, insultos e toda a espécie de males. Sejam bondosos e compreensivos uns para com os outros, perdoando-se mutuamente, tal como Deus vos perdoou em Cristo.
Está no nosso ADN preferir o bem ao mal e orientar a nossa vida para causas nobres e dignas. No entanto, a história recorda-nos a facilidade com que abandonamos a nossa essência original, sã e pacífica, para nos deixarmos enredar em conflitos sociais, divisões, disputas, guerras e destruição. Por exemplo: metade de todos os casamentos terminam em divórcio. Em todo o mundo, 150 milhões de crianças vivem na orfandade, na negligência ou na miséria. Seis em cada 10 crianças e uma em cada cinco mulheres são vítimas de maus tratos. Perdemos a conta do número de seres humanos que pereceram em guerras históricas: talvez um bilião ao longo de 21 séculos, com 108 milhões de mortos só no século XX.
Atualmente, os países desenvolvidos gastam uma média de 225 mil milhões de dólares por ano em ajuda humanitária aos países pobres, mas, ao mesmo tempo, a despesa militar global em conflitos entre países e nações é de 2,44 triliões de dólares. As despesas com a saúde e a medicina ultrapassam os 10 biliões de dólares para supostamente manter as nossas populações saudáveis. Que estranhas dicotomias regem os corações humanos, capazes de, por um lado, manifestar muitos momentos de nobreza moral e, por outro, optar por tendências contrárias de indiferença, violência ou destruição? É irracional! É uma loucura!
Em Romanos 7,15, S. Paulo, frustrado com o seu comportamento indomável, diz: "Não compreendo as minhas acções: não faço o que quero e faço o que detesto". Será esta a luta que todos nós travamos no nosso íntimo?
Recordemos que Adão e Eva foram nomeados guardiães da terra, de tudo o que é vivo e visível. Mas, em vez de viverem em gratidão e contentamento com tudo o que havia de bom à sua volta, escolheram a única coisa proibida e desconhecida: comer da árvore ou do fruto restrito, em total desobediência à vontade de Deus. Os olhos, o apetite e os desejos do coração foram atrás daquilo que tinha limites, em vez de desfrutarem plenamente do resto da criação, para satisfação do seu coração.
Estes actos contínuos de desobediência a Deus continuam a roubar-nos a nossa dignidade de filhos. É o caso da triste história de Esaú, filho de Isaac e irmão de Jacob, no Génesis 25, 24 em diante. Esaú era um hábil caçador que um dia, irónica e misteriosamente, preferiu vender o seu direito de primogenitura, com todas as suas unções e bênçãos, por um miserável prato de lentilhas. E o rei David? Na história de Israel, não houve reinados como o de David e o de seu filho Salomão e, no entanto, David deixou-se intoxicar pela paixão até se tornar adúltero e assassino (2 Samuel 11). E há muitas histórias deste género.
Como explicar estas contradições, que forças obscuras e estranhas actuam por vezes na mente e no coração do homem e que expõem grandes fraquezas e vulnerabilidades? Preferimos culpar o demónio e os espíritos malignos pelos nossos erros e infortúnios. Sim, é verdade que a Bíblia apresenta um ser real de nome satanás, autor de planos maléficos e destrutivos. Além de ser o tentador no deserto que tentou atrapalhar a missão messiânica de Jesus, o próprio Jesus disse em João 10,10: "O ladrão não vem senão para roubar, matar e destruir, enquanto eu vim para que tenham vida e a tenham em abundância". Mesmo assim, Jesus também deixa claro que há inimigos internos que nos levam a pecar, e a esses devemos prestar muita atenção. Marcos 7, 21: "Porque do coração do homem procedem os maus pensamentos, as prostituições, os furtos, os assassínios, os adultérios, os adultérios".
Porque é que cedemos tanto a estes instintos corruptos? Porque é que não reconhecemos que o mal só nos traz destruição e perda? Porque é que não conseguimos dominar os nossos impulsos desenfreados e escolher o que é melhor na nossa natureza? Principalmente porque somos reféns de sentimentos que muitas vezes dominam a razão. Assim como há sentimentos belos (amor, paz, gratidão, alegria, esperança), há outros que se tornam forças paralisantes ou correntes destrutivas. Alimentamos tão facilmente a rejeição, o desamor, os ódios, os sentimentos de vingança, priorizando pensamentos de dominação e planos narcisistas, que sabotamos as nossas possibilidades de nos dimensionarmos com qualidades superiores. Esses sentimentos negativos que fermentam dentro de nós são os gatilhos de um sistema sistémico e integral de autodestruição. São como ácidos que corroem a compreensão e a saúde mental e social. São tendências primitivas que não aprendemos a superar.
OS POTENCIADORES DA MALDADE
1- Perceção desfigurada da realidade
O mal alimenta-se de uma perceção obstruída. Esta cegueira emocional ou espiritual arrasta-nos para a confusão e a má interpretação, distorcendo o nosso sentido de avaliação honesta. Quando a nossa perceção não corresponde à realidade, julgamos a vida e os outros com dureza. Perdemos o dom da comunicação empática e obstruímos as oportunidades de reconciliação. É aqui que nascem os preconceitos e o distanciamento que nos são tão prejudiciais.
Mateus 6, 22 explica-o da seguinte forma: "Os teus olhos são a lâmpada do teu corpo. Se os teus olhos forem bons, todo o teu corpo terá luz; mas se os teus olhos forem maus, todo o teu corpo estará em trevas".
2- Sentimentos não controlados
O ressentimento, o desejo de vingança, a inveja, a ansiedade desregulada, o desespero, a desconfiança, a amargura, a arrogância, são os sentimentos que mais contribuem para o desequilíbrio mental e a desestabilização social.
3- Mentira e engano
João 8:44 (O diabo): "Quando ele profere uma mentira, fala da sua própria natureza, pois é mentiroso e pai da mentira.
A mentira tem muitos escravos, e a verdade tem poucos soldados. O mal encontra refúgio na mentira e na falsidade. As mentiras corroem a confiança social. Prejudicam as nossas relações e a nossa autoestima, sabotando a nossa dignidade e o nosso prestígio. Quando os outros se apercebem de que lhes mentimos, sentem-se emocional e intelectualmente ridicularizados. A mentira promove a desconfiança e a divisão, desmantela a credibilidade, que é a espinha dorsal da autoridade.
4- As filosofias que nos regem socialmente
A sociologia e a filosofia de vida que a nossa humanidade adapta, se não estiverem alinhadas com a nossa configuração espiritual, neurológica e psico-afectiva original, serão insustentáveis. As concepções sociais erróneas de felicidade e de sucesso são responsáveis por gerar um inconformismo e um egoísmo exagerados em muitos seres humanos. As culturas modernas exaltam a superficialidade e a popularidade, substituindo o guia sábio pela celebridade, ao mesmo tempo que os estilos de vida corruptos se normalizam, dessensibilizando-nos do impacto inicial daquilo que outrora considerávamos chocante e repulsivo. A loucura destrona a sabedoria.
5- Histerias colectivas
Expõem o quão susceptíveis e impressionáveis somos a qualquer doutrinação que nos apele. É fácil ver como os movimentos sociais e políticos, como os fascistas, os comunistas e os terroristas, arrastaram as massas ao longo da história, levando-as a mergulhar nos precipícios do engano e da decadência.
6- Medo e cobardia
Produzem silêncio, encobrimento, obediência cega e cumplicidade. Vendemos o nosso prestígio, a nossa dignidade, a nossa honestidade, a nossa estabilidade emocional e a nossa espiritualidade por medo da rejeição, da acusação, da irrelevância ou da perda.
7- Conceito distorcido ou deturpado de justiça e misericórdia
Quando as leis de um país ou as acções dos legisladores favorecem mais os culpados do que os inocentes, não conseguiremos efetivamente deter ou erradicar o mal. Pelo contrário, actuamos em cumplicidade com o mal, tornando-nos seus facilitadores. Trocámos o castigo severo e merecido, como elemento dissuasor para travar o crescimento do mal, pela misericórdia desproporcionada e deslocada, desculpando e justificando actos de violência ao propor que o criminoso é apenas mais uma vítima. Antes de absolver a culpa, é preciso saber explicar a dimensão da infração e promover a convicção do erro.
8- Interpretação errónea do livre-arbítrio e liberdades infundadas
Não somos livres de roubar, de assaltar, de empobrecer os outros, de nos prejudicar, de desestabilizar a sociedade, de usurpar dos ricos para satisfazer os pobres. O livre arbítrio não é licenciosidade: deve ser controlado pelo bom senso, pelo bom senso e pela misericórdia universal.
9- Dinheiro, a raiz de todos os males
1 Timóteo 6:10-11 "Porque o amor ao dinheiro é a raiz de toda a espécie de males, pelo qual alguns, cobiçando-o, se desviaram da fé e se atormentaram a si mesmos com muitas dores. Mas tu, ó homem de Deus, foge destas coisas e segue a justiça, a piedade, a fé, o amor, a perseverança e a benignidade".
O plano mestre de Deus, articulado por Jesus em várias das suas mensagens, é que a nossa provisão é assegurada pelo Deus providente do Nosso Pai, que diariamente veste e alimenta até as criaturas mais simples da criação. Quando compreendemos a providência de Deus, deixamos de ser controlados pelo instinto de sobrevivência e passamos a ser reconfigurados pela graça e pelo amor oferecidos pelo Pai provedor.
10- Falta de fé e religiosidade
A mensagem de Jesus procura fazer com que os nossos impulsos conscientes e inconscientes voltem a alinhar-se com a vontade de Deus, com o nosso projeto original. É por isso que a fé e a religião são tão importantes na vida humana. Ao cedermos à patologia do mal, lembremo-nos sempre do que diz Lucas 17,20: "Naquele tempo, respondeu Jesus a uns fariseus que lhe perguntavam quando viria o reino de Deus: "O reino de Deus não virá de forma espetacular, nem proclamareis que está aqui ou ali; porque eis que o reino de Deus está dentro de vós.
Como é que se ultrapassa a patologia do mal?
1–Assumindo a Sua natureza divina
Fazer esforços conscientes para mudar padrões de comportamento carnais, destrutivos e escravizadores, a fim de nos dimensionarmos para a vida como autênticos filhos de Deus acompanhados pela Sua graça, manifestando testemunhos de vida de pessoas que procuram o auto-controlo e a santidade.
Romanos 8,29-30: "Porque os que Deus dantes conheceu, também os predestinou para serem conformes à imagem de seu Filho, a fim de que ele seja o primogénito entre muitos irmãos; e aos que predestinou, também chamou; e aos que chamou, também justificou; e aos que justificou, também glorificou".
2 Pedro 1, 4-7: Ele concedeu-nos a maior e mais preciosa coisa que se pode oferecer: tornar-vos participantes da natureza divina, escapando à corrupção que neste mundo anda de mãos dadas com o desejo. Por isso, esforçai-vos por aumentar a vossa fé com a firmeza, a firmeza com a ciência, a ciência com o domínio dos instintos, o domínio dos instintos com a firmeza, a firmeza com a piedade, a piedade com o amor fraterno e o amor fraterno com a caridade.
2– Transformarmo-nos com armas espirituais
A conversão é mais do que uma mudança de comportamento: é o equivalente a um novo nascimento, fazendo resoluções de emenda que levam a uma firme determinação de se esforçar para não voltar a errar. A verdadeira conversão, que se realiza com o arrependimento sincero e a graça de Deus, implica uma transformação radical dos modos de pensar e de agir: revestir a alma de uma nova essência. Para o conseguir, teremos por vezes de enfrentar batalhas humanas e batalhas espirituais. Com a ajuda de armas espirituais, travaremos essas batalhas.
João 3, 4-6: "Pode alguém entrar no ventre de sua mãe e nascer de novo? Jesus respondeu-lhe: "Em verdade, em verdade te digo que, se alguém não nascer da água e do Espírito, não pode entrar no Reino de Deus. O que é nascido da carne é carne, e o que é nascido do Espírito é espírito.
Efésios 6,13-17: "Portanto, tomai toda a armadura de Deus, para poderdes resistir no dia mau e, depois de terdes feito tudo, permanecer firmes. Estai, pois, firmes, tendo cingido os vossos lombos com a verdade, e vestida a couraça da justiça, e calçados os vossos pés com a preparação para a pregação do evangelho da paz.
3– Corte e desenraizamento
Mateus 18, 8 diz: "Se a tua mão ou o teu pé te faz pecar, corta-o e lança-o de ti; é melhor entrares na vida aleijado ou coxo do que, tendo duas mãos e dois pés, seres lançado no fogo eterno".
O mal aproxima-se da nossa vida com planos violentos. Temos de lhe responder com decisões decisivas e assertivas para o travar a tempo, sem ambivalência e com grande determinação. As velhas amarguras ou os velhos ressentimentos continuam a fermentar e a fomentar mais conflitos. Através do aconselhamento, dos diálogos de reconciliação, do sacramento da confissão, da oração, de retiros e de intensos processos de cura interior, as fendas e as portas que foram deixadas abertas pelos traumas do passado, como feridas que nunca sararam, podem ser fechadas.
4– Armarmo-nos de prendas
De coragem, resiliência, discernimento, consciência do erro, dom do conhecimento e dons do desapego, para escolher livrar-se do mal adquirido e trocá-lo pela pérola de maior valor.
Lucas 19, 8: "Zaqueu Ele disse resolutamente a Jesus: "Senhor, darei metade dos meus bens aos pobres, e a quem quer que eu tenha cobrado injustamente de ti, pagarei quatro vezes mais.
3- Modelar os ensinamentos evangélicos do amor e da misericórdia
Os ensinamentos de Jesus estão repletos de exortações à misericórdia. Mesmo no Pai-Nosso, Jesus deixa claro que, se não perdoarmos a quem nos ofende, não temos legitimidade espiritual para pedir o perdão de Deus. Alguns grandes exemplos de misericórdia estão em:
- Lucas 10, 25-37, no procedimento do Bom Samaritano.
- Mateus 18, 22, no perdão incondicional das 70 vezes 7.
- Mateus 5, 6 e 7, viver segundo os códigos morais do credo e do manual, as propostas de vida saudável enunciadas no Sermão da Montanha.
Recordemos também que o perdão é um contrato de emenda. Para que haja convicção do mal, o ato de perdoar deve ser acompanhado de uma compreensão da extensão do mal.
4- Ensinar às gerações mais jovens a fé e códigos morais inabaláveis
Salmo 90, 1: "Senhor, tu tens sido para nós um refúgio de geração em geração".
Salmo 145, 5: "De geração em geração, os teus feitos são celebrados, as tuas proezas são contadas".
Há valores insubstituíveis para a formação de comunidades saudáveis: amor e respeito pela vida, pela família, temor a Deus, caridade, responsabilidade social, entre outros. Mas, para além de ensinar valores, devemos acompanhar as nossas crianças a terem uma relação pessoal com Deus e um encontro espiritual de verdadeira conversão. Depois de receberem os sacramentos do batismo e da confirmação, muitas crianças não terão a oportunidade de continuar a crescer na fé se não tiverem a formação moral e espiritual que os pais devem proporcionar.
5- Proclamar o bem e denunciar o mal
O mal deve ser enfrentado com coragem e retidão, mesmo que isso implique sacrifícios e renúncias; isso é ser profeta para estes tempos.
Jeremias 1,8-10: "Não tenhas medo deles, porque eu estarei contigo para te proteger", diz o Senhor. Então Javé estendeu a mão e tocou a minha boca, dizendo-me: "Hoje ponho as minhas palavras na tua boca. Hoje, dou-te o encargo dos povos e das nações: Arrancarás e derrubarás, destruirás e arrasarás, edificarás e plantarás.
Desmascarar o engano, os lobos vorazes, a mentira disfarçada de verdade, mesmo que isso signifique perder a admiração e o prestígio humanos, é o que nós, filhos da verdade, somos chamados a fazer.
Em conclusão: precisamos de ativar todos os dons e instintos espirituais que nos ajudarão a subjugar as nossas vulnerabilidades humanas. Ao ativar os dons superiores que estão todos ao nosso alcance, venceremos a patologia do mal com a natureza espiritual salutar e benéfica que a fé, a conversão e os baptismos de graça que provocam uma verdadeira mudança.
Efésios 4,23: "Deixai que o Espírito renove os vossos pensamentos e atitudes".
Doutoramento em Psicologia