Vaticano

Papa Francisco: "Maria traz a Vida no seu ventre e assim nos fala do nosso futuro".

O Papa Francisco rezou o Angelus hoje, no primeiro dia de 2023, na Solenidade de Maria, Mãe de Deus.

Paloma López Campos-1 de Janeiro de 2023-Tempo de leitura: 2 acta

O Papa Francisco juntou-se hoje aos fiéis para a oração do Angelus. Como habitualmente, dirigiu algumas palavras ao povo no início do novo ano 2023.

Francisco começou por mencionar o seu predecessor, Bento XVIque morreu ontem de manhã. Ele disse: "O início de um novo ano é confiado a Maria Santíssima, que hoje celebramos como Mãe de Deus. Nestas horas invocamos a sua intercessão em particular para o Papa Emérito Bento XVI, que deixou este mundo ontem de manhã. Unimos todos nós, com um só coração e uma só alma, para dar graças a Deus pelo dom deste servo fiel do Evangelho e da Igreja".

Uma Mãe que não fala, mas ensina

O Santo Padre voltou o seu olhar para a Santíssima Virgem para fazer a todos duas perguntas: "Em que língua nos fala a Santíssima Virgem? O que podemos aprender com ela para este ano que se abre?

O Papa é rápido a dar-nos a resposta: "Maria não fala. Ela acolhe com surpresa o mistério que vive, guarda tudo no seu coração e, sobretudo, cuida da Criança, que, como diz o Evangelho, estava "deitada na manjedoura" (Lc 2,16). Este verbo "deitar" significa colocar com cuidado. E diz-nos que a própria linguagem de Maria é a da maternidade: cuidar ternamente da Criança. Esta é a grandeza de Maria: enquanto os anjos fazem um banquete, os pastores vêm e todos louvam a Deus em voz alta pelo acontecimento que teve lugar, Maria não fala, não entretém os convidados explicando o que lhe aconteceu, não rouba as luzes da ribalta; pelo contrário, ela coloca a Criança no centro, cuidando dele com amor".

Com delicadeza, o Papa afirmava: "Esta é a linguagem típica da maternidade: a ternura dos cuidados. De facto, depois de terem carregado nos seus ventres durante nove meses o dom de um misterioso prodígio, as mães continuam a colocar os seus filhos no centro de toda a sua atenção: alimentam-nos, seguram-nos nos braços, deitam-nos suavemente nos seus berços. Cuidado: esta é também a língua da Mãe de Deus.

Aprender a língua de Maria

Francisco concluiu a sua mensagem dizendo: "Maria traz vida no seu ventre e fala-nos assim do nosso futuro. Mas ao mesmo tempo lembra-nos que, se queremos realmente que o novo ano seja bom, se queremos reconstruir a esperança, devemos abandonar as línguas, os gestos e as escolhas inspirados pelo egoísmo e aprender a linguagem do amor, que é o cuidado. Este é o compromisso: cuidar da nossa vida, do nosso tempo, da nossa alma; cuidar da criação e do ambiente em que vivemos; e, mais ainda, cuidar do nosso próximo, daqueles que o Senhor colocou ao nosso lado, bem como dos nossos irmãos e irmãs que estão em necessidade e apelam à nossa atenção e compaixão".

Como este desafio não pode ser enfrentado sem ajuda, o Papa pediu que "imploramos a Maria Santíssima, Mãe de Deus, que nesta era poluída pela desconfiança e indiferença, ela nos torne capazes de compaixão e cuidado, capazes de "ser comovidos e parar diante dos outros tantas vezes quanto necessário" (Exortação Apostólica Evangelii Gaudium, 169)".

Vaticano

Papa Francisco: "Deus tem uma mãe e, desta forma, ligou-se para sempre à nossa humanidade".

Hoje, na solenidade de Maria Santíssima Mãe de Deus, o Papa Francisco celebrou a Missa na Basílica de São Pedro.

Paloma López Campos-1 de Janeiro de 2023-Tempo de leitura: 4 acta

O Papa Francisco celebrou hoje a Santa Missa pela solenidade de Maria, Santíssima Mãe de Deus. A Basílica de São Pedro estava cheia de fiéis, aos quais o Santo Padre se dirigiu durante a sua homilia.

O Papa começou por sublinhar que a maternidade de Maria é uma verdade de fé, mas ao mesmo tempo é "uma notícia muito bonita: Deus tem uma Mãe e desta forma ligou-se para sempre à nossa humanidade, como um filho com a sua mãe, ao ponto de a nossa humanidade ser a sua humanidade". Francisco afirma que ao nascer de Maria, Deus "mostrou o seu amor concreto pela nossa humanidade, abraçando-a de uma forma real e plena".

Nascido da Virgem Maria, o Papa continua, Deus mostra-nos que "não nos ama com palavras, mas com actos".

Maria, portadora de esperança

O título de "Mãe de Deus" de Santa Maria penetrou "o coração do Povo santo de Deus, na oração mais familiar e caseira, que acompanha o ritmo dos dias, os momentos mais dolorosos e as esperanças mais ousadas: a Ave Maria".

O Papa afirma que "a esta invocação, a Mãe de Deus responde sempre, ouve as nossas petições, abençoa-nos com o seu Filho nos braços, traz-nos a ternura de Deus feito carne". Ela dá-nos, numa palavra, esperança. E nós, no início deste ano, precisamos de esperança, tal como a terra precisa de chuva".

Francisco pediu uma oração especial, com Nossa Senhora como intercessora, por todos aqueles que sofrem as consequências da guerra, por aqueles que já não rezam, por aqueles que vivem no meio da violência e da indiferença.

Pastores, exemplos para os cristãos de hoje

"Através das mãos de uma Mãe, a paz de Deus quer entrar nas nossas casas, nos nossos corações, no nosso mundo. Mas como podemos dar-lhe as boas-vindas"? O Papa Francisco dá as chaves e começa por olhar para "aqueles que viram pela primeira vez a Mãe com o Menino, os pastores de Belém".

O Papa diz deles que "eles eram pobres, talvez também bastante rudes, e que

noite, estavam a trabalhar. Foram precisamente eles, e não os sábios ou ainda menos os poderosos, que primeiro reconheceram o Deus que lhes era próximo, o Deus que veio pobre e que gosta de estar com os pobres. O Evangelho sublinha dois gestos muito simples dos pastores, que, no entanto, nem sempre são fáceis. Os pastores foram e viram: vai e vê".

Desta primeira atitude de "partir", o Papa diz: "Era noite, eles tinham de cuidar dos seus rebanhos e provavelmente estavam cansados; podiam ter esperado pelo amanhecer do dia, esperar que o sol se levantasse para ver uma criança deitada numa manjedoura. Em vez disso, foram rapidamente, porque coisas importantes precisam de ser tratadas rapidamente, não adiadas".

Isto, afirma Francisco, ensina-nos que "para acolher Deus e a sua paz não podemos permanecer imóveis e confortáveis à espera que as coisas melhorem". Temos de nos levantar, aproveitar as oportunidades que a graça nos dá, ir, correr riscos. Hoje, no início do ano, em vez de ficarmos sentados a pensar e à espera que as coisas mudem, seria bom perguntarmo-nos: "Para onde quero ir este ano? Para quem vou fazer o bem? Muitos, na Igreja e na sociedade, estão à espera do bem que você e só você pode fazer, eles estão à espera do seu serviço. E perante a preguiça que anestesia e a indiferença que paralisa, perante o risco de nos limitarmos a sentar em frente a um ecrã, com as mãos sobre um teclado, os pastores de hoje encorajam-nos a sair, a comovermo-nos com o que está a acontecer no mundo, a sujar as nossas mãos para fazer o bem, a desistir de tantos hábitos e comodidades para nos abrirmos às novidades de Deus, que se encontram na humildade do serviço, na coragem de assumir o comando".

O segundo aspecto dos pastores que o Papa destaca é que eles viram uma Criança numa manjedoura. "É importante ver, abraçar com os nossos olhos, permanecer, como os pastores, em frente da Criança que está nos braços da Mãe. Sem dizer nada, sem perguntar nada, sem fazer nada. Olhar em silêncio, adorar, acolher com os nossos olhos a ternura consoladora de Deus feito homem; de Maria, sua Mãe e nossa. No início do ano, em meio a todas as novidades que gostaríamos de experimentar e às muitas coisas que gostaríamos de fazer, demos tempo para ver, ou seja, para abrir os nossos olhos e mantê-los abertos ao que é verdadeiramente importante: Deus e os outros.

Olhos, o desafio para o novo ano

Esta contemplação da Criança também nos deve levar ao nosso vizinho. Devemos perguntar-nos, conclui o Papa, "quantas vezes, na nossa pressa, não temos sequer tempo para passar um minuto na companhia do Senhor, para ouvir a sua Palavra, para rezar, para adorar, para louvar". O mesmo acontece em relação aos outros: com pressa ou sob os holofotes, não há tempo para ouvir a esposa, o marido, para falar com os filhos, para lhes perguntar como se sentem por dentro, e não apenas como vão os seus estudos e saúde. E o quanto nos faz bem ouvir os idosos, o avô e a avó, olhar para as profundezas da vida e redescobrir as nossas raízes. Perguntemo-nos então se somos capazes de ver aqueles que vivem ao nosso lado, aqueles que vivem no nosso condomínio, aqueles que encontramos todos os dias nas ruas.

Francisco termina a sua homilia com um convite: "Vamos redescobrir, no impulso de ir e na maravilha de ver, os segredos de tornar este ano verdadeiramente novo.

Vocações

Monsenhor Arjan Dodaj: A testemunha do bispo que veio de trás da Cortina de Ferro

Arcebispo Arjan Dodaj é Arcebispo de Tirana-Durrës. Educado no ateísmo, na sua juventude emigrou para Itália para trabalhar. Ali conheceu Cristo e a sua vocação sacerdotal na Fraternidade dos Filhos da Cruz.

Espaço patrocinado-1 de Janeiro de 2023-Tempo de leitura: 2 acta

D. Arjan Dodaj é Arcebispo de Tirana-Durrës (Albânia). A sua vida não foi fácil. Nasceu em Laç-Kurbin, na mesma arquidiocese, a 21 de Janeiro de 1977. Em 1993, aos 16 anos de idade, após completar os seus estudos primários e secundários na sua cidade natal, emigrou para Itália e instalou-se em Cuneo, onde começou a trabalhar.

"Nessa altura estávamos a sair da Cortina de Ferro em que o nosso país estava, e o pluralismo apareceu, e com ele a possibilidade de democracia, tantos albaneses tentaram encontrar um futuro melhor no Ocidente. Pessoalmente, tentei várias vezes fugir, especialmente para Itália", diz ele ao Fundação CARF.

Ele trabalhou como soldador - mais de 10 horas por dia - e eventualmente na Congregação da Fraternidade dos Filhos da Cruz, descobriu a sua fé cristã. Foi educado no ateísmo, mas quando conheceu Cristo, foi baptizado e Deus chamou-o para o sacerdócio.

Foi ordenado sacerdote a 11 de Maio de 2003 pelo Papa João Paulo II na Basílica de São Pedro. Ele é agora o primeiro bispo da Fraternidade. "Para mim, ser bispo não é um ponto de chegada, mas um apelo a uma vigilância ainda maior, a um serviço ainda maior e a uma resposta cada vez mais humilde.

Alguns membros da sua congregação estudam na Universidade Pontifícia da Santa Cruz a fim de receberem formação adequada para enfrentarem todos os desafios a nível mundial.

No que diz respeito aos desafios apostólicos que o seu país enfrenta, disse que era seu dever transmitir que era possível uma relação fraterna com outras confissões. "Na Albânia, a relação com o Islão e a Igreja Ortodoxa é muito especial, senão mesmo única. O próprio Papa Francisco levou-o ao mundo como um exemplo de cooperação fraterna. É evidente que este é um presente que nunca podemos tomar como garantido, mas que devemos cultivar, acompanhar e apoiar, todos os dias. É precisamente por isso que nos encontramos frequentemente com os vários líderes religiosos em várias comissões, para lhes apresentarmos iniciativas valiosas nos campos da cultura, educação, mulheres, migrantes e caridade", diz ele.

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O testamento espiritual de Bento XVI

Bento XVI agradeceu a Deus pela sua família, a sua pátria, pediu e concedeu perdão e traçou um único caminho: Jesus Cristo: "Eu vi e vejo como do emaranhado de hipóteses surgiu e está a emergir novamente a razoabilidade da fé".

Maria José Atienza-31 de Dezembro de 2022-Tempo de leitura: 3 acta

A Santa Sé publicou o testamento espiritual do Papa Emérito. Em poucas palavras simples, a grandeza interior de Bento XVI é evidente. Um testamento em que o Papa dá graças pela sua família, pela fé e pela dedicação de muitos dos seus amigos; pede perdão àqueles que possa ter ferido e faz um claro e inequívoco apelo a olhar apenas para Jesus Cristo e a não se deixar enganar por falsas certezas. Permanecer firme na fé! é o legado espiritual de um dos maiores teólogos da Igreja.

Texto completo do testamento espiritual de Bento XVI

Se olhar para esta hora tardia da minha vida e rever as décadas pelas quais passei, vejo em primeiro lugar quantas razões tenho de dar graças. 

Antes de mais, agradeço ao próprio Deus, o doador de todo o bem, que me deu vida e me guiou em vários momentos de confusão; ele sempre me levantou quando eu comecei a escorregar e sempre me devolveu a luz do seu semblante.

Em retrospectiva vejo e compreendo que mesmo os trechos escuros e cansativos deste caminho foram para a minha salvação e que foi neles que Ele me guiou bem.

Agradeço aos meus pais, que me deram vida num momento difícil e que, em grande sacrifício, com o seu amor, me prepararam um magnífico lar, que, como uma luz brilhante, me ilumina todos os dias até hoje. 

A fé lúcida do meu pai ensinou-nos filhos a acreditar, e como sinal ele sempre se manteve firme no meio de todas as minhas realizações científicas; a profunda devoção e grande bondade da minha mãe são um legado pelo qual nunca lhe poderei agradecer o suficiente. 

A minha irmã ajudou-me durante décadas de forma abnegada e carinhosa; o meu irmão, com a lucidez do seu julgamento, a sua vigorosa resolução e a serenidade do seu coração, sempre me abriu o caminho; sem esta constante precedência e companheirismo, eu não teria podido encontrar o caminho certo. 

Do meu coração agradeço a Deus pelos muitos amigos, homens e mulheres, que Ele sempre colocou a meu lado; pelos colaboradores em cada etapa da minha viagem; pelos professores e alunos que Ele me deu. Com gratidão recomendo-os a todos à Sua bondade. 

E quero agradecer ao Senhor pela minha bela pátria nos Pré-Alpes da Baviera, na qual sempre vi brilhar o esplendor do próprio Criador. Agradeço às pessoas da minha pátria porque nelas experimentei a beleza da fé uma e outra vez. Rezo para que a nossa terra permaneça uma terra de fé, e peço-vos, caros compatriotas: não se deixem afastar da fé. 

E finalmente, agradeço a Deus por toda a beleza que pude experimentar em todas as fases da minha viagem, mas especialmente em Roma e em Itália, que se tornou a minha segunda pátria.

A todos aqueles que prejudiquei de alguma forma, peço desculpa do fundo do meu coração.

O que disse antes aos meus compatriotas, digo agora a todos aqueles que na Igreja estão confiados ao meu serviço: mantenham-se firmes na fé! Não se confunda. Muitas vezes parece que a ciência - as ciências naturais, por um lado, e a investigação histórica (especialmente a exegese da Sagrada Escritura), por outro - é capaz de oferecer resultados irrefutáveis em contradição com a fé católica. 

Tenho experimentado as mudanças nas ciências naturais durante um longo período de tempo, e tenho visto como, pelo contrário, as aparentes certezas contra a fé desapareceram, provando não ser ciência, mas interpretações filosóficas apenas aparentemente pertencentes à ciência; tal como, por outro lado, é no diálogo com as ciências naturais que a fé também aprendeu a compreender melhor os limites do alcance das suas reivindicações, e portanto a sua especificidade. 

Há sessenta anos que venho seguindo o caminho da Teologia, em particular das ciências bíblicas, e com a sucessão de diferentes gerações tenho visto teses que pareciam colapso inamovível e que se provam ser meras hipóteses: a geração liberal (Harnack, Jülicher, etc.), a geração existencialista (Bultmann, etc.), a geração marxista. 

Vi e vejo como fora do emaranhado de hipóteses a razoabilidade da fé emergiu e reaparece.

Jesus Cristo é verdadeiramente o caminho, a verdade e a vida, e a Igreja, com todas as suas insuficiências, é verdadeiramente o seu corpo. 

Finalmente, peço humildemente: rezem por mim, para que o Senhor, apesar de todos os meus pecados e insuficiências, me receba nas habitações eternas. A todos aqueles que me são confiados, dia após dia, vai a minha sincera oração.

(Tradução não-oficial)

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Papa sobre Bento XVI: "Só Deus conhece o poder dos seus sacrifícios oferecidos pela Igreja".

O Papa Francisco presidiu à recitação das Vésperas e ao Te Deum de acção de graças na Basílica de São Pedro na última noite do ano 2022, numa cerimónia marcada pela memória de Bento XVI.

Maria José Atienza-31 de Dezembro de 2022-Tempo de leitura: 3 acta

A recitação das Vésperas e do Te Deum a 31 de Dezembro foi marcada pela morte do Papa Emérito. Na sua homilia neste último dia de 2022, Vésperas da Solenidade de Maria, Mãe de Deus, o Papa Francisco destacou a figura do Papa Emérito e centrou as suas palavras na virtude da bondade, que é fundamental no mundo de hoje.

Bento XVI, um exemplo de bondade

A liberdade foi o primeiro conceito sobre o qual o Papa Francisco quis reflectir. Referiu-se a ela quando recordou que Cristo "não nasceu numa mulher, mas de uma mulher". Isto é essencialmente diferente, significa que Deus queria tirar carne a uma mulher, não a usou mas pediu-lhe consentimento e com ela iniciou a lenta jornada da gestação de uma humanidade livre do pecado e cheia de graça e verdade".

"A maternidade virginal de Maria é o caminho que revela o extremo respeito de Deus pela nossa liberdade. Esta sua forma de nos vir salvar é a forma pela qual também nos convida a segui-lo, a continuar com ele na tecelagem de uma humanidade nova, livre e reconciliada. O Papa insistiu nesta palavra "humanidade reconciliada" para explicar que "é uma forma de nos relacionarmos uns com os outros da qual derivam muitas virtudes humanas, tais como a bondade".

Foi neste momento que as suas palavras recordaram "o nosso amado Papa Emérito Bento XVI que nos deixou esta manhã". Com emoção contida, o Papa disse que "recordamos a sua pessoa, tão nobre, tão gentil". E sentimos tanta gratidão no nosso coração: gratidão a Deus por tê-lo dado à Igreja e ao mundo; gratidão a ele por todo o bem que fez, e especialmente pelo seu testemunho de fé e oração, especialmente nestes últimos anos da sua vida de aposentado. Só Deus conhece o valor e o poder da sua intercessão, dos seus sacrifícios oferecidos para o bem da Igreja".

Os danos do individualismo do consumidor

O Papa quis oferecer esta ideia de bondade e diálogo como o caminho a seguir na sociedade, salientando que "a bondade é um factor importante na cultura do diálogo, e o diálogo é indispensável se quisermos viver em paz, como irmãos, que nem sempre se dão bem - isso é normal - mas que, no entanto, falam uns com os outros, escutam-se mutuamente e tentam compreender-se e encontrar-se".

Francisco encorajou-nos a humanizar as nossas sociedades exercendo esta bondade diariamente e salientou que "os danos do individualismo consumista estão à vista de todos", uma vez que os nossos vizinhos, outros, "aparecem como obstáculos à nossa paz de espírito, ao nosso conforto". Outros "incomodam-nos", incomodam-nos, tiram-nos tempo e recursos para fazermos o que gostamos de fazer".

Contra este pano de fundo, a bondade, salientou o Papa Francisco, "é um antídoto para a crueldade, que infelizmente pode entrar no coração como um veneno e intoxicar as relações; para a ansiedade distraída e o frenesim que nos fazem focar em nós próprios e fechar-nos aos outros".

Francisco quis recordar as três palavras de coexistência, "permissão", ou "perdão", e "obrigado". São as "palavras de bondade", afirmou o Papa.

Francisco referiu-se novamente a estas três atitudes para reflectir se as pomos em prática nas nossas vidas, num mundo que nunca parece ser amável.

Finalmente, o Papa voltou o seu olhar para a Virgem Maria que mostra como Deus queria ser concebido no ventre de Maria, como qualquer criança: "Não passemos depressa, façamos uma pausa para contemplar e meditar, pois aqui está uma parte essencial do mistério da salvação", encorajou o Papa, "e tentemos aprender o 'método' de Deus, o seu infinito respeito, a sua 'bondade' por assim dizer, porque na maternidade divina da Virgem está o caminho para um mundo mais humano".

O Papa juntou-se à recitação do Te Deum em acção de graças pelo ano e também pelo legado do Papa Emérito, e depois visitou o presépio montado no exterior da Praça de São Pedro.

Vaticano

Um simples adeus e sepultamento nas gruta do Vaticano para Bento XVI

A simplicidade marcará os ritos fúnebres do Papa Emérito que o tinha pedido nas suas últimas horas.

Maria José Atienza-31 de Dezembro de 2022-Tempo de leitura: < 1 minuto

Como a Santa Sé informou, os restos mortais do Papa Emérito Bento XVI descansarão no Mosteiro Mater Ecclesiae até às primeiras horas de segunda-feira, 2 de Janeiro. Não estão previstas visitas oficiais ou orações públicas para estes dois primeiros dias.

O corpo de Joseph Ratzinger estará em exposição para os fiéis na Basílica de São Pedro, que estará aberta na segunda-feira das 9h às 19h, terça-feira e quarta-feira das 7h às 19h, das 9h às 19h.

Missa fúnebre presidida pelo Papa Francisco

O funeral presidido pelo Santo Padre terá lugar na Praça de São Pedro na quinta-feira 5 de Janeiro às 9.30 da manhã.

A 5 de Janeiro de 2023, às 9.30 da manhã, no átrio da Basílica de São Pedro, o Santo Padre Francisco presidirá à Missa fúnebre do falecido Sumo Pontífice Emérito Bento XVI. No final da celebração eucarística, terá lugar o Ultima Commendatio e o Valedictio.

Não é necessário bilhete para participar. As delegações oficiais presentes serão as da Alemanha e de Itália.

O caixão do Papa Emérito será levado à Basílica de São Pedro e depois à Gruta do Vaticano para ser enterrado.

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A juventude de Bento XVI

Sou um daqueles jovens que hoje vêem como o seu Papa, Bento XVI, deixou o mundo em silêncio. Com a mesma humildade com que, há dez anos atrás, deu lugar ao seu sucessor para liderar a Igreja de Cristo.

31 de Dezembro de 2022-Tempo de leitura: < 1 minuto

Sim, eu sou um dos jovens do Papa que hoje foi para o céu.

Sim, sou um daqueles jovens que cantaram o nome de Bento XVI nas ruas de Madrid e no aeródromo de Cuatro Vientos há mais de dez verões.

Daquela juventude pela qual um homem de 83 anos suportou mais de 40 graus ao sol e um vendaval de ar e chuva durante a noite, agarrado à Cruz.

Dos jovens a quem o Papa ensinou que - tal como naquela noite em que resistimos à chuva - com Cristo também podíamos ultrapassar todos os obstáculos da vida.

Sou um daqueles jovens em quem aquele Papa, com a sua frágil constituição, depositou a sua confiança, aqueles jovens a quem inequivocamente pediu para serem sempre alegres, e para darem testemunho em todas as circunstâncias.

Sou um daqueles jovens que hoje vêem o seu Papa a deixar o mundo em silêncio. Com a mesma humildade com que, há dez anos atrás, deu lugar ao seu sucessor para liderar a Igreja de Cristo.

Sim, sou um daqueles jovens que deveria agradecer a Bento XVI por tudo o que ele lhes ensinou, não só através das suas palavras, mas também através do seu exemplo de dedicação mesmo em dificuldades.

Hoje é um dia para agradecer a Deus por Joseph Ratzinger, porque um dia ele o escolheu e colocou-o ao nosso serviço.

Hoje é um dia para rezar por ele, para rezar a ele e para rezar pela Igreja de Cristo. Hoje, como então, continuamos a ser a juventude do Papa. Daquele que foi e daquele que virá.

Pois hoje, como então, proclamamos que este é o nosso Papa, que esta é a nossa Igreja, que estamos, se não na idade, então no coração, na sua alegria e na sua coroa.

O autorMaria José Atienza

Diretora da Omnes. Licenciada em Comunicação, com mais de 15 anos de experiência em comunicação eclesial. Colaborou em meios como o COPE e a RNE.

Vaticano

Bento XVI morre aos 95 anos de idade

Relatórios de Roma-31 de Dezembro de 2022-Tempo de leitura: < 1 minuto
relatórios de roma88

O Papa Emérito morreu às 9.34 da manhã do último dia do ano de 2022. Desde a sua demissão, Bento XVI vivia no mosteiro Mater Ecclesiae em território do Vaticano, onde faleceu.


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Mundo

O mundo despede-se de Bento XVI

Figuras civis e religiosas de todo o mundo expressaram as suas condolências pela morte do Papa Bento XVI.

Maria José Atienza-31 de Dezembro de 2022-Tempo de leitura: 4 acta

A morte do Papa Emérito marcou os últimos meses de 2022. Um ano já difícil para o antigo Sumo Pontífice da Igreja Católica durante quase oito anos.

Personalidades religiosas e civis de todo o mundo têm demonstrado o seu respeito e admiração por Joseph Ratzinger e têm destacado a sua humanidade e o seu legado teológico, especialmente o seu foco na caridade.

Monsenhor Georg Bätzing. Presidente da Conferência Episcopal Alemã

O primeiro comunicado do presidente dos bispos alemães, a pátria de Bento XVI, afirma "como Igreja na Alemanha, pensamos com gratidão do Papa Bento XVI: ele nasceu no nosso país, aqui foi a sua casa, aqui ajudou a moldar a vida da Igreja como professor de teologia e bispo". Como Igreja na Alemanha, pensamos com gratidão do Papa Bento XVI: ele nasceu no nosso país, aqui foi a sua casa, aqui ajudou a moldar a vida da Igreja como professor de teologia e bispo". de Bento XVI ele sublinha a sua "personalidade que deu esperança e direcção à Igreja, mesmo em tempos difíceis. O Papa Bento XVI fez ouvir, oportuna ou inoportunamente, a voz do Evangelho". O Arcebispo Bätzing salientou que "o seu pensamento teológico, a sua capacidade de julgamento político e a sua interacção pessoal com muitas pessoas distinguiram o Papa Bento XVI. Penso com grande respeito pela sua corajosa decisão de se demitir do cargo de papa em 2013.

Mons. Juan José Omella. Presidente da Conferência Episcopal Espanhola

O presidente dos bispos espanhóis, num vídeo divulgado pela CEE sobre a morte do Papa Emérito, agradeceu "o seu profundo ministério como Papa, os seus escritos teológicos e o seu profundo amor pela Igreja". Omella pediu "que reze ao Pai para que não nos afastemos do caminho que conduz a Deus feito homem". Também quis sublinhar que "a sua proximidade à Igreja em peregrinação em Espanha permanecerá para sempre" e recordou as "três ocasiões em que visitou Espanha, bem como a proclamação do doutoramento de São João de Ávila".

Líderes mundiais

Os principais líderes políticos europeus juntaram-se às condolências pela morte do Papa Emérito Bento XVI, recordando a importância histórica da sua figura e do seu legado teológico.

Da Alemanha, o Chanceler Olaf Scholz descreveu Bento XVI como "um teólogo e um líder especial para a Igreja, capaz de transcender fronteiras, que pôs a sua vida ao serviço da Igreja universal e que falou, e continuará a falar, ao coração e à mente dos homens com a profundidade espiritual, cultural e intelectual do seu Magistério".

A primeira-ministra italiana Giorgia Meloni, por seu lado, descreveu o Papa Emérito como "um grande homem da história que a história não esquecerá", enquanto Emmanuel Macron destacou a obra de Bento XVI "com alma e inteligência para um mundo mais fraterno".

Também da Polónia, Mateusz Morawiecki descreveu Bento XVI como um dos maiores teólogos do nosso tempo e apelou tanto aos crentes como aos não crentes para que continuassem o seu "grande legado".

A Presidente da Comissão Europeia, a alemã Ursula Von der Leyen, concentrou a sua memória no "sinal" que Bento XVI enviou com a sua demissão, que mostrava como o Papa Emérito "se via primeiro como um servo de Deus e da Igreja".

O primeiro-ministro britânico Rishi Sunak também se associou às condolências, recordando a "visita histórica que fez ao Reino Unido em 2010, tanto para católicos como para não-católicos".

Ángel Fernández Artime. Reitor-Mor dos Salesianos

O superior da família salesiana emitiu uma declaração na qual sublinha que "um grande Papa, um grande crente, um grande teólogo e pensador, um homem capaz de construir pontes de comunicação com os mais diversos filósofos, teólogos e intelectuais, foi ao encontro do seu Senhor". Um Papa que foi respeitado e que será ainda mais valorizado nos anos e décadas vindouras; um homem e um Papa que soube viver com simplicidade e silêncio. Que o Deus da vida o guarde com ele. Como filhos de Dom Bosco, e como ele ensinou todos os seus Salesianos, hoje também dizemos: Viva o Papa!

Pontifícia Sociedade de Missões

As Sociedades Missionárias Pontifícias também expressaram o seu pesar pela morte do Papa Emérito de quem salientam que nos "seus oito anos de pontificado, o Santo Padre Bento XVI infectou-nos com o seu amor a Deus, não só através do seu magistério e da sua brilhante exposição de doutrina, mas sobretudo através do testemunho da sua vida". Como pastor da Igreja universal, o Papa desejava espalhar a fé e o amor de Deus por todo o mundo. As Sociedades Missionárias Pontifícias foram um instrumento privilegiado para tal, como ele próprio expressou nas suas Mensagens para o Dia Mundial das Missões, o Domundo.

Cáritas Espanhola

A delegação espanhola da Cáritas expressou o seu pesar pela notícia da morte de Bento XVI, e quis sublinhar o seu "magistério especialmente significativo para a Cáritas espanhola através das suas encíclicas "Deus caritas est" e "Caritas in veritate".

Observam também que "após uma longa vida de admirável serviço à Palavra e à Verdade, Bento XVI deixa-nos o legado de um dos grandes Papas na história da Igreja como apóstolo da caridade e da esperança".

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Bento XVI: o grande discernimento sobre o Conselho

O pontificado de Bento XVI deixa como marca a profundidade invulgar de uma fé cristã que evangeliza ao procurar o diálogo com o mundo moderno.

Juan Luis Lorda-31 de Dezembro de 2022-Tempo de leitura: 5 acta

Oito anos são poucos em comparação com os quase vinte e sete anos do pontificado anterior. São João Paulo II foi o Papa - e talvez o ser humano mais visível e mais mediático da história. Também teve uma grande experiência no palco, uma longa experiência como bispo e uma sensibilidade especial em lidar com os meios de comunicação social. Bento XVI, por outro lado, aos 78 anos de idade, teve de aprender a cumprimentar as multidões.

Iras do Islamismo

Desde que o famoso Discurso de Regensburg tornou-se claro que o novo papa não era "amigo dos media". Enquanto um discurso de alta qualidade intelectual, uma citação marginal sobre a intolerância religiosa focou a atenção porque despertou a ira do islamismo.

Mas também produziu a inesperada e invulgar oferta de diálogo de um importante grupo de intelectuais muçulmanos. A anedota reflecte algumas das características do Pontificado. Uma certa solidão administrativa, porque qualquer comunicador astuto que tivesse lido o discurso poderia tê-lo avisado do que estava prestes a acontecer. Uma certa discordância com os usos e critérios dos meios de comunicação, que precisam de perfis simples, frases para manchetes e gestos para fotografias. Mas também uma profundidade invulgar que coloca a fé cristã em diálogo com as ciências, com a política, com as religiões. E esta profundidade de uma fé que evangeliza procurando o diálogo será provavelmente a marca deixada pelo pontificado de Bento XVI.

Chegou ao Pontificado com a sabedoria de tantos anos de reflexão teológica, com uma enorme experiência da situação da Igreja, com algumas questões que lhe pareciam mal resolvidas e com plena consciência das limitações que lhe eram impostas pela sua idade. Em pouco tempo, sem adoptar qualquer postura, instalou-se no seu exaustivo ministério e a sua personalidade tornou-se clara: serena, simples e amigável. Ao mesmo tempo, nunca perdeu uma certa seriedade académica quando proferiu os seus discursos, porque estava convencido do que estava a dizer.

Principais discursos

Às suas três importantes encíclicas, onde antigas preocupações podem ser facilmente descobertas, devemos acrescentar o seu magistério comum, com alguns discursos muito importantes nas suas viagens (Regensburg, a ONU, Westminster), e sobretudo com muitas intervenções "menores", que têm o seu selo: especialmente as audiências e o breve Angelus. Nas audiências, ele traçou a história da teologia e do pensamento cristão a partir das primeiras figuras do Evangelho. E ultimamente, ele tem-nos oferecido considerações preciosas sobre a fé.

A sua mente expressou-se com particular vitalidade em contextos menores e mais informais, talvez porque lhe permitiram mais liberdade. Paradoxalmente, um dos textos mais importantes do Pontificado é o seu primeiro discurso na Cúria (22 de Dezembro de 2005). Foi uma reunião simples para enviar saudações de Natal. Mas aí fez um diagnóstico profundo do significado do Concílio Vaticano II, e da sua verdadeira interpretação como uma reforma e não como uma ruptura na tradição da Igreja. E acrescentou um discernimento preciso da liberdade religiosa, o grande tema da cultura política da modernidade. Respondeu assim aos Lefevbrianos, para quem o Concílio é herético precisamente porque mudou a posição da Igreja sobre este ponto. 

Curiosamente, na sua adeus ao clero em Roma, 14 de Fevereiroregressou ao significado do Conselho. Mais uma vez fez uma avaliação clara das suas realizações, da sua actualidade, e também dos desvios pós-conciliares e das suas causas.

Não sabemos até que ponto vai querer viver na reforma, mas seria maravilhoso se a sua sabedoria eclesial e teológica pudesse ser recolhida em novas obras.

Três questões principais

No seu famoso discurso de Natal de 2005, Bento XVI disse que o Conselho queria restabelecer o diálogo com o mundo moderno e que tinha estabelecido três círculos de perguntas. Não é preciso muito discernimento para ver que também houve três grandes questões para Bento XVI como teólogo, como Prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé e como Papa. São a relação de fé com as ciências humanas (incluindo a exegese bíblica); a situação da Igreja num contexto democrático, especialmente nos antigos países cristãos; e o diálogo com outras religiões.

É neste contexto que devemos colocar os seus três livros sobre Jesus de Nazaré, um projecto de longa data, acarinhado durante anos, planeado como uma ocupação para a sua desejada reforma, e escrito no tempo livre de um esgotante calendário. Durante muitos anos antes, tinha estado preocupado com uma interpretação da Escritura que, no seu esforço para ser científica, parecia esquecer a fé. Nos três livros ele tenta fazer uma leitura crente, que, ao mesmo tempo, respeita as exigências científicas da exegese. Os prólogos são particularmente interessantes.

Testes e desafios

Quando chegou ao Pontificado, estava consciente das questões muito difíceis que tinha enfrentado como Prefeito. Em particular o escândalo de alguns padres e algumas instituições religiosas. Ordenou imediatamente medidas disciplinares e revitalizou os processos canónicos, bastante esquecidos por uma certa "boa vontade" pós-conciliar. Ele não se importou de admitir que era isto que mais o tinha feito sofrer.

Por outras razões, a cisma de Lefevbre tem sido um assunto desconfortável. Mas Bento XVI não queria que a cisão se solidificasse. Fez o seu melhor para aproximar os tradicionalistas, superando qualquer tipo de explosões de interlocutores tensos e difíceis, e críticas ferozes de outros que precisavam de se sentir progressistas. Avançou sem poder chegar a uma conclusão.

Em parte em resposta às críticas de alguns, mas sobretudo por razões de critérios litúrgicos, Bento XVI pôs fim à dialéctica pós-conciliar entre a "velha" e a "nova" liturgia. Não vale a pena opor-se-lhes, porque a mesma Igreja e com a mesma autoridade fez uma e a outra. Desconsiderando os rótulos, Bento XVI quis deixar claro que a Igreja reformou legitimamente a sua liturgia, mas que o rito anterior nunca foi oficialmente abolido; por esta razão, estipulou que pode ser celebrado como uma forma extraordinária. 

Bento XVI adora a liturgia. Ele declara isto na sua biografia. Por seu desejo expresso, o volume dedicado à liturgia foi o primeiro dos seus trabalhos completos a ser publicado. Além da sua piedade pessoal na celebração, vimos o seu interesse pelo estilo e beleza das vestes e objectos litúrgicos, a sua atenção ao canto e à música sagrada, e a sua recomendação de preservar o latim nas partes comuns da liturgia, especialmente nas celebrações de missa. Além disso, promoveu o estudo de algumas questões particulares (o "pro omnes-pro multis",  o lugar do gesto de paz, etc.).

Questões curiosas

Bento XVI é um homem de pensamento e não um homem de gestão. Como Prefeito tinha vivido concentrado o seu trabalho e em relativo isolamento. É por isso que, desde o início, confiou nas pessoas que constituíam o seu círculo de confiança na Congregação. Em particular, o seu Secretário de Estado, Cardeal Bertone.

É notório o quanto o Papa ficou descontente com os "movimentos" curiais, as dificuldades em pôr ordem em questões económicas ou o surpreendente caso do comissário de bordo e a fuga de documentos. É difícil avaliar, sem mais informação, o quanto tudo isto pode ter influenciado a sua decisão de se retirar. Contudo, pelas razões que ele próprio deu, é evidente que sente que precisa de alguém com mais energia do que aquela que lhe resta para enfrentar os actuais desafios da governação da Igreja; e que considera que isto não deve esperar.  

Ao olharmos com os olhos da fé para os problemas que a Igreja sempre enfrentou, podemos ver o quanto temos de agradecer ao Senhor pela extraordinária lista de Papas que dirigiram o barque de Pedro nos últimos dois séculos. Todos têm sido homens de fé e cada um tem dado o seu melhor. É uma lista quase tão boa como a dos Papas dos primeiros séculos, a maioria dos quais eram mártires. E muito melhor do que noutros séculos difíceis, tais como o décimo ou o décimo quinto, quando mesmo pessoas indignas chegaram ao Pontificado. Os tempos difíceis purificam a fé, enquanto os tempos fáceis a gentrificam.

A Bento XVI devemos muitas coisas, mas especialmente o seu testemunho de fé, e um grande discernimento do Concílio e do diálogo evangelizador que a Igreja tem de levar a cabo com o mundo moderno.

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Bento XVI. Cooperador da verdade

A verdade de Deus Criador e Redentor, da qual o Santo Padre Bento XVI foi um buscador incessante, ilumina o crepúsculo dos últimos anos da sua vida passados em oração, silêncio e humildade exemplar.

31 de Dezembro de 2022-Tempo de leitura: 4 acta

O Papa Emérito Bento XVI morreu. Se algo tem caracterizado a sua longa vida, desde a sua infância e adolescência como seminarista no seminário menor da Arquidiocese de Munique, localizado em Traunstein, nos contrafortes dos Alpes da Baviera, até aos seus últimos anos como Papa Emérito, é sem dúvida a sua vocação de querer ser um "Cooperador da Verdade": da Verdade de Deus, revelada em Cristo para a Salvação da humanidade. 

Foi um cooperador da Verdade, procurando-a com a paixão do seu coração e a lucidez intelectual de uma mente inquieta nos seus estudos teológicos no Seminário Maior de Freissen, que encontrou a sua confirmação na sua tese de doutoramento e na sua qualificação como docente universitário.

A Teologia de Santo Agostinho proporciona-lhe o horizonte teológico para compreender e explicar o ser da Igreja como "Povo e Casa de Deus", e a partir do de São Boaventura, do seu "Itinerário da mente a Deus", recebe a inspiração intelectual para compreender a Verdade do Deus vivo que se revela numa história de Salvação, culminando em Cristo, o Filho de Deus, encarnado no ventre de uma Virgem, Maria, crucificado, morto e ressuscitado.

As suas duas décadas como professor de Teologia em Bonn e Münster, Tübingen e Regensburg, nas quais combinou ensino e pesquisa, palestras e publicações com uma extraordinária fecundidade pedagógica, revelam uma compreensão da busca da verdade revelada em Deus, na qual o diálogo Fé/ Razão se desdobra com uma rigorosa disciplina lógica e, ao mesmo tempo, com uma extraordinária sensibilidade espiritual para as questões dos seus leitores e ouvintes. Quanto o seu fascinante tratado sobre "Introdução ao Cristianismo" ajudou as gerações de jovens estudantes universitários daquele momento histórico dramático a encontrar o caminho para a verdade com uma letra maiúscula: encontrar o Deus vivo além, mas não contra, o Deus dos filósofos! 

As fases seguintes da sua biografia como Arcebispo - apenas cinco anos - e como Prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé - quase vinte e cinco - centraram-se num serviço à fé da Igreja como colaborador próximo e íntimo do Papa São João Paulo II no cumprimento do seu primeiro dever como sucessor de Pedro, que é nada mais nada menos que "confirmar os seus irmãos na fé". O seu método de trabalho seguiu o princípio "Anselmian" de "Fides quaerens intellectum" - "Intellectus quaerens Fidem" ("fé em busca de inteligência" e "inteligência em busca de fé"). Um princípio posto em prática com o cuidado requintado de um diálogo sempre atento e sempre simpático a teses opostas. Todo o debate dos anos oitenta do século passado em torno da Teologia da Libertação é uma ampla evidência disso.

Finalmente, o seu magistério nos oito anos do seu pontificado concentra-se na Verdade de Deus que é Amor (a sua encíclica "Deus Caritas est") e no último fundamento da Esperança que não desilude (a sua encíclica "Spes Salvi"). A última encíclica, "Caritas In Veritate" ("Amor na Verdade", CV), publicada a 29 de Junho de 2009, no meio da crise financeira global com o seu epicentro na Bolsa de Nova Iorque - e que em breve conduziu a uma grave crise social, política e cultural - visa mostrar como a fé no Deus vivo e verdadeiro, revelado em Cristo, abre o caminho para o verdadeiro progresso humano - progresso integral - ou, por outras palavras, abre o caminho para a realização de um verdadeiro e autêntico humanismo. A chamada "viragem antropológica" do pensamento moderno e pós-moderno, que ele conhecia bem, não só é esvaziada de significado, mas, pelo contrário, o seu significado para o bem transcendente da pessoa humana e da sociedade é autenticado e consolidado. 

Não é surpreendente, portanto, que uma das conclusões práticas da encíclica seja que "não há pleno desenvolvimento e nenhum bem comum universal sem o bem espiritual e moral das pessoas, considerado na sua totalidade de alma e corpo" (CV 76), e, ao mesmo tempo, que "o desenvolvimento necessita de cristãos com braços erguidos a Deus em oração, cristãos conscientes de que o amor cheio de verdade, 'caritas in veritate', do qual procede o autêntico desenvolvimento, não é o resultado dos nossos esforços, mas um dom" (CV 79). 

Na sua homilia na Praça Obradoiro, Santiago de Compostela, a 6 de Novembro de 2010 (na sua segunda viagem pastoral a Espanha), disse: "Só Ele - Deus - é amor absoluto, fiel, indeclinável, um objectivo infinito que pode ser visto por detrás de todos os bens, verdades e belezas admiráveis deste mundo: admirável mas insuficiente para o coração do homem. Santa Teresa de Jesus compreendeu isto bem quando escreveu: 'Só Deus é suficiente'".

No final do Dia Mundial da Juventude em Madrid, 21 de Agosto de 2011, quando se despediu de Espanha, disse-nos: "Espanha é uma grande nação que, em coexistência aberta, plural e respeitosa, sabe como e pode progredir sem renunciar à sua alma profundamente cristã e católica", e que "os jovens respondem com diligência quando são sincera e verdadeiramente propostos o encontro com Jesus Cristo, o único Redentor da humanidade".

A verdade de Deus Criador e Redentor do homem, a VERDADE que é Ele e só Ele, da qual o Santo Padre Bento XVI tem sido um incessante buscador, cooperador, testemunha e mestre ao longo de toda uma vida dedicada a Cristo, ilumina o crepúsculo dos últimos anos da sua vida passada em oração, silêncio e humildade exemplar. No prefácio do primeiro volume da sua monografia "Jesus de Nazaré", publicada em 2007, confessa: "Não preciso certamente de dizer expressamente que este livro não é de modo algum um acto magisterial mas apenas uma expressão da minha busca pessoal do rosto do Senhor". Um rosto que ele já encontrou na contemplação eterna da sua Beleza infinita. Por isso rezamos, unidos na oração de toda a Igreja por aquele que sempre se considerou "o seu humilde trabalhador na vinha do Senhor".

O autorAntonio M. Rouco Varela

Cardeal Arcebispo Emérito de Madrid. Presidente da Conferência Episcopal Espanhola de 1999 a 2005 e de 2008 a 2014.

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Vaticano

Morre Bento XVI

O Papa Emérito morreu às 9.34 desta manhã no mosteiro Mater Ecclesiae no Vaticano, após uma vida de serviço incansável à Igreja. Tinha 95 anos de idade. Professor eminente e teólogo eminente, surpreendeu o mundo com a sua demissão do papado em Fevereiro de 2013.

Maria José Atienza-31 de Dezembro de 2022-Tempo de leitura: 2 acta

Bento XVI morreu hoje às 9.34 da manhã no Mosteiro Mater Ecclesiae do Vaticano, com a idade de 95 anos. O Papa Emérito, que residia no Mosteiro Mater Ecclesiae desde a sua demissão, tinha sofrido um agravamento da sua saúde nos últimos dias. O Papa Francisco, de facto, pediu orações pela saúde do seu predecessor durante a audiência semanal na quarta-feira 28 de Dezembro.

Nascido em Marktl am Inn, Diocese de Passau (Alemanha), Josep Ratzinger nasceu a 16 de Abril de 1927 (Sábado Santo) e foi baptizado no mesmo dia. A cruz permaneceria presente na vida do jovem, padre, bispo e cardeal ao longo da sua vida.

Dotado de inteligência excepcional e de uma humanidade que era palpável para aqueles que o conheciam, no extensa biografia que pode ser encontrada em OmnesA humildade de um brilhante professor e eminente teólogo, cujo Ópera Omnia oferece um pensamento esclarecido e uma análise da Igreja e da humanidade de hoje.

O Magistério papal de Bento XVI é condensado, em particular, nas suas três encíclicas Caritas in veritateSpe Salvi y Deus caritas est. O seu prolífico legado teológico, no entanto, estende-se desde o seu fase inicial como professor e padre, o tempo à frente da Congregação para a Doutrina da Fébem como os seus como Sumo Pontífice da Igreja Católica. Um trabalho muito extenso e profundo de grande profundidade doutrinal e moral sem o qual a Igreja de hoje não pode ser compreendida.

A criação da Fundação Joseph Ratzinger do Vaticano foi um impulso para o trabalho e o ensino do Papa. Em particular, esta fundação promoveu a publicação da obra completa de Joseph Ratzinger, Opera Omnia. Embora actualmente só esteja disponível na sua totalidade em italiano, estes volumes contêm as principais características do pensamento teológico de Joseph Ratzinger.

Nos últimos anos, Bento XVI teve de sofrer uma nova onda de contradições com a acusação contra ele de não ter agido com força suficiente num caso de abuso durante o seu tempo como chefe da diocese de Munique. Uma acusação sem provas concretas que levou o teólogo suíço Martin Rhonheimer para denunciar uma tentativa de destruir a reputação do teólogo Joseph Ratzinger no final da sua vida.

A frágil saúde do Papa Emérito deteriorou-se nos últimos dias de Dezembro de 2022, embora ele estivesse "lúcido e estável", apesar da gravidade do seu estado. Esta manhã, num comunicado muito breve, a Santa Sé anunciou a morte do Papa Emérito às 9.34 da manhã no Mosteiro Mater Ecclesiae do Vaticano.

Como relatado por Matteo Bruni, director do Gabinete de Imprensa da Santa Sé, o Papa Francisco presidirá ao funeral para o descanso eterno do seu predecessor a 5 de Janeiro às 9.30 da manhã na Basílica de São Pedro, no Vaticano. Bruni também informou que Bento XVI recebeu a Unção dos Enfermos na quarta-feira passada no final da Missa no Mosteiro e na presença dos Memores Domini, que o têm assistido diariamente durante anos. Antes da sua morte, o Papa Emérito pediu que tudo fosse marcado pela simplicidade, uma qualidade com a qual ele viveu.

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Notícias

O Magistério de Bento XVI

Bento XVI, o Papa da Palavra, para além dos seus discursos sempre inspiradores, deixou-nos três magníficas encíclicas e quatro exortações apostólicas. Amor, verdade, esperança, a Palavra de Deus e liturgia foram os temas principais dos seus escritos.

Pablo Blanco Sarto-31 de Dezembro de 2022-Tempo de leitura: 5 acta

Bento XVI não tem sido apenas "o papa da razão", mas também o papa do amor e da esperança, a julgar pelos títulos das suas encíclicas. Tem sido também "o papa da palavra", em termos dos discursos e homilias inspiradoras que proferiu durante um breve mas intenso pontificado.

Nestas linhas centrar-nos-emos principalmente nas encíclicas e exortações apostólicas, a fim de apresentar uma visão unificada do programa do seu pontificado.

Amor, verdade e esperança

Estes são os três pilares centrais do seu magistério. Bento XVI iniciou a sua primeira encíclica intitulada Deus caritas est, datado do dia de Natal de 2005. Antes de mais nada, o amor. Aí ele apresentou uma "revolução do amor" que ainda não foi completamente bem sucedida no nosso pequeno mundo. Ainda há fome, pobreza, injustiça e mortes inocentes. Para que esta "revolução do amor" se realize de uma vez por todas, lembrou-nos, não devemos esquecer duas palavras: Deus e Cristo.

Jesus Cristo é "o amor de Deus encarnado", que se concretiza não só na caridade para com os outros, mas sobretudo na cruz e na Eucaristia. Esta é a fonte de todo o nosso amor por Deus e pelo próximo: todo o verdadeiro amor e caridade vêm de Deus. O eros pode ser transformado em agape cristã, após um processo de purificação. Isto é algo que a Igreja não podia esquecer e que teve de recordar a este mundo algo cruel. O amor pode mudar o mundo, repetiu Bento XVI com uma certeza que nos deve fazer pensar.

Depois veio uma nova encíclica, desta vez sobre a esperança. Apareceu a 30 de Novembro, a festa de Santo André, o apóstolo a quem os orientais têm uma devoção especial, e na véspera da época do Advento, a época da esperança. Bento XVI publicou esta segunda encíclica sobre a segunda virtude teológica, a seguir à da caridade. Aquele que, como prefeito, tinha sido o "guardião da fé" era agora também o papa do amor e da esperança.

O título foi retirado de S. Paulo: spe salvisalvo pela esperança" (Rm 8,24). Na nova encíclica, havia um tom ecuménico marcado, especialmente quando se referia à doutrina do purgatório, na qual fazia menção explícita à teologia ortodoxa, e a apresentava com uma abordagem personalista e cristocêntrica fácil de compreender (cf. n. 48).

O Purgatório é um encontro com Cristo que nos abraça e nos purifica. Ao mesmo tempo, o papa alemão propôs um diálogo crítico com uma modernidade que procura a esperança.

Ao contrário da encíclica sobre a esperança, que foi escrita pessoalmente pelo Papa da primeira à última linha, na encíclica sobre a esperança, a Caritas in veritate muitas mentes e mãos tinham estado a trabalhar. Bento XVI tinha deixado a sua marca nela, já visível nas palavras do título que indissoluvelmente combinam caridade e verdade, uma proposta decididamente Ratzingeriana. "Injectar o mundo com mais verdade e amor", resumiu uma manchete de jornal. "Só com caridade - iluminada pela fé e pela razão - é possível alcançar objectivos de desenvolvimento dotados de valor humano", disse o papa alemão.

Foi a primeira encíclica social do seu pontificado, publicada dezoito anos após a última encíclica social de João Paulo II, Centesimus annusde 1991. Jornais, estações de rádio e televisão de todo o mundo estavam ansiosos por ouvir o que o Papa tinha a dizer sobre a situação económica actual. Caritas in veritateNo entanto, ele foi além da crise. "As dificuldades actuais passarão dentro de alguns anos, mas a mensagem da encíclica permanecerá", assegurou Monsenhor Martino.

Pão e Palavra

Sacramentum caritatis, Sacramento do amor: este foi o título da carta apostólica do papa alemão sobre a Eucaristia, que foi o resultado do Sínodo dos Bispos realizado em Roma em Outubro de 2005. Foi uma reunião convocada por João Paulo II para toda a Igreja reflectir sobre o que é "o seu centro e cume". Jesus está lá", recordou, "a Eucaristia é o próprio Cristo e por isso a Eucaristia "faz a Igreja", tinha escrito São João Paulo II.

Agora, como um fruto maduro, esta exortação apostólica saiu em continuidade com a primeira e, até então, a última encíclica de Bento XVI, significativamente intitulada Deus é amor. Ele tinha falado da Eucaristia como a manifestação última de amor por parte de Jesus e como o centro de toda a Igreja. As propostas do sínodo já tinham sido publicadas em internetA nova carta apostólica, a pedido do próprio Papa Ratzinger, não foi por isso uma grande surpresa. É uma questão de aplicar o que o Vaticano II já disse, insistiu a nova carta apostólica.

A 30 de Setembro de 2010, festa de São Jerónimo, foi publicado um novo documento intitulado Verbum Domini, a palavra do Senhor. O tema era logicamente a Escritura e era um fruto maduro do sínodo que tinha tido lugar dois anos antes sobre o mesmo assunto, e com clareza, tal como os participantes no sínodo, salientou em primeiro lugar que "a fé cristã não é uma 'religião do Livro': o cristianismo é a 'religião da palavra de Deus', não de uma palavra escrita e muda, mas da Palavra encarnada e viva" (n. 7).

O Cristianismo não é a religião de um Livro (como o Judaísmo ou o Islão podem ser), mas de uma Pessoa: a de Jesus Cristo, verdadeiro Deus e verdadeiro homem. No entanto, esta Pessoa - Jesus Cristo - tinha falado longamente e pregado parábolas sublimes. A Palavra de Deus é um acesso directo ao Filho de Deus, que é o cume de toda a revelação, a Palavra feita carne.

Nova evangelização

Depois de lançar as bases sobre o amor, a verdade e a esperança, assim como os lugares onde Jesus Cristo se encontra - o Pão e a Palavra - Bento XVI lançou na "nova evangelização" já proposta por João Paulo II.

A exortação apostólica pós-sinodal Africae munus (2011) reuniu os frutos do trabalho da Segunda Assembleia Especial para África do Sínodo dos Bispos. "África, terra de um novo Pentecostes, tem confiança em Deus [...] África, Boa Nova para a Igreja, fá-lo para todo o mundo", disse ali o Papa. O documento de 138 páginas contém uma grande variedade de tópicos, mas pode ser resumido num único ponto: permanecer no nível espiritual, de modo a não se tornar um partido católico. Segundo Bento XVI, o papel em favor da reconciliação, justiça e paz pode ser mantido se a Igreja permanecer fiel à sua missão espiritual de reconciliação da humanidade com Deus e uns com os outros através de Cristo.

Em Porta fidei (2011) o papa alemão anunciou o Ano da Fé, em perfeita continuidade com a nova evangelização, no contexto do Concílio Vaticano II, cinquenta anos após o seu início. Neste sentido, o cristão de hoje tem à sua disposição dois instrumentos privilegiados para poder concretizar e realizar esta nova evangelização: o Conselho, que tem agora cinquenta anos; e os seus Catecismopromulgado por João Paulo II. "A fim de ter acesso a um conhecimento sistemático do conteúdo da fé, todos podem encontrar no Catecismo da Igreja Católica um subsídio precioso e indispensável. É um dos frutos mais importantes do Concílio Vaticano II" (n. 11), acrescentou agora o seu sucessor. O Ano da Fé foi o ano do Conselho e do seu catecismo.

A fé é um "grande sim" que contém e implica, por sua vez, toda a existência humana. Fé e vida, crença e experiência estão mutuamente entrelaçadas no acto de fé. A evangelização consiste assim, em primeiro lugar, em mostrar a beleza e a racionalidade da fé, em levar a luz de Deus ao povo do nosso tempo com convicção e alegria. O tempo dar-nos-á este primeiro texto do Papa Francisco, Lumen fidei (2013), uma encíclica "escrita a quatro mãos" e o culminar do Ano da Fé. Fé, esperança e caridade foram o legado do pontificado de Bento XVI, que continha no seu núcleo o próprio Jesus Cristo presente no Pão e na Palavra. Com isto estávamos perfeitamente equipados para a nova evangelização deste mundo agora em crise.

Vaticano

Os momentos-chave do pontificado de Bento XVI

O destino daquele que devia dirigir a Igreja sob o nome de Bento XVI tinha-se tornado claro no dia do funeral do seu predecessor quando proferiu aquela comovente homilia que começou com a palavra "Segue-me".

Giovanni Tridente-31 de Dezembro de 2022-Tempo de leitura: 9 acta

Na humildade e na verdade, no silêncio e na oração. Foi assim que Bento XVI, Papa Emérito, viveu, e foi assim que ele partiu. Eleito ao trono papal a 19 de Março de 2005, imediatamente após o "grande Papa João Paulo II", nas suas primeiras palavras à multidão da loggia central da Basílica de São Pedro, descreveu-se a si próprio como "um simples e humilde trabalhador na vinha do Senhor". E como tal ele apareceu, com as mangas da sua camisa preta a sair da sua batina papal, o sinal de um
escolha que pode não ter sido esperada.

Tímido, mas muito culto, simples de maneira mas complexo em pensamento e nunca banal. Um trabalhador incansável. Demonstrou-o nos inúmeros anos que passou na Cúria Romana como colaborador insubstituível do seu predecessor, num dos mais importantes e sólidos dicastérios, a então Congregação para a Doutrina da Fé.

Também no dia da sua eleição, definiu-se como um "instrumento insuficiente", confortado pelo facto de que o Senhor saberia usá-lo da melhor maneira possível, sem lhe faltar "a sua ajuda permanente", com a cumplicidade da sua Bem-Aventurada Mãe Maria. Ele pediu orações.

Durante quase oito anos, até à sua demissão, que entrou em vigor a 28 de Fevereiro de 2013, não desistiu perante nenhum obstáculo, colocou (e voltou a colocar) a mão no arado e começou a apoiar os elementos fundamentais do edifício da Igreja, que tinha acabado de aterrar com toda a humanidade num novo milénio cheio de mudanças e "choques", recentemente órfão de um imponente guia espiritual, que o tinha acompanhado pela mão durante mais de 27 anos.

O seu destino tinha-se tornado claro no dia do funeral de São João Paulo II, quando proferiu aquela comovente homilia que começou com a própria palavra "Segue-me". Alguns dias antes - na Via Sacra no Coliseu, meditando na nona estação, a terceira queda de Jesus - tinha então "tomado sobre si" para denunciar "imundície na Igreja", mas também arrogância e auto-suficiência.

O seu sonho era regressar à sua pátria, dedicar-se à leitura e desfrutar da sua paixão pelos gatos e do seu amor pela música clássica. Em vez disso, teve de enfrentar todos os problemas que aprendera a conhecer tão bem, e também suportar o peso da crítica e do mal-entendido, mas teve de enfrentar todos os problemas que aprendera a conhecer tão bem, e também suportar a cruz da crítica e do mal-entendido.
preparando o caminho para um processo de reforma que o seu sucessor - o Papa Francisco - tem conseguido prosseguir com facilidade. Fê-lo com humildade e verdade.

Uma tarefa sem precedentes para além da capacidade humana

"Uma tarefa sem precedentes, que ultrapassa verdadeiramente toda a capacidade humana". No domingo 24 de Abril de 2005, Bento XVI iniciou o seu ministério petrino como Bispo de Roma, numa Praça de São Pedro repleta de mais de 400.000 pessoas presentes. E ao estabelecer a gravidade e o peso do mandato que sentia que tinha de assumir, disse que, no final, o seu programa de governo não seria "seguir as minhas próprias ideias, mas ouvir, com toda a Igreja, a palavra e a vontade do Senhor e permitir-me ser guiado
para Ele, de modo que é Ele mesmo que guia a Igreja nesta hora da nossa história". A vontade de Deus que "não nos afasta, mas purifica-nos - talvez até dolorosamente - e assim nos conduz a nós próprios".

Estar disposto a sofrer

O tema do sofrimento aparece frequentemente no discurso da investidura, como quando explica que "amar [o povo que Deus nos confia] significa também estar pronto a sofrer", "dar às ovelhas o verdadeiro bem, o alimento da verdade de Deus, da palavra de Deus, o alimento da sua presença".

Palavras que em retrospectiva soam como profecia. Bento XVI não foi certamente poupado a qualquer sofrimento, mas viveu-o sempre num espírito de serviço e humildade. Olhando para os quase oito anos do seu pontificado, destacam-se algumas das contribuições excepcionais que o primeiro Papa Emérito da história deixou como legado a toda a Igreja.

As três encíclicas

A primeira contribuição é, sem dúvida, magisterial. Alguns meses após o seu pontificado, Bento XVI assinou a sua primeira encíclica, "Deus caritas est" (Deus é amor), na qual explica como o homem, criado à imagem de Deus-amor, é capaz de experimentar a caridade; inicialmente escrita em alemão e assinada no dia de Natal de 2005, foi distribuída no mês seguinte.

A 30 de Novembro de 2007 foi publicado "Spe salvi" (Salvo na esperança), que coloca a esperança cristã face a face com formas modernas de esperança baseadas em realizações terrestres, que levam a substituir a confiança em Deus por uma mera fé no progresso. Mas só uma perspectiva infinita como a oferecida por Deus através de Cristo pode dar verdadeira alegria.

A última encíclica com a sua assinatura é datada de 29 de Junho de 2009 e intitula-se "Caritas in veritate" (Amor na verdade). O Pontífice revê os ensinamentos da Igreja sobre justiça social e convida os cristãos a redescobrir a ética dos negócios e das relações económicas, colocando sempre a pessoa e os valores que preservam o seu bem no centro.

Preparava uma quarta encíclica para completar a trilogia dedicada às três virtudes teologais; seria publicada pelo Papa Francisco a 29 de Junho de 2013, no Ano da Fé, completando a parte principal do trabalho que Ratzinger já tinha preparado. Tem o título "Lumen fidei".

Quatro Exortações Pós-Sinodais

Eucaristia, Palavra, África e Médio Oriente são, por seu lado, os temas das quatro exortações apostólicas que viram a luz do dia sob o pontificado de Bento XVI, coroando quatro Sínodos dos Bispos que tiveram lugar respectivamente em 2005, gerando o "Sacramentum caritatis" (2006); em 2008, com a publicação do "Verbum Domini" (2010); em 2009, que deu origem à exortação "Africae munus" (2011); e em 2010, que dois anos mais tarde deu origem ao documento "Ecclesia in Medio Oriente".

Nisso reside a importância dos sacramentos, e a proximidade das periferias do mundo, lugares onde a Igreja está muito viva, rica em vocações, mas onde falta frequentemente o esforço "de Roma" para estar mais presente nestas terras.

A trilogia de Jesus de Nazaré

Graças à sua paixão pelo estudo e às suas qualidades como teólogo, nos anos do seu pontificado Bento XVI deu também à comunidade dos crentes três importantes livros sobre a figura histórica de Jesus, publicados respectivamente em 2007, 2011 e 2012. A viagem narrativa começa com a "Infância de Jesus" e continua através da vida pública do Messias até à ressurreição.

Tem sido um sucesso editorial sem precedentes, e muitos crentes têm sido edificados pela história da Pessoa-Jesus. Peregrino dos povos, não interrompeu a tradição das viagens apostólicas do seu antecessor, tanto em Itália como no estrangeiro; uma série inaugurada quatro meses depois do seu pontificado, viajando para a sua pátria para o Dia Mundial da Juventude em Colónia. Regressou à Alemanha mais duas vezes, em 2006 (à Baviera, onde teve lugar o famoso "incidente de Regensburg") e em 2011, numa visita oficial ao país. No total, Bento XVI fez 24 viagens apostólicas ao estrangeiro, várias à Europa (três vezes à Espanha), mas também à América Latina (Brasil, México, Cuba), Estados Unidos (2008), África (Camarões, Benin) e Austrália (2008).

A sua viagem à Terra Santa, visitando a Jordânia, Israel e a Autoridade Nacional Palestiniana em Maio de 2009 foi certamente significativa, tal como a sua visita ao campo de concentração de Auschwitz no mesmo mês três anos antes, onde rezou para honrar a memória dos judeus, polacos, russos, ciganos e representantes de vinte e cinco nações assassinados pelo ódio nazi.

Fez também mais de trinta visitas pastorais e peregrinações em Itália e tantas outras na diocese de Roma, visitando paróquias, santuários, basílicas, prisões, hospitais e seminários. Para a história
permanecerá a sua visita a Áquila em 2009, imediatamente após o terramoto, quando foi rezar sobre os restos mortais de Celestine V, em cujo túmulo colocou o seu pálio, uma premonição que muitos associaram à sua futura demissão.

Acidentes

No início do seu ministério petrino, Bento XVI tinha-se referido ao sofrimento, e infelizmente este foi um dos elementos que não foi poupado de todo, começando com alguns mal-entendidos e controvérsias que tiveram um eco internacional.

A primeira delas data de 2006, com a famosa "lectio magistralis" na Universidade de Regensburg durante a sua segunda viagem à Alemanha, em visita à Baviera. Neste caso, o incidente surgiu da infeliz citação de uma frase do imperador bizantino Manuel II Palaeologus sobre a guerra santa, com referências ao Profeta Maomé. No seu discurso, o Papa tinha recordado a declaração "Nostra Aetate" e a atitude da Igreja para com as religiões não cristãs, mas nessa altura o mal-entendido já tinha surgido, e houve reacções violentas no mundo islâmico.

Mais tarde Bento XVI pediu desculpa publicamente, dizendo que lamentava e deixando claro que não partilhava o pensamento expresso no texto citado. Felizmente, nos anos que se seguiram, as trocas culturais e teológicas entre católicos e muçulmanos floresceram, culminando mesmo num encontro no Vaticano entre uma delegação de teólogos e intelectuais islâmicos e o próprio Pontífice. Este foi sem dúvida o prelúdio do "Documento sobre a Fraternidade Humana", que o Papa Francisco pôde assinar vários anos mais tarde em Abu Dhabi juntamente com o Grande Imã de Al-Azhar.

Um segundo incidente teve lugar em Roma, envolvendo a principal universidade da capital, "La Sapienza", onde um grupo de mais de 60 professores da universidade se opôs à visita de Bento XVI, que tinha sido convidado pelo então reitor para falar na inauguração do ano académico em 2008. Na sequência da polémica, a Santa Sé recusou o convite. Nove anos mais tarde, em 2017, o seu sucessor Francis pôde em vez disso visitar outra universidade civil romana, "Roma Tre".

Após o mal-entendido com os muçulmanos, em 2009 veio o incidente com o mundo judeu. Bento XVI tinha decidido remeter a excomunhão de quatro bispos Lefebvrianos, entre eles Ricardo
Williamson. Na sequência deste gesto, veio à luz - através da televisão sueca SVT - que no passado o bispo tinha expressado publicamente posições negacionistas sobre o Shoah. Também neste caso, a Santa Sé foi obrigada a emitir uma nota que, além de confirmar a condenação e recordação do genocídio dos judeus, exigia que o Bispo Williamson se distanciasse "de forma absolutamente inequívoca e pública das suas posições na Shoah" antes de ser admitido em funções episcopais na Igreja, esclarecendo que estas posições não eram conhecidas do Papa no momento da remissão da excomunhão.

Outras críticas vieram durante a sua viagem aos Camarões e Angola em Março de 2009, quando declarou no avião que a distribuição de preservativos não seria uma solução para a SIDA - uma declaração estigmatizada por governos, políticos, cientistas e organizações humanitárias com repercussões também a nível diplomático.

Luta contra os abusos

E no entanto, sob o pontificado de Bento XVI, todo o processo de combate aos abusos na Igreja, que o Papa Francisco pôde continuar de forma mais suave, ganhou um impulso irreversível. O Papa Ratzinger foi o primeiro pontífice a pedir desculpa explícita às vítimas de abuso clerical e a encontrar-se com elas em várias ocasiões, por exemplo, em viagens ao estrangeiro.

Foi drástico ao expulsar vários clérigos responsáveis por tais crimes e ao estabelecer as primeiras regras e directrizes mais estritas contra estes fenómenos.

Um exemplo entre muitos é o tratamento do "caso Maciel", que Ratzinger já tinha tido ocasião de examinar em profundidade durante os seus anos como Prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé.Como Pontífice, providenciou para que a Congregação dos Legionários recebesse uma Visita Apostólica, em resultado da qual foi nomeado um Delegado Pontifício - o falecido Cardeal Velasio De Paolis -, o que levou à revisão dos estatutos e regulamentos, depois de a culpa do fundador ter sido publicamente reconhecida e um processo completo de renovação e cura ter sido posto em marcha.

Outro fenómeno é o da Irlanda, na sequência da publicação dos relatórios Ryan e Murphy que denunciaram numerosos casos de abuso sexual de menores por padres e religiosos dos anos 30 a 2000, com tentativas de encobrimento por parte da Igreja local. Já em 2006, dirigindo-se aos bispos do país que tinham vindo a Roma numa visita "ad limina", Bento XVI disse que "as feridas causadas por tais actos são profundas, e a tarefa de restaurar a confiança onde ela foi danificada é urgente". Além disso, é necessário "tomar todas as medidas para evitar uma repetição no futuro, para assegurar o pleno respeito pelos princípios da justiça e, sobretudo, para curar as vítimas e todas as pessoas afectadas por estes crimes abomináveis".

Quatro anos mais tarde escreveu uma carta pastoral aos católicos da Irlanda, na qual confiava que "partilhava a consternação e o sentimento de traição" que tinham experimentado, e ao culpado acrescentava: "deve responder por isto perante Deus Todo-Poderoso, bem como perante os tribunais devidamente constituídos".

Os Conselhos

Ao longo do seu pontificado, Bento XVI presidiu a cinco consórcios para a criação de novos cardeais, criando um total de 90 "eminências", das quais 74 foram eleitores. Significativamente, no último, a 24 de Novembro de 2012, além de ser o segundo Consistório no mesmo ano (desde 1929 não havia duas criações diferentes de cardeais no mesmo ano), desta vez não havia cardeais europeus presentes, quase como se estivesse a inaugurar uma tradição de "pesca" para os colaboradores do Papa, mesmo longe de Roma. Algo que desde então se tornou muito comum com o Papa Francisco.

Foi o ano da criação do Cardeal Luis Antonio Tagle, Arcebispo Metropolitano de Manila (Filipinas), ou Baselios Cleemis Thottunka, Arcebispo Maior de Trivandrum dos Syro-Malankars (Índia), por exemplo.

Pedido de demissão

O último acto que permanece na história do pontificado de Bento XVI é sem dúvida a sua demissão, anunciada a 11 de Fevereiro de 2013 durante um Consistório para certas causas de canonização como uma "decisão de grande importância para a vida da Igreja".

Entre as motivações que o levaram a esta decisão - tomada com absoluta humildade e num espírito de serviço à Igreja, também neste caso - estava a consciência de que "para conduzir o barco de São Pedro é preciso também vigor de corpo e alma, vigor esse que, nos últimos meses, diminuiu de tal forma em mim que tenho de reconhecer a minha incapacidade de administrar bem o ministério que me foi confiado".

Palavras de uma limpeza única, oferecida com o coração na mão, e com a liberdade de quem não tem medo de reconhecer as suas próprias limitações, ao mesmo tempo que está pronto a servir o Senhor "não menos sofrimento e oração".

Fiel à sua palavra, Bento XVI dedicou os últimos anos da sua vida a rezar pela Igreja, no "esconderijo" do Mosteiro Mater Ecclesiae, com o seu coração, com a reflexão e com toda a sua força interior, como disse na sua última saudação aos fiéis da Loggia do Palácio Apostólico de Castel Gandolfo, a 28 de Fevereiro, há quase dez anos. Como peregrino "na última etapa da sua peregrinação nesta terra", que agora chegou ao seu cumprimento, vela por nós do Céu!

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Adeus, Bento XVI

A Igreja despede-se do Papa Emérito Bento XVI. A sua morte aos 95 anos de idade deixa para trás um vasto legado teológico e magisterial sem o qual a Igreja do século XXI não pode ser compreendida. Na foto: durante a JMJ Madrid 2011.

Maria José Atienza-31 de Dezembro de 2022-Tempo de leitura: < 1 minuto
Vaticano

Joseph Ratzinger. Uma vida passada ao serviço da Igreja

Os seus dons intelectuais sempre se destacaram: nos seus dezoito anos como professor universitário, no seu breve período como Arcebispo de Munique, na Congregação para a Doutrina da Fé e finalmente no seu ministério como Papa.

Henry Carlier-31 de Dezembro de 2022-Tempo de leitura: 10 acta

A biografia de qualquer pessoa oferece quase sempre pistas abundantes para decifrar o temperamento, a personalidade e mesmo algumas das principais decisões tomadas pelo biógrafo. Este é também o caso de Joseph Ratzinger - Bento XVI.

Por exemplo, uma chave biográfica que ajuda a compreender o esgotamento que o levou a demitir-se não é apenas a sua idade avançada, mas sobretudo o enorme desgaste que experimentou do seu trabalho intenso, dedicado e ininterrupto ao serviço da Igreja universal nos mais de trinta e um anos que passou em Roma: primeiro como colaborador próximo de São João Paulo II à frente da Congregação para a Doutrina da Fé, a partir de 25 de Novembro de 1981; e depois, quando o Cardeal Ratzinger já pensava na sua merecida reforma, nos quase oito anos de extenuante ministério como Vigário de Cristo.

Crianças e jovens

Joseph Ratzinger nasceu na cidade bávara de Marktl, no rio Inn, num dia de grande significado religioso: Sábado Santo (16 de Abril de 1927). O facto de ter sido baptizado no mesmo dia é indicativo da sua precocidade espiritual e litúrgica (a Vigília Pascal é o quadro baptismal por excelência).

No entanto, passou a sua infância e adolescência em Traunstein, uma pequena cidade quase na fronteira austríaca, a trinta quilómetros de Salzburgo. Neste ambiente "moçarciano", como ele próprio o definiu, foi educado humana, cultural e musicalmente sob a influência cristã da sua família. O seu pai, um comissário da gendarmaria, veio de uma antiga família de agricultores da Baixa Baviera de meios modestos. A sua mãe, a filha de artesãos de Rimsting, trabalhou como cozinheira em vários hotéis antes do seu casamento. José é o mais novo de três irmãos. Maria, a filha mais velha, morreu em 1996, e Georg (89), sacerdote e músico, vive em Regensburg.

A educação que recebeu permitiu-lhe ultrapassar a dura experiência do regime nazi, que era hostil à Igreja Católica. O jovem José viu com os seus próprios olhos como os nazis batiam num padre que estava prestes a celebrar a Missa. Paradoxalmente, e também porque viu no seu pai a rejeição cristã do nazismo, essa complexa situação histórica acabou por o ajudar a descobrir a verdade e a beleza da fé.

Pouco antes do fim da Segunda Guerra Mundial - o jovem Ratzinger tinha então 16 anos - foi forçado a alistar-se nos serviços auxiliares antiaéreos. Este episódio tem sido duramente criticado em algumas biografias exageradamente críticas. Este é o caso de um esboço biográfico inicial escrito pelo vaticanista John Allen, para quem a resistência ao nazismo era difícil e arriscada, mas não impossível. Mas Joseph Ratzinger teve a coragem de desertar nessas circunstâncias, apesar de ter corrido o risco de ser baleado.   

Sacerdote e teólogo

Em qualquer caso, não foi o activismo político que foi a inclinação fundamental do jovem Joseph Ratzinger, mas sim o estudo. Muito cedo começou a dedicar-se e a destacar-se no que viria a ser a sua principal tarefa: o ensino de teologia. De 1946 a 1951 estudou filosofia e teologia na Freising School of Philosophy and Theology e na Universidade de Munique. Juntamente com o seu irmão Georg, foi ordenado sacerdote a 29 de Junho de 1951. Este foi, como ele diria mais tarde, o dia mais importante da sua vida.

Um ano depois, aos 25 anos de idade, começou a ensinar na Universidade Livre de Ciências Aplicadas. Logo começou a fazer nome como professor e investigador em ciências teológicas, particularmente nos campos da antropologia e da eclesiologia.

Joseph Ratzinger

Em 1953 recebeu o seu doutoramento em teologia com uma tese: "O povo e a casa de Deus na doutrina da Igreja em Santo Agostinho". Quatro anos mais tarde, sob a orientação do Professor Gottlieb Söhngen, obteve o seu título de professor com uma dissertação sobre o mesmo: "A teologia da história de São Boaventura".

Depois de ensinar teologia dogmática e fundamental na Universidade de Filosofia e Teologia em Freising, continuou a sua actividade docente em Bona de 1959 a 1963, em Munique de 1963 a 1966, e em Tübingen de 1966 a 1969. No último ano, tornou-se professor de dogmática e história do dogma na Universidade de Regensburg, onde também exerceu o cargo de vice-reitor.

Perito no Conselho

De 1962 a 1965 contribuiu para o trabalho do Concílio Vaticano II como "perito". Assistiu ao Conselho como teólogo consultor do Cardeal Joseph Frings, Arcebispo de Colónia. Bento XVI relatou como veio a participar no Conselho por acaso. Quando era professor na Universidade de Bona, o Cardeal Joseph Frings pediu-lhe que preparasse o texto de uma palestra que iria proferir em Génova. Pouco tempo depois, João XXIII chamou o Cardeal Frings a Roma. Estes últimos temiam o pior. No entanto, o Papa abraçou-o e disse-lhe: "Obrigado, Vossa Eminência; dissestes o que eu queria dizer mas não conseguistes encontrar as palavras". E foi assim que o Cardeal Frings convidou o Professor Ratzinger a ir com ele ao Conselho como seu assistente pessoal.

As contribuições de Joseph Ratzinger para os documentos do Conselho sobre a liturgia e a Palavra de Deus foram fundamentais. A sua intensa actividade científica conduziria mais tarde a posições importantes ao serviço da Conferência Episcopal Alemã e da Comissão Teológica Internacional.

Ao longo dos anos, como resultado do seu prestígio como teólogo e do seu trabalho à frente da Congregação para a Doutrina da Fé, Ratzinger recebeu numerosos doutoramentos honorários: do Colégio de São Tomás em São Paulo (Minnesota, EUA) em 1984; da Universidade Católica de Eichstätt (Alemanha) em 1985; da Universidade Católica de Lima (Peru) em 1986; da Universidade Católica de Lima (Peru) em 1986; e da Universidade Católica de Lima (Peru) em 1986. Foi-lhe concedido o doutoramento honoris causa pelo Colégio de S. Paulo (Minnesota, EUA) em 1984; pela Universidade Católica de Eichstätt (Alemanha) em 1985; pela Universidade Católica de Lima (Peru) em 1986; pela Universidade Católica de Lublin (Polónia) em 1988; pela Universidade de Navarra (Pamplona, Espanha) em 1998; pela Universidade Livre de Maria Santíssima Assunção (LUMSA) (Roma) em 1999; pela Faculdade de Teologia da Universidade de Wroclaw (Polónia) em 2000.

Alguns dizem que Ratzinger teve uma fase inicial liberal como teólogo, mas que no final dos anos 60 se afastou das correntes teológicas menos seguras. Juntamente com Hans Urs von Balthasar, Henri de Lubac e outros grandes teólogos, fundou em 1972 a revista teológica "Communio".

Bispo de Munique e Cardeal

A 25 de Março de 1977, Paulo VI nomeou-o Arcebispo de Munique e Freising. Este foi o fim de um período de 18 anos como professor em algumas das melhores universidades públicas da Alemanha.

Quando foi ordenado bispo a 28 de Maio, tornou-se o primeiro padre diocesano em 80 anos a assumir o governo pastoral da grande arquidiocese da Baviera. Como seu lema episcopal ele escolheu "Cooperador da verdade".Esta é a chave para interpretar o serviço de Ratzinger à Igreja nas suas várias facetas ao serviço da verdade. Foi assim que ele próprio o explicou: "Por um lado, pareceu-me expressar a relação entre a minha anterior tarefa como professor e a minha nova missão. Embora de formas diferentes, o que estava e ainda estava em jogo era seguir a verdade, estar ao seu serviço. E por outro lado, escolhi este lema porque no mundo de hoje o tema da verdade é quase completamente silenciado; é apresentado como algo demasiado grande para o homem, e no entanto, se faltar a verdade, tudo se desmorona".

No Consistório de 27 de Junho de 1977, o Papa Paulo VI criou o jovem Arcebispo de Munique (então com 50 anos) um cardeal com o título de Nossa Senhora da Consolação em Tiburtino.

Em 1978 Ratzinger participou no seu primeiro conclave: o que elegeu João Paulo I a 26 de Agosto. Em Outubro do mesmo ano, participou também no conclave que elegeu João Paulo II.

Mais tarde, seria relator na V Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos, no Outono de 1980, sobre o tema: "A Missão da Família Cristã no Mundo Contemporâneo", e presidente delegado da VI Assembleia Geral Ordinária em 1983 sobre "Reconciliação e Penitência na Missão da Igreja".

Bento XVI
Papa João Paulo II com o Cardeal Ratzinger no aeroporto de Munique em Novembro de 1980 ©CNS foto da KNA

Prefeito do Santo Ofício

A vida de Joseph Ratzinger tomou um novo e definitivo rumo em 25 de Novembro de 1981, quando João Paulo II o chamou a Roma para o colocar à frente da Congregação para a Doutrina da Fé, da Pontifícia Comissão Bíblica e da Comissão Teológica Internacional. Trabalhou lá, em perfeita harmonia com o Pontífice polaco, durante mais de 23 anos.

João Paulo II nunca quis passar sem esta cabeça teológica privilegiada. O Cardeal Ratzinger tinha-se tornado o seu principal e mais fiel colaborador, especialmente quando se tratava de resolver as questões doutrinárias mais difíceis, como, por exemplo, responder às chamadas teologias da libertação ou colocá-lo à frente da Comissão para a preparação do Catecismo da Igreja Católica.

A 5 de Abril de 1993, João Paulo II elevou o Cardeal Ratzinger à ordem dos Bispos e a 30 de Novembro de 2002 aprovou a sua eleição como Decano do Colégio dos Cardeais, tornando-o assim o supervisor da eleição do futuro Papa.

Cartão. Joseph Ratzinger numa conferência de imprensa em Junho de 2000 ©CNS foto da Reuters

Após a morte de João Paulo II a 2 de Abril de 2005, Ratzinger esperava que no final do conclave o seu serviço directo à Sé Apostólica também chegasse ao fim. Contudo, o Espírito Santo tinha outros planos para ele.

O teólogo do Papa

O pontificado de Bento XVI não tinha sequer oito anos de idade. A chegada de Joseph Ratzinger à Sé de Pedro coincidiu sem dúvida com o início de um dos períodos mais difíceis para a Igreja Católica: o grave problema do abuso sexual por parte de clérigos e religiosos, a instabilidade económica global e a mudança de paradigma social marcaram indubitavelmente a linha do pontificado e a sua surpreendente demissão.

Como pastor, as catequeses do Papa bávaro constituem uma colecção notável de formação catequética acessível e precisa. Os seus comentários sobre figuras como S. Paulo e os Padres da Igreja, ou a descoberta de homens e mulheres por vezes desconhecidos da grande maioria dos fiéis, fazem destas conversas um tesouro de fé e de formação cristã.

Deve ser feita uma menção especial à sua trilogia Jesus de Nazarécujo primeiro volume saiu em Abril de 2007, o segundo em Março de 2011 e o terceiro em Novembro de 2012, foi um sucesso editorial mundial. Nestes livros, o Papa desembala a figura de Cristo com grande profundidade e um conhecimento profundo da fé e da tradição, colocando-o em perfeito diálogo com o homem moderno.

As suas encíclicas "Deus Caritas est"Spe Salvi y "Caritas in Veritate constituem a espinha dorsal do Magistério Pontifício de Joseph Ratzinger. A par destas estão as suas numerosas cartas e mensagens privadas que o Papa dirigiu a diplomatas, jovens, movimentos eclesiais e novas comunidades, a Cúria Romana e outras entidades em todo o mundo.

Enquanto Papa, Bento XVI confrontou-se com os principais problemas da Igreja. Entre os mais notáveis foram os seus esforços para trazer à luz os casos de abuso sexual dentro da Igreja, o seu encontro com as vítimas e o estabelecimento de instruções a todas as Conferências Episcopais para que estes casos não se repetissem. Prosseguiu assim no caminho iniciado pelo seu antecessor para erradicar tal conduta dentro da Igreja e cujos esforços continuam até aos dias de hoje.

Foi também sob o seu pontificado que se iniciou a reforma do sistema financeiro do Vaticano para o alinhar com as normas internacionais de transparência.

O Papa Bento XVI foi conhecido pelo seu diálogo com as religiões não cristãs e pelas suas numerosas viagens pelo mundo. Bento XVI fez 24 viagens apostólicasDesde a sua primeira visita a Colónia para o 20º Dia Mundial da Juventude em Agosto de 2005, até à sua viagem ao Líbano em Setembro de 2012. Bento XVI visitou todos os continentes, com paragens na Turquia, Brasil, Estados Unidos, Sydney, Camarões e Angola, Jordânia, Benin, México e Cuba, bem como outras viagens à Europa: Polónia, Espanha, Áustria, França, República Checa, Malta, Portugal, Chipre, Reino Unido, Croácia e, claro, a sua pátria, a Alemanha.

Em Dezembro de 2012, Bento XVI inaugurou, com o seu primeiro tweet, a conta @pontifex sobre esta rede social. Actualmente, o relato oficial do Papa tem mais de 53 milhões de seguidores e está escrito em 9 línguas.

Papa envia o seu primeiro tweet em 12 de Dezembro de 2012 ©CNS photo/L 'Osservatore Romano via Reuters

A magnitude dos problemas internos e externos da Igreja e a realização da sua frágil saúde levaram o Papa Bento XVI a anunciar a sua demissão surpresa a 11 de Fevereiro de 2013, citando a "falta de força". Não tinha havido uma demissão papal desde que Celestine V, cansado das lutas internas, se demitiu do leme do navio de Pedro em 1294. O próprio Bento XVI tinha visitado o túmulo deste papa em L'Aquila. A demissão papal entrou em vigor a 28 de Fevereiro do mesmo ano.

Após a eleição de Jorge Mario Bergoglio como sucessor do chefe da Igreja Católica, Joseph Ratzinger tornou-se Papa Emérito e fixou-se no mosteiro Mater Ecclesiae em território vaticano.

Anos recentes

Desde a sua demissão do papado, Bento XVI tem permanecido em segundo plano, sem muitas aparições ou publicações públicas. Na maioria das ocasiões, imagens dele foram disponibilizadas graças às frequentes visitas do Papa Francisco para o felicitar nos grandes dias de festa cristã ou aniversários pessoais. Em Abril de 2014, participou nas cerimónias de canonização de João XXIII e João Paulo II, e mais tarde na beatificação de Paulo VI. Também assistiu a alguns consensos públicos de cardeais e abriu a Porta Santa no ano do Jubileu de 2015.

Em 2016 publicou uma entrevista em livro que escreveu com o jornalista Peter Seewald, na qual faz um balanço do seu pontificado e discute temas como a sua jovem posição sobre a encíclica Humanae vitae, a sua relação com o teólogo Hans Küng e outros tópicos da sua vida pessoal.

Bento XVI reza com o seu irmão Georg Ratzinger ©CNS foto/L'Osservatore Romano via Reuters

Em Junho de 2020, fez uma viagem de cinco dias a Regensburg para visitar o seu irmão gravemente doente, Georg Ratzinger, que morreu alguns dias mais tarde. Esta foi a única viagem do papa emérito fora da Cidade do Vaticano após a sua demissão. 

Nas primeiras horas da manhã de 31 de Dezembro de 2022, o Gabinete de Imprensa da Santa Sé anunciou a morte do Papa Emérito: "É com pesar que anuncio que o Papa Emérito Bento XVI faleceu hoje às 9:34 da manhã no Mosteiro Mater Ecclesiae, no Vaticano.", a nota lida.

O autorHenry Carlier

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Mundo

Dezoito missionários mataram este 2022

Durante 2022, 18 missionários em todo o mundo morreram em circunstâncias violentas. Entre as vítimas encontram-se especialmente padres e religiosos.

Paloma López Campos-31 de Dezembro de 2022-Tempo de leitura: 2 acta

De acordo com as informações fornecidas pela Agência FidesDezoito missionários foram mortos em 2022. No total, 12 sacerdotes, 3 freiras, 1 religiosa, 1 seminarista e 1 leigo. O maior número de vítimas encontra-se em África, onde 7 padres e 2 religiosos morreram. Especificamente, os assassinatos tiveram lugar em Moçambique, na Nigéria, na República Democrática do Congo e na Tanzânia.

A América Latina é o país com o próximo maior número de vítimas, com 4 padres, 1 religioso, 1 seminarista e 1 leigo assassinado. Os países onde os ataques tiveram lugar foram o México, Honduras, Bolívia e Haiti. Por outro lado, na Ásia, especificamente no Vietname, um padre foi assassinado.

Um dos projectos das Sociedades de Missão Pontifícia (OMP / Flickr)

Embora não se saiba muito sobre as circunstâncias das mortes, relatórios e notícias obtidas pela Agência Fides mostram que estas testemunhas da fé não estavam em missões extraordinárias, mas estavam a realizar o seu trabalho pastoral diário "em contextos particularmente difíceis, marcados pela violência, miséria, falta de justiça e falta de respeito pela vida humana".

No relatório completo A agência oferece uma breve biografia das vítimas deste ano e uma comparação dos assassinatos ao longo dos anos. Este documento também fornece dados como o número de missionários mortos entre 2001 e 2022 (544 no total) e as actividades que os missionários estavam a realizar na altura dos assassínios.

Testemunhas para Cristo

O relatório especifica que o termo ".missionário"não se aplica exclusivamente aos missionários "ad gentes", mas inclui qualquer pessoa baptizada, uma vez que "em virtude do Baptismo recebido, cada membro do Povo de Deus torna-se um discípulo missionário. Cada baptizado, qualquer que seja a sua função na Igreja ou conhecimento da fé, é um sujeito activo de evangelização" (EG 120).

Para além desta consideração feita pela Fides, a declaração feita pela Papa Francisco durante o Dia Mundial das MissõesOs discípulos são convidados a viver a sua vida pessoal na chave da missão. Jesus envia-os ao mundo não só para cumprir a missão, mas também e sobretudo para viver a missão que lhes foi confiada; não só para dar testemunho, mas também e sobretudo para ser suas testemunhas... A essência da missão é dar testemunho de Cristo, isto é, da sua vida, paixão, morte e ressurreição, por amor ao Pai e à humanidade".

Cultura

A passagem

Uma história - ou não história! para estes dias de Natal que nos lembra que, mesmo na terra, recebemos mais quando damos.

Juan Ignacio Izquierdo Hübner-31 de Dezembro de 2022-Tempo de leitura: 2 acta

Esta anedota tem anos, mas é real; o nome do protagonista também é autêntico (tenho a sua permissão). É um acontecimento breve e simbólico que aconteceu a um amigo meu chileno; um amigo e colega estudante da Faculdade de Direito.

Lembro-me que era tempo de exames e que o Natal estava apenas a algumas semanas de distância. E com isto penso que já dei contexto suficiente.

John saiu tarde de casa para fazer um exame oral com um professor famoso e exigente. Correu com o seu fato escuro, gravata azul e sapatos duros até à estação de metro Pedro de Valdivia, afundou as escadas, atravessou as multidões, passou o seu cartão pelo validador e pip, pip, lNão lhe restava nenhum equilíbrio! Verificou à pressa a sua carteira: sem dinheiro. Ele pegou no seu cartão de débito, mas lembrou-se que os seus pais ainda não tinham depositado a sua mesada. Deixou a linha com as mãos na cabeça e o rosto pálido, aterrorizado com a ideia de que o professor poderia falhar por não comparecer; o que fazer?

De repente, alguém lhe bateu no ombro. John virou-se e encontrou a senhora que normalmente se senta no degrau de cima das escadas a pedir esmola. Ela estava a sorrir e tinha aberto a mão para lhe pedir alguma coisa? Não, pelo contrário: para lhe oferecer uma moeda de 500 pesos. "Para comprar o seu bilhete", disse ele. O meu amigo ficou muito surpreendido, tentou resistir à ajuda, eles lutaram um pouco: não, sim, não, sim; e tal foi a sua angústia que acabou por aceitar.

O meu colega chegou ao exame a tempo e obteve uma nota razoável. No dia seguinte, quando ele desceu à estação, reparou na senhora que o tinha ajudado e devolveu a moeda - juntamente com um chocolate, claro - e conversaram durante algum tempo.

Após algumas semanas, a rapariga mendiga deixou de aparecer. Passaram vários anos desde então; agora John é um advogado de prestígio e desce ao metro com fatos mais elegantes e sapatos mais confortáveis do que os que usava para dar provas orais na Faculdade, mas sempre, antes de atravessar o torniquete, pára por um momento para verificar se aquela boa mulher que outrora o ajudou pode estar sentada algures no canto da estação, a sorrir para ele.

Cultura

San Silvestre e o fim do ano

O Papa São Silvestre nunca imaginou que seria ele a dar o seu nome ao último dia do ano civil em vários países de todo o mundo. Esta data é uma grande oportunidade para recordar a figura deste santo papa.

Stefan M. Dąbrowski-31 de Dezembro de 2022-Tempo de leitura: 2 acta

Provavelmente nunca passou pela cabeça do 33º bispo de Roma que a sua pessoa seria perpetuada ao longo dos séculos com celebrações luxuosas em todo o mundo. Em muitos países, o Dia de Ano Novo é simplesmente chamado o Silvester. Paradoxalmente, Sylvester era um padre muito calado. O seu serviço zeloso a Deus conquistou-lhe o respeito universal e em 314 foi eleito Papa.

Exerceu funções durante vinte anos. O seu pontificado coincidiu com a promulgação do Édito de Milão, que garantiu aos cristãos a liberdade religiosa. As fontes dizem-nos que ele ordenou que no dia do sol romano (dies solis) foi celebrado como o Dia do Senhor, e Constantino o Grande declarou o domingo livre do trabalho por decreto em 321.

Realizou a consagração solene das basílicas de São Pedro no Vaticano (326 d.C.) e São João de Latrão (324 d.C.), ambas construídas pelo Imperador, iniciando assim a tradição de consagrações solenes de edifícios semelhantes.

Durante este período, o bispo de Roma não pôde comparar em importância com os bispos das Igrejas Orientais ou com as personalidades eminentes que exerceram uma influência decisiva sobre Constantino, o imperador protector da Igreja.

Durante o pontificado de Sylvester, teve lugar o Conselho de Nicaea (325 d.C.), que estabeleceu o Credo Niceno. A participação limitada do papa neste primeiro dos conselhos ecuménicos, talvez devido à sua distância do local do conflito ou ao seu respeito pela autonomia das Igrejas Orientais, foi recebida com algumas críticas.

Provavelmente porque o episcopado de Silvestre chegou num momento crucial da história da Igreja, os seus sucessores e a cada vez mais importante comunidade cristã de Roma não se contentaram com o papel secundário que desempenhou ao lado do primeiro imperador cristão. Neste contexto, especialmente quando os imperadores já não residiam na cidade, surgiram lendas que pintaram um retrato idealizado de Sylvester.

Celebrações do Ano Novo

Na maior parte do mundo, a noite de Ano Novo está associada à última noite do ano civil. A forma como é celebrado depende da cultura local, embora a globalização esteja cada vez mais a corroer todas as diferenças e costumes locais. Música alta e fogos de artifício acompanham frequentemente as festividades da noite. Provavelmente, o costume mais difundido é brindar à meia-noite.

O último dia do ano é uma grande oportunidade para recordar a figura deste papa sagrado. É bom perpetuar esta referência na mente dos nossos amigos. Esta santa pode recordar-nos todos os anos as duas basílicas papais, a celebração do domingo e a profissão de fé no Credo. Isto permite-nos tomar a direcção certa para o novo ano que se avizinha.

O autorStefan M. Dąbrowski

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Notícias

As 10 notícias mais lidas pela Omnes em 2022

2022 tem sido um ano de crescimento para a Omnes e gostaríamos de dar as boas-vindas a 2023 com um olhar retrospectivo sobre as melhores notícias do ano que está a chegar ao fim.

Paloma López Campos-31 de Dezembro de 2022-Tempo de leitura: < 1 minuto

Ao longo deste ano, a Omnes trouxe-lhe notícias diárias a partir de uma perspectiva católica. No último dia de 2022, aqui está uma selecção das principais notícias publicadas no nosso sítio web nos últimos doze meses.

Uma explicação do carisma e da hierarquia na Prelatura do Opus Dei

Em Julho entrevistamos Enrique Rojas, que falou sobre hiperconectividade na nossa sociedade.

Uma explicação sobre a organização interna da Igreja

Este ano, o Opus Dei comemorou o seu 40º aniversário como Prelatura e olhamos para trás, para a sua história e carisma.

Luis Alberto Rosales, director do CARF, deu uma entrevista à Omnes em Agosto passado.

Há alguns meses, a Pontifícia Faculdade de Teologia de Bratislava conferiu um grau honorário a Fernando Ocáriz

Um resumo do que está a acontecer na Nicarágua

Joseph Weiler, vencedor do Prémio de Teologia Ratzinger 2022, foi o orador no último Fórum Omnes.

Mariano Fazio veio falar-nos sobre liberdade e amor numa entrevista sobre o seu livro Liberdade para amar através dos clássicos

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Orações por Bento XVI

O mundo reza hoje em dia pelo Papa Emérito Bento XVI cuja saúde se debilitou nas últimas horas. Aqui, Bento XVI saúda a multidão no final de uma audiência na Praça de São Pedro em Fevereiro de 2017.

Maria José Atienza-30 de Dezembro de 2022-Tempo de leitura: < 1 minuto
Cultura

"Somos todos verdadeiramente responsáveis uns pelos outros".

Há trinta e cinco anos, a 30 de Dezembro de 1987, a encíclica de João Paulo II Sollicitudo rei socialis foi publicada no vigésimo aniversário da Populorum Progressio de Paulo VI.

Antonino Piccione-30 de Dezembro de 2022-Tempo de leitura: 12 acta

João Paulo II prestou homenagem à encíclica Populorum Progressio do seu antecessor Paulo VI ao publicar - há trinta e cinco anos, em 30 de Dezembro de 1987 - a encíclica social Sollecitudo Rei Socialis. Veio 20 anos após a publicação da encíclica do Papa Montini dirigida aos homens e à sociedade nos anos 60.

Sollicitudo Rei Socialis mantém toda a força do apelo de Paulo VI à consciência e refere-se ao novo contexto histórico-social dos anos 80, num esforço para indicar os contornos do mundo de hoje, sempre de olho no motivo inspirador, o "desenvolvimento dos povos", ainda longe de ser alcançado. "Proponho alargar o seu eco, ligando-os com possíveis aplicações ao momento histórico actual, não menos dramático do que o de há vinte anos atrás", escreve João Paulo II.

O tempo - como bem sabemos - corre sempre ao mesmo ritmo; hoje, porém, temos a impressão de que está sujeito a um movimento de aceleração contínua, devido sobretudo à multiplicação e complexidade dos fenómenos no meio dos quais vivemos. Como resultado, a configuração do mundo nos últimos vinte anos, embora mantendo algumas constantes fundamentais, sofreu mudanças consideráveis e apresenta aspectos inteiramente novos".

Com Sollicitudo rei socialis (doravante SRS), é oferecida uma análise do mundo de hoje, tendo em conta toda a verdade sobre o homem: alma e corpo, ser e pessoa comunitária com valor em si, criatura e filho de Deus, pecador e redimido por Cristo, fraco e fortalecido pelo poder do Espírito.

A encíclica sublinha a base ética do desenvolvimento, sublinhando a necessidade do empenho pessoal de todos para com os seus irmãos e irmãs.

Este esforço para o desenvolvimento de todo o homem e de cada homem é a única forma de consolidar a paz e a felicidade relativa neste mundo. Na opinião de Enrique Colom (em AA.VV., John Paul theologian. En el signo de las encíclicas, Mondadori, Milão 2003, pp. 128-141) "num certo sentido, o ensino da encíclica poderia ser resumido numa única frase cheia de consequências práticas: "somos todos verdadeiramente responsáveis por todos" (SRS 38)".

Como é bem sabido, as encíclicas do Papa, mesmo as do Magistério Social, não são documentos políticos ou sociológicos, mas de natureza teológica.

Uma das ideias mais enfatizadas no SRS é precisamente que a pobreza, o desenvolvimento, a ecologia, o desemprego, a solidariedade, etc. são mais problemas éticos do que técnicos, e a sua solução real e duradoura não deve ser encontrada apenas numa melhoria estrutural, mas deve basear-se numa mudança ética, ou seja, numa vontade de mudar, talvez, hábitos mentais e de vida que, se genuínos, afectarão as instituições.

O homem é uma pessoa, não apenas homo faber ou oeconomicus. Portanto, como a Populorum Progressio ensinou, o verdadeiro desenvolvimento é a passagem, para cada pessoa, de menos condições humanas para mais condições humanas: "Mais humano: a ascensão da pobreza para a posse das necessidades, a vitória sobre os males sociais, a expansão do conhecimento, a aquisição da cultura". Mais humano, também: maior consideração pela dignidade dos outros, a transição para o espírito de pobreza, a cooperação para o bem comum, o desejo de paz. Mais humano ainda: o reconhecimento pelo homem dos valores supremos e de Deus, que é a sua fonte e o seu fim. Mais humano, finalmente e acima de tudo: fé, dom de Deus aceite pela boa vontade do homem, e unidade na caridade de Cristo, que nos chama a todos a partilhar como filhos na vida do Deus vivo, o Pai de todos os homens" (n. 21). Já Paulo VI, como João Paulo II faria mais tarde, sem negligenciar os aspectos económico-sociais do desenvolvimento, mostra a maior importância da esfera espiritual e transcendente.

Certamente, para alcançar a realização a pessoa precisa de "ter" coisas, mas estas não são suficientes, o crescimento interior também é necessário: cultural, moral, espiritual. "O 'ter' de objectos e bens não aperfeiçoa por si só o sujeito humano se não contribuir para a maturação e enriquecimento do seu 'ser', ou seja, para a realização da vocação humana enquanto tal" (SRS 28).

O essencial, portanto, é a plena realização da pessoa, ou seja, "ser" mais, crescer em humanidade sem negligenciar nenhuma virtude humana, e fazê-lo de forma harmoniosa, de acordo com uma autêntica hierarquia de valores, de acordo com toda a verdade sobre o homem. Portanto, o Papa não propõe nem pensa numa antinomia entre "ser" e "ter", mas adverte contra um "ter" que impeça o "ser", o próprio ou o de outra pessoa, e ensina que, se houver incompatibilidade, é preferível "ter" menos do que "ser" menos.

A característica mais importante da verdade sobre o homem depende do facto de ele ser uma criatura de Deus, elevada a ser seu filho: desta condição os homens recebem a sua consistência, a sua verdade, a sua bondade, a sua ordem própria e a sua lei conveniente. Portanto, o cumprimento dos desígnios divinos é o único compromisso verdadeiramente "absoluto" da pessoa, que o orienta para a sua plenitude integral; os outros compromissos não são anulados, mas devem ser subordinados a ele.

De facto, o desenvolvimento humano - o SRS lembra-nos - "só é possível porque Deus Pai decidiu desde o início fazer do homem um participante da Sua glória em Jesus Cristo ressuscitado (...), e Nele quis vencer o pecado e colocá-lo ao serviço do nosso bem maior, que supera infinitamente o que o progresso pode alcançar" (SRS 31). Pelo contrário, o homem pode construir a sociedade e "organizar a terra sem Deus, mas sem Deus ele só a pode organizar contra o homem". O humanismo excludente é um humanismo desumano" (Populorum Progressio, 42).

Mesmo na esfera social e económica, as palavras de Jesus são cumpridas: "Há mais alegria em dar do que em receber" (Act 20,35). Além disso, não se deve esquecer que Deus é o Senhor de todo o universo, de cada minuto, do menor acontecimento; por conseguinte, como ensina João Paulo II, a plena realização do desenvolvimento será sobretudo fruto da "fidelidade à nossa vocação de homens e mulheres crentes". Pois depende, antes de mais nada, de Deus" (SRS 47).

Infelizmente, as doutrinas utilitárias medem o progresso exclusivamente em termos imanentes e terrestres. Contudo, as contradições gritantes observadas no nosso mundo realçam ainda mais "a contradição intrínseca de um desenvolvimento limitado apenas ao aspecto económico. Subordina facilmente a pessoa humana e as suas necessidades mais profundas às exigências do planeamento económico ou do lucro exclusivo (...). Quando indivíduos e comunidades não vêem necessidades morais, culturais e espirituais, baseadas na dignidade da pessoa e na identidade própria de cada comunidade, a começar pela família e sociedades religiosas, estritamente respeitadas, tudo o resto - disponibilidade de bens, abundância de recursos técnicos aplicados à vida quotidiana, um certo nível de bem-estar material - será insatisfatório e, a longo prazo, insignificante" (SRS 33).

Aí, o desenvolvimento humano e o progresso económico andam de mãos dadas, como João Paulo II recordou: "As origens morais da prosperidade são bem conhecidas ao longo da história. Encontram-se numa constelação de virtudes: laboriosidade, competência, ordem, honestidade, iniciativa, sobriedade, sobriedade, sobriedade, espírito de serviço, fidelidade às promessas, audácia: em suma, o amor ao trabalho bem feito. Nenhum sistema ou estrutura social pode resolver magicamente o problema da pobreza sem estas virtudes; a longo prazo, tanto os programas como o funcionamento das instituições reflectem estes hábitos do ser humano, que são essencialmente adquiridos no processo educativo, dando origem a uma verdadeira cultura de trabalho". O que é necessário para que o desenvolvimento transcendente e terrestre do ser humano viva em harmonia é que cada pessoa realize as suas actividades, incluindo as actividades socioeconómicas, de forma a atingir o seu pleno significado humano, de acordo com o destino transcendente último do homem; e que outras pessoas e a sociedade estejam conscientes do valor e das necessidades de cada ser humano, e actuem em conformidade.

Uma pedra angular destas necessidades humanas é a necessidade de participar na produção e usufruto dos bens humanos, a todos os níveis; ainda mais hoje, quando a interdependência tem aumentado. Isto é conseguido precisamente através do princípio e da virtude da solidariedade: um dos temas mais frequentes nos ensinamentos de João Paulo II.

O Papa insiste tanto nela, por um lado, devido à sua relação íntima com a caridade - amor a Deus e ao próximo - o cume da vida cristã; por outro lado, porque nas actuais condições de desenvolvimento tecnológico, as desigualdades socioeconómicas são o produto do egoísmo, de não ver no outro um irmão, um filho do Pai eterno, uma pessoa humana com a mesma dignidade; por outras palavras, são o produto de um comportamento pouco solidário. Estas são duas razões mutuamente relacionadas: a primeira é puramente religiosa, a segunda é social, mas com uma base transcendente. 

São João lembra-nos que "Deus é amor" (1 Jo 4,8.16), um amor que é uma constante doação mútua dentro da Trindade. E uma vez que o homem foi criado à imagem e semelhança de Deus (Gn 1,26), também deve ser dito do homem que a sua verdade mais íntima se encontra no amor, na doação de si mesmo.

Isto está em perfeita harmonia com o "novo mandamento" de Jesus Cristo no qual toda a lei e os profetas estão contidos: a caridade é a lei fundamental da perfeição humana e, portanto, também da transformação do mundo. Contudo, dados os mal-entendidos sobre a noção de amor, deve ser enfatizado que o verdadeiro amor implica gratuidade (Jo 3,16; 15,13) e serviço (1 Ped 2,16; Gl 5,13), e não tanto a busca do próprio bem (Mt 16,25); e abrange todas as dimensões da pessoa: nenhuma característica humana está fora da caridade e do amor.

A dimensão fraterna é tão essencial para a vida do cristão (e de qualquer homem) que não se pode imaginar uma orientação para Deus que esqueça os laços que unem cada pessoa com os seus irmãos e irmãs. À luz destas verdades, conclui-se que a vida cristã não pode ser vivida como se as pessoas estivessem desligadas.

Pelo contrário, o compromisso de uma pessoa com o progresso material e espiritual da sociedade como um todo é parte integrante da vocação com que Deus chama cada pessoa: a identificação com a pessoa amada que é própria do amor leva a tê-la em mente em todas as acções, que são realizadas como um dom gratuito para a pessoa amada.

Isto significa que o amor de Deus exige um compromisso social, e que este compromisso encontra o seu fundamento firme numa vida autêntica de amor: só um amor que esteja em harmonia com toda a verdade sobre o homem é capaz de moldar uma vida social digna da pessoa.

Esta realidade é confirmada, negativamente, pelo nascimento e crescimento da "questão social", precisamente numa altura em que o pensamento ideológico apontava a oposição, a luta e mesmo o ódio como a força motriz da história.

"O mundo está doente", disse Paulo VI (Populorum Progressio, 66), e parece que desde então a doença se agravou: Basta pensar nos campos de refugiados, nos exilados, nos pontos quentes (guerra, guerrilha e terrorismo), nas discriminações raciais e religiosas, na falta de liberdades políticas e sindicais, nos fenómenos de fuga como a droga e o alcoolismo, nas áreas onde a exploração e a corrupção estão institucionalizadas, a locais de trabalho onde se tem a impressão de ser utilizado como meio e a lugares onde a humilhação se tornou um modo de vida, a zonas de fome, seca e doenças endémicas, a campanhas anti-natalistas frequentemente racistas, à propagação do aborto e da eutanásia, etc. O quadro mundial de hoje, incluindo o económico, em vez de estar preocupado com um verdadeiro desenvolvimento que conduza todos a uma vida "mais humana" - como a encíclica Populorum Progressio pedia - parece destinado a conduzir-nos mais rapidamente para a morte" (SRS 24).

Estamos assim perante um paradoxo: as pessoas conhecem - em grande medida - os critérios do verdadeiro desenvolvimento, desejam - em grande medida - fazer o bem e evitar o mal, possuem - em quantidade suficiente - os meios técnicos para o fazer; no entanto, o mundo ainda está doente, talvez mais doente do que antes. O paradoxo exige, portanto, uma explicação - muito mais profunda que a análise socioeconómica - que chegue à origem última dos males do mundo; exige uma análise que aborde o núcleo mais profundo do comportamento humano: análise ética, que chegue à própria origem das estruturas injustas, ou seja, que chegue à raiz das acções imorais do homem, aquilo a que o cristianismo chama pecado.

E as acções imorais de uma pessoa não são outra coisa senão o pecado, com as suas consequências institucionalizadas - as "estruturas do pecado" - que, ao condicionar a conduta das pessoas, se tornam a fonte de outros pecados: "A verdadeira natureza do mal com que somos confrontados na questão do "desenvolvimento dos povos": é um mal moral, fruto de muitos pecados, que conduz a "estruturas do pecado" (SRS 37). Certamente, "pecado" e "estruturas de pecado" são categorias que não são normalmente aplicadas à situação do mundo contemporâneo. Não é fácil chegar a uma compreensão profunda da realidade tal como ela se apresenta diante dos nossos olhos sem nomear a raiz dos males que nos afligem" (SRS 36). E "estas atitudes e 'estruturas de pecado' só podem ser superadas - supondo a ajuda da graça divina - por uma atitude diametralmente oposta: compromisso para com o bem do próximo com a prontidão, no sentido evangélico, de 'perder-se' para o bem do outro em vez de o explorar, e de o 'servir' em vez de o oprimir em proveito próprio (cf. Mt 10,40-42; 20,25; Mc 10,42-45; Lc 22,25-27)" (SRS 38).

Quem não quiser reconhecer - e remediar - esta fonte moral de males sociais, nem sequer quer seriamente ser curado do mal; é portanto necessário examinar os próprios pecados, especialmente - ao falar de males socioeconómicos - aqueles que afectam mais directamente a vida social: orgulho, ódio, raiva, ganância, inveja, etc., sem se refugiar numa colectividade anónima; e também reconhecer as consequências deletérias destes pecados na vida pessoal, familiar, social e política. "Diagnosticar o mal desta forma é identificar com precisão, ao nível da conduta humana, o caminho a seguir para o ultrapassar" (SRS 37). 

A identificação da raiz do mal incentiva a procura das soluções e meios mais apropriados para o erradicar. Eles, tal como o obstáculo, serão principalmente de natureza moral, a nível pessoal (pecado) e institucional (estruturas do pecado): "Quando os meios científicos e técnicos estiverem disponíveis que, juntamente com as decisões políticas necessárias e concretas, devem finalmente contribuir para colocar os povos no caminho do verdadeiro desenvolvimento, os maiores obstáculos só poderão ser ultrapassados em virtude de determinações essencialmente morais, que, para os crentes, especialmente os cristãos, serão inspiradas pelos princípios da fé com a ajuda da graça divina" (SRS 35).

Não nos podemos iludir: não iremos mais longe na justiça social e caridade do que na justiça pessoal e caridade. A atitude moral de uma comunidade depende da conversão pessoal dos corações, do compromisso com a oração, da graça dos sacramentos e do esforço nas virtudes dos seus membros. No entanto, a prioridade da conversão pessoal não elimina, pelo contrário, a necessidade de mudança estrutural.

Neste sentido, o Papa recorda tanto uma vontade política eficaz como uma decisão essencialmente moral (cf. SRS 35; 38): só a primeira poderia - fortuitamente - provocar alguma mudança, mas a experiência atesta a sua futilidade e que muitas vezes as injustiças causadas são maiores do que as corrigidas; a segunda sem a primeira permaneceria estéril devido à sua inautenticidade: a verdadeira conversão interior não é a que não conduz a melhorias sociais.

A noção de solidariedade ecoa assim o significado etimológico -participar no solidum-, que designa o conjunto de laços que ligam as pessoas e as impulsionam à ajuda mútua.
Do ponto de vista ético, uma forma virtuosa e estável de agir é posta em causa, de acordo com um comportamento de solidariedade, entendido como um compromisso concreto ao serviço dos nossos irmãos e irmãs: "É, antes de mais, uma questão de interdependência, sentida como um sistema de relações que é um factor determinante no mundo contemporâneo, nas suas componentes económicas, culturais, políticas e religiosas, e assumida como uma categoria moral. Quando a interdependência é assim reconhecida, a resposta correlativa, como uma atitude moral e social, como uma "virtude", é a solidariedade" (SRS 38).

A solidariedade deve assim ser vista como o fim e o critério da organização social, e como um dos princípios fundamentais da doutrina social cristã. Mas não como um bom desejo moralista, mas como uma forte exigência da natureza humana: as pessoas são um ser para os outros e só se podem desenvolver numa abertura oblativa aos outros.

Isto também é sublinhado pela mensagem do Evangelho, como ensina o SRS: "A consciência da paternidade comum de Deus, da fraternidade de todos os homens em Cristo, 'filhos no Filho', da presença e acção vivificadora do Espírito Santo, dará à nossa visão do mundo um novo critério para a sua interpretação. Para além dos já fortes e estreitos laços humanos e naturais, está previsto um novo modelo de unidade da raça humana à luz da fé, que deve, em última análise, inspirar solidariedade. Este modelo supremo de unidade, reflectindo a vida íntima de Deus, uma em cada três Pessoas, é o que nós cristãos designamos pela palavra "comunhão"" (SRS 40).

Uma comunhão tão forte que nos torna todos verdadeiramente responsáveis uns pelos outros, pelo que fazemos aos outros fazemos a nós próprios, mais ainda a Jesus Cristo (Mt 25,40.45).

A solidariedade não deve ser confundida com "um sentimento de vago compaixão ou simpatia superficial pelos males de tantas pessoas, próximas ou distantes". Pelo contrário, é a determinação firme e perseverante de se comprometerem com o bem comum: ou seja, com o bem de todos e de cada um" (SRS 38).

Todo este esforço de solidariedade social adquire o seu valor e força numa atitude de solidariedade pessoal; assim a encíclica: "O exercício da solidariedade dentro de qualquer sociedade é válido quando os seus membros se reconhecem uns aos outros como pessoas" (SRS 39). Isto implica ultrapassar as tendências para o anonimato nas relações humanas; transformar "solidão" em "solidariedade", "desconfiança" em "colaboração"; promover a compreensão, a confiança mútua, a ajuda fraterna, a amizade e a vontade de "perder-se" para o bem do outro. De facto, "à luz da fé, a solidariedade tende a superar-se a si mesma, a assumir as dimensões especificamente cristãs de total gratuidade, perdão e reconciliação. 

Se esta atitude parece "ideal" e não muito "realista", não se deve esquecer que este "ideal" é o único que tornará possível construir uma nova sociedade e um mundo melhor, que permitirá o verdadeiro desenvolvimento dos indivíduos e das comunidades, que tornará possível alcançar uma paz verdadeira e duradoura. 

Sollicitudo rei socialis propõe que todas as pessoas, especialmente os cristãos, devem assumir a responsabilidade pelo desenvolvimento integral de todas as outras pessoas. É um ideal árduo, que requer esforço constante, mas é confortado pela graça do Senhor.

A Igreja proclama a realidade deste desenvolvimento, já em acção no mundo, mas ainda não consumado; e afirma também, com base na promessa divina - destinada a assegurar que a história presente não permaneça fechada em si mesma, mas aberta ao Reino de Deus - a possibilidade de ultrapassar os obstáculos que impedem o crescimento integral das pessoas; ela confia, portanto, na realização de uma verdadeira - embora parcial nesta terra - libertação (cf. SRS 26; 47).

Por outro lado, "a Igreja também tem confiança no homem, mesmo conhecendo o mal de que ele é capaz, porque sabe bem que - apesar do pecado herdado e do pecado que cada um pode cometer - existem qualidades e energias suficientes na pessoa humana, existe uma 'bondade' fundamental (cf. Gen 1,31), porque ele é a imagem do Criador, colocado sob a influência redentora de Cristo, "que se uniu de certo modo a todo o ser humano" (cf. Gaudium et spes, 22; Redemptor hominis, 8), e porque a acção eficaz do Espírito Santo "enche a terra" (Sab 1,7)" (SRS 47).

O autorAntonino Piccione

Vaticano

Encontros entre o Papa Francisco e Bento XVI

O Papa Francisco e o seu predecessor encontraram-se muitas vezes ao longo dos últimos dez anos. O pontífice nunca deixou de apreciar e agradecer o humilde exemplo de Joseph Ratzinger e a sua incessante oração pela Igreja.

Giovanni Tridente-30 de Dezembro de 2022-Tempo de leitura: 5 acta

O primeiro encontro entre o Papa Francisco e Bento XVI teve lugar alguns dias após a eleição do actual Pontífice, a 23 de Março de 2013, com um caloroso abraço no heliporto de Castel Gandolfo, a residência onde o Papa Emérito tinha passado o seu período de vacatura.

Ambos apareceram vestidos de branco e antes de se encontrarem na biblioteca privada pararam em oração na capela, lado a lado; Francisco cedeu o lugar de honra ao sentar-se nos bancos com Benedito: "somos irmãos".

Ele ensinou-nos a humildade

Significativo foi o presente que Francisco trouxe ao seu antecessor naquele dia, o ícone de Nossa Senhora da Humildade: "Eu não a conhecia, pensei imediatamente nela, ela ensinou-nos humildade". Alguns meses mais tarde, os dois reuniram-se nos Jardins do Vaticano para a bênção da nova estátua de São Miguel Arcanjo, santo padroeiro do Estado da Cidade do Vaticano.

No ano seguinte, em 2014, houve um novo abraço entre o Pontífice reinante e o emérito, a 28 de Setembro na Praça de São Pedro, por ocasião do grande encontro com os idosos organizado pela Academia Pontifícia para a Vida; em 2015 as câmaras filmaram uma nova saudação e um novo abraço em Junho, antes de Bento XVI partir para um novo período de descanso em Castel Gandolfo.

Em 2015, Bento XVI esteve de novo presente numa cerimónia pública com o Papa Francisco, desta vez na cerimónia de abertura da Porta Santa da Basílica do Vaticano a 8 de Dezembro, por ocasião do início do Jubileu da Misericórdia.

A 28 de Junho de 2016, realizou-se na Sala Clementina uma cerimónia comemorativa do 65º aniversário da ordenação sacerdotal do Papa Emérito, na presença de numerosos cardeais da Cúria Romana. No seu discurso, Francisco destacou o amor testemunhado por Bento XVI, descrevendo-o como uma "nota que domina uma vida passada no serviço sacerdotal e teológico".

Outras reuniões frequentes e públicas tiveram lugar entre os dois no final de cada Consistório para a criação de novos cardeais, com todo o grupo a subir pontualmente ao mosteiro Mater Ecclesiae para saudar o Papa Emérito e ter um momento de oração na capela da residência. Depois há as numerosas reuniões privadas e a contínua troca de chamadas telefónicas, mesmo na véspera de cada viagem ao estrangeiro.

Ministério oculto

Nos dez anos do seu pontificado, o Papa Francisco referiu-se frequentemente ao seu predecessor, pedindo orações pelo seu "ministério oculto" e agradecendo-lhe pelo seu apoio orante à Igreja. Orações que ele sempre pediu para retribuir ao Papa emérito. Para além de ocasiões oficiais, como a apresentação do "Prémio Ratzinger" promovido pela Fundação do Vaticano com o mesmo nome, o Pontífice reinante falou também de Bento XVI durante audiências, Angelus ou entrevistas com jornalistas.

A primeira referência remonta sem dúvida à própria noite da sua eleição da Loggia da Basílica do Vaticano: "Antes de mais, gostaria de fazer uma oração pelo nosso Bispo Emérito"; "para que o Senhor o abençoe e para que Nossa Senhora o proteja".

A teologia de joelhos

Em 2013, por ocasião da atribuição do Prémio Ratzinger Nesse ano, Francisco expressou "gratidão e grande afecto" pelo seu antecessor, valorizando o trabalho que tinha feito com a publicação dos livros sobre Jesus de Nazaré, através dos quais "fez um presente à Igreja, e a todos os homens, do que lhe era mais precioso: o seu conhecimento de Jesus", amadurecido através de uma teologia feita "de joelhos".

Um homem de fé, tão humilde

Na sua viagem de regresso de Terra SantaEm Maio de 2014, respondendo aos jornalistas que lhe perguntavam se no futuro iria seguir a escolha do seu predecessor de deixar o papado prematuramente, Francisco disse de Bento XVI: "ele é um homem de fé, tão humilde"; "temos de olhar para ele como uma instituição".

Como ter um avô sábio em casa

Alguns meses mais tarde, voltando desta vez em Agosto da sua viagem à Coreia, os jornalistas perguntaram-lhe especificamente sobre a sua relação com o Papa Ratzinger, e Francisco disse em primeiro lugar que Bento XVI com o seu gesto tinha de facto instituído o papado emérito, abrindo "uma porta que é institucional, não excepcional". Quanto à relação, "é a dos irmãos, na verdade"; "sinto-me como se tivesse um avô em casa por sabedoria", "faz-me bem ouvi-lo". Ele também me encoraja muito".

"Como ter o sábio avô em casa", repetiu Francisco no encontro com os idosos em Setembro de 2014, quando agradeceu publicamente a Bento XVI pela sua presença no evento.

A 16 de Abril de 2015, durante a Missa matinal na Casa Santa Marta por ocasião do 88º aniversário do emérito, Francisco convidou os presentes a juntarem-se a ele na oração por Bento XVI, "para que o Senhor o sustente e lhe dê muita alegria e felicidade".

Grande homem de oração e coragem

Em Junho de 2016 foi a vez de uma nova pergunta dos jornalistas sobre o voo de regresso da Arménia. Aqui Francisco acrescentou que para ele "ele é o homem que guarda os meus ombros e as minhas costas com a sua oração". Entre outras coisas, "ele é um homem de palavra, um homem justo, um homem de integridade", "um grande homem de oração, de coragem".

Maturidade, dedicação e lealdade

Mais tarde nesse mês, na cerimónia de comemoração do 65º aniversário do seu sacerdócio, Francisco acrescentou que do pequeno mosteiro onde reside Bento XVI "emana uma tranquilidade, uma paz, uma força, uma confiança, uma maturidade, uma fé, uma dedicação e uma fidelidade que me fazem tanto bem e me dão a mim e a toda a Igreja tanta força".

Para o infalível "Prémio Ratzinger" 2016 - "mais uma vez" - a expressão do "nosso grande afecto e gratidão" por Bento XVI, "que continua a acompanhar-nos mesmo agora com a sua oração".

Presença discreta e encorajadora

"A sua oração e a sua presença discreta e encorajadora acompanham-nos na nossa jornada comum; o seu trabalho e o seu magistério permanecem um legado vivo e precioso para a Igreja e para o nosso serviço", foram as palavras pronunciadas no mesmo aniversário no ano seguinte. Ratzinger, para o Papa Francisco, "continua a ser um professor e um interlocutor amigável para todos aqueles que exercem o dom da razão para responder à vocação humana da busca da verdade".

A estima, afecto e gratidão repetem-se nos anos seguintes. Em 2019, o Papa Francisco expressa a sua gratidão "pelo ensinamento e exemplo que nos deu de servir a Igreja, reflectindo, pensando, estudando, escutando, dialogando e orando, para que a nossa fé permaneça viva e consciente apesar das mudanças de tempos e situações, e para que os crentes saibam dar conta da sua fé numa linguagem capaz de ser compreendida pelos seus contemporâneos e de entrar em diálogo com eles, para juntos procurarmos os caminhos do encontro com Deus no nosso tempo".

O contemplativo do Vaticano

No final do Angelus, a 29 de Junho de 2021, 70º aniversário da ordenação sacerdotal de Bento XVI, Francisco chamou-lhe "querido pai e irmão", "o contemplativo do Vaticano, que passa a vida a rezar pela Igreja e pela diocese de Roma, da qual é bispo emérito". Continuou a agradecer-lhe pela sua "testemunha credível" e pelo seu "olhar continuamente dirigido para o horizonte de Deus".

Na entrega do Prémio Ratzinger 2022Francisco reiterou que "para mim não faltam momentos de encontros pessoais, fraternais e afectuosos com o Papa Emérito", salientando como todos sentem "a sua presença espiritual e o seu acompanhamento em oração por toda a Igreja: aqueles olhos contemplativos que ele mostra sempre".

Testemunho de amor até ao fim

Finalmente, não podemos esquecer a referência à audiência geral depois do Natal, a 28 de Dezembro de 2022, quando convidou os presentes e toda a Igreja a intensificar a oração por ele "que em silêncio sustenta a Igreja", para que o Senhor "possa sustentá-lo neste testemunho de amor pela Igreja, até ao fim".

Espanha

Grandes famílias em perigo de extinção?

A Federação Espanhola de Grandes Famílias trabalha para dar visibilidade e preservar os direitos das famílias com mais membros.

Paloma López Campos-30 de Dezembro de 2022-Tempo de leitura: 3 acta

A Federação Espanhola de Grandes Famílias (FEFN) trabalha há anos para dar visibilidade, informar e lutar pelos direitos das famílias com mais crianças. Devido a iniciativas legislativas, declarações de políticos e tendências de pensamento actuais, é fácil perceber que as famílias, especialmente as famílias numerosas, estão a passar por uma situação complicada.

Na sequência da mudança na designação de famílias grandes, agora consideradas como "famílias com maiores necessidades de apoio parental", o debate foi reacendido. Nesta entrevista, um representante da Federação fala das dificuldades, e também das mudanças positivas, que estão a ter lugar em Espanha nesta área.

Qual é o maior desafio que as grandes famílias enfrentam actualmente?

Se falarmos da vida quotidiana de uma grande família, destacamos dois grandes desafios: um é o equilíbrio trabalho-vida, e dois, a questão económica, uma vez que os preços disparam, o cabaz de compras tornou-se muito mais caro para as necessidades básicas, e também para o abastecimento doméstico básico: electricidade, gás, etc. Além disso, estas duas questões estão ligadas porque, quando se tem muitos filhos, para satisfazer todas as necessidades, são necessários dois salários em casa, e se o pai e a mãe trabalham ambos fora de casa, é difícil fazer face às despesas e o equilíbrio trabalho-vida é muito difícil. Em qualquer caso, apesar de todas as dificuldades, com esforço e desistência, no final tudo é feito, ou pelo menos as coisas importantes, e em troca, há muitas coisas positivas quando se tem uma família numerosa.

Como é que a grande família é considerada pelos organismos públicos em Espanha?

A grande família em Espanha não tem todo o reconhecimento que deveria ter. É verdade que nos últimos anos, graças ao movimento associativo, associações e federações de famílias numerosas, foram feitos progressos em algumas questões, mas o nosso país ainda não valoriza suficientemente a família e, em particular, aqueles que têm mais filhos; eles não são reconhecidos como um bem social. Ainda agora está a ser elaborada uma nova Lei das Famílias que visa melhorar o apoio à família com algumas medidas positivas, mas não se concentra na taxa de natalidade, que é uma questão fundamental, nem se concentra nas famílias que têm mais filhos. 

Qual é a sua opinião sobre o projecto de lei em que o governo "classifica" as famílias?

A Lei é positiva em algumas questões, tais como a conciliação e o desejo de melhorar o apoio a um maior número de famílias, mas no caso de famílias grandes sentimo-nos um pouco atacados porque propõe a eliminação do conceito de família grande, que será substituído pelo conceito de "famílias com maiores necessidades de apoio parental", que incluirá famílias grandes e famílias com menos filhos e circunstâncias especiais. Acreditamos que deve ser dado apoio às famílias que mais precisam dele, mas sem negligenciar o reconhecimento e a protecção das famílias numerosas por aquilo que contribuem para a sociedade. Parece-nos que a Lei desvaloriza esta contribuição social feita pelas famílias numerosas.  

Que medidas sugeriu para o Direito de Família?

Pedimos uma revisão dos benefícios para as famílias grandes, em primeiro lugar que a Lei das Grandes Famílias seja actualizada porque é obsoleta em alguns aspectos; também que a categoria especial que as famílias com 5 filhos agora têm para as famílias com 4 ou mais filhos seja estabelecida, dada a baixa taxa de natalidade actual. Pedimos também que haja proporcionalidade nos benefícios e nos requisitos de ajuda, ou seja, que ao estabelecer limites de rendimento, "rendimento per capita" seja tido em conta, porque uma grande família deve ter um rendimento mais elevado e se a composição familiar não for tida em conta, ficamos de fora de muitos benefícios porque excedemos limiares de rendimento muito baixos. E o mesmo acontece com os dias de licença para cuidar de crianças: se uma família tem 5 dias de licença por ano para uma criança, uma família com 4 crianças também não pode ter 5 dias de licença por ano, porque tem mais crianças e as suas necessidades de cuidados são maiores. Todas as crianças contam, todas comem, todas vão à escola, todas têm de ser levadas ao médico, etc., mas parece que as administrações esquecem metade das nossas crianças.

Que interesses de famílias numerosas estão actualmente em risco?

Neste momento, devido à nova lei, o próprio reconhecimento das famílias grandes está em perigo, uma vez que deixarão de ser chamadas famílias grandes e deixarão portanto de existir para estes fins, se a nova Lei das Famílias for aprovada tal como é proposta. Por esta razão, estamos a fazer alegações e a pedir o apoio dos grupos políticos para que não avance, e também iniciámos uma campanha para recolher assinaturas contra esta mudança que o Governo quer fazer. Já recolhemos 15.000 assinaturas e sabemos que há muitas famílias que não concordam com o que a nova lei propõe. Todas as famílias que são contra e querem salvar o conceito de família grande podem assinar aqui: https://chng.it/xRyB8kPt

Família

A família, berço da vocação para amar

Hoje celebramos o Dia da Sagrada Família, com o lema "a família, berço da vocação para amar".

Paloma López Campos-30 de Dezembro de 2022-Tempo de leitura: 3 acta

Do Conferência Episcopal Espanholaos bispos recordam que a família é "um lugar privilegiado de acolhimento e de discernimento da vocação ao amor". Este núcleo essencial na sociedade é algo de que o próprio Cristo não se privou. O Papa Francisco salienta que "é belo ver Jesus inserido na teia do afecto familiar, nascer e crescer no abraço e preocupação dos seus" (Angelus, 26 de Dezembro de 2021).

A Sagrada Família, um modelo para as nossas casas

"Nesta festa da Sagrada Família", dizem os bispos, "viemos a contemplar, da mão da Virgem Maria e da São José o mistério de Deus encarnado por amor a nós". A casa de Nazaré recorda-nos a importância das nossas famílias e a necessidade de as proteger: "Nenhuma instituição pode substituir o trabalho da família na educação dos seus filhos, especialmente na formação da consciência. Qualquer interferência nesta esfera sagrada deve ser denunciada porque viola o direito dos pais a transmitir aos seus filhos uma educação de acordo com os seus valores e crenças".

A Subcomissão Episcopal para a Família e a Defesa da Vida preparou um folheto para a oração em casa neste Natal. Este documento pode ser encontrado no website da Conferência Episcopal Espanhola.

Directrizes da CEE sobre educação na família

Com base nos pontos-chave definidos pela Papa Francisco na exortação Christus vivitOs bispos partilham orientações "para o discernimento da vocação e a reflexão sobre a educação na família":

1.A família é o lugar "onde se é amado por si mesmo, não pelo que se produz ou pelo que se tem".

2.Jesus Cristo é "o membro mais importante da família, aquele a quem todos os assuntos importantes são consultados, a quem todas as situações são confiadas, a quem se pede perdão quando falhamos".

3 É no núcleo familiar que as virtudes são fomentadas "para que aqueles que são chamados possam dar o seu sim generoso ao Senhor e permanecer fiéis a este sim".

4.Nas casas, o encontro com Cristo pode ser facilitado a fim de aprender a "ouvir a sua Palavra e reconhecer a sua voz através do discernimento".

5 Os pais devem reconhecer, ao olharem para os seus filhos, que não são "donos do presente, mas os seus cuidadosos mordomos".

6 Os pais têm de ensinar os seus filhos a "reconhecerem-se a si próprios como um presente".

7.É importante incutir a ideia de que a vida é autodoadora, para que as crianças possam dizer: "Eu sou uma missão nesta terra, e é por isso que estou neste mundo".

8: "A família não é uma célula isolada em si mesma, que não se preocupa com o que acontece à sua volta. Esta dimensão caritativa começa na família alargada, cuidando especialmente dos avós e dos idosos, mas deve estar aberta às necessidades dos outros".

9 É essencial que os pais não "se oponham à vocação dos seus filhos ao sacerdócio ou à vida consagrada, nem lhes peçam para dar prioridade ao seu futuro profissional, adiando o chamamento do Senhor". Além disso, no que respeita às vocações, os bispos salientam que "nada é mais estimulante para os filhos do que ver os seus pais viverem o casamento e a família como uma missão, com felicidade e paciência, apesar das dificuldades, momentos tristes e provações".

10. Como Igreja "temos a missão de acompanhar as famílias que vivem nas nossas comunidades". Devemos estar próximos de "famílias que vivem na marginalização e na pobreza; devemos estar atentos às famílias migrantes; não devemos deixar de lado as famílias que sofreram separação e divórcio".

Vaticano

As viagens do Papa em 2023, nos 10 anos do seu pontificado

A 13 de Março de 2023, o Papa Francisco completará 10 anos de pontificado à frente da Igreja Católica. O primeiro Papa americano na história fez 86 anos em Dezembro e já está a pensar no seu legado, mas não está a abrandar a sua actividade, apesar do seu joelho; está a trabalhar no Sínodo da Sinodalidade e no Jubileu de 2025, e está a planear algumas viagens, onde poderá lançar as suas mensagens ainda com mais força.

Francisco Otamendi-29 de Dezembro de 2022-Tempo de leitura: 5 acta

Há muito que o Papa está empenhado na catequese sobre o discernimento. Em Audiência de quarta-feira A 21 de Dezembro de 2022, o Santo Padre disse que o discernimento é muito complicado, mas "na realidade é a vida que é complicada e, se não aprendermos a lê-la, corremos o risco de a desperdiçar, levando-a a cabo com truques que acabam por nos desencorajar".

A sua reflexão foi global, mas podia muito bem aplicar-se às suas viagens apostólicas, pois acrescentou que estamos sempre a discernir, mesmo nas pequenas coisas do dia, porque "a vida coloca-nos sempre à frente das escolhas, e se não as fizermos conscientemente, no final é a vida que escolhe por nós, levando-nos para onde não queremos ir".

De facto, para o ano 2023, e talvez devido à sua idade e aos problemas de mobilidade no joelho, a Santa Sé apenas confirmou uma visita apostólica, entre 31 de Janeiro e 5 de Fevereiro, à República Democrática do Congo e ao Sul do Sudão.

Embora se não houver uma "paragem" médica, é bastante provável que também viaje para o Encontro de Bispos Mediterrânicos em Marselha (França) em Fevereiro ou Março, que normalmente é frequentado pelas autoridades civis. E muito possivelmente, também o veremos no Dia Mundial da Juventude em Lisboa, de 1 a 6 de Agosto. Mas vamos dar um passo de cada vez.

Quinta viagem a África

A visita ao solo congolês é aguardada há muito tempo, pois estava prevista para Julho de 2022, mas foi oficialmente adiada a conselho dos médicos. Talvez também tenha sido influenciada pela situação no leste do país congolês, onde "dezenas de milícias, com a cumplicidade dos países vizinhos e políticos ávidos de riqueza, têm-se confrontado com a presença dos capacetes azuis [ONU] em solo congolês desde o início dos conflitos", explica Alberto García Marcos, de Kinshasa. Por esta razão, também, o slogan do visita papal para a República Democrática do Congo é "Todos reconciliados em Cristo".

Sobre isto, a quinta visita do Papa ao continente africano ̶̶Os anteriores foram para o Quénia, República Centro Africana e Uganda (2015), Egipto (2017), Marrocos (2019), e Moçambique, Madagáscar e Maurícias (2019). ̶ Francisco também viajará para o Sul do Sudão, juntamente com Justin Welby, Arcebispo de Cantuária e líder da Igreja Anglicana, e Jim Wallance, Moderador da Assembleia Geral da Igreja da Escócia. "Um sinal de unidade e um exemplo para o povo para pôr de lado as divisões. O lema da viagem diz tudo: 'Rezo para que todos possam ser um' (Jo 17). Será uma viagem de paz e ao mesmo tempo ecuménica", diz García Marcos.

"O Mediterrâneo, um cemitério frio".

O Papa quer ir a Marselha para o Encontro dos Bispos do Mediterrâneo, porque este é um dos temas centrais do seu pontificado: transformar a cultura do descarte, neste caso de migrantes e refugiados, numa cultura de acolhimento, inclusão e cuidado. No ano passado, a reunião teve lugar em Florença, e o Papa visitou a capital toscana em Fevereiro.

Ainda hoje, os meios de comunicação social continuam a fazer eco do as palavras do Santo Padre em Atenas e no campo de refugiados em Mytilene, Lesbos (Grécia), no final de 2021. Em frente do Pártenon e das autoridades gregas, disse: "O olhar, além de ser dirigido para cima, é também dirigido para o outro. Lembramo-nos do mar, que Atenas tem vista e que guia a vocação desta terra, situada no coração do Mediterrâneo, para ser uma ponte entre as pessoas. 

Em LesbosCinco anos após a sua primeira visita, acrescentou: "O Mediterrâneo, que durante milénios uniu diferentes povos e terras distantes, está a tornar-se um cemitério frio sem lápides. Este grande espaço de água, o berço de muitas civilizações, parece agora um espelho da morte. Não deixemos que o 'mare nostrum' se torne um 'mare mortuum' desolado.

JMJ Lisboa

A 27 de Janeiro de 2019, no Dia Mundial da Juventude no Panamá, o Cardeal Kevin Farrell, Prefeito do Dicastério dos Leigos, Família e Vida da Santa Sé, anunciou que Lisboa seria a próxima cidade a acolher o evento. Inicialmente prevista para o Verão de 2022, a JMJ Lisboa foi adiada por um ano devido à pandemia.

O Papa Francisco participou nas Jornadas Mundiais da Juventude no Rio de Janeiro (2013), Cracóvia (2016) e Panamá (2019). O Vaticano ainda não confirmou a presença do Romano Pontífice em Lisboa. No entanto, é previsível que o faça nos próximos meses. É tradição do Papa assistir aos últimos dias destes encontros de massa com jovens, como foi o caso de São João Paulo II tantas vezes, e com Bento XVI em 2011 em Madrid, por exemplo.

Brincos: Papua Nova Guiné....

A visita do Papa Francisco à Papua Nova Guiné (Oceânia), e talvez a um país a meio caminho entre o Sudeste Asiático e a Austrália, como a Indonésia, foi adiada em 2020 também devido à pandemia, e não há notícias particulares que confirmem a viagem do Papa, pelo menos num futuro próximo, mas tudo pode acontecer. A Indonésia é um país insular com mais de 200 milhões de habitantes, 80 por cento dos quais são muçulmanos, embora também existam cristãos, cerca de 8 por cento.

O destino original para a viagem de 2020 foi Papua Nova Guiné, que se tornou independente em 1975 após décadas de administração australiana e está localizada no norte da Austrália, ocupando a metade oriental da ilha da Nova Guiné. A Papua Nova Guiné é o lar de numerosas etnias e populações rurais, e mais de 800 línguas nativas são faladas. Após o Sínodo Amazónico de 2019, e a viagem apostólica ao Canadá em 2022, o Papa pôde viajar para a Papua Nova Guiné, se os médicos o permitissem.

Austrália?

Uma visita à Oceânia incluiria talvez uma escala na Austrália, mas isto não é conhecido. São João Paulo II viajou duas vezes à Austrália, e o Papa Emérito Bento XVI presidiu a um Dia Mundial da Juventude em Sidney em 2008, antes do de Madrid (2011).

Por outro lado, a 1 de Novembro entrou em vigor na Austrália Ocidental uma lei chamada "Australian Law on the Protection of the Rights of the Child" (Lei Australiana sobre a Protecção dos Direitos da Criança). Community and Family Services Amendment Bill 2021", obrigando os padres a denunciar o abuso sexual de menores, mesmo que seja cometido por um padre. manifestarem-se sob o selo sacramental da confissão.

O Arcebispo de Perth, a capital do estado, Arcebispo Timothy Costelloe SDB, que reconheceu a "horrível história" do abuso sexual de crianças, argumentou a sua oposição à lei recente. Ele sublinha, entre outras coisas, que "os pecados não são confessados ao sacerdote mas a Deus", e que o sacerdote "não tem o direito ou a autoridade de revelar nada do que acontece neste encontro íntimo com Deus".

Especulação sobre a Ucrânia

No voo de regresso do Cazaquistão para Roma após a sua participação no 7º Congresso de Líderes Religiosos e a sua visita ao país cazaque em Setembro, o Papa disse em resposta às perguntas sobre a invasão russa da Ucrânia que "é difícil falar com alguém que começou uma guerra, mas tem de ser feito".

A questão é onde e como. Havia especulações na altura de que o Pontífice Romano visitaria a Ucrânia, mas até agora aqueles que viajaram para trazer encorajamento, cobertores e medicamentos são os Cardeais Konrad Krajewski e Michael Czerny, prefeitos dos dicastérios dos Serviços de Caridade e Desenvolvimento Humano Integral, respectivamente.

O diplomacia O Vaticano continua a trabalhar nos esforços de mediação, uma vez que o Papa faz apelos urgentes para que as armas se calem e para que a paz regresse. A guerra na Ucrânia, "juntamente com outros conflitos em todo o mundo, representa uma derrota para a humanidade como um todo e não apenas para as partes directamente envolvidas", disse o Santo Padre no seu Mensagem para o Dia Mundial da Paz a 1 de Janeiro, que se refere a "recomeçar de Covid, para traçar juntos caminhos de paz", porque "ninguém pode ser salvo sozinho".

A sua dor pela guerra, por todas as guerras, leva-o a procurar e promover a fraternidade humana, como fez no Iraque, Cazaquistão e Bahrein, no seguimento de Abu Dhabi. Este é possivelmente o caminho a ser explorado em futuras viagens papais.

O autorFrancisco Otamendi

Família

Auto-consciencialização e ego

Inclui podcast - Viver com um egomaníaco é particularmente difícil. Um exercício sério das virtudes é necessário para ajudar a reorientar este tipo de atitude, o que pode ser fatal em qualquer relação humana.

José María Contreras-29 de Dezembro de 2022-Tempo de leitura: 2 acta

Ouvir o podcast "Auto-consciencialização e ego".

Ir para download

Há já algum tempo, a palavra ego tem assumido um papel proeminente nas conversas mais comuns.

Não era assim antes. Lembro-me da primeira vez que me deparei com ela numa conversa. Devo ter feito uma cara estranha porque o meu interlocutor disse: Sim, sim ego, arrogância.

É agora um termo frequente e tem mais "prestígio" do que a palavra "arrogância" porque esta última parece menos delicada, menos elegante. No entanto, no final do dia, é a mesma coisa.

Paradoxalmente, há pessoas que se orgulham muito do seu ego, na verdade admitem-no abertamente, eu tenho um grande ego, dizem-lhe quando lhes pergunta.

Tendem a ser pessoas inflexíveis com muito pouco auto-conhecimento. Não é raro que lhe digam que não se arrependem de nada do que tenham feito no passado. Isto leva-os a serem ingratos. Eles fazem tudo bem. Eles não devem nada a ninguém. Como consequência, são incapazes de pedir perdão.

Como pode uma pessoa dizer que não mudaria nada, quando os seres humanos cometem erros várias vezes por dia? À medida que alimentam o seu ego, aumenta a desconfiança das pessoas que os rodeiam.

Pedir desculpa por erros é uma das características da liderança, mas para eles parece uma fraqueza, por isso, como já dissemos, nunca pedem desculpa. Têm dificuldade em amar e em sentir-se amados. Pedir perdão faz parte do amor. Na coexistência, é muitas vezes necessário fazê-lo. É humano cometer erros.

Uma pessoa "não-humana" produz rejeição. Têm uma certa incapacidade para educar. É provável que sejam muito inflexíveis face aos erros de outras pessoas.

Estes egomaníacos dão a sensação de que estão a fazer um favor aos outros regularmente e isto incapacita-os a longo prazo não só para amar como já dissemos, mas também para manter os seus amores. Pessoas com muito ego, desunem muito.

Devido à sua falta de auto-consciência, é preciso ter cuidado quando se vive em conjunto, qualquer coisa pode perturbá-los. Está tenso à sua volta.

Ele é o que sempre foi chamado uma pessoa arrogante.

 Uma pessoa difícil de conviver e incapaz de educar devido à sua falta de auto-consciência.

Apesar de tudo, ter um ego está na moda e, por vezes, é bem considerado. É verdade que é possível sair do ego: basta adquirir alguma formação pessoal e aumentar o auto-conhecimento.

Simplesmente para perceber que o ser humano é fraco e muitas vezes necessitado dos outros.

Por outras palavras, é suficiente estar na realidade, no que as coisas são.

Leituras dominicais

Contemplação orante. Solenidade de Maria, Mãe de Deus (A)

Joseph Evans comenta as leituras para a Solenidade de Maria, Mãe de Deus (A) e Luis Herrera faz uma breve homilia em vídeo.

Joseph Evans-29 de Dezembro de 2022-Tempo de leitura: 2 acta

Começamos o novo ano sob a protecção da Virgem Maria, graças a esta bela festa de Santa Maria, Mãe de Deus. E as leituras litúrgicas tentam expressar esta realidade de diferentes formas. O Evangelho leva-nos de volta ao Natal, mencionando os pastores que "encontraram" a Sagrada Família em Belém. A pressa dos pastores - literalmente, "eles foram correr" - contrasta com a paz da criança "deitado na manjedoura". Do mesmo modo, a sua excitada necessidade de falar - eles "disseram" o que o anjo lhes tinha dito - e a "admiração" dos ouvintes contrasta com a serena contemplação de Maria, que Ele "guardava todas estas coisas, ponderando-as no seu coração". Os pastores seguem o seu caminho "dando glória e louvor a Deus".

Através deste texto, a Igreja convida-nos a começar um novo ano civil com o espírito contemplativo de Maria e a paz do Menino Jesus. Ele deita-se em silêncio, enquanto outros se agitam e tagarelam à sua volta, e Maria, enquanto ouve e vê o que está a acontecer, olha com adoração amorosa. Como o seu último homónimo, "Maria escolheu a melhor parte". (Lc 10, 42).

Assim, a Igreja concentra-se não tanto na maternidade física de Maria, mas na sua atitude espiritual. Tal como Jesus, ela insiste que Maria é grande não tanto pela sua maternidade biológica mas por "ouvir a palavra de Deus e cumpri-la" (cf. Lc 11,28). Como vários Padres da Igreja ensinaram, antes de Maria ter concebido Cristo no seu ventre, ela concebeu-o no seu coração. É por isso que somos encorajados a começar o ano com uma atitude contemplativa. Em vez de nos apressarmos como os aspersores olímpicos, numa explosão de actividade, comecemos com calma e num espírito de oração. E uma boa maneira de o fazer é considerar as nossas bênçãos, que é precisamente o que as duas primeiras leituras e o salmo nos convidam a fazer. 

A primeira leitura, do livro de Números, fala de Aarão e dos sacerdotes judeus que abençoam o povo. O salmo também pede as bênçãos de Deus. E a segunda leitura, da carta de S. Paulo aos Gálatas, ajuda-nos a considerar a maior bênção de todas: que, através da Encarnação de Cristo, nos seja oferecida a possibilidade de nos tornarmos filhos de Deus. Pedindo emprestado mais uma declaração patrística ousada, podemos dizer com Santo Atanásio: "Deus fez-se homem para que o homem se pudesse tornar Deus". E ambos através de Maria. Somos feitos livres: através da maternidade divina de Maria, que é também a nossa Mãe, podemos exclamar: "Abba, Pai, Pai!".

A actividade é necessária, com todos os deveres familiares, sociais, profissionais e religiosos que as nossas vidas implicam: assim o Evangelho mostra Maria e José levando Jesus a ser circuncidado no oitavo dia. Mas hoje a Igreja encoraja-nos a começar o ano não com actividade, mas com uma contemplação orante. Não podemos receber melhor conselho do que este.

Homilia sobre as leituras para a Solenidade de Maria, Mãe de Deus (A)

O sacerdote Luis Herrera Campo oferece a sua nanomiliauma breve reflexão de um minuto para estas leituras.

Documentos

Papa convida à vida espiritual com uma carta dedicada a São Francisco de Sales

O Papa Francisco reflecte sobre o ensino de São Francisco de Sales numa carta apostólica publicada por ocasião do quarto centenário da morte do santo.

Giovanni Tridente-28 de Dezembro de 2022-Tempo de leitura: 5 acta

No quarto centenário da morte do bispo e doutor da Igreja que viveu em França no final do século XVII, o Papa Francisco dedicou uma reflexão ao seu magistério, a fim de dele extrair lições para o nosso tempo.

A experiência de Deus do homem está totalmente ancorada no seu coração; só contemplando e vivendo a Encarnação se pode ler a história e habitá-la com confiança; perguntar-se em cada momento e circunstância da vida onde se encontra "mais amor"; cultivar uma vida espiritual e eclesial saudável; aprender a distinguir a verdadeira devoção através do discernimento; conceber a própria existência como um caminho realista para a santidade nas ocupações diárias....

Estes são os inúmeros insights que o Papa Francisco extraiu da vida e do exemplo de São Francisco de Sales e deu à Igreja de hoje através do Carta Apostólica Totum amoris est. Um texto baseado em grande parte no Um tratado sobre o Amor de Deus do santo bispo de Genebra, que viveu de 1567 a 1622, publicado no 400º aniversário da sua morte.

De certa forma, trata-se também de apresentar aos cristãos do nosso tempo o legado deste pastor que proclamou o Evangelho desde a sua juventude "abrindo novos e imprevisíveis horizontes num mundo em rápida transição".

A mesma "mudança" que a Igreja vive hoje, chamada - escreve Francisco - a não ser auto-referencial, "livre de toda a mundanização", mas ao mesmo tempo capaz de "partilhar a vida das pessoas, caminhar juntos, ouvir e acolher", como já tinha dito no ano passado aos bispos e padres que conheceu durante a sua viagem a Bratislava.

De nascimento nobre, Francisco de Sales escolheu o caminho do sacerdócio depois de completar os seus estudos jurídicos em Paris e Pádua. Devido aos seus talentos, foi enviado como missionário para a região calvinista de Chablais; foi subsequentemente nomeado coadjutor do Bispo de Genebra, a quem sucedeu de 1602 a 1622. O seu apostolado desenvolveu-se principalmente em contacto com o mundo da Reforma, utilizando um método não opressivo de "...".diálogoO "Deus do mundo", que gerou no interlocutor o desejo de que Deus fosse livremente aceite.

Não é coincidência que nos seus textos mais conhecidos, Tratado y FiloteaQue fique claro que a relação com Deus é sempre "uma experiência de gratuidade que manifesta a profundidade do amor do Pai", reflecte o Papa Francisco na Carta.

Totum amoris inspira-se inicialmente na experiência biográfica do Santo Doutor da Igreja, que entre outras coisas é também o santo padroeiro da obra de São João Bosco - não por acaso conhecido como "salesiano" - que lhe tirou os princípios do optimismo, da caridade e do humanismo cristão.

A síntese do seu pensamento

O Papa Francisco começa por deixar imediatamente claro qual é a síntese do pensamento de São Francisco de Sales, nomeadamente que "a experiência de Deus é uma evidência do coração humano", que usa a maravilha e a gratidão para reconhecer Aquele que conduz à profundidade e plenitude do amor em todas as circunstâncias da vida.

Uma atitude de fé que leva a "uma verdade que se apresenta à consciência como uma 'doce emoção', capaz de despertar um correspondente e inrenunciável desejo de cada realidade criada".

O critério do amor

O critério último permanece o do amor, que é o culminar de um desejo profundo que deve ser testado através do discernimento, mas também através de "uma escuta atenta da experiência" que amadurece evidentemente através de uma relação desinteressada com os outros. Em suma, não há doutrina sem a iluminação do Espírito e sem uma verdadeira acção pastoral.

As características essenciais da teologia

Embora nunca tivesse a intenção de elaborar um verdadeiro e articulado sistema teológico, o Papa Francisco reconhece no santo e místico francês algumas características essenciais da teologia, que fazem uso de "duas dimensões constitutivas": a vida espiritual - "é na oração humilde e perseverante, na abertura ao Espírito Santo, que se pode tentar compreender e expressar a Palavra de Deus" - e a vida eclesial - "sentir-se na Igreja e com a Igreja".

Síntese do Evangelho e da cultura

Inevitavelmente, baseou-se também no exemplo da sua acção pastoral, que amadureceu em circunstâncias de mudança de tempos que colocavam grandes problemas e novas formas de os encarar, de onde emergiu também uma surpreendente procura de espiritualidade, como foi o caso no ambiente calvinista que teve de enfrentar como missionário no Chablais.

"Conhecer estas pessoas e tomar consciência das suas questões foi uma das circunstâncias providenciais mais importantes da sua vida", escreve o Pontífice. Tanto que aquilo que inicialmente parecia um esforço inútil e infrutífero tornou-se uma "síntese frutuosa" entre "Evangelização e cultura", "da qual ele derivou a intuição de um método autêntico, maduro e claro para uma colheita duradoura e promissora", que foi capaz de interpretar os tempos de mudança e guiar as almas sedentas de Deus. Afinal de contas, este era também o objectivo do seu Tratado.
O que é que São Francisco de Sales ainda hoje tem para ensinar? O Papa Francisco na sua Carta Apostólica Totum Amoris Est destaca "algumas das suas decisões cruciais também são importantes hoje em dia, para viver a mudança com sabedoria evangélica".

Relação entre Deus e o homem

Em primeiro lugar, é essencial recomeçar da "relação feliz entre Deus e o ser humano", relê-la e propô-la a cada pessoa de acordo com a sua própria condição, sem imposições externas ou forças despóticas e arbitrárias, como São Francisco explicou na sua Tratado. Pelo contrário", escreve o Papa, "precisamos "da forma persuasiva de um convite que mantenha intacta a liberdade do homem".

Verdadeira devoção

Deve-se também aprender a distinguir a verdadeira devoção da falsa devoção, na qual muitas vezes se sente realizado e "chegado", esquecendo-se, em vez disso, que é antes uma manifestação de caridade e a ela conduz: "é como uma chama com respeito ao fogo: reacende a sua intensidade, sem alterar a sua natureza". Não se pode ser devoto, em suma, sem a concretude do amor, um "modo de vida", que "reúne e interpreta as pequenas coisas de cada dia, comida e vestuário, trabalho e descanso, amor e descendência, atenção às obrigações profissionais", iluminando assim a própria vocação.

O êxtase da acção vital

O culminar deste compromisso de amor por cada homem é traduzido no que o santo bispo chama "o êxtase do trabalho e da vida", que emerge das "páginas centrais e mais luminosas do Tratado"como lhes chama o Papa Francisco".

É uma experiência "que, perante toda a aridez e a tentação de se entregar a si mesma, encontrou novamente a fonte da alegria", uma verdadeira resposta também para o mundo de hoje, invadido pelo pessimismo e pelos prazeres superficiais. O segredo deste êxtase reside em saber sair de si próprio, o que não significa abandonar a vida comum ou isolar-se dos outros, pois "aqueles que presumem elevar-se a Deus, mas não vivem a caridade para com o próximo, enganam-se a si próprios e aos outros".

O mistério do nascimento de Jesus

O Papa Francisco dedicou também a audiência geral de quarta-feira ao santo bispo e doutor da Igreja, debruçando-se em particular sobre alguns dos seus pensamentos sobre o Natal, incluindo o que foi confiado a Santa Jeanne-Françoise de Chantal - com quem, entre outras coisas, fundou o instituto Visitandine: "Prefiro cem vezes ver a querida Menininha na manjedoura, do que todos os reis nos seus tronos".

E de facto, o Santo Padre reflectiu: 'o trono de Jesus é o presépio ou o caminho, durante a sua vida quando pregou, ou a cruz no fim da sua vida: este é o trono do nosso Rei', 'o caminho para a felicidade'.

O autorGiovanni Tridente

Vaticano

O Papa pede orações por Bento XVI, que "está muito doente".

Esta manhã, no final da audiência de quarta-feira, o Santo Padre o Papa Francisco pediu uma oração especial por Bento XVI, "que em silêncio está a sustentar a Igreja" e "está muito doente". A Santa Sé acrescenta que tem havido "um agravamento" do seu estado de saúde.

Francisco Otamendi-28 de Dezembro de 2022-Tempo de leitura: 2 acta

O Papa Francisco fez hoje menção ao seu predecessor Bento XVI, avisando que está muito doente e pedindo orações por ele. Ele deu a notícia no final da audiência geral de hoje.

"Pedimos ao Senhor que o console e o sustente neste testemunho de amor pela Igreja, até ao fim", acrescentou o Papa Francisco no final da tradicional audiência de quarta-feira, hoje dedicada a São Francisco de Sales, no quarto centenário da sua morte.

Alguns minutos mais tarde, o director do Gabinete de Imprensa da Santa Sé, Matteo Bruni, declarou: "Quanto ao estado de saúde do Papa Emérito, para quem o Papa Francisco pediu orações no final da audiência geral desta manhã, posso confirmar que nas últimas horas houve um agravamento devido ao avanço da idade. De momento, a situação permanece sob controlo, constantemente monitorizada por médicos".

O Gabinete de Imprensa da Santa Sé informa também que "no final da audiência geral, o Papa Francisco foi ao mosteiro Mater Ecclesiae para visitar Bento XVI. Juntamo-nos a ele para rezar pelo Papa Emérito".

Por outro lado, segundo a agência oficial do Vaticano, as palavras textuais do Papa Francisco foram: "Gostaria de vos pedir a todos uma oração especial pelo Papa Emérito Benedito, que está silenciosamente a apoiar a Igreja. Lembrai-vos dele - ele está muito doente - pedindo ao Senhor que o conforte, e o sustente neste testemunho de amor pela Igreja, até ao fim".

A saúde de Bento XVI tem sido estável nos últimos tempos, mas a sua condição é muito frágil, e as palavras do Papa suscitaram mais preocupações. O secretário pessoal de Bento XVI, o Arcebispo Georg Gänswein, disse em várias ocasiões este ano que "ele é frágil, mas está bem".

Nos últimos anos, o Papa Emérito tem sido assistido, segundo a mesma agência, pelas mulheres consagradas da Associação. Memores Domini e por Monsenhor Georg Gänswein, que ao longo dos anos sempre falou de uma vida dedicada à oração, música, estudo e leitura.

Bento XVI nasceu a 16 de Abril de 1927, foi eleito Papa a 19 de Abril de 2005 no conclave após a morte de São João Paulo II, renunciou a 28 de Fevereiro de 2013, e celebrou o seu 95º aniversário no Sábado Santo. Desde a sua demissão, residiu no mosteiro Mater Ecclesiae dentro do Vaticano.

Em numerosas ocasiões, acrescenta o Vaticano News, o Papa Francisco falou da ligação com o seu antecessor, a quem chamou "pai" e "irmão" no Angelus a 29 de Junho de 2021, por ocasião do 70º aniversário da ordenação sacerdotal de Ratzinger. Também, desde o início do seu pontificado, o Papa Francisco iniciou a "tradição" de encontro com o Papa Emérito, começando pela primeira visita histórica do recém-eleito Papa, que chegou de helicóptero à residência de Castel Gandolfo, onde o seu antecessor permaneceu durante algumas semanas antes de se mudar para o mosteiro. Mater Ecclasiae.

Na véspera das férias do Natal ou da Páscoa, ou por ocasião das constelações com os novos cardeais, o Papa Francisco nunca quis perder um gesto de proximidade e cortesia e vir ao mosteiro do Vaticano para o cumprimentar e expressar os seus melhores votos.

O autorFrancisco Otamendi

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Vaticano

Papa Francisco: "A manjedoura é o trono do nosso Rei".

O Papa dedicou hoje a audiência geral a São Francisco de Sales e as suas reflexões sobre o Natal, devido à carta apostólica que será publicada hoje para o quarto centenário da morte do santo.

Paloma López Campos-28 de Dezembro de 2022-Tempo de leitura: 2 acta

O Papa Francisco iniciou a sua audiência geral felicitando os fiéis reunidos na Sala Paulo VI no Natal. No início ele mencionou que "esta época litúrgica convida-nos a parar e reflectir sobre o mistério do Natal e, uma vez que hoje marca o quarto centenário da morte da Virgem Maria, somos convidados a reflectir sobre o mistério da São Francisco de SalesPodemos inspirar-nos em alguns dos seus pensamentos".

Devido a esta recordação do santo, o Papa anunciou que hoje "está a ser publicada uma carta apostólica para comemorar este aniversário. O título é Tudo pertence ao amorpara pedir emprestada uma expressão característica do santo bispo de Genebra".

Seguindo o Doutor da Igreja, Francisco quis "aprofundar o mistério do Nascimento de Jesus na companhia de São Francisco de Sales".

Tendo em conta os escritos do Bispo de Genebra, o Santo Padre começou por analisar o elemento da manjedoura onde Jesus nasceu. "O evangelista Lucas, ao recontar o nascimento de Jesus, insiste muito no detalhe do presépio. Isto significa que é muito importante, não apenas como um detalhe logístico, mas como um elemento simbólico para compreender que tipo de Messias é aquele que nasce em Belém, que tipo de Rei, quem Jesus é".

"Olhando para o presépio, olhando para a cruz, olhando para a sua vida de simplicidade, podemos compreender quem é Jesus. Jesus é o Filho de Deus que nos salva, tornando-se homem como nós. Despojando-se da sua glória e humilhando-se a si próprio. Vemos este mistério concretamente no ponto central do berço, ou seja, na Criança".

Este humilde detalhe do berço aproxima-nos da forma de agir de Deus. Assim, Francisco diz: "Nunca o esqueçamos. O caminho de Deus é a proximidade, a compaixão e a ternura. 

A consequência deste estilo do Pai é que "Deus não nos toma pela força, não nos impõe a sua verdade e justiça, não nos proselitista". Ele quer atrair-nos com amor, ternura e compaixão".

Por tudo isto, Francisco afirma que "Deus encontrou os meios para nos atrair, quem quer que sejamos, com amor". Não é um amor possessivo e egoísta".

O amor de Deus "é puro dom e pura graça". É tudo e só para nós, para o nosso bem. É assim que ele nos atrai, com este amor desarmado e até desarmante. Mas quando vemos esta simplicidade de Jesus, também deitamos fora todas as nossas armas, o nosso orgulho.

Continuando a sua análise do nascimento de Cristo, Francisco considera que "outro aspecto que se destaca no Presépio é a pobreza". Esta não é uma pobreza exclusivamente material, mas, diz o Papa, deve ser "entendida como a renúncia a toda a vaidade mundana".

O conhecimento deste mistério da pobreza permite-nos compreender melhor o significado do autêntico Natal. O Papa adverte que há um Natal que é "a caricatura mundana que o reduz a uma celebração kitsch e consumista". É necessário celebrar, mas isto não é Natal. O Natal é outra coisa. O amor de Deus não é doce. O presépio de Jesus mostra-nos isso. O amor de Deus não é uma bondade hipócrita que esconde a busca de prazeres e confortos".

Inspirado por uma carta escrita por São Francisco de Sales antes da sua morte, o Papa conclui dizendo que "há um grande ensinamento que nos vem do Menino Jesus através da sabedoria de São Francisco de Sales. Não desejar nada e não rejeitar nada, aceitar tudo o que Deus nos envia. Mas tenha cuidado. Sempre, e só, por amor. Porque Deus nos ama e quer sempre, e só, o nosso bem".

Zoom

Ucrânia: Natal no bunker

Os soldados ucranianos celebram o seu jantar de Natal num local não especificado na Ucrânia. A fotografia foi divulgada pelo serviço de imprensa das Forças Armadas da Ucrânia a 25 de Dezembro de 2022.

Maria José Atienza-28 de Dezembro de 2022-Tempo de leitura: < 1 minuto

Pedir uma oração

Se há uma coisa que me apercebi, é que a oração faz de facto de nós família. Faz-nos família em Deus.

28 de Dezembro de 2022-Tempo de leitura: 2 acta

Há alguns anos atrás, Miguel Ángel Robles publicou um artigo antológico no ABC intitulado Reze por mim. Esse artigo é ainda um dos artigos que continuam a marcar o meu esboço profissional e pessoal. Ainda não acabei de escrever estas linhas quando a segunda parte deste artigo chega às minhas mãos.

Nestes dias, posso dizer que experimentei em primeira mão as palavras de Robles: "Orar não faz milagres, ou faz milagres, nunca saberemos, mas oferece consolo àquele que reza e àquele por quem é rezado. A oração nunca é inútil, porque consola sempre".

Como muitos em Madrid, há alguns dias atrás, no meio de canções de Natal e lotarias, recebemos a notícia gelada do acidente em que dois jovens irmãos perderam a vida. Eles eram bons filhos, amigos dos seus amigos e também amigos de Deus. Podemos não os ter conhecido, mas eles eram próximos.

Juntamente com a triste informação, a sua família, crentes, pediu-nos que rezássemos. Transmiti o pedido a quem conhecia e também, quase sem pensar, pedi orações através de uma rede social: rezar por eles, pela sua família..., no final, por todos. Porque, se há uma coisa que eu percebi graças aos milhares, sim, percebi, milharesA mensagem do povo que levantou uma oração, talvez pequena, por eles, é que, de facto, a oração faz de nós família. Faz-nos família em Deus.

Não é que Diego e Alex "possam ser" meus irmãos, é apenas que foram meus irmãos..., e meus primos e meus tios, e meus amigos. Eles eram você e eles eram eu.

Apercebi-me de que há muito mais gente boa do que por vezes pensamos. Aqueles milhares de pessoas desconhecidas, de lugares desconhecidos para muitos de nós, cristãos e outras denominações, dedicaram um momento das suas vidas não só para pensar, mas para rezar, por aquelas crianças, por aquela mãe e aquele pai, por aqueles irmãos e amigos.

Não sei quanto a si, mas eu, que acredito no que eles chamam a Comunhão dos Santos, tive a sorte de a experimentar, na sua versão mais autêntica 3.0.

Vou continuar a pedir orações. Tenho a certeza que o farei. Não sei se de um lado ou do outro; se na rua ou na rede, por sinais de fumo ou com uma canção. Continuarei a pedir orações sem complexos e a colocar alarmes no meu telemóvel para rezar por aqueles que as pedem porque, com a oração, com isto nos colocamos perante um Deus que, talvez por vezes não compreendemos, tu e eu seremos sempre melhores.

O autorMaria José Atienza

Diretora da Omnes. Licenciada em Comunicação, com mais de 15 anos de experiência em comunicação eclesial. Colaborou em meios como o COPE e a RNE.

Ecologia integral

Ricardo Martino: "Ainda há muito a fazer em matéria de cuidados paliativos".

O que significa a doença para as crianças? Qual é o impacto nas famílias? Como é que a presença de Deus entra em jogo em situações tão críticas? Entrevistámos Ricardo Martino, Chefe da Secção de Cuidados Paliativos Pediátricos do Hospital Infantil Niño Jesús, sobre estas questões.

Paloma López Campos-28 de Dezembro de 2022-Tempo de leitura: 4 acta

Ricardo Martino é o Chefe da Secção de Cuidados Paliativos Pediátricos da Hospital Infantil Niño Jesús. É Doutor em Medicina, especializado em Pediatria e promotor de vários projectos de sensibilização para os cuidados paliativos. Por todas estas razões, é um conselheiro do Ministério da Saúde nestas matérias. Em Omnes falou sobre as implicações da doença nas crianças, o impacto nas famílias e a presença de Deus em tais situações críticas.

Ricardo Martino numa foto da UNIR

É difícil ver a inocência das crianças feridas pela doença, ao ponto de os mais pequenos acabarem em cuidados paliativos. Como se lida com tal realidade?

- Para uma família, é a pior coisa que pode acontecer. De facto, não existe um termo em inglês para descrever o estado permanente de perda de uma criança. Pode-se ser viúvo ou órfão, mas, até agora, ainda não pusemos palavras a este facto. Este acontecimento invade a vida de uma criança e truncata o seu futuro, ou o futuro que pensávamos que ele ou ela tinha.

Uma doença não é uma realidade que afecta apenas o doente, toda a família sofre com as crianças. Como é que se cuida de todos os membros da família?

- A vida de toda a família é afectada. A vida conjugal dos pais é perturbada e eles podem perder o emprego para cuidar da criança; os irmãos ficam em segundo lugar e perdem o seu papel, os avós sofrem e envolvem-se nos cuidados de todos... Nós cuidamos da criança e ensinamos a família a prestar os cuidados de que necessitam. Também os ajudamos a lidar com a situação e a apoiá-los após a morte. Isto requer uma equipa que inclua médicos, enfermeiros, assistentes sociais, psicólogos, um companheiro espiritual, farmacêuticos, fisioterapeutas...

Pode Deus ser encontrado no meio de tanto sofrimento?

- Todos têm uma dimensão espiritual. Enfrentar a morte ou a morte de uma criança ou de um irmão toca a pessoa inteira. A ajuda espiritual no enfrentamento. As pessoas que têm uma fé têm mais recursos para aceitar a situação. Deus está presente, mesmo que por vezes suscite "raiva" sobre o que aconteceu. Muitas vezes encontramos a doçura de um Deus providente e misericordioso na forma como os acontecimentos ocorrem e na paz de coração que muitas famílias experimentam aquando da morte do seu próprio filho.

Como se fala das crianças e das suas famílias sobre um bom Pai?

- As mais importantes são as "experiências do bem" que as crianças têm, mesmo antes de serem capazes de compreender o facto religioso ou a pessoa de Deus. Ser amado, perdoado, celebrado... São experiências que podem ser feitas em qualquer idade e que constituem o substrato necessário para poder compreender a acção de Deus como um bom Pai.

Existe conforto espiritual para as crianças e suas famílias em tais situações? complicado?

- Há conforto se houver aceitação. E a aceitação não pressupõe a compreensão. Se for entendido, ajuda, mas isto é muito difícil de compreender. O que se pode fazer é aceitar mesmo que não se compreenda. Para lamentar de uma forma saudável, é preciso trabalhar no cumprimento e aceitação.

Para além de cuidados médicos altamente especializados, o que é que as crianças em cuidados paliativos mais precisam? E o que é que os familiares mais precisam?

- Têm de ser considerados e tratados como pessoas. Desta forma, o que é importante para eles, para além da própria doença, é tido em conta. O bem da pessoa é mais importante do que o que lhe acontece por causa da sua doença. Além disso, o que é bom para o paciente muda com o tempo, dependendo da evolução da sua doença, das suas limitações, das suas expectativas e das suas hipóteses de responder ao tratamento. Os membros da família também precisam de ser acolhidos, aceites e acompanhados por profissionais, que agem sem preconceitos e tentam ter em conta o que é importante para eles, desde que isso não se sobreponha ao bem da criança.

Quantas crianças em Espanha necessitam de cuidados paliativos, e acha que há investimento suficiente por parte das autoridades para satisfazer as necessidades de tantas crianças?

- Em Espanha há 25.000 crianças a precisar de cuidados paliativos. Mais de 80% não o recebem. Mas hoje em dia não há equidade na prestação de cuidados. Depende de onde se vive e da doença que se tem. E isto apesar do facto de, pelo menos desde 2014, as recomendações do Ministério da Saúde sobre o que fazer são claras.

Como se compara a situação dos cuidados paliativos pediátricos em Espanha com a Europa?

- Por um lado, não é mau porque cada vez mais equipas estão a ser gradualmente constituídas, principalmente devido à motivação e empenho dos profissionais. Por outro lado, no entanto, existe uma falta de instituições sociais e de cuidados de saúde, como existe para os adultos, para prestar apoio nestas fases da vida. Além disso, a formação exigida não é reconhecida e é ministrada através de estudos de pós-graduação.

O que é que falta neste campo?

- Há uma falta de reconhecimento social desta realidade. Há crianças que morrem. Muitos após anos de evolução da doença. Toda a família é afectada. Nos cuidados paliativos pediátricos, o tempo é contra o tempo. Tornar-se meses ou anos mais velho significa ficar pior e aproximar-se da morte. Para um grande número de pacientes, fazer 18 anos é um salto no escuro, uma vez que o sistema é rígido e a idade prevalece sobre as características clínicas do paciente, a fim de lhes dar os cuidados de que necessitam. Há crianças de 20 anos de idade que pesam 20 quilos que estão em fraldas desde o nascimento e precisam de ser cuidadas, alimentadas e mobilizadas. Há ainda muito a fazer.

Evangelização

Nolan Smith: "Eu amo a minha fé. Eu quero fazer parte da igreja, participar nas suas actividades".

Nolan Smith fazia parte do grupo de pessoas que deu voz à comunidade de pessoas com uma variedade de deficiências na Igreja através do documento A Igreja é a nossa casa. Este jovem com síndrome de Down mostra, juntamente com a sua família, o desafio da plena integração de pessoas com deficiências diversas no seio da Igreja. 

Maria José Atienza-27 de Dezembro de 2022-Tempo de leitura: 5 acta

Aos 22 anos de idade, Nolan Smith vive em Lawrence, Kansas e está actualmente no Transição da Universidade para o Programa de Educação Pós-Secundária do Kansas e está a estudar a Educação Infantil. Desde que nasceu, partilhou a vida de fé na sua casa. A sua participação na vida paroquial abriu também novos caminhos na sua comunidade.

Nolan participou na elaboração do documento. A Igreja é a nossa casa. Juntamente com o seu pai, Sean Joseph, deu uma entrevista à Omnes para falar sobre a sua experiência. Uma experiência que realça a riqueza que estas pessoas trazem à comunidade, a sua vontade de oferecer os seus talentos e o apoio da sua família na vida de fé. 

Nolan, como viveste a tua fé em casa, na tua família, com os teus amigos?

-Vivei a minha fé em casa de muitas maneiras. Primeiro, como uma família, rezamos. Rezámos à hora das refeições e também à noite. Ajudámos também a comunidade e a paróquia como uma família. Os meus pais dizem que fazer isto ajuda os outros e é o que Deus quereria. Eu tento ser uma boa pessoa. Procuro partilhar com outros. Quero ter a certeza de que os meus amigos sabem que são especiais. Preocupo-me com eles e quero fazê-los felizes. Se os posso ajudar de alguma forma, ajudo. Também rezei com a minha avó. Viveu por perto durante os últimos quatro anos da sua vida. Todas as noites eu ia a sua casa, o meu pai trazia-nos o jantar e ambos comíamos. Depois tocávamos música e também rezávamos o terço.

Sean, como pai de Nolan, qual é a sua perspectiva sobre esta experiência?

-Nolan é um dos nossos quatro filhos. Ele, tal como os seus irmãos, participou na educação religiosa, sacramentos, orações em casa e educação através da Igreja. Como uma família, assistimos à missa. Foram convidados a ajudar com a Igreja em vários eventos, incluindo actividades paroquiais. 

Os nossos filhos mais novos frequentaram a escola paroquial. Nolan e a sua irmã mais velha não o fizeram porque Nolan não estava autorizado a comparecer. Agora, eles aceitam e educam as crianças com síndrome de Down.

É agora um jovem, Nolan, como participa na sua comunidade paroquial? 

-Ajudei a minha igreja de várias maneiras. Servi como acólito, ajudei no ensino de educação religiosa com o meu pai, e neste momento sirvo como lector. Também ajudei no concurso de Natal das crianças e também decorei a igreja no Natal e na Páscoa.

 Tem tido dificuldade ou facilidade em viver a sua fé?

-Eu amo a minha fé. A minha avó era muito especial para mim e ela também me ajudou a conhecer Deus. Tenho saudades dela, mas sinto que ela me ajudou a viver a minha fé. Ir à igreja e aprender sobre Deus tem sido parte do que fazemos como uma família. Por isso, é bastante fácil viver a minha fé.

Foi um dos participantes na reunião do Dicastery que conduziu ao documento. A Igreja é a nossa casaComo foi a sua participação na reunião?

-Foi bom. Tive a oportunidade de me apresentar e ouvir os outros: quem eram e de onde vinham. A primeira reunião de zoom foi uma reunião de "conhecer-o-se". Gostei de ouvir o tradutor e fiquei surpreendido por ver todas as línguas faladas. Foi-nos dada a tarefa de completar um folheto. O meu pai e eu pousamos o que pensávamos sobre a Igreja, o que vimos sobre a visão da Igreja para as pessoas com deficiência e afins. Depois deram-nos um resumo do que tinham aprendido. 

O que se pede à Igreja?

-Eu quero fazer parte da Igreja. Fazer parte é poder assistir à missa. Mas também para participar em actividades eclesiásticas, eventos sociais, aprendizagem e outros eventos. Antes da pandemia, costumava ir a um evento organizado por um padre aos domingos após a missa. Eu iria com a minha avó e tomaríamos refrescos e ouviríamos o padre falar sobre as leituras e outras coisas da igreja. Fiz parte deste grupo e isso foi importante. Coisas como essa são importantes para mim.

Pensa que há uma mudança de mentalidade no seio da Igreja no cuidado pastoral das pessoas com deficiência? 

-[Nolan] Não sei. Eu sei que faço parte da minha paróquia. Tenho sido capaz de fazer tudo o que tenho querido fazer. Tenho podido participar como os meus irmãos. O meu pai diz que a escola católica não me aceitou, mas agora estão a ensinar crianças com síndrome de Down. Portanto, isso é bom.

-[Sean Joseph] Penso que a Igreja tem sido mais lenta do que a sociedade. Faço parte da nossa comissão de deficientes. O foco actual por parte da paróquia e da arquidiocese é o acesso. Acesso no sentido de que temos de proporcionar o acesso básico à Igreja e aos sacramentos. A sociedade falava de acesso e acesso básico há 40 anos atrás. Hoje em dia, a sociedade fala e facilita a inclusão significativa. Inclusão onde as pessoas com deficiência fazem parte da comunidade, são incluídas em actividades típicas (por exemplo, servir no altar, ser leitor, escola paroquial) e são membros contribuintes da sociedade. Infelizmente, por vezes a Igreja fala apenas de como construímos rampas nos edifícios, de como fornecemos suportes áudio para pessoas surdas. Não falam sobre as necessidades das pessoas com deficiência intelectual ou autismo. Eles não se concentram nas deficiências de desenvolvimento, nas quais a sociedade está muito concentrada. 

Infelizmente, eu diria que eles estão a olhar para as coisas de uma perspectiva do século XX, quando nos encontramos na terceira década do século XXI.

Em A Igreja a nossa casa Sublinha que as pessoas com deficiência são também chamadas a dar. O que é que elas trazem à comunidade eclesial?

-[Nolan] Bem, antes de mais, sou uma pessoa. Portanto, esta ideia de que sou uma pessoa carenciada é um problema. Se a Igreja for aberta e forem oferecidas acomodações razoáveis, eu posso fazer parte da Igreja. 

Não me trate como alguém que é diferente e alguém que precisa de ter pena de mim ou de ser necessário. Quando o fazemos, tratamos as pessoas com deficiência de forma diferente. Tenho três irmãos. Não me trate de forma diferente dos meus irmãos só porque tenho uma deficiência. 

A Igreja tem de aprender com o que a sociedade aprendeu. Posso contribuir como qualquer outra pessoa. Tenho sido um acólito. Agora sou um lector. Posso participar no coro. Ajudei a ensinar a escola dominical. Basta dar-me uma oportunidade e alguns adereços (quando necessário) e eu farei parte.

Se me tratam de forma diferente porque tenho síndrome de Down ou me impedem de ajudar porque tenho síndrome de Down, isso é errado.

- [Sean Joseph] Nolan faz parte da paróquia. É um membro e um membro activo. Agora, eu diria que isto se deveu inicialmente à minha expectativa e apoio. Por exemplo, ajudei-o a ser treinado como acólito e também facilitei a sua participação nesse processo. O seu irmão também o ajudou quando eles estavam juntos no altar. Estou também encarregue dos conferencistas e, portanto, treinei-o. 

A comunidade paroquial, quando participou nestas actividades, tem sido muito bem recebida. Têm sido muito solidários e têm apoiado a sua participação em toda a paróquia. Eles vêem isto como típico de Nolan. 

No entanto, vi que outras pessoas com deficiência não estão assim incluídas. Então a paróquia tem trabalho a fazer. Porquê? Porque as pessoas com deficiência podem e devem participar em condições de igualdade com a comunidade eclesiástica. 

Somos todos filhos de Deus e quando os tratamos como tal (por exemplo, oferecemos apoio, criamos uma estrutura e um clima de inclusão, vemos todos primeiro como uma pessoa, não como uma deficiência e depois como uma pessoa), podemos facilmente incluí-los na nossa Igreja.

Evangelização

Um novo desafio para a Igreja

A plena integração das pessoas com deficiência na vida da Igreja é apresentada como uma "um novo desafio para a Igreja". e para a sociedade. É o que diz Antonio Martínez-Pujalte, Doutor em Direito pela Universidade de Valência e Professor de Filosofia do Direito na Universidade Miguel Hernández de Elche, que  reflecte sobre este trabalho em Omnes. 

Antonio-Luis Martínez-Pujalte-27 de Dezembro de 2022-Tempo de leitura: 5 acta

O Dicastério para os Leigos, Família e Vida publicou recentemente um documento interessante, A Igreja é a nossa casaO resultado da participação na viagem sinodal de um grupo de pessoas com deficiência de diferentes países dos cinco continentes.

É um documento particularmente significativo, especialmente na medida em que representa a assunção do novo paradigma defendido pela Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência - mesmo que não seja expressamente mencionado - que também deve ser reflectido na Igreja.

Um novo paradigma que implica afastar-se da visão tradicional de bem-estar que considerava as pessoas com deficiência apenas como receptoras passivas da assistência que os outros lhes deviam prestar, para as estabelecer como protagonistas plenos da vida social, que têm de exercer os seus direitos e responsabilidades em pé de igualdade com todas as outras pessoas.

Característica do novo paradigma é também sublinhar a individualidade das pessoas com deficiência, longe de qualquer preconceito ou estereótipo: as pessoas com deficiência não são melhores ou piores do que as outras.

Não são, como por vezes tem sido pensado na Igreja, nem pecadores nem seres angélicos abençoados pelo seu sofrimento: são pessoas normais, com as suas qualidades e defeitos, com os seus desejos e preferências, que merecem o mesmo respeito que todas as outras pessoas.

É evidente que o velho paradigma tem estado e continua a estar presente na vida da Igreja, bem como em toda a sociedade à sua volta. O documento refere-se neste sentido à atitude paternalista que presidiu à forma como olhamos para as pessoas com deficiência, o que até nos levou a vê-las já como santos ou "Cristos na cruz" por causa da sua condição de deficientes, esquecendo que são, como todos os outros cristãos, simples crentes que precisam de conversão. Ele cita algumas manifestações concretas de exclusão, principalmente duas: a negação de sacramentos a pessoas com deficiência, o que é feito por uma variedade de razões.do preconceito sobre a capacidade de compreender a natureza do sacramento, à futilidade de oferecer a reconciliação àqueles que já expiam os seus pecados através do seu próprio sofrimento, ao preconceito sobre a capacidade de expressar consentimento definitivo, à falta de uma abordagem pastoral profunda que utilize todos os sentidos para facilitar a comunicação"e a segregação de muitas pessoas com deficiência em instituições de cuidados, não raro dirigidas por organismos relacionados com a igreja, onde os seus desejos não são tidos em conta e os direitos e liberdades básicas são frequentemente restringidos.

É necessária uma mudança de mentalidade. E não porque esteja na moda, porque é politicamente correcto ou porque a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência o indica. Pelo contrário, trata-se de assumir o significado profundo da dignidade intrínseca de cada ser humano - e, na Igreja, de cada fiel - o que exige a plena afirmação da sua igualdade radical e, consequentemente, a garantia da participação igualitária de todos e o exercício igualitário dos seus direitos.

Este paradigma tem consequências muito concretas: por exemplo, em relação ao acesso das pessoas com deficiência intelectual à comunhão sacramental, o novo paradigma opor-se-ia à negação da comunhão às pessoas com deficiência intelectual no pressuposto de um grau insuficiente de discernimento, como tem sido feito frequentemente, e exigiria procurar oferecer-lhes a explicação do sacramento que lhes é acessível, tendo em conta também que, como Bento XVI assinalou na sua Exortação Apostólica Sacramentum Caritatis (n. 58), independentemente do seu grau de compreensão, recebem o sacramento na fé da Igreja.

O novo paradigma deve também manifestar-se em linguagem, o que não é trivial, pois contribui para a disseminação de uma nova mentalidade ou para a perpetuação da antiga: neste sentido, é necessário evitar qualquer denominação que substantive a deficiência, e colocar sempre a condição de uma pessoa em primeiro lugar. Daí a adequação da expressão "pessoas com deficiência". E devemos também evitar equiparar a deficiência ao sofrimento: a deficiência é uma condição da pessoa, que em si mesma não gera necessariamente qualquer sofrimento - em muitos casos, pelo contrário, estimula o desejo de ultrapassar - e que na grande maioria dos casos é totalmente compatível com a alegria e uma vida digna e feliz. 

Além disso, para que as pessoas com deficiência possam exercer plenamente os seus direitos e responsabilidades dentro da Igreja, a acessibilidade é um requisito inevitável, que é a condição que os edifícios, espaços, produtos e serviços devem ter para que possam ser utilizados por todas as pessoas em condições de igualdade e de forma tão independente quanto possível. Como o documento salienta, esta é ainda uma questão por resolver, a começar pela existência muito frequente de barreiras físicas para as pessoas com mobilidade reduzida no acesso às igrejas. 

Mas acessibilidade não significa apenas acessibilidade física; não há acessibilidade à educação para cegos, por exemplo, se não houver textos escritos em Braille; a acessibilidade para surdos não é garantida se não houver intérpretes de linguagem gestual nas celebrações litúrgicas e se não houver confessores capazes de ouvir confissões em linguagem gestual; ou não há acessibilidade para pessoas com deficiências intelectuais se não forem utilizados textos de fácil leitura ou se as homilias não utilizarem uma linguagem clara e simples acessível a todos (o que, além disso, não beneficiaria apenas as pessoas com deficiências intelectuais).

O documento apela também à plena participação das pessoas com deficiência na vida e na governação da Igreja. Em particular, devem estar envolvidos nos organismos que lidam especificamente com a deficiência. "Nada para pessoas com deficiência sem pessoas com deficiência".Este lema, que tem guiado a maioria dos movimentos por deficiência durante mais de cinquenta anos, também se reflecte no texto, e é inteiramente razoável, pois são as pessoas com deficiência que melhor conhecem as suas próprias necessidades e exigências.

Estamos, portanto, perante um novo desafio para a Igreja: a plena inclusão das pessoas com deficiência na sua acção pastoral. E o objectivo não é, evidentemente, que deva haver uma pastoral especializada para as pessoas com deficiência, e muito menos uma pastoral especializada para os diferentes tipos de deficiência, mas que se preste atenção às pessoas com deficiência na pastoral ordinária da Igreja. 

Contudo, para alcançar este objectivo, creio que seria muito necessário criar, nos diferentes níveis de governo, secções ou organismos especificamente dedicados à deficiência (delegações episcopais nas dioceses, pelo menos nas dioceses mais importantes, comissões nas conferências episcopais, etc.), pois há muito trabalho a fazer: a acessibilidade deve ser promovida nas diferentes áreas, o novo paradigma de que falámos nestas linhas deve ser transmitido a todos os sacerdotes e também aos leigos, etc.

Mas este é um desafio emocionante, que, além de ser parte integrante da nova evangelização, será uma mensagem clara e viva contra a "cultura descartável" tão frequentemente denunciada pelo Papa Francisco.

Em última análise, incluir as pessoas com deficiência não significa outra coisa senão assumir plenamente as consequências da universalidade da redenção de Cristo.

A este respeito, o documento cita correctamente a frase de Gaudium et Spes, n. 22: "O Filho de Deus pela sua encarnação uniu-se, num certo sentido, a cada ser humano". Jesus Cristo também tem estado unido à deficiência, que é uma característica da condição humana.

O autorAntonio-Luis Martínez-Pujalte

Doutorado em Direito pela Universidade de Valência e Professor de Filosofia do Direito na Universidade Miguel Hernández de Elche.

Vaticano

Papa apela à paz durante a bênção Urbi et Orbi

Relatórios de Roma-26 de Dezembro de 2022-Tempo de leitura: < 1 minuto
relatórios de roma88

Os locais afectados pela guerra e pela catástrofe foram o foco do discurso do Angelus papal no domingo 25 de Dezembro de 2022.

Na bênção Urbi et OrbiFrancisco apelou a uma redescoberta do significado do Natal. Ele disse que o significado das férias é "anestesiado pelo consumismo".


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Mundo

Cardeal Mendonça aos jovens: "A vida é um desperdício se vivermos com pouco coração".

O caminho para a JMJ 2023 continua e agora estão a ser lançados vídeos em que o Cardeal Mendonça fala aos jovens de diferentes países sobre a Igreja, a juventude e a JMJ.

Paloma López Campos-26 de Dezembro de 2022-Tempo de leitura: 4 acta

O Cardeal José Tolentino Mendonça é Prefeito do Dicastério da Cultura e Educação. Para além de poeta e ensaísta, é um especialista em estudos bíblicos. O seu trabalho intelectual centra-se essencialmente na relação entre o cristianismo e a cultura.

Os organizadores da JMJ estão a encorajar o Cardeal Mendonça a encetar conversações com jovens de diferentes nacionalidades para discutir vários tópicos. O primeiro vídeo destes diálogos já está disponível.

Tempo de espera

Os primeiros jovens a conhecer o Cardeal foram Sara e David, do comité organizador local e do comité organizador diocesano, respectivamente. Durante a conversa, o Cardeal falou sobre como os jovens devem viver o Natal: "O Natal exige uma viagem interior progressiva, de escuta, de atenção, de prontidão para nos encontrarmos e de prontidão para encontrar a Palavra de Deus".

Mendonça falou da importância da espera. "Quem espera? Aquele que sabe que algo está a faltar. Todos temos de sentir que estamos incompletos, que a nossa vida não é auto-suficiente, e é por isso que paramos e esperamos". A época do Advento é aquela que "nos prepara para a espera, que é também uma forma de esperança".

Os cristãos, diz-nos o Cardeal, "não esperem por coisas imediatas". Esperamos pelo Príncipe da Paz. Esperamos pelo Senhor da nossa vida, o Senhor da história, que dá sentido ao que somos e ao que construímos.

Este ano, para além da expectativa do Advento, há também a antecipação da JMJ 2023 em Lisboa. Nesta espera que precede o encontro entre o Papa e os jovens, diz Mendonça, "já estamos felizes, porque o coração já está projectado neste grande momento que se vive no coração e marcará todos os participantes". Isto deve encher-nos de entusiasmo porque "é muito bonito pensar numa comunidade global que nos tira da solidão e nos dá a alegria de estarmos uns com os outros para confirmar a nossa esperança".

A JMJ e a sua eficácia transformadora

É fácil imaginar como é que os corações podem ser mudados em poucos dias. O cardeal acredita que a JMJ pode ser mais do que um evento pontual se "investirmos seriamente na preparação e utilizarmos este tempo como um tempo de crescimento, descoberta e aprofundamento da fé". Podemos também aproveitar para nos unirmos mais à Igreja e tomarmos consciência de que "somos Igreja".

Citando o Papa, Mendonça considera que "os jovens devem ser os novos poetas da história". Se neste tempo nos descobrirmos como protagonistas da história, se percebermos que somos o rosto de Cristo, o encontro com o Santo Padre não será o ponto de chegada, mas um ponto de partida gigantesco que nos pode projectar em muitas dinâmicas criativas que marcarão sem dúvida o início de uma nova era".

Encontro com Cristo

A JMJ implica um encontro com Cristo porque "para a Igreja os grandes encontros são encontros com Ele". É isso que faz a diferença para nós, porque através da fé olhamos para a vida e para o mundo com olhos diferentes.

"Quando olhamos no fundo", diz o cardeal, "vemos que é Jesus o protagonista da história e dá-nos coragem e ousadia. Cristo é o trampolim dos nossos sonhos, ele enche os nossos corações de desejo.

Esta audácia dos jovens deve levá-los a não serem repetidores, mas a dedicarem-se a recriar, sonhando com "um mundo de amor que não seja impossível". O que ouvimos Jesus dizer no Evangelho é possível, começando com a vida de cada um de nós".

A chave para isto, diz Mendonça sem dúvida, "é Cristo, e é por isso que é tão importante que, neste tempo de preparação, a descoberta de Cristo e da sua Palavra esteja no centro de tudo". Isto significa que "antes de reservar uma viagem a Lisboa, temos de aceitar que nas nossas vidas essa companheira Emaús vem connosco, essa companheira de viagem que é Jesus".

Santa Maria e os jovens

"Maria é a nossa professora, no sentido de que nos ensina a arte de esperar. Santa Maria deixa "uma marca nos nossos corações". Os jovens podem olhar para três atitudes fundamentais que a Mãe de Deus nos ensina.

"A primeira é a sua escuta do plano de Deus". Maria dá a Deus a sua atenção, "abre o seu coração a este encontro com o Senhor". Da mesma forma, os jovens têm de ouvir o que Deus lhes diz "porque Ele tem um plano no qual você é o protagonista".

Em segundo lugar, encontramos "a capacidade de Maria de dizer sim, de se comprometer". A nossa Mãe "dá-nos a força para nos apaixonarmos". Ela lembra-nos que "a vida é um desperdício se vivermos com pouco coração".

Finalmente, podemos aprender muito sobre "o temperamento de Maria". O seu caminhar, a sua escuta, a sua pressa... "Ela mergulha na sua história" e isto é um sinal de "o coração jovem de Maria". A Mãe de Deus, com a sua atitude, "empurra a história para a frente. Ela vai depressa porque o seu coração está cheio de amor.

Os jovens amados por Cristo

"Quando temos algo grande no nosso coração, não nos podemos conter, rebentamos se não dissermos o que está dentro de nós". O cardeal diz que isto é o que cada jovem deve alegremente partilhar quando se aperceber que Cristo os ama: "Cristo está na minha vida, o Evangelho está vivo em mim".

Esta convicção faz de todos nós jovens missionários e "Lisboa é o lugar para todos nós estarmos juntos a dizer: queremos, sonhamos, estamos aqui, temos esta notícia para anunciar ao mundo". Assim, a viagem a Lisboa será uma "explosão de esperança de que o mundo precisa tanto".

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ColaboradoresSantiago Leyra Curiá

Europa e Espanha em Menéndez Pelayo

A ideia de Espanha de Marcelino Menéndez Pelayo baseou-se num profundo amor pelo seu povo e na riqueza de pertencer a um mundo maior e aberto.

26 de Dezembro de 2022-Tempo de leitura: 5 acta

"Quando publicou a sua "Epístola a Horácio" em 1877, o jovem Marcelino Menéndez Pelayo (1856/1912) ansiava pelos povos da Europa unidos pela arte e pelas palavras, trabalhando a beleza com mão e coração cristãos, como aqueles povos mediterrânicos que tinham promovido a cultura renascentista. Catorze anos mais tarde, viu na Renascença "o período mais brilhante do mundo moderno, por ter alcançado a fórmula estética definitiva, superior em alguns casos à da antiguidade, nas obras de artistas como Rafael, Leonardo da Vinci, Michelangelo, Miguel de Cervantes, Fray Luis de León...". (discurso de admissão à Academia Real de Ciências Morais e Políticas)".

Em contraste com aqueles que viram concordância entre os postulados iniciais do Renascimento e do Protestantismo, ele afirmou que "A grande tempestade da Reforma nasceu nos claustros nominalistas da Alemanha, não nas escolas de humanidades da Itália.. E confessou que não conseguia aproximá-lo dos povos do Norte da Europa. "A Reforma, o filho ilegítimo do individualismo teutónico". que tinha significado o fim da unidade europeia (História do heterodoxo espanhol e A Ciência Espanhola).

Em qualquer caso, ele não deixou de admirar "Schiller's Maravillous Bell Song, a mais religiosa, a mais humana e a mais lírica das canções alemãs, e talvez a obra-prima da poesia lírica moderna". Também estremeceu quando leu a carta em que Schiller disse a Goethe que "O cristianismo é a manifestação da beleza moral, a encarnação do sagrado e sagrado na natureza humana, a única religião verdadeiramente estética". E, sobre o próprio Goethe, recordou que ele tinha sido o introdutor da expressão "literatura universal, que ele inventou e em virtude da qual devemos chamar-lhe um cidadão do mundo". Do mesmo modo, fez uma pausa sobre as obras das figuras mais representativas da era dourada da literatura alemã, tais como Winckelmann, Lessing, Herder, Fichte, the Humboldts e Hegel, "que ensina mesmo quando erra... cujo livro (em Estética) respira e instila um amor de beleza imaculada e espiritual". Como ele se maravilharia com a literatura da Inglaterra, "uma das aldeias mais poéticas do mundo". (História das ideias estéticas em Espanha, 1883/1891).

Como é que Menéndez Pelayo viu a Espanha naquela Europa? 

Ele considerou que o valenciano Juan Luis Vives tinha sido "o mais brilhante e equilibrado pensador da Renascença"., "o escritor mais completo e enciclopédico da época". E ele viu em Vives o mais empenhado na Europa do seu tempo, que "contemplou Cristo como o Mestre da paz, para aqueles que o escutam e para aqueles que não o escutam, pela sua acção no fundo das suas consciências".àquele que, movido por "pelo amor da concórdia de todos os povos da Europa", vendo-a tão dividida, dirigiu-se ao Imperador e aos reis Henrique VIII e Francisco I, recordando-lhes que a sua divisão facilitou a pirataria de Barbarossa e as rusgas turcas (Antologia dos poetas líricos castelhanos).

Ele coincidiu com outro espanhol, Jaume Balmes, o autor de "Protestantismo comparado com o catolicismo nas suas relações com a civilização europeia", onde o escritor catalão tinha discordado abertamente de Guizot, o autor do livro "História geral da civilização na Europa". Para Guizot, o catolicismo e o protestantismo estavam em pé de igualdade, uma vez que tinham desempenhado um papel semelhante na formação da Europa; do seu ponto de vista calvinista, Guizot acreditava que a Reforma Protestante tinha trazido à Europa um movimento expansivo de razão e liberdade humana.

Pela sua parte, Menéndez Pelayo considerou que a Reforma, iniciada com as ideias de livre exame, servo arbitrio e fé sem obras, tinha significado um desvio do curso majestoso da civilização europeia: "... provou-o... começando por analisar a noção de individualismo e o sentimento de dignidade pessoal, que Guizot considerava característico dos bárbaros, como se não fosse um resultado legítimo do grande estabelecimento, transformação e dignificação da natureza humana, trazida pelo cristianismo...". (Duas palavras sobre o centenário de Balmes). 

Baseou-se no pressuposto de que "O ideal de uma nacionalidade perfeita e harmoniosa não é mais do que uma utopia... É necessário tomar as nacionalidades como os séculos as fizeram, com unidade em algumas coisas e variedade em muitas outras, e acima de tudo na língua". (Programa de Defesa da Literatura Espanhola). E de como o espírito espanhol, que tinha vindo a emergir ao longo da Reconquista, era "um em crença religiosa, dividido em tudo o resto, por raça, por língua, por costumes, por privilégios, por tudo o que pode dividir um povo". (Discurso de entrada na Academia Real Espanhola).

Nas suas obras sobre a história da cultura espanhola, não se limitou a escrever na língua comum espanhola, a língua castelhana, o que não deixou de considerar "o único entre os modernos que conseguiu expressar algo da ideia suprema". e em que foi escrito "o épico cómico da raça humana, o eterno breviário do riso e do bom senso".

Bem, considerando que a Espanha é uma nação rica e variada em línguas, veria no Ramón Llull de Mallorcan, "ao primeiro que tornou a linguagem vulgar útil para ideias puras e abstracções, àquele que separou a língua catalã da provençal, tornando-a grave, austera e religiosa". (Discurso de entrada para a RAE em 1881).

Tendo iniciado os seus estudos universitários em Barcelona, conhecia a língua catalã, na qual, anos mais tarde, proferiria um discurso à Rainha Regente Maria Cristina. E, na sua "Semblanza de Milá y Fontanals". lembrar-se-iam de que "Foram os poetas que, percebendo que ninguém pode alcançar a verdadeira poesia a não ser na sua própria língua, se voltaram para o seu cultivo artístico com objectivos e propósitos elevados".

Alfredo Brañas, em "Regionalismo", recorda como, na esfera literária, a Catalunha tinha alcançado a mais alta representação da literatura hispânica em 1887. Nesse ano, o poeta catalão Federico Soler tinha ganho o prémio da Real Academia Espanhola para o melhor trabalho dramático realizado nos teatros de Espanha. Brañas comenta que, antes de ser atribuído, enquanto alguns académicos eram da opinião de que o prémio só deveria ser atribuído a peças executadas nos teatros do Tribunal, outros, como Menéndez Pelayo, consideraram que deveria ser aberto a dramaturgos de todas as regiões espanholas.

No seu "Antología de poetas líricos castellanos" (Antologia de poetas líricos castelhanos), Menendez Pelayo dedicou páginas consideráveis à poesia galega medieval e, em dois relatórios e com bom senso, ele julgaria a "Dicionário Galego-Espanhol". por Marcial Valladares e o "Cancioneiro folclórico galego". por José Pérez Ballesteros. Na mesma antologia, eu elogiaria Valência porque "Ela foi predestinada a ser bilingue... pois nunca abandonou a sua língua materna". E, numa carta datada de 6 de Outubro de 1908, ele diria a Carmelo Echegaray: "a minha biblioteca que, graças a si, se está a tornar uma das mais ricas deste interessante ramo (livros bascos), tão difícil de recolher fora do País Basco...".

Numa outra carta, endereçada à revista "Cantabria" (28/11/1907), Menéndez Pelayo escreveria que "Não pode amar a sua nação que não ama o seu país natal e começa por afirmar este amor como a base de um patriotismo mais amplo. O regionalismo egoísta é odioso e estéril, mas o regionalismo benevolente e fraternal pode ser um grande elemento de progresso e talvez a única salvação de Espanha".

O autorSantiago Leyra Curiá

Membro correspondente da Academia Real de Jurisprudência e Legislação de Espanha.

Vaticano

Papa dirige o seu olhar para os mais vulneráveis no Angelus do dia de Natal

"Regressemos a Belém" salientou o Papa no seu Angelus, num domingo especial em que a Igreja celebra a Solenidade do Nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo. Um regresso a Belém significa virar o nosso olhar para aqueles que mais sofrem hoje.

Maria José Atienza-25 de Dezembro de 2022-Tempo de leitura: 3 acta

Uma manhã ensolarada acompanhou o Angelus do Papa no Domingo de Natal. Da varanda da Basílica de São Pedro, o Papa Francisco dirigiu-se aos fiéis, encorajando-os a superar "a letargia do sono espiritual e as imagens falsas da festa que nos fazem esquecer quem está a ser honrado". O seu discurso foi marcado por um lembrete da falta de paz no mundo e das nações atingidas pela guerra.

"Regressemos a Belém, onde ressoa o primeiro som do Príncipe da Paz. Sim, porque ele próprio, Jesus, é a nossa paz; aquela paz que o mundo não pode dar e que Deus Pai deu à humanidade enviando o seu Filho", continuou o Santo Padre.

Francisco quis recordar que seguir o caminho da paz traçado por Jesus pressupõe abandonar o fardo do "apego ao poder e ao dinheiro, ao orgulho, à hipocrisia e à mentira". Estes fardos tornam impossível ir a Belém, excluem-nos da graça do Natal e fecham-nos o acesso ao caminho da paz. E de facto, devemos notar com tristeza que, ao mesmo tempo que nos é dado o Príncipe da Paz, os duros ventos da guerra continuam a soprar sobre a humanidade".

Nações em guerra

O Papa apontou os novos rostos do Menino de Belém: "Que o nosso olhar se encha com os rostos dos nossos irmãos e irmãs ucranianos, que vivem este Natal na escuridão (...) Pensemos na Síria, ainda martirizada por um conflito que passou para segundo plano mas que ainda não terminou; pensemos também na Terra Santa, onde nos últimos meses a violência e o conflito aumentaram, com mortos e feridos. Imploremos ao Senhor que ali, na terra do seu nascimento, o diálogo e a busca da confiança mútua entre israelitas e palestinianos possam ser retomados".

Uma das regiões recentemente visitadas pelo Papa e que fez parte da sua recordação neste dia foi o Médio Oriente. Francisco continuou a rezar para que "o Menino Jesus possa sustentar as comunidades cristãs que vivem em todo o Médio Oriente, para que em cada um destes países se possa experimentar a beleza da coexistência fraterna entre pessoas de diferentes credos. Que ele possa ajudar o Líbano em particular, para que este possa finalmente recuperar, com o apoio da comunidade internacional e com a força da fraternidade e da solidariedade. Que a luz de Cristo ilumine a região do Sahel, onde a coexistência pacífica entre povos e tradições é perturbada por confrontos e violência. Que ela guie para uma trégua duradoura no Iémen e para a reconciliação em Mianmar e no Irão, para que todo o derramamento de sangue possa cessar".

O Papa também não quis esquecer o seu continente de origem, a América, onde alguns países vivem momentos de incerteza e de desestabilização social, tais como a Nicarágua e o Peru. O Papa elevou as suas orações pedindo a Deus "que inspire as autoridades políticas e todas as pessoas de boa vontade do continente americano a fazer um esforço para pacificar as tensões políticas e sociais que afectam vários países; estou a pensar em particular no povo haitiano, que sofre há muito tempo".

Olhar fixamente e com fome

Também fez uma comparação entre o significado de Belém, "Casa do Pão", apontando "as pessoas que sofrem de fome, especialmente as crianças, enquanto todos os dias se desperdiçam grandes quantidades de alimentos e se esbanjam mercadorias para obter armas". Nesta altura, centrou-se nas consequências da guerra na Ucrânia que "agravou ainda mais a situação, deixando populações inteiras em risco de fome, especialmente no Afeganistão e nos países do Corno de África". Cada guerra - como sabemos - causa fome e utiliza os próprios alimentos como arma, impedindo a sua distribuição a pessoas que já estão a sofrer". Num dia em que muitas famílias se reúnem numa mesa especial, o Papa apelou para que "a comida não fosse mais do que um instrumento de paz".

Finalmente, o Papa apontou para "tantos migrantes e refugiados que batem à nossa porta em busca de conforto, calor e comida. Não esqueçamos os marginalizados, os solitários, os órfãos e os idosos que correm o risco de serem descartados; os prisioneiros que só olhamos para os seus erros e não como seres humanos.

O Santo Padre concluiu pedindo-nos para nos deixarmos "comover pelo amor de Deus e seguir Jesus, que se esvaziou da sua glória para nos tornar participantes na sua plenitude".

Após as palavras, o Papa deu a bênção Urbi et orbi a todos os presentes na Praça de São Pedro e àqueles que acompanharam esta bênção através dos meios de comunicação social.

Vaticano

Papa na Missa de Natal: "Ajuda-nos a dar carne e vida à nossa fé".

Onde procurar o significado do Natal? Esta foi a questão em torno da qual a homilia do Papa Francisco girava na sua décima celebração da Missa da Natividade do Senhor.

Maria José Atienza-25 de Dezembro de 2022-Tempo de leitura: 2 acta

A Basílica de São Pedro voltou a acolher centenas de pessoas, incluindo muitas crianças, e dezenas de sacerdotes que acompanharam o Santo Padre na celebração eucarística.

O Papa quis virar o seu olhar para o presépio, apontando-o como o lugar onde encontramos o verdadeiro significado do Natal, que por vezes é afogado em presentes e decorações. "Para encontrar o significado do Natal, é preciso olhar para lá (para o presépio). Mas porque é que o berço é tão importante? Porque é o sinal, não por acaso, pelo qual Cristo entra na cena mundial. E do presépio, o Papa apontou três significados para reflectir: proximidade, pobreza e concretude.

No que diz respeito ao proximidadeO Papa salientou que "o berço serve para aproximar a comida da boca e para a consumir mais rapidamente. Uma ideia que recorda a voracidade do mundo, ganancioso por conforto e dinheiro. Pelo contrário, "na manjedoura da rejeição e do desconforto", continuou o Papa.

"Deus acomoda-se a si próprio: ele chega lá, porque há o problema da humanidade, a indiferença gerada pela pressa voraz de possuir e consumir. Cristo nasce ali e naquela manjedoura descobrimo-lo por perto".

Sobre o pobreza da manjedoura, o Papa observou, "a manjedoura lembra-nos que não tinha mais ninguém à sua volta senão aqueles que o amavam". Uma realidade que "realça assim a verdadeira riqueza da vida: não o dinheiro e o poder, mas as relações e as pessoas. E a primeira pessoa, a primeira riqueza, é o próprio Jesus".

E por último, o Papa parou no concreção que marca a entrada de Cristo na história da humanidade. Numa criança concreta, numa terra concreta e num ano concreto: "Do presépio à cruz, o seu amor por nós era tangível, concreto: desde o nascimento até à morte, o filho do carpinteiro abraçou a aspereza da madeira, a aspereza da nossa existência".

"Jesus, nós olhamos para Ti, deitado na manjedoura. Vemo-Vos tão perto, sempre perto de nós: obrigado, Senhor. Vemo-Vos pobres, ensinando-nos que a verdadeira riqueza não está nas coisas, mas nas pessoas, especialmente nos pobres: perdoai-nos, se não Vos reconhecemos e servimos neles. Vemo-vos concretos, porque o vosso amor por nós é concreto: Jesus, ajudai-nos a dar carne e vida à nossa fé", concluiu o Papa.

Durante a celebração, o Santo Padre renovou o costume de adoração da imagem do Menino Jesus e fez uma pausa, de forma especial, antes da manjedoura montada no interior da Basílica de Petrine.

Recursos

Natal de encerramento

Várias freiras de clausura contam a sua preparação durante o Advento e como vivem o Natal na sua dedicação contemplativa.

Paloma López Campos-25 de Dezembro de 2022-Tempo de leitura: 4 acta

O Natal é um tempo que todos vivemos de uma forma especial, mas como é vivido nas comunidades de clausura? A celebração dentro dos muros é muito diferente da celebração nas ruas? Como se preparam as pessoas consagradas para a vinda de Cristo?

As Clarissas Pobres como reparadoras

As freiras Clarissas do convento de São José (Ourense) contam-nos como vivem estas festividades especiais.

Como é que as pessoas de clausura se preparam para o nascimento de Cristo?

- Preparamo-nos, antes de mais, com a Palavra de Deus contida nas leituras do Ofício Divino, da Sagrada Escritura, dos Sacramentos... Ano após ano, concentramo-nos em aprofundar a nossa compreensão destes textos muito ricos, a fim de abordar a compreensão insondável do mistério da Natividade de Cristo".

Nas ruas tudo se enche de luzes, música, vitrines de lojas vistosas... Como podemos olhar para trás para o que é importante nesta época litúrgica?

- Todas estas manifestações de luzes, som, canções, presentes, doces... são sinais que nos falam de um evento. Do ponto de vista da fé, o mais importante. Deus aproxima-se do homem, tomando a nossa natureza para nos salvar. A forma como ele o faz desperta-nos tremendamente: nasce numa caverna de pastor, morre (ou melhor, matamo-lo) numa cruz. Porquê? "Eis-o e serás radiante".

As actividades e os horários no convento mudam quando o Advento e o Natal se aproximam?

- Nesta altura do ano, é necessário alterar o nosso horário habitual para tornar o nosso trabalho compatível com as nossas obrigações na vida contemplativa. É a confeitaria, particularmente o doce "panettone", que é muito popular no momento, que requer esta adaptação".

Qual é, da sua perspectiva, o aspecto mais importante do Natal?

- Da nossa perspectiva e de qualquer cristão, a fé, a única forma de ver Deus, é sem dúvida o aspecto mais importante. Tudo faz sentido a partir da fé. Claro que celebramos como em qualquer casa que vive na esperança, porque Deus amou o homem a tal ponto, e Deus não desilude.

Tem alguma recomendação que possa fazer para nos preparar para acolher Cristo?

- Voltar à "Palavra de Deus", meditar sobre ela, rezá-la, é a nossa sugestão. Por exemplo:

a) Leia o n.º 3-4 da Constituição Dogmática Dei Verbum sobre a revelação divina do Concílio Vaticano II.

b) N.º 48 da Constituição Dogmática Lumen Gentium sobre a Igreja do Concílio Vaticano II

c) Leia o livro de Sabedoria na Bíblia.

d) Capítulo 12 da Carta de Paulo aos Romanos.

e) Finalmente "ORAÇÃO", rezar sem cessar. Mas como? Quando não é possível fazer o contrário, com o "desejo". "Todo o meu desejo está na vossa presença. Se não quiseres parar de rezar, não interrompas o desejo".

Segundo Mosteiro de Visitação

Por outro lado, as freiras da Visitação dizem que o seu "trabalho é rezar pelas vocações em geral, e pelo mundo ateu que infelizmente estamos hoje a sofrer". O Advento para nós é um tempo de mais recordação antes da vinda do nosso Salvador e Redentor. A alegria que permeia os nossos claustros não pode de modo algum ser comparada às festividades da azáfama e da azáfama e pouco ou nada para nos lembrar destes dias.

Mercedarian Sisters of Cantabria

Do mosteiro de Santa Maria de la Merced, na Cantábria, eles também quiseram partilhar a sua experiência:

"Num convento de vida contemplativa, o tempo do Advento e do Natal, sem essencialmente mudar nada, é vivido como um amanhecer, com nova alegria e esperança. O berço e o cesto da Criança vindoura são preparados, através de actos pessoais de virtude, orações, serviços fraternais, etc. A liturgia é vivida com maior intensidade, unindo-nos à grande expectativa do povo de Israel, à ansiedade urgente do nosso mundo que, mesmo sem se dar conta, anseia por um "Salvador ou Libertador".

Todo este anseio universal ganha vida na nossa oração pessoal, comunitária e litúrgica. O canto gregoriano dos antífonos "O" na expectativa imediata do Natal cria uma atmosfera de expectativa alegre e de silêncio expectante que permeia a nossa vida fraterna diária. Materialmente, decoramos também o nosso pequeno convento com murais de Advento, com suspiros orantes de "Marana tha"Vinde Senhor Jesus", com música de Natal para vos acordar pela manhã, etc.

Para nós, o mais importante do Natal é experimentarmos o nascimento de Jesus, o Filho de Deus, que toma a nossa natureza humana para nos salvar e nos dar um exemplo de vida. É um acontecimento espantoso de amor infinito que atinge um tal nível de desvalorização de si por puro amor ao homem caído, para cada um de nós, que nos enche de espanto amoroso e nos leva a uma alegria e gratidão transbordante que se traduz numa atmosfera coral, fraterna e também em "extras" de comida. Pois, como diziam os antigos monges, as festas "à missa e à mesa".

Tudo isto nos leva a partilhar espiritual, litúrgica e materialmente com os nossos irmãos e irmãs, com a nossa ajuda a pessoas necessitadas, com o atendimento de visitas e telefonemas, tentando partilhar a nossa fé, a nossa alegria, a nossa gratidão ao Deus do Amor feito Criança em Belém.

É uma grande pena que em muitas famílias a fé e a alegria da época natalícia cristã esteja a desaparecer e a ser substituída por festividades pagãs em que a razão das festividades já não é lembrada. O nosso desejo e recomendação às famílias cristãs é que não se deixem arrastar por correntes que nada têm de bom e profundo para contribuir, e que a unidade familiar seja reforçada mais em torno de uma mesa em casa com canções de Natal, a Natividade e o calor da família, do que com tantos substitutos oferecidos pelo mundo actual, que não conduzem à melhoria da nossa sociedade.

 A todos vós desejamos que o Deus Criança nasça e cresça nos vossos corações, nas vossas famílias, nas vossas paróquias e no vosso ambiente social. MERRY CHRISTMAS JUNTO COM O CRIANÇA JESUS; MARIA E JOSÉFIA".

Natal para todos

As freiras de clausura recordam-nos a importância de nos concentrarmos no essencial durante estes dias de festa, lembrando sempre que o que estamos a celebrar é o nascimento de Jesus Cristo. A vida de clausura pode convidar-nos a perguntar-nos, com São João Paulo II: "Como nasceu Cristo? Como veio ao mundo? Porque veio ao mundo?" (Audiência Geral, 27 de Dezembro de 1978). O próprio Pontífice dá-nos a resposta: "Ele veio ao mundo para que os homens o pudessem encontrar, aqueles que o procuram. Tal como os pastores o encontraram na gruta de Belém. Direi ainda mais. Jesus veio ao mundo para revelar toda a dignidade e nobreza da busca de Deus, que é a necessidade mais profunda da alma humana, e para sair ao encontro dessa busca".

Cultura

Tradições natalícias na Lituânia e na Polónia

Na Lituânia, o Natal é ainda uma época especial para experimentar as tradições. A influência da vizinha Polónia e a cristianização dos costumes antigos são fundamentais para muitos dos costumes que as famílias lituanas revivem todos os anos em torno da Natividade do nosso Senhor.

Marija Meilutyte-24 de Dezembro de 2022-Tempo de leitura: 9 acta

A Polónia e a Lituânia partilham algumas das tradições natalícias mais difundidas. A vigília de 24 e 25 de Dezembro é marcada por várias manifestações de afecto, fé e devoção, tão profundamente enraizadas em ambos os povos que, séculos mais tarde e após muitas vicissitudes históricas, ainda estão presentes em famílias polacas e lituanas.

Lituânia: De kalėdaičiai até aos 12 pratos da véspera de Natal

Para compreender os costumes lituanos por volta da véspera de Natal e do Natal, há duas coisas a compreender. Por um lado, o cristianismo veio para a Lituânia de duas direcções: do Oriente, ou seja, Bizâncio através dos Eslavos Orientais, e do Ocidente, ou seja, Roma através dos Eslavos Germânicos e Ocidentais, especialmente os Polacos. Por outro lado, a Lituânia foi uma das últimas nações na Europa a ser cristianizada, no século XIV, pelo que em muitas destas tradições o paganismo e o cristianismo se misturam.

A palavra para o Natal, Kalėdostem as suas origens no Oriente Eslavo коляда, derivado da Igreja Eslava kolędaque, por sua vez, vem do latim kalendae através dos gregos bizantinos. Kalendae refere-se ao primeiro dia de cada mês na antiga contagem romana e eclesiástica. Ainda hoje, o texto do "Martirológio Romano", que resume a história da humanidade e as esperanças de salvação, que encontram a sua realização em Cristo, é ainda chamado de "calenda" ou proclamação de Natal.

A palavra para a véspera de Natal, Kūčios (em inglês)é originário do eslavo oriental kuтя (ucraniano: кутя, antigo russo: кутья). O seu local de nascimento é Bizâncio, não Roma, e está associado a Kūčiaum prato feito de cereais (trigo, cevada, centeio, etc.) misturado com água açucarada com mel. Este prato é também tradicional na Bielorrússia e na Ucrânia.

Nos tempos pré-cristãos em torno do solstício de Inverno, os mortos eram comemorados e alguns ritos de colheita eram também celebrados. Por exemplo, o prato Kūčia serviu para nutrir os espíritos dos antepassados. Deste culto aos antepassados continua a tradição de deixar a mesa de Natal intocada durante a noite, para que as almas dos falecidos possam banquetear-se ou rezar pelo falecido na oração da bênção da mesa, especialmente por aqueles que morreram nesse ano.

Outro costume pagão que mais tarde foi cristianizado é a colocação de feno ou palha debaixo da toalha de mesa: originalmente era para os mortos descansarem, hoje é colocado em memória da manjedoura onde a Criança Cristo foi colocada após o seu nascimento.

jantar de véspera de Natal

Muitas das próprias tradições cristãs vieram através da Polónia, por isso hoje os lituanos e os polacos partilham muitos destes costumes.

O jantar da véspera de Natal começa com uma oração, normalmente dirigida pelo chefe da casa. Após a oração, o kalėdaičiaiO kalėdaitis: bolachas alongadas decoradas com imagens da Natividade de Jesus. Cada pessoa oferece o seu kalėdaitis a outra pessoa presente enquanto o abençoa e lhe deseja algo para o próximo ano; quando todos os convidados tiverem trocado um pedaço da hóstia, a refeição começa. Normalmente, estas bolachas são vendidas nas igrejas desde o início do Advento, depois de terem sido abençoadas pelos padres. Se uma pessoa não vai celebrar a véspera de Natal na Lituânia, os seus familiares enviam-lhe kalėdaičiai para que não falte à sua mesa.

As hóstias simbolizam o corpo de Jesus Cristo, uma vez que a celebração da Véspera de Natal reúne a mesa da Última Ceia de Cristo e o presépio em Belém.

O kalėdaičiai é uma recordação disto, falam-nos do Pão Vivo feito carne; partir e trocar um pedaço da hóstia simboliza a comunhão dos cristãos com e em Jesus Cristo.

Na mesa da Véspera de Natal haverá doze pratos (sendo os pratos entendidos como doze itens diferentes de comida), segundo a interpretação cristã, em honra dos doze apóstolos que se sentaram à mesa da Última Ceia.

Tanto na Polónia como na Lituânia, o Advento é um tempo de abstinência, e na tradição mais rigorosa, o dia 24 de Dezembro é um dia de "abstinência seca", ou seja, não só não há carne, mas também não há produtos lácteos ou ovos. Por esta razão, a maioria dos pratos são à base de peixe, especialmente arenque, cogumelos e vegetais.

As bebidas típicas incluem aguonpienas (leite de semente de papoila), feito com água, açúcar e sementes de papoila esmagadas e o kisielius (kisel) baga ou bebida de fruta à qual é adicionado amido de batata ou de milho, dando à bebida uma consistência muito espessa.

Na mesa da noite de Natal, não pode faltar o kūčiukaiEstas bolinhas feitas de farinha, levedura e sementes de papoila tornaram-se especialmente populares após a restauração da Independência, quando começaram a ser celebradas livremente novamente durante as férias de Natal.

Um legado curioso da era soviética é a popularização da salada russa, que na Lituânia é conhecida como a salada branca ou ensaladilla casera, como prato de dia de Natal. A razão era que era feito com ervilhas em conserva e maionese que eram difíceis de encontrar e, portanto, consideradas artigos de luxo.

Ainda hoje, estas tradições ainda são observadas na maioria das famílias e o Natal é uma época de forte experiência cristã no país.

Polónia. A Missa dos Pastores e o partir do pão

TextoIgnacy Soler

Costumava ser, e ainda hoje é, uma expressão de que todos os festivais são conhecidos pelas suas vésperas. Na Polónia, a véspera de Natal é conhecida como a Vigília e tem costumes profundamente enraizados em cada família, crente ou não.

O Natal é a festa do nascimento de uma Criança em que nós cristãos reconhecemos o Filho de Deus, Deus fez o homem para a nossa salvação. Para muitos, o Natal já não é uma festa cristã, mas é ainda uma época de afirmação da bondade da vida humana, especialmente da criança recém-nascida: um presente para a família, para o país e para o mundo inteiro. Cada criança é única, irrepetível, uma novidade que torna tudo o resto diferente. O Natal é também uma época para desejar uns aos outros paz, alegria, felicidade, um mundo melhor, sem guerra, sem tristeza e sem mal: a utopia de um mundo inatingível para os humanos de todos os tempos. Mas o que o homem não pode, Deus pode.

A Vigília de Natal, como o nome sugere, convida-nos a estar vigilantes e preparados para a celebração. A véspera de Natal começa em casas polacas, frequentemente cobertas de neve branca e fria nesses dias, com o jantar de Vigília no aparecimento da primeira estrela por volta das cinco horas da noite. Todos se sentam à mesa comum após um duro dia de trabalho. Desde as primeiras horas do dia 24, todos estão envolvidos na preparação da Vigília. Alguns dias antes, a árvore de Natal já tinha sido colocada e vestida com todas as suas luzes, decorações, presentes e a estrela no topo. Se isto não tiver sido feito antes, na manhã do dia 24 deve ser colocada a árvore de Natal. O presépio tradicional, especialmente as figuras do Mistério - Jesus, Maria e José, também têm tradição e raízes, mas menos do que a árvore de Natal e não tão difundido como em Itália ou nos países de língua espanhola.

Após algumas horas de preparação, não só para a refeição mas também para a casa, especialmente para a limpeza das janelas (não percebo bem porque é que na Polónia as janelas são completamente limpas na véspera de Natal e no Domingo de Páscoa), reúnem-se à mesa de Natal com os seus melhores pratos e talheres. Eles reúnem-se mas não se sentam, pois a Ceia de Natal começa - todos juntos e de pé - com a leitura do Nascimento de Jesus do Evangelho de São Mateus (1, 18-25) ou de São Lucas (2, 1-20). É normalmente lido pelo pai da família ou pelo membro mais jovem da família.

Partir pão: Opłatek

A seguir vem o chamado Opłatek, em inglês oblea, que vem do oblatum latino - oferta de presente. A hóstia, também chamada pão de anjo ou pão abençoado, e no nosso caso, a hóstia de Natal, é uma folha de pão branco, cozida com farinha branca e água sem levedura, que é partilhada na mesa da véspera de Natal. Todos permanecem de pé e cada participante na Vigília leva uma bolacha de um tabuleiro preparado com eles. Cada comensal segura a sua bolacha na mão esquerda e com a mão direita quebra um pedaço da bolacha de outro participante, ao mesmo tempo que expressa os seus melhores votos para essa pessoa, com palavras improvisadas, curtas ou longas, emocionais ou oficiais, de acordo com os desejos de cada pessoa. E come aquele pequeno pedaço da hóstia da outra pessoa. A acção é retribuída pela outra pessoa. E no final apertam as mãos, logicamente a mão direita, que é a que está livre.

O anfitrião de Natal é um sinal de reconciliação e de perdão, de amizade e de amor. Partilhá-lo no início da vigília de Natal expressa o desejo de estarmos juntos, tem não só um significado espiritual mas também material: o pão branco enfatiza a natureza terrena dos desejos, de ter e partilhar. Todos devem ser como pão bom e divisível, algo que pode ser dado. Está logicamente ligado à petição no Pai Nosso e à Eucaristia.

A tradição da partilha (separação - com), ou seja, parte da hóstia ou hospedeiro de Natal que se quebra mutuamente, tem as suas raízes nos primeiros séculos do cristianismo. Inicialmente sem relação com o Natal, era um símbolo da comunhão espiritual dos membros da comunidade. O costume de abençoar o pão chamava-se eulogia (pão abençoado). Eventualmente, o pão foi levado para a missa da véspera de Natal, abençoado e partilhado. Foi também levado para as casas dos doentes, ou daqueles que por várias razões não estavam na igreja, ou enviado para a família e amigos. A prática da celebração do elogio, popular nos primeiros séculos do cristianismo, começou a desaparecer no século IX sob os decretos dos sínodos carolíngios, que queriam evitar a confusão entre o pão consagrado (a Eucaristia) e o pão abençoado (o elogio).

Jantar de Vigília de Natal

A ceia da Vigília é uma ceia alegre, familiar e penitencial, sim, parece certamente curiosa mas é uma ceia de abstinência da carne. É costume oferecer a mortificação de não comer carne nesse dia em preparação para a grande solenidade da Natividade do Senhor. Não comer carne é algo que ainda é importante na Polónia, uma vez que é celebrado todas as sextas-feiras do ano, e os polacos não lhe são indiferentes. O jantar de Vigília consiste em doze pratos diferentes, muitos deles pratos de peixe, todos muito bem preparados e saborosos. Começa com uma sopa, que normalmente é uma borschuma sopa de beterraba vermelha. Depois vem o pierogicujo nome provém da antiga raiz eslava pirata-Festividade, que consiste numa espécie de massa, um croquete recheado com diferentes tipos e variedades de vegetais, tem uma certa semelhança com o ravioli italiano. Entre os peixes, destaca-se a carpa frita. Como bebida, é também uma obrigação experimentar o kompotum sumo tradicional obtido fervendo algumas frutas como morangos, maçãs, groselhas ou ameixas numa grande quantidade de água à qual são adicionados açúcar ou sultanas. Como sobremesa, não pode faltar o kutia, é uma espécie de pudim doce feito a partir de grãos de cereais, ou o makówkium bolo feito com sementes de papoila.

Na mesa para o jantar da Vigília, coloca-se uma pequena palhinha debaixo da toalha de mesa, lembrando a manjedoura em Belém. É também uma tradição deixar um lugar para o hóspede inesperado. Isto é muito eslavo: um acolhimento amigável para o visitante, que é sempre convidado a sentar-se à mesa comum. Depois do jantar, toda a família se reúne à volta da árvore de Natal, onde os vários presentes estão espalhados sob os seus ramos. Alguém da família, geralmente vestido de São Nicolau, é responsável pela sua distribuição, recitando poemas ou piadas alusivas à pessoa a ser homenageada. No final, são cantadas canções de Natal, kolendaAs canções são antigas canções de Natal, ricas em conteúdo teológico, que também são cantadas em igrejas. Em alguns kolenda fala sobre como nesta noite especial de Natal os animais falam com uma voz humana e compreendem o nosso vocabulário. Talvez esta seja uma interpretação das palavras do profeta Isaías (1,3): O boi conhece o seu dono, e o burro conhece o berço do seu dono; Israel não me conhece, o meu povo não me compreende..

A massa do galo, que é chamada na Polónia PasterskaA missa dos pastores é sempre celebrada à meia-noite. Muitas famílias afluiram às igrejas, os templos estão materialmente superlotados e as ruas das cidades e do campo estão cheias de carros e luzes que vão e vêm.

A Eucaristia é o ponto alto da celebração da Vigília. Antes disso, houve os chamados rekolecjeexercícios espirituais de três dias, em todas as paróquias, com confissão no final. Há alguns meses ouvi uma conversa casual na rua: para onde vais, Marek? - Vou à igreja, à confissão. - Mas como pode isso ser, se não é Natal ou Páscoa? O facto é que ir ao sacramento da penitência durante estas duas importantes épocas litúrgicas é também um costume profundamente enraizado. A confissão frequente é certamente importante, mas é mais importante que haja pelo menos a confissão pouco frequente de um par de vezes por ano. Os factos falam por si: neste país ainda se vêem filas intermináveis para a confissão no Advento e na Quaresma. Eu próprio tive a experiência nesses dias: o pároco onde vivo chamou-me e perguntou-me se o podia ajudar a ouvir confissões nesses dias. Durante três dias, quatro de nós padres estivemos ocupados a ouvir confissões durante várias horas. Se há penitência, há um sentimento de pecado, há necessidade de um Salvador, para a vinda de Jesus.

O autorMarija Meilutyte

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Um tesouro redescoberto por volta da época natalícia

Santiago Populín Such escreve para a Omnes este pequeno conto sobre o Natal, muito apropriado para ler aos membros mais jovens da família.

Santiago Populín Tais-24 de Dezembro de 2022-Tempo de leitura: 5 acta

Era uma tarde fria de Dezembro, a neve cobria o parque infantil e os baloiços tranquilos convidavam para brincar. Faltavam cinco minutos para a campainha tocar, as férias de Natal estavam apenas a alguns minutos de distância. Todos os alunos do quarto ano da escola primária estavam a olhar para o velho e barulhento relógio por cima do quadro negro. De repente, o professor interrompeu os seus olhares e disse em voz alta: 

- A tarefa para este Natal é que escrevam sobre o que sonham ser quando crescerem. A peça de escrita mais popular - vamos votar entre vários professores - vai ganhar dois bilhetes para o ringue de patinagem no gelo.

Dito isto, o relógio desvaneceu-se para o fundo; as mentes dos alunos estavam agora no ringue de patinagem. A campainha tocou e Thomas correu para o carro onde a sua mãe o esperava. Ele entrou no carro com os seus quatro irmãos e disse à sua mãe com grande ansiedade: 

- Olá, mãe! Não sabes o prémio que o Professor Luis dará a quem ganhar a melhor história sobre o que sonhamos ser quando formos crescidos? 

A sua mãe e os seus irmãos olharam para ele com intriga, e responderam: 

- O que é o prémio?

- Quem ganhar este ensaio receberá dois bilhetes para o ringue de patinagem!

- Impressionante", disse a sua mãe num tom de surpresa. - Então, sabe sobre o que vai escrever? O ano passado sonhou em ser arqueólogo, como Indiana Jones. 

Os seus irmãos mais velhos, Lucía e Paco, começaram a rir. Corando, Tomás respondeu:

- Bem, já não, mãe, no ano passado era uma criança, agora sou mais velha, gosto de outras coisas. Por exemplo, gostaria de ser engenheiro, como o pai; ou médico, para conduzir uma ambulância; ou professor para não ter de dar trabalhos de casa às crianças; ou talvez gostasse de ser advogado e ter um escritório com uma cadeira grande como o tio Manuel.

Maria, a sua irmã de cinco anos, interrompeu-o com a voz de uma velha imperatriz: 

- Podias ser bombeiro, gostas mesmo de fogo... certo, mãe? 

Marta, a mãe, começou a rir.

- Não sei... como eu disse, há muitas profissões que me atraem. O que tenho a certeza é que quero fazer algo importante", continuou Tomás.

Poucos segundos antes de chegar a casa, Tomás perguntou a Marta:

- Mãe, qual era o teu sonho quando eras uma criança, e conseguiste realizá-lo?

Marta ficou sem palavras na pergunta e, após alguns segundos que pareciam uma eternidade para o rapaz, ela respondeu:

- Bem, deixem-me pensar. Oh, aqui estamos nós, vamos entrar porque está muito frio e comer um bom lanche, preparei churros cheios de dulce de leche! 

- Óptimo! -gritaram todos, celebrando o delicioso lanche.

Martha ficou algo aflita com a pergunta. Antes de todos se sentarem para lanchar, o som da porta foi ouvido e ela acrescentou:

- O pai está aqui! 

Depois de todos terem comido juntos, Martha disse a John, o seu marido: 

- Querida, vou a casa do meu pai por um momento para lhe tomar um remédio, ele está constipado. Voltarei por volta das 20 horas. 

Juan tinha reparado nela um pouco estranha durante o lanche da tarde, mas pensou em perguntar-lhe o que lhe tinha acontecido depois do jantar, quando estariam mais relaxados para falar. 

Assim que Marta entrou pela porta, o seu pai reparou que ela parecia um pouco estranha.

- Olá, pai, estou aqui, trouxe os teus medicamentos. Como está a tua constipação?

- Minha filha, estou melhor agora, mas prefiro perguntar-lhe: como está? Vejo que está angustiada.

- Nada, pai, porque dizes isso?

- Tem um rosto... Vá lá, eu conheço-o, o que é que se passa?

- Oh, papá, tu percebes tudo, como me conheces, eu não te posso enganar.

- Vamos sentar-nos por um momento", disse o seu pai.

Martha, respirando fundo, disse: 

- Bem, fui buscar as crianças à escola e o Tomás falou-nos dos trabalhos de casa que lhes tinham sido dados no Natal: escrevam o que sonham ser quando crescerem. 

- Bem, não é isso que o preocupa, pois não? 

- Não, pai. O que aconteceu é que Tomi nos disse quais são os seus sonhos: tornar-se um grande engenheiro, ou um médico, ou um professor ou um advogado de prestígio. Depois perguntou-me com o que eu sonhava quando era pequeno e se o tinha conseguido. Isto é o que me magoou e me angustiou. Sabem que sempre sonhei em ir para a universidade, mas a vida complicou-se e eu não consegui. Eu não realizei o meu sonho e agora sou uma simples dona de casa sem qualquer profissão.

Antes que Marta pudesse falar mais, o seu pai pegou-lhe pela mão e disse:

- Marta, minha filha, como é que ainda não realizou o seu sonho? Não é a sua família, a sua casa, o seu sonho realizado? E porque é uma simples dona de casa sem uma profissão? Tem todas as profissões com que Tomasito sonha. És engenheiro, porque construíste uma grande catedral, a tua bela família; és médico, na semana passada curaste Juan daquela gripe má graças aos teus cuidados e agora estás a curar-me; também és professor, não venhas os amigos dos teus filhos a tua casa fazer os trabalhos de casa porque lhes explicas tão bem; e és advogado, porque os defendes das injustiças da vida. E o mais importante, fazeis com que Deus esteja em vossa casa, na vossa cozinha, à vossa mesa, na vida do vosso povo. 

E antes de ver Marta explodir em lágrimas, acrescentou ele:

-E agora vamos beber uma chávena de chá quente.

Eram 20 horas e a Marta ficou assustada:

  • Oh, é tão tarde! Pai, tenho de ir agora, tenho de preparar o jantar. Obrigado como sempre, é tão bom tê-lo! Papá, o que faria eu sem o teu sábio conselho? 

Marta despediu-se do seu pai com um grande abraço e um grande sorriso. E assim ela caminhou para casa, envolta no calor da sua alegria recém-descoberta, que aniquilou o frio polar, e desta forma a sua redescoberta trouxe-a para casa num instante. 

Quando abriu a porta da sua casa, encontrou uma cena encantadora: Juan, o seu marido, lendo uma história ao pequeno Pedro; María, brincando com o boi e o burro no presépio; Tomás, escrevendo os seus trabalhos de casa para ganhar os bilhetes de patinagem, e um cheiro a molho de tomate levaram-na à cozinha, onde encontrou Paco e Lucía a preparar algumas pizzas. Nesse momento, e depois de observar cuidadosamente tudo o que ela tinha visto desde que entrou pela porta, Marta ficou emocionada, os seus olhos como vidro na chuva, ao recordar as palavras que o seu pai lhe tinha dito apenas alguns minutos antes.

- Mãe, o que está errado", perguntou Lucía.

A sorrir, disse Marta:

-Tudo está bem, nada está errado comigo, filha, vou preparar a mesa, eles já me pouparam trabalho suficiente para fazer o jantar.

Como os sete se sentaram à mesa, Lucía tomou a palavra e olhou sorridente para Marta, disse num tom adolescente:

- Pai, há algo de errado com a mãe e ela não nos vai dizer. Ela tem sido muito estranha desde que voltou da casa do avô.

John olhou para Martha e disse: 

-Qual é o problema, querida?

Marta, sorridente, disse com uma voz suave: 

- Não se preocupe, está tudo bem. A verdade é que estou muito feliz por já ter recebido o meu presente de Natal.

Naquele momento, o pequeno Pedrito correu para a sala para ver se havia um presente para ele na lareira. 

- Mãe, que presente recebeste", perguntou Tomás intrigado.

- Ainda nem sequer é o dia 6 de Janeiro, Maria continuou com um olhar de surpresa no rosto.

Enquanto Paco comia toda a pizza, Pedrito voltou para a sala de jantar gritando num tom de decepção:

- Mamã, Mamã, não há presente para mim na lareira! 

Marta, com uma risada manhosa, pegou Pedrito pela mão e, olhando para todos, disse:

- Vejamos, o presente de Natal que recebi é o senhor, a minha família, o meu sonho realizado. 

A este respeito, Pedrito, não compreendendo o que se passava à mesa, perguntou mais uma vez: 

-Mamã, papá, onde está o meu presente", e todos se riem a rir.

O autorSantiago Populín Tais

Bacharel em Teologia pela Universidade de Navarra. Licenciatura em Teologia Espiritual pela Universidade da Santa Cruz, Roma.

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A história de "Noite Silenciosa" ("Stille Nacht")

"Noite Silenciosa, Noite Santa": é assim que uma das canções de Natal mais conhecidas do mundo começa na língua original e é cantada em todas as línguas possíveis em todos os cinco continentes. É cantada em todas as línguas possíveis, nos cinco continentes. Quando e como surgiu, e quem é o compositor deste famoso cântico - talvez o próprio Wolfgang Amadeus Mozart? Vamos olhar para o passado da Europa: aqui está a história da "Noite Silenciosa".

Fritz Brunthaler-24 de Dezembro de 2022-Tempo de leitura: 7 acta

As circunstâncias históricas

O ano era 1818. As guerras contra Napoleão tinham trazido grandes dificuldades ao povo. A região de Salzburgo, um principado eclesiástico do Sacro Império Romano, governado durante séculos por um arcebispo, tinha perdido a sua independência em 1805 e estava completamente empobrecida. As crónicas contam que multidões de mendigos vagueiam pelas ruas da cidade de Salzburgo, pedindo à população doações caritativas para sobreviver. Não foi apenas na cidade e no campo que as consequências da guerra foram sentidas: destruição, pilhagem e morte. 

As disposições do Congresso de Viena em 1814-1815 desenharam a nova fronteira entre a Baviera e a Áustria 20 quilómetros a norte de Salzburgo, através do meio da cidade de Laufen, ao longo do rio Salzach, de modo que o pequeno subúrbio de Oberndorf foi isolado do centro da cidade. As famílias são destroçadas e a cidade empobrecida, uma vez que os barqueiros e construtores navais perdem aquilo que tinha sido a base da sua prosperidade durante séculos, nomeadamente os seus privilégios de transportar o sal pelo Salzach até ao Danúbio e através dele até à Hungria. Seguem-se catástrofes de inundações e falhas de colheitas, como a de 1816, que fica na história como o "ano sem Verão", porque a erupção do vulcão Tambora na Indonésia tem um impacto negativo no clima do mundo. Tempos incertos, pobreza, privações - o que pode dar esperança?

Véspera de Natal 24 de Dezembro de 1818

Não há nenhuma prova definitiva de que os ratos tenham roído o fole do órgão na igreja de São Nicolau em Oberndorf até ao ponto de incapacidade. O facto é que o órgão, que já há algum tempo necessita de restauração, já não funciona - e é véspera de Natal! O pastor assistente de 26 anos, Joseph Mohr, procura uma solução para o arranjo musical de Natal. Leva um poema natalício de seis estâncias ao organista Franz Xaver Gruber, que o põe ao som de música. Tinha-o escrito em 1816 em Mariapfarr, um lugar nas profundezas dos Alpes, quando lá era pároco assistente. Talvez a representação do Menino Jesus no retábulo, com uma cabeça encaracolada impressionante, o tenha inspirado a escrever o versículo da primeira estrofe: "Doce menino de cabelo encaracolado". 

No mesmo dia, Gruber compôs uma melodia simples para duas vozes e coro. "Noite Silenciosa, Noite Santa" foi cantada após a Missa da Meia-Noite por Joseph Mohr (tenor) e Franz Xaver Gruber (baixo) a duas vozes à luz de velas ao lado do presépio na igreja - agora na cidade da Alta Áustria de Ried - acompanhado por Mohr na guitarra. A árvore de Natal ainda era desconhecida nessa altura e só se generalizou na Europa Central na primeira metade do século XIX.

Os habitantes de Oberndorf - agricultores, artesãos, barqueiros - celebraram o Natal decorando as suas casas com ramos de coníferas e de abeto. Depois limparam minuciosamente todos os quartos e passaram por todos os quartos e estábulos com uma tigela de incenso queimado. À noite, iriam à igreja para a Missa da Meia-Noite. Ali, estas pessoas simples de Oberndorf ouviram pela primeira vez a canção "Noite Silenciosa", que tocou imediatamente os seus corações: naqueles tempos de guerra, necessidade e insegurança, era uma mensagem de paz, de recolhimento e de salvação por causa da Criança recém-nascida: "Jesus, o Salvador, está aqui!

O povo

Joseph Mohr nasceu na cidade de Salzburgo em 1792. Era uma criança ilegítima, mas a sua mãe não era de modo algum uma mulher de vida leve, porque nessa altura as pessoas simples só podiam casar se o proprietário da terra ou as autoridades políticas o permitissem. Joseph era uma pessoa dotada, especialmente musicalmente, e foi ajudado por senhores espirituais. Parece que não lhe restava outra alternativa senão tornar-se padre. Nunca permaneceu muito tempo num lugar como pastor, talvez também devido à sua frágil saúde, especialmente os seus pulmões. Só permaneceu em Oberndorf durante dois anos, entre 1817 e 1819.

Devido à sua própria experiência, como padre esteve sempre atento aos pobres. Quando foi acusado de comprar um cabrito-montês a um caçador furtivo, justificou-se dizendo que era para os mais pobres dos pobres. Em Wagrain, ele vendeu a sua vaca para que as crianças pudessem comprar livros escolares. Como pároco gostava de estar com o povo, sentado com ele na estalagem, tocando a guitarra que muitas vezes levava consigo. Não viveu para ver a fama da sua canção: morreu em 1848 de uma paralisia dos pulmões, e está enterrado em Wagrain. Não se sabe exactamente como ele era, pois nenhuma foto dele sobreviveu.

Franz Xaver Gruber teve, em alguns aspectos, uma vida um pouco mais fácil do que Mohr. Nasceu em 1787 em Hochburg em Salzburgo. Graças ao seu talento musical - segundo a tradição, já tocava órgão na igreja aos 12 anos de idade - conseguiu convencer os seus pais e, se não era um músico profissional, tornou-se professor e intérprete de música, especialmente do órgão. Em 1816 foi professor primário e organista em Arnsdorf, uma pequena aldeia a três quilómetros a norte de Oberndorf, e mais tarde também organista assistente em Oberndorf.

Dos seus três casamentos - as esposas tinham morrido todas - ele teve doze filhos, dos quais apenas quatro sobreviveram. Talvez o seu amor pela música também o tenha ajudado a superar estas perdas, porque para ele "Noite Silenciosa" não foi, no início, a sua grande obra: compôs várias missas, que foram agora publicadas. Em 1854 foi fundamental para esclarecer a autoria de "Noite Silenciosa", quando se partiu do princípio que a música poderia ter vindo de Michael Haydn, que tinha sido um compositor da corte em Salzburgo e irmão mais novo do mais conhecido Joseph Haydn. Em resposta a um inquérito da Capela da Corte Real Prussiana sobre os autores da canção, ele mencionou Joseph Mohr e ele próprio, e apontou a composição da canção a 24 de Dezembro de 1818. Franz Xaver Gruber morreu em 1863 e está enterrado em Hallein.

A canção

Quando "Noite Silenciosa, Noite Santa" soou pela primeira vez na noite de 24 de Dezembro de 1818, ninguém, nem mesmo os seus dois criadores Gruber e Mohr, poderia ter imaginado que se tornaria tão bem conhecido e popular. Uma melodia simples, de acordo com as instruções das autoridades eclesiásticas para o cultivo de cânticos religiosos naquela época, daqui a 6/8 anos, para duas vozes e coro, não é um hino litúrgico. Não é um hino litúrgico no sentido estrito da palavra, razão pela qual logo encontrou o seu caminho para as casas da classe média para a celebração festiva do Natal, facto que também foi ajudado pelo uso da linguagem culta em vez do dialecto. A melodia tem características tanto de canto pastoral como de canção de embalar, e ambas se encontram no tipo melódico 'siciliano', do qual a melodia doce e o ritmo oscilante são característicos.

No início foi considerada uma "canção tirolesa", porque o construtor de órgãos Mauracher do Zillertal em Tirol, que se ofereceu para restaurar o órgão em Oberndorf em 1824, o trouxe de volta à sua terra natal. Várias famílias cantoras do Zillertal espalharam a canção: diz-se que a família Rainer a cantou já no Natal de 1819, e três anos mais tarde também para o Imperador Francisco I da Áustria e o seu convidado da Rússia, o Czar Alexandre. A família Strasser, também da família Zillertal, fez luvas e combinou aparições justas com actuações musicais. Está provado que as quatro crianças Strasser cantaram a "Noite Silenciosa" em Leipzig no Natal de 1831.

As viagens de canto da família Rainer levaram-nos a Nova Iorque, onde 'Noite Silenciosa' foi ouvida pela primeira vez em 1839. A canção tornou-se ainda mais difundida através da sua inclusão em várias colecções e entre hinos litúrgicos protestantes, o que se explica pelo facto de a letra da canção sublinhar menos a forte devoção católica a Maria que era comum no Natal da época. No século XIX houve mesmo vozes críticas de clérigos católicos: sobre o texto, porque diziam que era sentimental e sem sabor, e por isso não podiam captar o mistério do Natal; sobre a melodia, porque era plana e monótona, e porque outros hinos religiosos eram preferíveis. Mas isso não poderia impedi-la de se espalhar por todo o mundo.

Hoje

A igreja de São Nicolau, onde "Noite Silenciosa" foi ouvida pela primeira vez, foi demolida no início do século XX devido às constantes inundações e ao perigo de subsidência. Desde 1937, a Capela octogonal Gruber-Mohr Memorial tem estado num local seguro em Oberndorf.

Traduções e versões da canção existem em mais de 320 línguas e dialectos. A primeira, segunda e sexta estrofes são normalmente cantadas.

Nos locais onde Gruber e Mohr nasceram e trabalharam, em Salzburgo e na Alta Áustria, existem museus e memoriais da Noite Silenciosa. Mas também noutros lugares, incluindo nos Estados Unidos, em Frankenmuth, Michigan, existe um extenso arquivo relacionado com a canção, doado pela família Bronner, e na propriedade adjacente existem placas com a letra de "Noite Silenciosa" em 311 línguas.

Em 2004, um asteróide recebeu o nome de "Gruber-Mohr". Em 2011, "Noite Silenciosa, Noite Santa" foi reconhecida pela UNESCO como um património cultural mundial intangível.

O texto original em alemão, e o texto em tradução inglesa

O texto original de "Noite Silenciosa" é reproduzido abaixo, bem como uma tradução directa privada, sem rima ou adaptação.

Texto original de Joseph Mohr em alemão

1. Stille Nacht! Heilige Nacht! Alles schläft; einsam wacht Nur das traute heilige Paar. Holder Knab im lockigten Haar, Schlafe in himmlischer Ruh! Schlafe in himmlischer Ruh!

2. Stille Nacht! Heilige Nacht! Gottes Sohn! O wie lacht Lieb' aus deinem göttlichen Mund, Da uns schlägt die rettende Stund`. Jesus em deiner Geburt! Jesus em deiner Geburt!

3. Stille Nacht! Heilige Nacht! Die der Welt Heil gebracht, Aus des Himmels goldenen Höhn Uns der Gnaden Fülle läßt seh'n Jesum in Menschengestalt, Jesum in Menschengestalt

4. Stille Nacht! Heilige Nacht! Wo sich heut alle Macht Väterlicher Liebe ergoß Und als Bruder huldvoll umschloß Jesus die Völker der Welt, Jesus die Völker der Welt.

5. Stille Nacht! Heilige Nacht! Lange schon uns bedacht, Als der Herr vom Grimme befreit, In der Väter urgrauer Zeit Aller Welt Schonung verhieß, Aller Welt Schonung verhieß.

6. Stille Nacht! Heilige Nacht! Hirten erst kundgemacht Durch der Engel Alleluja, Tönt es laut bei Ferne und Nah: Jesus der Retter ist da! Jesus der Retter ist da!

Tradução privada em espanhol

1. noite silenciosa, noite santa! Todos dormem; só o casal santo observa em solidão. Doce criança de cabelos encaracolados, dorme em repouso celestial! Dorme em repouso celestial!

2. noite silenciosa! noite santa! filho de Deus! oh, como o amor ri na tua boca divina, quando a hora de salvação soa para nós, Jesus, no teu nascimento! Jesus no teu nascimento!

3. noite silenciosa, noite santa! Aquela que trouxe a salvação ao mundo, das alturas douradas do céu permite-nos ver a plenitude da graça, Jesus em forma humana, Jesus em forma humana!

4. noite silenciosa, noite santa! Onde hoje todo o poder do amor paternal foi derramado, e como um irmão Jesus abraçou com bondade os povos do mundo, Jesus os povos do mundo.

5. noite silenciosa, noite santa! Tendo pensado há muito tempo em nós, quando o Senhor se liberta da ira, no tempo remoto dos pais prometeu indulgência a todo o mundo, prometeu indulgência a todo o mundo.

6. noite silenciosa, noite santa! Primeiro dado a conhecer aos pastores pelo Aleluia dos anjos, ressoa em alto e bom som em todo o lado: Jesus, o Salvador, está aqui! Jesus, o Salvador, está aqui!

O autorFritz Brunthaler

Áustria

O início de uma história

Uma pequena história que recorda o que pode ter rodeado aquele acontecimento que marcou o curso da história.

23 de Dezembro de 2022-Tempo de leitura: 3 acta

Um jovem, com apenas vinte anos de idade, caminha ao longo da estrada, carregando um burro junto à sela com as suas mochilas e alguns serones nos quais transporta o essencial para a viagem. Em cima do animal, orgulhosa da sua carga, uma mulher, quase uma menina, quase crescida, se é que ainda não o é. José, preocupado, continua a olhar para a sua esposa virgem: "Estás bem, queres que descansemos? "Não te preocupes José", sorri Maria, "a Criança e eu estamos a ir bem". Penso que o andar cansado do burro o pôs a dormir. Ele já quase não se mexe"; mas Joseph não se acalma.

Há demasiada agitação na aldeia. Procuram um lugar mais calmo para desfrutar da sua privacidade. Chegam a uma caverna equipada para estábulos e ferramentas, onde ficam.

Quase tudo é arranjado pela Divina Providência. Quase tudo porque há coisas que o Senhor deixa à Sua Mãe para organizar, e agora que o nascimento parece iminente, é Ela que toma a liderança.

Enquanto José tira a tábua do burro e põe as coisas lá dentro, Maria limpa e arrumou o estábulo. Ela remove a palha suja e prepara um chão de palha limpa sobre o qual espalha o alecrim como um tapete. No fundo há uma manjedoura, que ela preenche com o seu manto macio como colchão, sobre a qual espalha um pano de fio que a sua mãe tinha preparado para ela. Será o cabo que dará as boas-vindas à Criança.

Quando os preparativos estão terminados, sentam-se finalmente para descansar. No fundo, uma mula teimosamente dócil e um corajoso e gentil cavalo de boi, oferecem-lhes protecção e companheirismo. Sentados no chão, de mãos dadas, José e Maria falam em voz baixa.

Os dois estavam a falar, ou estavam a rezar, quando Maria apertou as mãos de José:

-Parece-me que ele já cá está.

O ar tornou-se mais fino, a lua parou por um momento e o milagre foi realizado! Quase sem que Maria reparasse, a Criança passou do seu seio para o arbusto do rosmaninho, para regressar do arbusto do rosmaninho para o seu lado.

Assim, tão simplesmente, a terra recebeu a irrupção de Deus no tempo, a deslumbrante presença do divino na vida ordinária.

Com a experiência que vem do amor de uma mãe, Maria toma o seu Filho nos braços, segura-o suavemente ao peito, um gesto que repetirá anos depois aos pés da Cruz, e beija-o, o seu primeiro beijo a Deus feito homem!

- O meu Filho e o meu Deus!

As primeiras lágrimas de amor caem sobre a cabeça da Criança, como um baptismo.

Jesus, a Palavra eterna do Pai, a criança recém-nascida está em silêncio. A Virgem, alheia a tudo, olha para o seu Filho, que sorri, e traz de volta memórias que guardou no seu coração. Memórias de há nove meses, quando o Arcanjo Gabriel lhe fez a proposta mais surpreendente jamais recebida por um ser humano: "Queres ser a Mãe de Deus, queres ser co-redentora da humanidade?

Agora os três estão sozinhos na catedral de Belém, numa serena explosão de amor. A criatura foi criada para amar e é aperfeiçoada na sua doação, pelo que o amor é um dom gratuito de amor recebido de Deus, aceite com humildade. Os anjos contemplam com admiração a corrente de amor em que se afirma esta Sagrada Família.

As pessoas estão a vir para o estábulo. Mulheres embrulhadas nos seus mantos com cestos de comida; outras, mais jovens, com lençóis bordados para embrulhar a Criança; homens ásperos, da aldeia, para dar uma mão no que for necessário, e crianças, muitas crianças que ninguém sabe de onde vieram. São eles que foram para o céu antes de nascerem. Alguns porque a Virgem Maria os queria, outros porque as suas mães não lhes abriram os braços e tiveram de se refugiar nos braços da Mãe Gentil. Há muito tempo que O esperam, e agora, finalmente, podem desfrutá-Lo.

Uma caravana colorida move-se ao longo da periferia da aldeia. Eles são reis, ou magos, ou algo do género. Com a solenidade própria da sua categoria entram no estábulo, saúdam a Mãe, beijam os pés do Menino em adoração - o conhecimento de Deus é inseparável da adoração - e, segundo o costume oriental, aproximam-se do Pai para o abraçar e oferecer-lhe presentes: ouro, coroar o Rei, incenso, adorar o Deus, mirra, embalsamar o Redentor.

Como a história continuou, penso que, depois de muitas vicissitudes, a família se estabeleceu em Nazaré e lá viveu durante muitos anos; mas esse é outro capítulo, agora gostamos deste.

O autorIgnacio Valduérteles

Doutoramento em Administração de Empresas. Director do Instituto de Investigación Aplicada a la Pyme. Irmão mais velho (2017-2020) da Irmandade de Soledad de San Lorenzo, em Sevilha. Publicou vários livros, monografias e artigos sobre irmandades.

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Omnes traz-lhe uma lista de canções para desfrutar desta época festiva.

Paloma López Campos-23 de Dezembro de 2022-Tempo de leitura: < 1 minuto

A contagem decrescente para a véspera de Natal e para o Dia de Natal está a decorrer. Entre preparações, refeições e recados de última hora, deixamos-lhe uma lista com algumas canções de Natal para passar estes dias festivos.

Mary, sabias? - Pentatonix

Estarei em casa para o Natal - Michael Bublé

No meio do Inverno sombrio - Os Coroadores

Ó Noite Santa - O Coro do Tabernáculo

Deixe nevar - Frank Sinatra

As tuas paisagens da estela - Os Três Tenores

Veni, veni Emmanuel - Hino Católico

El burrito de Belén - Juanes

Canção de Natal - José Luis Perales

Sizalelwe Indonana - Kimbolton Prep Music

O Tannenbaum - Andrea Bocelli

Adeste, fideles - Ars Cantus

Il est né le divin enfant

Mundo

Cardeal FiloniDevemos amar a Terra Santa" : "Devemos amar a Terra Santa".

O Cardeal Filoni, Grão Mestre da Ordem Equestre do Santo Sepulcro, fala em Omnes sobre a Terra Santa e a sua relação com os cristãos de todo o mundo.

Federico Piana-23 de Dezembro de 2022-Tempo de leitura: 3 acta

Há uma instituição na Igreja Católica que tem uma missão que nunca mudou ao longo dos séculos: cuidar e apoiar os cristãos do mundo. Terra Santa. Esta é a Ordem Equestre do Santo Sepulcro de Jerusalém, cujas origens históricas remontam a 1336 e à qual São João Paulo II concedeu personalidade jurídica ao Vaticano.

Hoje, a Ordem tem 30.000 cavaleiros e damas leigos em todo o mundo, está organizada em 60 Luogotenences e uma dúzia de Delegações Magistrales, e há cerca de dois anos renovou o seu estatuto com a aprovação do Papa Francisco. "Acreditamos que a Terra Santa não pode ser considerada um sítio arqueológico de fé, mas deve ser uma realidade viva composta pelas famílias cristãs que lá vivem e pelos muitos peregrinos que a visitam todos os anos", explica o Cardeal Fernando Filoni, Grão Mestre da Ordem, segundo o qual a força da instituição que dirige "está enraizada no grande entusiasmo que os seus membros colocam em todas as actividades que realizamos".

No complicado contexto internacional actual, como é que a Ordem consegue cumprir a sua missão principal? 

- Antes de mais, devemos dizer que devemos amar a Terra Santa: não só pelo que ela representa culturalmente, mas sobretudo pelo facto de Jesus ter nascido, vivido, pregado e levado a cabo a sua missão de salvação ali. Agora, apoiar os cristãos significa continuar a presença de uma realidade viva na Terra Santa. A primeira comunidade cristã era constituída por discípulos do Senhor e nunca morreu. Isto significa, contudo, que esta "Igreja mãe", que depois deu à luz, através da evangelização, a muitas outras Igrejas no mundo, deve ser apoiada. É por isso que as Igrejas do mundo sentem que é seu dever apoiar a Igreja na Terra Santa neste momento histórico, porque a presença de cristãos nestas áreas tem diminuído muito, e se não houver uma contribuição financeira e emocional, a Terra Santa corre o risco de se tornar um local turístico, um local arqueológico de fé. E nós não queremos que isto aconteça. O apoio da Ordem à Terra Santa serve para ajudar todos aqueles que têm uma razão para viver na Terra Santa: não só cristãos, mas também judeus e muçulmanos.

Recentemente, a Ordem está também a desenvolver-se na Eslováquia e iniciou projectos de expansão em África: qual é este grande esforço e qual é a sua motivação?

- A nossa intenção é abrir um pouco mais a Ordem, que já está muito presente nos países europeus e na América do Norte. A ideia é aumentar a nossa presença na América do Sul e Central, mas também iniciar alguns projectos em África e na Ásia. Estamos a fazer tudo isto porque a Ordem está aberta a todos: e a preocupação pela Terra Santa deve também levar todas as outras Igrejas do mundo - sejam maioritárias ou minoritárias - a ter a Terra Santa no coração. Se a Igreja é católica, a catolicidade também deve chegar às realidades continentais que estão menos presentes no momento, mas que não devem ser excluídas. Os nossos cavaleiros e damas não são aqueles que ocasionalmente lidam com a Terra Santa, mas que o fazem com uma estabilidade de compromisso, e é bom pensar que eles também podem ser formados em países onde a Ordem está hoje menos presente.

Que compromisso é hoje exigido aos membros da Ordem em todo o mundo, e será que mudou em relação aos novos desafios geopolíticos globais?

- Digo sempre que o compromisso dos membros da Ordem assenta em três pilares: formação espiritual, nascida do mistério da Paixão, Morte e Ressurreição do Senhor, amor à Terra Santa e dedicação à sua Igreja local. Em geral, os nossos cavaleiros e damas são leigos, profissionais altamente treinados, que podem dar uma contribuição verdadeiramente qualificada para cada Igreja local. O seu amor pela Igreja local estende-se a toda a Terra Santa.

Como é que a Ordem está a viver a viagem sinodal?

- A Ordem não é uma diocese, e embora eu brinque que sou um pároco com 30.000 fiéis espalhados por todo o mundo, não é sequer uma paróquia. Os seus membros fazem parte das Igrejas locais e, como tal, trazem e trarão a sua contribuição para toda a viagem sinodal.

O autorFederico Piana

 Jornalista. Trabalha para a Rádio Vaticano e colabora com L'Osservatore Romano.

Vaticano

Gratidão, conversão e paz: os desejos do Papa para a Cúria Romana

O Papa Francisco realizou a sua tradicional reunião de Natal com aqueles que servem na Cúria do Vaticano. Conversão, gratidão e perdão foram o foco das palavras do Santo Padre na sua alocução deste ano.

Giovanni Tridente-22 de Dezembro de 2022-Tempo de leitura: 4 acta

Para o seu décimo discurso à Cúria Romana por ocasião da troca de saudações de Natal, o Papa Francisco escolheu a prática de um "exame de consciência" prolongado, baseado numa atitude profunda de gratidão, para promover uma verdadeira conversão dos corações e gerar sentimentos de paz no ambiente.

Ao receber os Cardeais e Superiores da Cúria Romana na Audiência, o Pontífice repetiu a prática da parrésia, ou seja, dizendo livremente coisas que estão erradas, mas propondo uma "solução" realista para cada queda que possa surgir na Igreja, e em particular na Cúria Romana.

Francisco falou primeiro da necessidade de "regressar ao essencial da própria vida", libertando-se de tudo o que é supérfluo e que impede um verdadeiro caminho de santidade. Para isso, contudo, é importante ter "memória do bem" recebido de Deus em cada passo da nossa vida, a fim de alcançarmos aquela atitude interior que conduz à gratidão.

O esforço é fazer, em todas as circunstâncias, um exercício consciente de "todo o bem que pudermos", superando o "orgulho espiritual" que nos faz acreditar que já aprendemos tudo ou que estamos seguros e do lado certo.

Este processo chama-se "conversão" e traduz-se na "verdadeira luta contra o mal", conseguindo desmascarar mesmo as tentações mais insidiosas, muitas vezes disfarçadas, que nos fazem "confiar demasiado em nós próprios, nas nossas estratégias, nos nossos programas". Sobre este ponto, o Pontífice citou especificamente o risco de "fixismo" (como se não houvesse necessidade de uma maior compreensão do Evangelho) e do "espírito pelagiano", bem como a heresia de não traduzir o Evangelho "nas línguas e modos actuais".

O Papa Francisco vê o maior exemplo deste tipo de conversão na Igreja no Concílio Vaticano II, a maior e mais recente oportunidade de "compreender melhor o Evangelho, de o tornar actual, vivo e operacional neste momento histórico". E é neste rasto que se insere a viagem sinodal actualmente em curso, porque a "compreensão da mensagem de Cristo é interminável e nos provoca continuamente".

Entre as palavras-chave usadas pelo Santo Padre para deixar de se converter continuamente está "vigilância" precisamente em relação a todos aqueles "demónios educados" que se arrastam para os nossos dias sem que nos apercebamos, causando entre outras coisas a ilusão de "sentir-se justo e desprezar os outros". É aqui que entra em jogo "a prática diária do exame de consciência", sugeriu Francisco, o que também nos permite abandonar "a tentação de pensar que estamos seguros, que somos melhores, que já não precisamos de nos converter".

No entanto, o Pontífice advertiu, aqueles que estão dentro da cerca, "no próprio coração do corpo eclesial", tais como os que trabalham na Cúria Romana, estão "mais em perigo do que todos os outros, minados precisamente "pelo demónio educado".

O Papa dirigiu um pensamento final à paz, com referência sem dúvida à Ucrânia e a todas as outras partes do mundo, onde no fracasso desta tragédia e com respeito por aqueles que aí sofrem "só podemos reconhecer Jesus crucificado". Mas mesmo aqui não devemos ser ingénuos, porque se estamos preocupados com a cultura da paz, devemos estar conscientes de que "ela começa no coração de cada um de nós".

Isto significa que mesmo entre "o povo da igreja", e talvez acima de tudo, devemos desarraigar "todas as raízes de ódio, de ressentimento para com os nossos irmãos e irmãs que vivem ao nosso lado".

"Que cada um comece por si próprio", acrescentou o Papa Francisco, citando os muitos tipos de violência que não envolvem apenas armas ou guerra, mas - precisamente tendo em mente os círculos curiosos - violência verbal, violência psicológica, abuso de poder ou a violência oculta dos mexericos: "Deitemos todas as armas de qualquer tipo".

Finalmente, o convite para praticar a misericórdia, reconhecendo que todos podem ter limites e que "não há Igreja pura para os puros", e para exercer o perdão, dando sempre uma outra oportunidade, uma vez que "se torna um santo por tentativa e erro".

O ano da Cúria: reforma e mais leigos

O Cardeal Giovanni Battista Re, Decano do Colégio dos Cardeais, cumprimentou o Santo Padre em nome da Cúria Romana. Giovanni Battista Re, Decano do Colégio dos Cardeais, saudou o Santo Padre em nome dos membros da Cúria Romana. Na sua saudação, o Cardeal Re recordou "a dramática situação que a humanidade está a atravessar, não só devido à pandemia de Covid, que ainda não terminou no mundo, mas sobretudo devido às trágicas guerras, que continuam a causar o derramamento de rios de lágrimas e sangue", e referiu-se em particular à guerra com a Ucrânia, que se aproxima do seu primeiro aniversário e em face do qual "Sua Santidade tem continuamente levantado a sua voz para deixar claro que "com a guerra somos todos derrotados" e para sublinhar que a guerra é uma loucura, um massacre inútil, uma monstruosidade, apelando energicamente ao fim das armas e a negociações de paz sérias".

Quanto à Cúria, o Decano do Colégio dos Cardeais salientou que "o ano que está a chegar ao fim continua a ser marcado pela reforma promulgada com o Constituição Apostólica Praedicar EvangeliumTambém sublinhou "a satisfação na Cúria pelo aumento do número de homens e mulheres leigos em vários cargos de responsabilidade importantes, que não pressupõem o sacramento da Ordem Sagrada". "Esta reforma", salientou, "compromete-nos a todos a uma espiritualidade mais profunda, a uma maior dedicação e a um espírito de serviço mais intenso, com um sentido íntimo de responsabilidade para com a Igreja e o mundo e com uma fraternidade mais intensa entre nós".

O Cardeal Re recordou também as viagens do Santo Padre ao Canadá, Bahrein e Malta, que demonstram o seu empenho em enfrentar "os turbulentos problemas da sociedade".

Iniciativas

Jesus nasce para todos

Após dois anos, "Semeadores de Estrelas", uma das iniciativas da Infancia Misionera para celebrar o Natal em Espanha, está de volta.

Paloma López Campos-22 de Dezembro de 2022-Tempo de leitura: < 1 minuto

O objectivo desta iniciativa é que os membros mais jovens da família se tornem jovens missionários, devolvendo ao Natal o seu verdadeiro significado. As crianças vão para as ruas e distribuem autocolantes com o slogan "Jesus nasceu para ti", cantam canções de Natal e passeiam pelas ruas.

Sowers of Stars nasceu em 1977, graças a um padre jesuíta. Graças a ele, nas últimas semanas do Advento, centenas de crianças vão às suas aldeias e cidades para desejar o Natal a todos em nome dos missionários.

A Pontifícia Mission Societies propõe um ofício para as crianças fazerem as suas próprias estrelas com as cores missionárias. Fornece também um guião para "o envio dos semeadores das estrelas"que consiste numa breve saudação, na leitura de uma passagem do Evangelho e, finalmente, no envio.

A leitura deste ano é Mateus 2,9-12: "[Os magos] partiram, e de repente a estrela que tinham visto subir começou a guiá-los até que chegou a descansar acima de onde estava a criança. Quando viram a estrela, ficaram cheios de grande alegria. Entraram em casa, viram a criança com Maria sua mãe, e ajoelharam-se e adoraram-no; depois, abrindo os seus cofres, ofereceram-lhe presentes: ouro, incenso e mirra. E tendo recebido um oráculo num sonho em que não deviam regressar a Herodes, foram-se embora para o seu próprio país por outro caminho.

Esta iniciativa serve como preparação para o Dia da Criança Missionária, que celebraremos a 15 de Janeiro. Graças ao apoio das crianças, todos os anos os missionários podem ajudar mais de 4 milhões de crianças em 2500 projectos diferentes das Pontifícias Sociedades Missionárias.

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