Livros

"O Jogador" de Dostoievsky: Um Conto de Vício

Neste trabalho magistral, Dostoievski mostra-nos duas chaves para olharmos correctamente para o labirinto do vício: a história de cada ser humano e a rendição irracional à paixão.

Juan Ignacio Izquierdo Hübner-7 de Janeiro de 2023-Tempo de leitura: 5 acta

No século XIX era a roleta, hoje é o póquer online. Em qualquer caso, a luta de um homem contra o vício do jogo pode ser tão aterradora para ele como enigmática e desesperada para as pessoas que o rodeiam.

É comum para aqueles que vêem um ente querido desperdiçar o seu tempo nas miragens obstinadas da sorte, tentar detê-los, ajudá-los, fazê-los ver a razão... e, em vez disso, só conseguem alternar alarme e frustração nas quedas e recaídas desta pessoa que está cada vez mais possuída pelo vício. Como reflectir sobre isto?

Dostoyevsky conhece bem a arte de apresentar personagens de fronteira para nos mostrar as novas dimensões do ser humano. No romance "O Jogador" (com apenas 183 páginas!), Fyodor apresenta-nos a queda de um jovem normal para o submundo do jogo compulsivo. Esta história, se a olharmos com humildade, tem uma força muito poderosa para nos ajudar a empatizar com pessoas que caíram na dependência, e também para nos compreendermos melhor.

O argumento

No romance, emergem duas vertentes narrativas principais, ambas competindo no coração do protagonista: um amor partido de coração por uma mulher e uma febre crescente pela roleta. Face a estas duas forças tão difíceis de moderar, a questão é iminente: qual delas conquistará a alma de Alexei?

A família de um general russo reformado está a passar um período de lazer na cidade fictícia de "Rulettenburg" no sudoeste da Alemanha. Como o nome da cidade sugere, o casino é o centro das atenções.

A atmosfera em torno da roleta é escura e nervosa: as pessoas são arrastadas pela ganância de multiplicar o dinheiro, as dívidas surgem nos cantos como fantasmas zombeteiros e os vícios desfilam impudentemente pelos corredores: ganância, egoísmo, inveja, raiva, frivolidade, desespero, etc.; embora tudo isto seja tingido de dissimulação, boas maneiras e inconsciência geral.

Dentro da comitiva do general encontramos o protagonista da história: Alexei Ivanovich, um jovem tutor russo que fala e lê 3 línguas, e que trabalha para o chefe da família na educação dos seus filhos pequenos.

O general é viúvo e está apaixonado por uma francesa sofisticada e frívola, que, segundo todos os relatos, dirá sim à proposta de casamento assim que houver notícia de uma herança que o pretendente esteja à espera.

São acompanhados por outros membros da família, um francês cínico, um inglês de bom coração e a enteada do general, Polina, por quem Alexei está apaixonado até aos dentes.

Inicialmente, o jovem Alexei consegue mais ou menos defender-se do espírito geral da mesquinhez, mas Polina pede-lhe para jogar pela primeira vez, para apostar na sua conta. Ele sai-se bem nesta primeira operação, e isto leva-o a correr os seus próprios riscos; ele ganha, e depois o romance assume um voo diferente: a a adrenalina corre-lhe nas veias, uma força empurra-o para regressar com promessas sedutoras de fama, glória e sucesso; ele nota remotamente que a roleta vai contra a sua razão, mas como é difícil afastar-se, como pode ele não recuperar o que perdeu?

Depois de muitas vicissitudes que alternam episódios de amor e angústia, a compulsão ao jogo cresce no coração de Alexei; a situação é tensa e uma catástrofe familiar explode a rede de relações (não vou dar detalhes por causa do spoiler). A família dispersa-se e o jovem Alexei acaba por ficar sozinho, degradado na pele de um viciado não confesso. Já não é um tutor, é agora um jogador compulsivo que por vezes se apercebe do seu cativeiro, mas assim que recebe algumas moedas corre para os braços do Acaso.

A sua própria descrição da sua situação é comovente: "Vivo, escusado será dizer, em perpétua ansiedade; jogo quantidades muito pequenas e estou à espera de algo, faço cálculos, passo dias inteiros na mesa de jogo a observá-lo, até o vejo nos meus sonhos; e de tudo isto deduzo que estou a ficar entorpecido, como se estivesse a afundar-me em águas estagnadas".

A dupla face do vício

Dostoievski sabe que os problemas humanos precisam de uma abordagem dupla para serem resolvidos, a da teoria e a da experiência. No seu caso, o último detém geralmente mais informação do que o primeiro. Nesta linha, o autor conduz-nos com habilidade sem precedentes através do intrincado labirinto de um homem que gradualmente perde o seu auto-controlo.

Quando o acaso desloca Deus do seu trono e os homens depositam nele a sua confiança, esse ídolo mostra as suas presas; às vezes ele dá, às vezes pede; mas acima de tudo ele pede, e às vezes também pede sacrifícios humanos.

Alexei era um homem que sabia como salvar, planear e viver, mas acaba por se degradar em alguém que apenas passa, lamenta e vive mal. Um homem com futuro, uma carreira e amigos acaba por respirar como um simples passarinho do campo, nervoso e inconsciente da sua alienação, dedicado de corpo e alma à procura de vermes para comer, numa voracidade sem fim e sem sentido.

Vislumbra a sua miséria, mas condena-se a si próprio ao adiar a mudança de vida para um "amanhã" sempre ilusório.

Dostoievski dá-nos duas chaves para olharmos correctamente para o labirinto do vício: primeiro, mostra-nos a história de um ser humano que está a ser irremissivelmente enganado por um engodo diabólico e faz-nos testemunhar cada passo, cada hesitação de um homem devorado pela paixão.

Graças a este esforço, apercebemo-nos subitamente que somos capazes de empatizar com a sua aflição. A segunda chave, mais interessante na minha opinião, é que Dostoyevsky levanta em nós a inquietante questão de saber se Alexei, de alguma forma não muito remota, poderia talvez ser eu.

Se tivesse estado no lugar do Alexei, ter-se-ia comportado melhor? A verdade é que somos tão susceptíveis de cair na dependência como o personagem de Dostoievski; o jogador do romance vive dentro de nós e está à espera que joguemos com o fogo antes de saltarmos para tomar o controlo das nossas vidas. É assim, somos perfeitamente capazes de atingir o último degrau da existência moral (além disso, hoje em dia é muito mais fácil encontrar uma roleta, ou outras fontes de vício, porque as carregamos no bolso...).

Com a consciência da nossa natureza caída é mais fácil para nós sermos caridosos com o pecador, pois como posso desprezar alguém pelas suas quedas, quando amanhã o viciado poderia ser eu? Com esta atitude humilde e realista podemos aproximar-nos dessa pessoa e tentar compreendê-la, ajudá-la e até amá-la.

Isto abre-nos a porta para darmos uma ajuda eficaz, pois no amor do nosso próximo descobrimos Cristo, e só Ele nos pode salvar.

Suponho que Dostoievsky pensou em tudo isto quando criou estas personagens, pois só ditou o romance três anos depois de ter caído na mesma teia que prendeu Alexei. No seu caso, tudo começou no final de Agosto de 1863. Fyodor estava de passagem pela Alemanha, sobrecarregado por dívidas, e tentou a sua sorte na roleta: ganhou cerca de 10.000 francos. Até agora parecia estar a correr bem, mas cometeu o erro de não deixar a cidade.

Uma tentação irresistível levou-o de volta ao casino e assim começou uma febre que o iria perturbar para o resto da sua vida. Escrever "The Gambler" em 1866 ajudou-o a sobreviver; e tem-nos ajudado a viver desde então.

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Vaticano

Papa Francisco: "Deus chama-nos através dos nossos maiores desejos".

Na festa da Epifania do Senhor, o Papa Francisco rezou o Angelus e fez uma breve reflexão, como de costume.

Paloma López Campos-6 de Janeiro de 2023-Tempo de leitura: 2 acta

A 6 de Janeiro, solenidade da Epifania, o Papa Francisco centrou a sua habitual reflexão Angelus nos dons dos três Reis Magos: o apelo, o discernimento e a surpresa.

A chamada

Quanto ao primeiro dos presentes, o apelo, o Papa diz que "os Magos não o intuíram lendo as Escrituras ou através de uma visão de anjos, mas sim estudando as estrelas". Isto diz-nos algo importante: Deus chama-nos através dos nossos maiores desejos e aspirações". Para atender a este apelo, diz Francisco, "os Magos deixaram-se surpreender e desconcertar". Quando viram a estrela, "sentiram-se chamados a ir mais longe". Isto também é importante para nós: somos chamados a não ficar satisfeitos, a procurar o Senhor saindo da nossa zona de conforto, caminhando na sua direcção com os outros, mergulhando-nos na realidade. Porque Deus chama todos os dias, aqui e hoje, no nosso mundo".

Discernimento

O segundo presente dos três Reis é o discernimento. "Porque procuram um rei, vão a Jerusalém para falar com o rei Herodes, que, no entanto, é um homem ganancioso pelo poder e quer usá-los para eliminar o Messias quando criança. Mas os Magos não são enganados por Herodes. Sabem distinguir entre o objectivo da sua viagem e as tentações que encontram ao longo do caminho. Recordando as catequeses que o Papa tem pregado sobre o discernimento desde Agosto de 2022, durante o Angelus ele exclamou: "Como é importante saber distinguir o objectivo da vida das tentações do caminho! Saber renunciar ao que seduz, mas que se desvia, a fim de compreender e escolher os caminhos de Deus!

A surpresa

Há um terceiro presente que podemos contemplar se reflectirmos sobre a passagem dos três sábios. O Papa convida-nos a olhar para o que acontece quando estes sábios chegam ao presépio que, "depois de uma longa viagem, o que é que estes homens de alta posição social encontram? Um bebé com a sua mãe". Poder-se-ia pensar em decepção uma vez que "eles não vêem anjos como os pastores, mas encontram Deus na pobreza". Talvez estivessem à espera de um Messias poderoso e prodigioso, e encontraram um bebé". Mas os Magos não se deixam levar pelas suas próprias expectativas, "pensam que não cometeram um erro, sabem como o reconhecer. Aceitam a surpresa de Deus e vivem o seu encontro com Ele em admiração, adorando-o: na sua pequenez reconhecem o rosto de Deus". O Santo Padre assegura-nos que "é assim que o Senhor se encontra: na humildade, no silêncio, na adoração, nos pequenos e nos pobres".

Os três dons na vida de um cristão

Francisco conclui convidando todos os cristãos a procurar e guardar nas suas próprias vidas os três dons da passagem dos três Reis Magos. "Todos nós somos chamados por Jesus, todos podemos discernir a sua presença, todos podemos experimentar as suas surpresas. Hoje seria bom recordar estes dons, que já recebemos: recordar quando sentimos um apelo de Deus na nossa vida; ou quando, talvez depois de muito esforço, fomos capazes de discernir a Sua voz; ou ainda, numa surpresa inesquecível que Ele nos deu, espantando-nos. Que Nossa Senhora nos ajude a recordar e a guardar os presentes que recebemos.

Vaticano

Papa Francisco: "Não podemos confinar a fé dentro das paredes das igrejas".

O Papa Francisco presidiu à Santa Missa na solenidade da Epifania do Senhor, a penúltima das grandes celebrações desta Semana de Natal, marcada pelo adeus a Bento XVI.

Maria José Atienza-6 de Janeiro de 2023-Tempo de leitura: 2 acta

A Basílica de São Pedro tornou-se mais uma vez o epicentro da vida da Igreja em Roma. Juntamente com bispos e sacerdotes e cerca de 5.000 fiéis, o Papa Francisco presidiu à Santa Missa pela Solenidade da Epifania do Senhor. Uma celebração em que o Papa Francisco comparou a vida de fé à viagem dos Magos do Oriente.

O Papa quis começar as suas palavras assinalando como "a fé não nasce dos nossos méritos ou do raciocínio teórico, mas é um dom de Deus", uma graça de Deus que desperta em nós uma "inquietação que nos mantém acordados; quando nos deixamos questionar, quando não nos contentamos com a tranquilidade dos nossos hábitos, mas a pomos em jogo".

A resposta pessoal consiste em partir para o caminho dos magos que, assumindo os seus riscos, deixam a sua tranquilidade à procura de Deus. Nesta linha, o Papa advertiu contra os "tranquilizantes da alma", que hoje se multiplicam e que aparecem como "substitutos para sedar a nossa inquietação e extinguir essas questões, desde os produtos do consumismo às seduções do prazer, dos debates sensacionalistas à idolatria do bem-estar".

Assim, o Papa apontou os dois primeiros pontos que podemos aprender com a atitude dos magos: primeiro, a inquietação das questões. Em segundo lugar, o risco do caminho em que encontramos Deus.

Esta atitude de viagem, de interrogação interior e busca sincera de Deus apesar de renunciar ao conforto, "é inútil ser pastoralmente activo se não colocarmos Jesus no centro e o adoramos", é o que descreve a vida de fé, continuou o Papa, "sem uma viagem contínua e um diálogo constante com o Senhor, sem ouvir a Palavra, sem perseverança, não é possível crescer". A fé, se permanecer estática, não cresce; não podemos reduzi-la à mera devoção pessoal ou confiná-la dentro das paredes dos templos, mas devemos manifestá-la".

O Papa concluiu as suas palavras com um apelo a "adorar a Deus e não a nós próprios; adoremos a Deus para não nos curvarmos perante as coisas que acontecem ou perante a lógica sedutora e vazia do mal".

A celebração continuou como habitualmente, terminando com a adoração da imagem do Menino Jesus, típica da época natalícia.

ConvidadosJulio Iñiguez Estremiana

Com Bento XVI em Cuatro Vientos

Milhões de pessoas estiveram com o Papa Bento XVI em Cuatro Vientos durante a adoração do Santíssimo Sacramento, sob a chuva e o vento forte que se levantou inesperadamente.

6 de Janeiro de 2023-Tempo de leitura: 4 acta

Tive o privilégio de estar muitas vezes com Bento XVI durante o seu pontificado: em Espanha, em Roma e em Castel Gandolfo; mas há um deles de que me lembro vivamente - penso que nunca o esquecerei - e gostaria de o partilhar convosco nesta altura em que o catolicismo e o mundo inteiro se despedem do Papa Emérito, e nem sempre com a honestidade que a sua figura egrégia merece. E faço-o em reconhecimento e gratidão pelo muito que ele nos deu: é a minha humilde homenagem ao Papa Bento XVI.

Prolegómenos

Voltamos ao sábado, 20 de Agosto de 2011, em Madrid, durante o Dia Mundial da Paz. Juventude. Nesse dia foi agendada uma reunião com o Papa em Cuatro Vientos, e foi onde os dois milhões de pessoas que chegaram ao local da reunião de manhã foram acompanhá-lo, ouvi-lo e participar nos eventos - nessa tarde Niña Pastori realizou uma maravilhosa Ave Maria para o Papa.

De manhã, tendo acabado de chegar de Sevilha, onde participava num curso de Verão, apanhei o metro que me levaria à esplanada onde se iria realizar o encontro com o Papa; ao deixar a estação no meu destino, fiquei surpreendido com a cena que encontrei: riachos de peregrinos, jovens e não tão jovens, mulheres e homens, de todo o mundo - a julgar pelas bandeiras que acenavam - todos a caminhar para o mesmo destino: Cuatro Vientos. 

O dia estava ensolarado e muito quente, tão quente que os vizinhos das ruas por onde passamos foram encorajados a aliviar o nosso suor com água em todo o tipo de recipientes, e até nos regaram com mangueiras das janelas e varandas. Todas estas atenções abnegadas foram recebidas com enorme gratidão. Não havia uma nuvem a ser vista no horizonte.

Os numerosos e diversos grupos de peregrinos chegaram à esplanada e, depois de passar pelos controlos onde todos tinham de provar que tinham um convite para o evento, ocupámos as nossas respectivas parcelas ou cadeiras reservadas. Muitos grupos montaram tendas ou guarda-chuvas para se protegerem do sol durante o resto do dia. Havia também tendas espalhadas por toda a esplanada em que as formas sagradas que seriam dadas no dia seguinte na comunhão da Eucaristia presidida por Bento XVI e que encerrariam as celebrações do Dia Mundial da Juventude em Madrid eram mantidas com todo o respeito.

A meio da tarde apareceu uma pequena nuvem vinda do sul, que não incutiu qualquer medo nas pessoas, pois nenhuma previsão meteorológica previa a menor incidência para aquela tarde ou para o dia seguinte; mas a nuvem cresceu, no início lentamente e depois cada vez mais depressa, até que todo o céu à nossa frente estava completamente escuro e extremamente ameaçador. De repente, levantou-se um vendaval, depois começou a chover, e finalmente uma tempestade furiosa eclodiu, a que poderíamos chamar uma "tempestade perfeita": o vento ameaçou soprar para o ar toda a estrutura montada para a margarida e o altar, de facto algumas portas e outros elementos foram soprados. O chão estava completamente lamacento e encharcado, todas as roupas das pessoas estavam encharcadas com água, e muitas podiam ser vistas a rezar de joelhos na lama.

Exposição e adoração do Santíssimo Sacramento

Devido a estes acontecimentos completamente inesperados, os comentários que se podiam ouvir em todo o lado foram no sentido de que a exposição e adoração do Santíssimo Sacramento, planeada como o último acto da noite, seria suspensa; mas de repente, vimos a cruz da monstruosidade de Arfe aparecer no estrado e erguer-se, no meio de um silêncio assombroso - havia ainda mais de um milhão de nós - até que tudo estava ali, majestoso e deslumbrante, à vista de todos no estrado, ao lado do altar. Foi a homenagem de Arfe, trazida de Toledo para a ocasião, uma das mais belas obras de ourivesaria jamais criadas.

Não me sinto capaz de descrever o que aconteceu depois. Vou apenas anotar os factos e deixar que a imaginação de todos se desenfreie: durante muito tempo, todos nós, ajoelhados em absoluto silêncio sobre a lama no chão, rezámos e adorámos o Santíssimo Sacramento exposto na monstruosidade, cada um de nós interiormente.

No final da cerimónia, o Papa dirigiu-nos algumas palavras calorosas, agradecendo-nos pela nossa presença e encorajando-nos a descansar antes de nos reunirmos novamente no dia seguinte para a Santa Missa. Lembro-me de uma frase que ele nos disse: "vivemos uma aventura juntos". E era verdade: uma aventura emocionante. 

Uma explicação dos factos

Ouvi o padre Javier Cremades, que fazia parte da equipa de organizadores do evento Cuatro Vientos e que estava presente na noite desse dia, dizer que os colaboradores mais próximos do Papa insistiram em suspender a exposição e adoração com o Santíssimo Sacramento, porque temiam que alguma desgraça pudesse ocorrer, devido aos danos causados pela tempestade de vento à estrutura da plataforma onde o Papa iria rezar, juntamente com as muitas pessoas que o acompanhavam - sobretudo os eclesiásticos. Mas Bento XVI, de acordo com Javier, manteve-se firme e deu a ordem para que fosse levantada a Monstrança de Arfe e para que a exposição e adoração do Santíssimo Sacramento fosse celebrada como planeado.

Recordo também que o Sr. Javier, a título pessoal, nos disse que estava convencido de que o vendaval e a tempestade naquela tarde e noite em Madrid era obra do diabo, numa tentativa de sabotar o evento. Esta interpretação não está de modo algum fora de questão; lembrem-se, como disse acima, que nenhuma previsão meteorológica previu chuva para esse dia em Madrid.

A minha humilde opinião sobre estes factos é que Bento XVI estava certo, da forma que podia, de que o diabo tinha de facto tentado sabotar a exposição e adoração do Santíssimo Sacramento, e também que ninguém faria qualquer mal, pois o diabo só tem o poder de nos assustar, mas não nos pode fazer mal.

O autorJulio Iñiguez Estremiana

Físico. Professor de Matemática, Física e Religião ao nível do Bacharelato.

Experiências

Os Três Reis Magos são... cinco

Presente missionário é a iniciativa de cinco amigos que, durante um período de tempo, se tornam Sábios únicos para levar presentes a hospitais, abrigos e lares de idosos. Graças à ajuda de dezenas de indivíduos e empresas, os presentes que distribuíram são em número de milhares e esperam chegar a ainda mais pessoas. 

Arsenio Fernández de Mesa-6 de Janeiro de 2023-Tempo de leitura: 2 acta

É Natal, a época dos presentes. Enquanto muitas pessoas acordam nas suas casas no Dia dos Três Reis e abrem os presentes do Oriente, não poucas ficam sem saborear as delícias deste dia mágico. 

O projecto Presente missionário procura assegurar que aqueles que normalmente não têm nada para desembrulhar recebam presentes e assim possam sentir um pouco desse espírito natalício, porque quem recebe um presente sente que alguém os ama: 4.000 foram distribuídos! 

Sento-me para um café com Laura, María, Bea, Aída e Antonio, cinco amigos que estão cada vez mais próximos graças ao grupo de fé paroquial no qual participam. Sem dúvida que este desejo de tratar Deus e torná-lo conhecido contribuiu para o trabalho intenso por esta bela iniciativa que traz alegria a tantas pessoas. 

No início só pensavam em crianças, mas graças a um amigo meu, que trabalha na CáritasPerceberam que todas as idades estão entusiasmadas para receber presentes. 

María diz-me que este projecto começou na altura do Covid e cresceu exponencialmente: "Começámos com 16 centros beneficiários e agora estamos nos 60. Dos beneficiários individuais, a maioria são crianças, mas há muitas pessoas idosas.. Incluem residências para pessoas com poucos recursos, mas também têm alguns hospitais, centros de cuidados paliativos ou abrigos: "...eles têm muitas pessoas necessitadas.tudo provém de doações, tanto de particulares como de empresas". Eles fizeram campanha desde meados de Novembro com muitos cartazes. Divulgaram-no em redes sociais, sociais whatsapp e grupos de amigos. Também pelas paróquias. As pessoas trazem-lhes presentes, coisas usadas, mas é essencial que sejam mantidas em boas condições. O seu lema é que se não for suficientemente bom para mim, não é suficientemente bom para ninguém. Muitas pessoas também fazem donativos em dinheiro. Empresas, lojas ou grandes armazéns fazem numerosas doações dos seus produtos. Algumas lojas, por exemplo, deram-lhes caixas cheias de lenços de pescoço. A efusão da generosidade tem sido impressionante. 

Os cinco Estão encarregados desta aventura, recebendo donativos, contactando os centros para saber quantos residentes existem, o que gostariam de receber ou em que datas os presentes seriam melhores para eles: "...".Adoraríamos receber, por exemplo, setenta lenços de pescoço, como aconteceu em uma ocasião. 

Materiais filtrantes. Eles ordenam os presentes por idade. Depois desembarcam os voluntários, que se embrulham durante os fins-de-semana: "Fizemos formulários para as pessoas se inscreverem para que pudéssemos distribuir os turnos, de dez para dois e de quatro para oito. Tivemos um grupo de 60 voluntários numa única manhã, de todas as idades, a empacotar presentes. Há grupos de todos os tipos: desde escolas secundárias, escoteiros, adultos, senhoras idosas, estranhos... No total, houve quase 400 voluntários em todos os fins-de-semana". É-lhes perguntado se têm um carro ou uma carrinha disponível para entregar e é-lhes atribuído um centro. 

"Pacotes para nós? as freiras falam da grande surpresa e descrença dos residentes, que não esperavam nada. Esta bela iniciativa tem sido acompanhada por muitos coincidênciasque atribuem à providência. Uma amiga de Laura, quando lhe falou do projecto, confessou que tinha pedido aos seus amigos que não lhe dessem nada pelo seu aniversário este ano, mas que lhe dessem dinheiro para que pudesse doá-lo a quem dele precisasse: "E quando eu estava à procura de alguém a quem a dar, você apareceu! 

O Natal é diferente quando se deixa de olhar para o umbigo: há tanto para fazer! A criatividade, entusiasmo e sacrifício generoso destes cinco amigos trouxeram alegria a tantos que iam ficar sem presentes.

Evangelização

Kénosis, música com sentido para o Sentido

Kénosis é um grupo de jovens de Regnum Christi com um projecto musical em ascensão. Com Cristo no centro, cantam para levar Deus a todos através da música.

Paloma López Campos-6 de Janeiro de 2023-Tempo de leitura: 4 acta

Kénosis é uma banda de rock cristã que já tem mais de três mil ouvintes em plataformas como Spotify. A sua missão é aproximar Deus de todos através da música. Este grupo de jovens ficou em segundo lugar na última edição do concurso "Madrid Live Talent". Em Omnes eles falam da sua viagem musical e da sua visão da música cristã.

Pode começar por contar a sua história como um grupo?

Kénosis surgiu como uma resposta a uma situação que alguns de nós observámos. No início, alguns de nós começaram a cantar nas adorações do Regnum Christi e nas missas, e vimos como as canções ajudaram as pessoas a aproximarem-se de Deus, como saíram das missas ou das horas eucarísticas e agradecemos que uma certa canção os tinha ajudado muito nas suas orações. Além disso, alguns de nós também começaram a fazer as nossas próprias canções e a partilhá-las entre aqueles de nós que viram que tínhamos um dom para a música.

Logótipo do grupo (Foto: Regnum Christi)

Assim, no Verão de 2021, tudo isto levou à decisão de reunir estas pessoas e formalizar um apostolado cuja missão é dar glória a Deus com a nossa música e ajudar as pessoas a aproximarem-se d'Ele através dela. Começámos a reunir-nos de tempos a tempos para ensaios, especialmente orientados para as horas eucarísticas e para gravar a nossa primeira canção, RessuscitadoSempre tivemos uma grande atmosfera nos ensaios, de amizade, família e oração, que vimos ser o fruto da presença do Espírito Santo no projecto. Seguiram-se comunhões, casamentos, funerais... Até entrámos num concurso de música católica em Madrid e ficámos em segundo lugar! E assim, até hoje, estamos abertos a novas pessoas que queiram partilhar este apostolado. 

Como definiria a música católica?

Provavelmente porque há tantos no grupo, a resposta a esta pergunta é um pouco diferente. Mas do meu ponto de vista, a música católica é tudo aquilo que, inspirado pelo Espírito Santo, coloca as palavras às intuições, sentimentos, acções de graças, petições a, para e a Cristo. E são essas palavras que ajudam os outros a rezar, porque muitas vezes o nosso coração não consegue encontrar as palavras, e embora Cristo leia directamente o que está nele, como seres humanos precisamos de o expressar em palavras. 

O que o torna diferente da música da igreja?

Mais uma vez, pode haver nuances entre o grupo. Mas, em geral, acreditamos que o música de igreja é a concebida para momentos e celebrações específicas do liturgia ou em contextos religiosos. E neste sentido, parte da nossa música é sagrada, porque sagrada não implica um estilo específico, mas é verdade que alargamos o quadro para além desta música, fazendo canções que podem ser usadas na vida quotidiana, para tocar no carro, para cantar com os amigos, no duche, no estúdio... E é muito importante sublinhar e tornar-nos conscientes de que ser cristão, ter fé, não é uma coisa com um horário, mas um modo de vida, que toda a nossa vida, cada segundo é uma oração, um ser com Cristo mesmo quando não estamos numa igreja ou diante do Santíssimo Sacramento, também faz parte do que queremos que a nossa música faça nas pessoas. 

Como é o seu processo criativo para compor as canções de Kénosis?

Digamos que temos dois tipos de composição. Por um lado, há aqueles que têm o dom completo, no sentido em que fazem letras e música, canções incríveis. Estas pessoas podem ter diferentes processos criativos, como resultado da Palavra, da oração pessoal, algumas até têm inspirações do Espírito Santo enquanto dormem, acordam e registam o que lhes vem à cabeça e depois polem-no e dão-lhe forma. Algumas destas canções estão prontas e outras têm pequenas mudanças dependendo do grupo como um todo, porque no final é isso que somos. A segunda forma é mais sob a forma de um grupo, reunimo-nos, invocamos o Espírito Santo e juntamos letras, orações ou coisas que não temos sido capazes de pôr à música. Juntos, cada um com os nossos dons, damos-lhe forma e pomos-lhe música, damos alguma reviravolta às palavras ou incluímos coisas novas. 

Porque é que a música é uma boa maneira de se aproximar de Deus?

Para além do facto de a música colocar as palavras às intuições do coração que são difíceis de expressar, acreditamos que a música também eleva o homem, fá-lo transcender num sentido limitado, aproximando-o de Deus. Os ritmos, as melodias vão para uma parte muito íntima do ser humano, que é onde a experiência religiosa realmente começa. Consegue passar pelas suas preocupações, as suas questões da sua vida profissional, os seus problemas, ir ao âmago de quem somos e, a partir daí, ligar-se ao que quer que a música esteja a exprimir. Isto acontece em geral com toda a música, eleva as pessoas para outro plano, "foge" delas. Mas quando se trata de música com um sentido transcendental, não o escapa a nada ou aos seus problemas, mas sim com um sentido para o Significado.

Leituras dominicais

Jesus, o justo. Solenidade do Baptismo do Senhor (A)

Joseph Evans comenta as leituras para a Solenidade do Baptismo do Senhor (A) e Luis Herrera faz uma breve homilia em vídeo.

Joseph Evans-6 de Janeiro de 2023-Tempo de leitura: 2 acta

O relato de Mateus sobre o baptismo de Jesus, a grande festa que hoje celebramos, coloca os acontecimentos no rio Jordão num contexto muito judeu. O evangelho de Mateus foi escrito especialmente para os judeus, tanto os convertidos do judaísmo como os ainda não convertidos, para os convencer de que Jesus era o Messias por quem ansiavam. E isto é mostrado na forma como ele descreve o baptismo de Cristo por João.

O texto que lemos hoje é precedido no Evangelho de hoje por um relato do ministério do Baptista, no qual ele ataca os líderes religiosos de Israel, os fariseus e saduceus, chamando-os "raça de víboras".. Na versão de Luke, John diz o seguinte "para aqueles que vinham para ser baptizados".em geral. Ao restringir esta repreensão à elite religiosa de Israel, Mateus aproxima-se do baptismo de Cristo do ponto de vista da renovação de Israel (enquanto que Lucas tem uma visão mais universal).

Jesus deixará claro mais tarde, no Sermão da Montanha (não surpreendentemente, na versão de Mateus), que ele tinha vindo "para dar plenitude". (em grego: plerosai) à lei (Mt 5,17). E no relato de Mateus, quando João resiste a baptizá-lo, o nosso Senhor insiste em usar exactamente a mesma palavra: "É conveniente que cumpramos assim (plerosai) toda a justiça". (Mt 3,15).

"Retidão" (dikaiosuné) é uma palavra-chave em toda a Bíblia. Será muito utilizado por S. Paulo. Na melhor das hipóteses pode referir-se a homens santos e "justos", como São José (Mt 1,19). Mas também pode ser mal compreendido se pensarmos que podemos ser agradáveis a Deus pelas nossas próprias obras e ofertas rituais (Lc 18,11-12). Fundamentalmente, refere-se à fidelidade à lei de Deus. Jesus é "o justo" por excelência (Actos 22, 14). A justiça estava muitas vezes ligada à eliminação do pecado: sacrifícios eram oferecidos a Deus para expiar os pecados, para estar num estado justo perante ele. Isto é o que os sacrifícios do Antigo Testamento procuraram fazer, sem sucesso, na opinião de Paulo. Jesus insiste em ser baptizado por João para deixar claro que, embora sem pecado, está a entrar em pecado humano, ao entrar na água, para ser coberto ou "encharcado" nela. Ele vai levar os nossos pecados sobre Si mesmo. Como profetiza Isaías nas suas visões do "homem das dores", prevendo o Messias sofredor, Jesus, "o meu servo justificará muitos". (Is 53:11). Ele é verdadeiramente justo, sem pecado, num estado de justiça perante Deus (Ele é Deus), e pode tornar-nos justos e sem pecado. 

Compreender o relato de Mateus sobre o baptismo no seu contexto judeu dá-nos uma grande esperança. Jesus começa o seu ministério público com este notável episódio, no qual a Trindade é revelada e Jesus é declarado o Filho de Deus. Mas o foco preciso é o cumprimento das esperanças do Antigo Testamento. O que os muitos sacrifícios de Israel não puderam alcançar, Jesus alcançará: a reconciliação da humanidade com o Pai celestial.

Homilia sobre as leituras da Solenidade do Baptismo do Senhor (A)

O sacerdote Luis Herrera Campo oferece a sua nanomiliauma breve reflexão de um minuto para estas leituras.

Vaticano

O último adeus a Bento XVI

O Papa Francisco agradece a Bento XVI pela "sua sabedoria, doçura e dedicação" no funeral do Papa Emérito.

Stefano Grossi Gondi-5 de Janeiro de 2023-Tempo de leitura: 3 acta

No dia 5, às 9h30, o Papa Francisco presidiu à Missa fúnebre de Bento XVI na Praça de São Pedro. Mais de 400 bispos e quatro mil sacerdotes concelebraram. Estiveram também presentes 120 cardeais. Mais de 50.000 fiéis estiveram presentes na Missa (para além dos 165.000 fiéis dos dias anteriores, que puderam prestar a sua homenagem a Bento XVI). homenagem na Basílica de São Pedro). Cerca de 1000 jornalistas foram acreditados. As orações pelo Papa Emérito e todos os ritos anteriores e posteriores ao funeral foram transmitidas em directo pela televisão do Vaticano.

Representantes internacionais

O funeral de Bento XVI contou com a presença de delegações oficiais da Alemanha e Itália, lideradas pelo Presidente Sergio Mattarella e pelo Presidente alemão Frank-Walter Steinmeier, juntamente com representantes das casas reais, entre elas a Rainha Sofia, mãe de Felipe VI, Rei de Espanha, delegações de governos e instituições internacionais, bem como numerosos outros dignitários. representantes ecuménicosincluindo os Metropolitanos Emmanuel de Calcedónia e Policarpo de Itália para o Patriarcado Ecuménico de Constantinopla, e o Metropolita António de Volokolamsk, presidente do Departamento de Relações Externas da Igreja do Patriarcado de Moscovo. Bispos de muitas Igrejas Ortodoxas da Europa, América e Ásia também estiveram presentes. O moderador do Conselho Ecuménico de Igrejas, Bispo Heinrich Bedford-Strohm, também esteve presente.

Missa fúnebre

A missa durou duas horas e as leituras foram - como de costume - em várias línguas. "Pai, nas tuas mãos entrego o meu espírito", Francisco começou a sua homilia, com as últimas palavras pronunciadas pelo Senhor na cruz. O Papa Francisco agradeceu a Bento XVI pela "sabedoria, delicadeza e dedicação" que "tem sido capaz de espalhar ao longo dos anos". Francisco referiu-se a Ratzinger "como o Professor, ele carrega nos seus ombros o cansaço da intercessão e o cansaço da unção para o seu povo, especialmente onde a bondade está em luta e os seus irmãos vêem a sua dignidade ameaçada". "Amar significa estar pronto a sofrer" e "dar às ovelhas o verdadeiro bem", que Francisco disse ser "o alimento da presença de Deus".

O Papa Francisco despede-se de Bento XVI

O Papa também sublinhou a "busca apaixonada" do seu predecessor para comunicar o Evangelho e exortou a Igreja a "seguir os seus passos". No final da homilia ele referiu-se directamente ao Papa Emérito, pronunciando o seu nome: "Benedito, fiel amigo do Esposo, que a sua alegria seja perfeita ao ouvir a sua voz para todo o sempre. O Papa Francisco presidiu à Missa, que foi concelebrada como principal oficiante pelo Reitor do Colégio Cardinalício, o italiano Giovanni Battista Re.

A transferência do caixão

No final da celebração eucarística, o Papa Francisco presidiu ao rito do Ultima Commendatio (a última recomendação) e a Valedictio (a despedida). O caixão do Papa Emérito foi então transferido para a Basílica de São Pedro e depois para a Gruta do Vaticano para ser enterrado. Durante o rito, uma fita foi colocada em privado à volta do caixão, com selos do Capítulo de São Pedro, da Casa Pontifícia e do Gabinete para as Celebrações Litúrgicas. O caixão de cipreste foi então colocado dentro de um caixão de zinco maior, que foi soldado e selado. Este caixão de zinco foi por sua vez colocado numa caixa de madeira, que será colocada no local anteriormente ocupado, até à beatificação, pelo caixão de São João Paulo II.

Às 12.30 p.m. a Praça de São Pedro foi esvaziada. As bandeiras da Baviera permanecem, voando ao lado das da Alemanha e da Cidade do Vaticano. A multidão caminha por Via della Conciliazioneonde ainda se podem ver as barreiras a serem removidas noutro lugar. A Basílica e a praça estão actualmente fechadas ao público, mas reabrirão às 16h30, como se pode ver nos ecrãs gigantes.

Um Papa que marcou a vida de muitos

Pouco a pouco, os fiéis que assistiram ao funeral de Joseph Ratzinger, Papa Emérito Bento XVI, estão a abandonar as proximidades de São Pedro. Entre os muitos religiosos e fiéis, havia muitos estrangeiros e famílias com crianças que enfrentavam o frio para prestar a sua última homenagem a Ratzinger, tal como um padre americano, George Wohl, 28 anos, que disse "Vivo em Roma, onde estudo teologia dogmática, mas sou canadiano". "Eu estava no Quebec, em casa, de férias. Mas voltei mais cedo, queria concelebrar pelo Papa Bento, um grande homem e um grande Pontífice", ou como um alemão de 26 anos de Bonn, que diz (enquanto chorava e abraçava a sua noiva Margaretha): "É como se o meu pai tivesse morrido. Lamento, não posso falar, para nós é como se o nosso pai tivesse morrido.

O autorStefano Grossi Gondi

Vaticano

Três pensamentos do Papa na Missa fúnebre de Bento XVI

Na Missa fúnebre celebrada na Praça de São Pedro para Bento XVI, o Papa Francisco centrou a sua homilia no exemplo de Jesus Cristo, o Pastor que dá a sua vida ao Pai na cruz, um modelo cumprido em "Bento, fiel amigo do Esposo".

Francisco Otamendi-5 de Janeiro de 2023-Tempo de leitura: 4 acta

A homilia do Santo Padre o Papa Francisco no sóbrio A Missa fúnebre para Bento XVI, como o Papa Emérito queria, estava centrada em Jesus Cristo, e podia ser resumida em três ideias. 

Antes de mais, a entrega do Senhor nas mãos do seu Pai como Pastor e modelo de pastores. Foi assim que o Romano Pontífice começou a sua homilia: "Pai, nas tuas mãos entrego o meu espírito (Lc 23,46). Estas são as últimas palavras que o Senhor pronunciou na cruz; o seu último suspiro, poderíamos dizer, capaz de confirmar o que caracterizou toda a sua vida: uma rendição contínua nas mãos do seu Pai". 

Em segundo lugar, o Papa delineou os perfis e as características da rendição do Senhor nas mãos do seu Deus Pai: grata dedicação de serviço; rendição orante e adoradora; e sustentada pela consolação do Espírito. 

Finalmente, o Papa apontou como este modelo de Pastor foi cumprido em Bento XVI. 

Na parte final, depois de citar São Gregório Magno, o Santo Padre deu um esboço geral da missa fúnebre: "É o povo fiel de Deus que, reunido, acompanha e confia a vida daquele que tem sido o seu pastor. Como as mulheres do Evangelho no túmulo, estamos aqui com o perfume da gratidão e a pomada da esperança para lhe mostrar, mais uma vez, o amor que não se perde; desejamos fazê-lo com a mesma unção, sabedoria, delicadeza e dedicação que ele foi capaz de dar ao longo dos anos".

Finalmente, o Papa concluiu voltando às palavras de abertura da sua breve homilia, com uma menção expressa do falecido Papa Emérito: "Queremos dizer em conjunto: "Queremos dizer em conjunto: Pai, nas tuas mãos entregamos o seu espírito. Benedito, fiel amigo do Esposo, que a sua alegria seja perfeita ao ouvir a sua voz para todo o sempre!

Estas palavras faziam lembrar as palavras que ele mencionou no final do primeiro Angelus deste ano, na Solenidade da Mãe de Deus, no dia seguinte à morte de Bento XVI, a quem chamou um servo fiel do Evangelho e da Igreja": 

"O início de um novo ano é confiado a Maria Santíssima, que hoje celebramos como Mãe de Deus. Nestas horas invocamos a sua intercessão em particular para o Papa Emérito Bento XVI, que deixou este mundo ontem de manhã. Unimos todos nós, com um só coração e uma só alma, para dar graças a Deus pelo dom deste servo fiel do Evangelho e da Igreja".

"Deixou-se cinzelar pela vontade de Deus".

Na sua bela homilia, o Papa, que se referiu a Jesus em todo o seu discurso, descreveu as "mãos do perdão e da compaixão, mãos de cura e misericórdia, mãos de unção e bênção, que o impeliram a entregar-se também nas mãos dos seus irmãos". O Senhor, aberto às histórias que encontrou no seu caminho, deixou-se cinzelar pela vontade de Deus, levando sobre os seus ombros todas as consequências e dificuldades do Evangelho, até que viu as suas mãos cheias de amor: 'Olhai para as minhas mãos', disse ele a Tomé (Jo 20,27), e ele diz isso a cada um de nós".

"Mãos feridas que se estendem e nunca deixam de se oferecer, para que possamos conhecer o amor que Deus tem por nós e acreditar n'Ele (cf. 1 Jo 4,16)", continuou o Romano Pontífice. Pai, nas tuas mãos entrego o meu espírito" é o convite e o programa de vida que sussurra e quer moldar como um oleiro (cf. Is 29,16) o coração do pastor, até que os mesmos sentimentos de Cristo Jesus nele batirem (cf. Fil 2,5)".

Ao enumerar os traços desta dedicação, o Papa falou de uma "grata dedicação de serviço ao Senhor e ao seu povo, nascida de ter aceite um dom totalmente gratuito: "Pertences-me... pertences-lhes", o Senhor balbucia; "estás sob a protecção das minhas mãos, sob a protecção do meu coração". Fica no buraco das minhas mãos e dá-me o teu". 

"Dedicação orante, silenciosa e refinada no meio do cruzamento e das contradições que o pastor deve enfrentar (cf. 1 Ped 1,6-7) e o convite que lhe foi confiado para alimentar o rebanho (cf. Jo 21,17)", continuou o Santo Padre. "Como o Mestre, ele carrega sobre os seus ombros o cansaço da intercessão e o cansaço da unção para o seu povo, especialmente onde o bem deve lutar e a dignidade dos irmãos é ameaçada (cf. Heb 5:7-9)".

"Neste encontro intercessório, o Senhor gera a doçura capaz de compreender, acolher, esperar e confiar para além dos mal-entendidos que isto pode provocar. Gentileza invisível e elusiva, que vem de saber em cujas mãos se deposita a confiança (cf. 2 Tim 1:12)", acrescentou ele.

"Pastoralismo significa estar disposto a sofrer".

"Oração e confiança adoradora", salientou Francisco, "capaz de interpretar as acções do pastor e de adaptar o seu coração e as suas decisões ao tempo de Deus" (cf. Jo 21,18): Pastor significa amar, e amar significa também estar pronto a sofrer. Amar significa: dar às ovelhas o verdadeiro bem, o alimento da verdade de Deus, da palavra de Deus, o alimento da sua presença".

E também, finalmente, "a dedicação sustentada pelo conforto do Espírito, que sempre o precede na missão: na busca apaixonada de comunicar a beleza e a alegria do Evangelho (cf. Exortação Apostólica Gaudete et exsultate57), no testemunho fecundo daqueles que, como Maria, permanecem de muitas maneiras aos pés da cruz, naquela paz dolorosa mas robusta que não sitia nem submete; e na esperança obstinada mas paciente de que o Senhor cumprirá a sua promessa, como prometeu aos nossos pais e aos seus descendentes para sempre (cf. Lc 1,54-55)". 

"Confiar o nosso irmão nas mãos do Pai".

"Nós também", sublinhou o Papa, "firmemente unidos às últimas palavras do Senhor e ao testemunho que marcou a sua vida, desejamos, como comunidade eclesial, seguir os seus passos e confiar o nosso irmão às mãos do Pai: que estas mãos de misericórdia encontrem a sua lâmpada acesa com o óleo do Evangelho, que ele derramou e testemunhou durante a sua vida (cf. Mt 25,6-7)".

O autorFrancisco Otamendi

ConvidadosHanna-Barbara Gerl-Falkovitz

Bento XVI, um profeta em Israel

Bento XVI é uma figura que fez manchetes, inspirou estudantes e moveu milhões de pessoas, mas sempre com uma humildade e serenidade que aqueles que conheciam o Papa Emérito sublinham.

5 de Janeiro de 2023-Tempo de leitura: 6 acta

Entre os vários encontros que tive com o professor, mais tarde Cardeal e depois Papa Bento XVI, destaca-se: a inesperada honra de falar sobre a Nova Evangelização em conversas com o seu "Círculo Estudantil" na residência de Verão em Castel Gandolfo, em Agosto de 2011. Juntei a minha experiência com o público predominantemente agnóstico da Universidade Técnica (TU) Dresden com um olhar de encorajamento aos desenvolvimentos filosóficos, pois precisamente na era pós-moderna muitos pensadores estão (novamente) a fazer uso do "Thesaurus"bíblico". O meu tema, "Atenas e Jerusalém", foi dedicado ao Papa como um "teórico da razão".

No belo mas simples cenário de Castel Gandolfo reencontrámo-nos com o Professor que, ainda um pouco cansado e abatido pelo Dia Mundial da Juventude em Madrid, seguia atentamente as palestras e dirigia os 60 estudantes, contendo humorosamente as suas mais longas disquisições intelectuais e trazendo-os de volta ao assunto, e também corrigindo especulações filológicas ou outras. Havia uma atmosfera alegre de amizade, permeada também pela atmosfera de um seminário universitário, quando o Santo Padre encorajou os seus "estudantes" a tomarem uma posição ou levantaram objecções. Acima de tudo, a notável simplicidade do seu comportamento foi impressionante, como eu já tinha experimentado em várias ocasiões. Não havia "corte", e era possível circular livremente pelas salas designadas e desfrutar da maravilhosa vista do Lago Albano e dos jardins irrigados, até uma Roma embaçada na névoa.

O carácter de Bento XVI

A oração clássica do Angelus com uma breve alocução do Papa teve lugar ao meio-dia de domingo. Já uma hora antes, o pátio interior de Castel Gandolfo estava repleto de peregrinos. O entusiasmo já era palpável, como uma onda, muito antes do aparecimento do Papa e, com alguma dificuldade, restaurou a calma. A naturalidade e grande alegria com que o saudaram era perceptível, e eu pensei com vergonha dos meios de comunicação social da Europa Central, que tinham desenvolvido um verdadeiro domínio de subestimar até grandes e visíveis sucessos, tais como o Dia Mundial da Juventude. Perguntou-se porque não alguns meios de comunicação social distorceram, ou quiseram distorcer, a sua imagem. O seu inconfundível e calmo carisma, a sua profundidade e sabedoria alcançaram certamente aqueles que tinham os olhos abertos. Quando comparo estes encontros com o primeiro no Castelo de Rothenfels (Burg Rothenfels) em 1976, eles ainda têm algo em comum: a tranquilidade, a profunda bondade, a serenidade.

Nas últimas impressões prevaleceu algo mais: a humildade. E esta atitude é provavelmente a coisa mais surpreendente para um Papa. Pode parecer estranho sublinhar esta impressão referindo-se a Goethe: "As maiores pessoas que já conheci, e que tinham o céu e a terra livres perante os seus olhos, eram humildes e sabiam o que tinham de apreciar gradualmente" (Artemis Gedenkausgabe 18, 515). "Gradualmente" significa conhecer uma hierarquia de bens, ter desenvolvido uma capacidade de discernir na diversidade o que é importante. E mais uma vez, num tom diferente: "Todas as pessoas dotadas de força natural, tanto física como espiritual, são, em regra, modestas" (Ibid. 8, 147).

O Papa e a opinião pública

O falecido Papa Emérito não precisa de tais julgamentos, mas é notável como esta impressão imediata de humildade e reserva é frequentemente negligenciada, talvez mesmo precipitada ou deliberadamente distorcida. Esta alusão pode ser aplicada àquilo que são, indiscutivelmente, as mais disparatadas reprovações dos meios de comunicação social a ele dirigidas, uma vez que "A morte do Papa".Panzerkardinal"ao "rottweiler de Deus" (na verdade, resiste-se a repetir tais disparates). Estes erros são mais uma confirmação de uma estupidez que é má, ou de uma maldade que é estupidez (ou talvez apenas desespero). Mas são também um sinal de um clima que sentiu algo invencível neste homem e no seu ministério, e é por isso que quis intervir, com um instinto de distorção e um desejo de mal-entendido que no entanto, e por essa razão, dói.

Isto coloca o homem e a sua tarefa em estreita proximidade. Está implícito sempre que a aprovação e a contradição se encontram. Hans Urs von Balthasar escreveu com impressionante acuidade sobre o primeiro Papa: "Pedro deve ter parecido bastante ridículo quando foi crucificado com os pés para cima; foi apenas uma boa piada ..., e a forma como o seu próprio sumo estava constantemente a pingar do seu nariz ... Está tudo muito bem que a crucificação aqui está de pernas para o ar; evite qualquer confusão, e ainda assim cria um reflexo evocativo do único, puro, erguido, nas águas turvas do cristão-too cristão. A penitência é feita por falhas impensáveis, empilhadas até o sistema entrar em colapso".

E Balthasar expressa o tremendo pensamento de que o ministério na Igreja, desde o seu primeiro representante, tem a ver com o facto de ser culpado. "Ai de nós, se já não existe o ponto em que o pecado de todos nós se reúne para se manifestar, tal como o veneno que circula no organismo se concentra num só lugar e rebenta como um abcesso. E assim bendito é o ofício - seja Papa, bispos ou simples sacerdotes que se mantêm firmes, ou qualquer pessoa a quem se faça alusão quando se diz 'a Igreja deveria' - que se entrega a esta função de ser o foco da doença" (Esclarecimentos. Sobre o exame de bebidas espirituosasFriburgo 1971, 9).

Para aqueles que acham estas declarações demasiado amargas, há os frutos deste amargor. Eles vêm da luta incessante de Jacob, sem a qual o velho e o novo Israel são impensáveis. Este entrelaçamento de desafio e bênção, de resistência e vitória, de noite e de madrugada final, é uma mensagem da essência de Deus e da essência dos escolhidos. O poder de Deus não vem por esmagar. Exige um máximo de força, um "óptima virtutis"mas não se sobrepõe. Como resistência, quer mesmo ser apreendida como amor. O que vem como resistência e aparente contra-poder, vem - quando a boa luta é travada - como bênção. É por isso que há algo de furtivo e inatingível na figura calma e vulnerável do Papa. Precisamente as suas viagens ao estrangeiro, que foram consideradas antecipadamente um fracasso, por exemplo a viagem à Inglaterra, ou mesmo à difícil Alemanha, acabaram por ser vitórias notáveis. Um cantor de rock italiano chamou-o "fixe". Pode ser uma palavra pouco subtil, mas bate com o prego na cabeça.

Peço desculpa por citar Goethe pela terceira vez, desta vez por causa de uma profundidade comparável nestes dois Alemães. A citação vem do grande ensaio geológico de Goethe sobre pedras de granito, uma imagem que - na minha opinião - é também um pouco simbólica da maneira de ser de Joseph Ratzinger: "Tão solitário, digo eu, é o homem que só quer abrir a sua alma aos mais antigos, mais antigos e mais profundos sentimentos de verdade".

Bento XVI e o Logos

Então o último pensamento vai para a verdade que está acima deste pontificado: quando foi a última vez que um Papa defendeu a justificação da razão de uma forma tão implacável, mas atractiva? E quando foi a razoabilidade da fé e o ecumenismo da razão, já existentes desde a antiguidade grega, que pode reunir filosofias, teologias e ciências? O Cântico dos Cânticos do Logos de Bento XVI acede precisamente à "corte dos gentios", e estimulou uma conversa que deixa a estagnação do pós-moderno vazio de significado. Jerusalém "tem a ver" com Atenas, e isto apesar de todos os veredictos, quer da ortodoxia sectária, por um lado, quer da ciência sectária, por outro. "Uma corda não pode ser apertada se for segurada apenas de um lado", disse Heiner Müller, o dramaturgo da República Democrática Alemã, em ligação com o (aparentemente perdido) além (Lettre international 24, 1994). Assim, com Joseph Ratzinger, a patrística desperta para uma nova vida inesperada, que deve o discernimento dos espíritos ao Logos, a fim de implantar a sabedoria do mundo antigo no jovem cristianismo. Desta forma, não só "salva" a antiguidade e a Igreja primitiva para a nova era, como também resgata o momento presente do seu encolher de ombros contraditório sobre a verdade. Há uma piedade de pensamento, que é ao mesmo tempo uma conversão à realidade.

Esta capacidade de esclarecer o ingrato, o controverso, com fé na possibilidade da verdade, já existia desde o início, e tornou-se visível muito cedo. Ouçamos a voz de Ida Friederike Görres (1901-1971), a incorruptível. Numa carta de 28 de Novembro de 1968 a Paulus Gordan, uma beneditina em Beuron, ela escreve sobre a "angústia eclesiástica" em todo o país no rápido colapso de um certo catolicismo provincial como resultado da propaganda de 1968. Mas agora, acrescenta ela, encontrou o seu "profeta em Israel", um jovem professor Ratzinger em Tübingen, desconhecido dela até então, que poderia tornar-se "a consciência teológica da Igreja alemã".

"Ecce, profeta inútil em Israel". Com estas linhas, gostaria de expressar os meus sinceros agradecimentos ao falecido Papa Emérito Bento XVI.

O autorHanna-Barbara Gerl-Falkovitz

Prémio Ratzinger 2021

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Vaticano

Cinco dias para dar adeus a Bento XVI

O mundo dá o seu último adeus a Bento XVI a 5 de Janeiro, após alguns dias intensos em que milhares de fiéis e figuras públicas demonstraram o seu afecto e respeito pelo Papa Emérito, visitando o seu corpo em exposição na Basílica de São Pedro.

María José Atienza / Paloma López-5 de Janeiro de 2023-Tempo de leitura: 2 acta

A manhã de 31 de Dezembro de 2022 foi marcada no calendário mundial com o anúncio da Santa Sé do morte de Bento XVI às 9:34 da manhã. nessa mesma manhã.

Dias antes, o Papa Francisco tinha apelado aos fiéis para orações pela saúde do Papa emérito "que estava muito doente".. No mesmo dia, o pontífice foi ao mosteiro Mater Ecclesiae, local de residência de Bento XVI, para visitar o seu predecessor. 

O último dia do ano, O Papa Emérito morreu no Vaticano Isto levou a uma cascata de informações sobre a sua vida, despedidas de pessoas próximas e outras, e, é claro, a reacção afectuosa da maioria dos fiéis católicos.

O testamento espiritual de Bento XVI quase não tinha sido publicado quando várias pessoas já se tinham aproximado do mosteiro Mater Ecclesiae para prestar os seus respeitos e rezar perante o falecido. 

O Papa Francisco, pela sua parte, deu as boas-vindas ao novo ano a rezar à Virgem MariaO dia da sua solenidade, para a alma do seu predecessor.

Nas primeiras horas do dia 2 de Janeiro, o corpo de Bento XVI foi transferido para a Basílica de São Pedro, onde esteve exposto durante cinco dias para aqueles que o desejassem ver, poderia vir a despedir-se do sábio papa cujo pensamento espiritual e erudito deixou uma marca indelével no Teologia do século XX.

"O maior teólogo de sempre a sentar-se na cadeira de Pedro".

Nesta linha, uma das pessoas que melhor conheceu Bento XVI é o seu biógrafo, Peter Seewald, que, numa recente entrevista com Thomas Kycia da OSV News, descreve Joseph Ratzinger como "um cabeça muito inteligente, que não se coloca em primeiro plano, mas sim, do conhecimento da IgrejaDas testemunhas do Evangelho, da tradição do catolicismo e da sua própria força de pensamento e inspiração, ele pode dizer-vos algo que transforma uma pessoa do nosso tempo, uma pessoa moderna.

Na mesma entrevista, ele recorda que o Papa Francisco afirma que O ensino de Benedict XVI é indispensável para o futuro da Igreja e que ela se torne cada vez maior e mais poderosa com o tempo. Seewald observa que o Papa emérito tem sido "sem dúvida, o teóloga o maior de sempre a sentar-se na cadeira de Pedro".

A semana intensa, não só no Vaticano mas em todo o mundo, termina com o funeral presidido pelo Papa Francisco e no qual participaram representantes de várias confissões religiosas e personalidades das esferas civil, cultural e política.

No entanto, o funeral de Joseph Ratzinger não é nada parecido com os dos seus antecessores. Neste caso, existem apenas duas delegações oficiais das nações da Alemanha, a pátria do pontífice, e a Itália.

A funeral simplescomo solicitado pelo Bento XVISerá colocado para descansar no túmulo nas grutas do Vaticano ocupadas pelo seu predecessor, São João Paulo II, antes de ser transferido para a Basílica de São Pedro após a sua canonização.

O autorMaría José Atienza / Paloma López

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Bento XVI. A Voz da Razão Ética

O autor do artigo, doutorado em Ciência Política e Direito Internacional Público, escreveu recentemente "The Voice of Ethical Reason". Bento XVI do Westminster Hall de Londres e do Reichstag de Berlim".

José Ramón Garitagoitia-5 de Janeiro de 2023-Tempo de leitura: 6 acta

Joseph Ratzinger (1927-2022) sentiu uma profunda vocação académica desde a sua juventude. Quando João Paulo II o nomeou Arcebispo de Munique e Freising em 1977, teve dificuldade em abandonar o seu trabalho docente na Universidade de Regensburg.

Algum tempo depois, em 1982, foi chamado a Roma para trabalhar com o papa polaco como um dos seus colaboradores mais próximos. Ele aceitou, mas não foi uma decisão fácil. Em várias ocasiões pediu para ser dispensado das suas funções no Vaticano, e São João Paulo II respondeu confirmando-o no seu posto: ele precisava dele por perto, até ao fim.

Após a morte de Wojtyla, o antigo professor de Regensburg, de 78 anos, tornou-se o 264º sucessor de São Pedro a 19 de Abril de 2005. Ele escolheu o nome Bento, em continuidade simbólica com Bento XV, que acedeu à Cátedra de Roma nos tempos turbulentos da Primeira Guerra Mundial.

Ver o inacreditável tornar-se realidade foi um choque para ele: "Estava convencido de que havia melhores e mais jovens". Da sua profunda dimensão de fé, ele abandonou-se a Deus. "Teria de me familiarizar lentamente com o que poderia fazer, e limitar-me-ia sempre ao passo seguinte", explicava ele com simplicidade anos mais tarde.

Na inauguração do seu pontificado, Bento XVI aludiu àqueles que vagueiam nos desertos contemporâneos: "o deserto da pobreza, o deserto da fome e da sede; o deserto do abandono, da solidão, do amor desfeito (...), das trevas de Deus, do vazio das almas, que já não estão conscientes da dignidade e da direcção do ser humano". Desde esse dia até à sua demissão a 28 de Fevereiro de 2013, pôs o seu enorme poder intelectual ao serviço da missão que tinha recebido. Ele visitou diferentes partes do mundo em 24 ocasiões. Cada viagem foi para ele um esforço considerável: "sempre me fizeram grandes exigências", reconheceu ele com simplicidade.

Papa professor

Cinco anos após as eleições, deu uma ampla entrevista ao jornalista Peter Seewald, publicada sob o título Luz do Mundo. A conversa cobre uma vasta gama de tópicos, incluindo o pontificado, as crises da Igreja, os caminhos a seguir, a sociedade contemporânea e a paisagem cultural na transição do século XX para o século XXI.

No que diz respeito à sua missão como Romano Pontífice, ele teria de confiar muito nos seus colaboradores, e deixar muitas coisas nas suas mãos para se concentrar no específico: "manter a visão interior do todo, a recordação, da qual a visão do essencial pode então vir".

João Paulo II era um gigante em muitos aspectos. Só pela sua presença, a sua voz e os seus gestos, ele teve uma ampla ressonância mediática. A personalidade do papa alemão era diferente: "Não tem necessariamente a mesma altura, nem a mesma voz, isso tem sido um problema", perguntou-lhe Seewlad. A resposta mostra dúvidas sobre a sua capacidade de resistência: "Por vezes preocupo-me e pergunto-me se, de um ponto de vista puramente físico, serei capaz de resistir até ao fim.

A partir desta atitude simples, ele estava determinado a cumprir a sua missão: "Eu simplesmente disse a mim mesmo: Eu sou como sou. Eu não tento ser outra pessoa. O que posso dar eu dou, e o que não posso dar eu também não tento dar. Não tento fazer de mim algo que não sou, fui escolhido - os cardeais são culpados por isso - e faço o que posso".

Quando o jornalista lhe pediu uma chave para compreender o pontificado, referiu-se à sua vocação académica: "Penso que, uma vez que Deus fez um papa professor, ele queria precisamente que este aspecto da reflexividade, e especialmente a luta pela unidade da fé e da razão, viesse à ribalta".

O pontificado da razão

Os seus sete anos e dez meses à frente da Igreja Católica entrarão para a história como um pontificado da razão. No desempenho da sua missão, seguiu o conselho do filósofo Jürgen Habermas (Düsseldorf, 1929) no colóquio que realizaram em Munique em Janeiro de 2004: fazer propostas que pudessem ser compreendidas pelo público em geral. O diálogo entre os dois intelectuais sobre os "fundamentos morais pré-políticos do Estado liberal" estava por detrás deles, mas as ideias conflituosas eram tão actuais como sempre.

Nos seus discursos, tentou contribuir para a interiorização das ideias, levantando questões e tornando os argumentos sobre o grande tesouro de ser uma pessoa e sobre a transformação espiritual do mundo acessíveis aos seus interlocutores: "Esta é a grande tarefa que enfrentamos neste momento. Só podemos esperar que a força interior da fé, que está presente no homem, se torne então poderosa na arena pública, moldando o pensamento a nível público e não permitindo que a sociedade caia simplesmente no abismo". Ele insistiu que o ser humano está sujeito a um conjunto de normas mais elevadas. São precisamente estas exigências que tornam possível uma maior felicidade: "só através delas atingimos a altura, e só então podemos experimentar a beleza do ser". Considero de grande importância enfatizar isto".

Ele estava firmemente convencido de que a felicidade é um desafio e um objectivo acessível a todos, mas precisa de encontrar o caminho: "Ser humano é como uma expedição de montanha, que inclui algumas encostas árduas. Mas quando chegamos ao topo, podemos experimentar pela primeira vez como é bonito estar lá. Enfatizar isto é de particular interesse para mim". O conforto não é a melhor maneira de viver, nem o bem-estar é o único conteúdo de felicidade.

A partir de areópagos modernos

Bento XVI não se esquivou a questões complicadas, e sempre levantou questões de uma forma positiva. O seu objectivo era alto nos seus argumentos sobre a natureza e o destino das pessoas, e as exigências morais da sociedade. Os mais variados areópagos da sociedade contemporânea abriram-lhe as suas portas, com grande impacto na opinião pública.

Tenho uma memória indelével das suas palavras em Auschwitz (2006) sobre o silêncio de Deus, que ouvi ao contemplar de perto o seu rosto de sofrimento.

Nesse mesmo ano foi convidado para a sua antiga alma mater, lUniversidade de Regensburg. Dedicou a sua palestra a explicar a relação entre religião e razão. No discurso que preparou para a abertura do ano académico na Universidade de La Sapienza (2008) em Roma, perguntou-se a si próprio o que um papa poderia dizer numa universidade pública.

Ele abordou a emergência da universidade medieval como uma reflexão sobre a verdade da pessoa nas várias disciplinas. Os fundamentos dos direitos humanos foram o foco do seu discurso na Assembleia Geral da ONU (2008), e no Collège des Bernardins de Paris partilhou as fontes da cultura europeia com a intelligentsia francesa.

A visita de Bento XVI ao Reino Unido em Setembro de 2010 também teve uma dimensão política inquestionável. Um momento muito especial foi o seu discurso no Westminster Hall, onde se dirigiu à sociedade britânica do parlamento mais antigo do mundo: 1800 convidados, representando o mundo político, social, académico, cultural e empresarial do Reino Unido, juntamente com o corpo diplomático, e membros de ambas as Câmaras do Parlamento, Lordes e Comuns.

No mesmo local onde o Lord Chancellor Thomas More tinha sido julgado e condenado à morte em 1535, recebeu um caloroso acolhimento. Consciente do momento e do ambiente, dedicou o seu discurso a salientar a importância do diálogo constante entre fé e razão, e o papel da religião no processo político.

As fontes da cultura europeia

No ano seguinte, por ocasião da sua visita à Alemanha, dirigiu-se ao parlamento federal no Berlin Reichstag. A partir deste lugar emblemático, falou dos fundamentos éticos das opções políticas, da democracia e do Estado de direito. Ele abordou a justiça e o serviço político, com os seus objectivos e limites. No seu estilo escolástico, fez perguntas e ofereceu respostas: "Como podemos reconhecer o que é justo, como podemos distinguir entre o certo e o errado, entre a lei verdadeira e a lei apenas aparente?

Explicou que a cultura ocidental, incluindo a cultura jurídica, se desenvolveu num húmus humanista que permeava tudo, incluindo áreas consideradas não estritamente religiosas. Era uma consequência das fontes comuns da cultura europeia, que tinha deixado a sua marca tanto no Iluminismo como na Declaração dos Direitos do Homem de 1948. Mas na segunda parte do século XX, tinha ocorrido uma mudança na situação cultural à qual era necessário responder, e libertar a razão da sua auto-revelação: "onde o domínio exclusivo da razão positivista reina - e este é em grande medida o caso da nossa consciência pública - as fontes clássicas de conhecimento do ethos e do direito estão fora de jogo". Havia uma necessidade urgente de abrir um debate público sobre a questão, e ele reconheceu que este tinha sido o principal objectivo do seu discurso no Reichstag.

O papa-professor falava sempre de uma forma gentil e respeitosa, com rigor intelectual. Em cada um destes lugares ele discutiu sobre o que interessava aos outros, independentemente da sua ideologia, credo ou estatuto político. Ele sempre raciocinou exaustivamente as suas propostas sobre os objectivos e responsabilidades de uma sociedade digna da condição humana.

O autorJosé Ramón Garitagoitia

Doutoramento em Ciência Política e Direito Internacional Público

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Vaticano

Encontros do "avô do mundo" com o "avô da Itália".

Lino Banfi e Bento XVI, um o "avô da Itália" e o outro o "avô do mundo" tiveram pelo menos duas reuniões, como o próprio actor recorda.

Francisco Otamendi-5 de Janeiro de 2023-Tempo de leitura: 3 acta

A primeira vez que ouvi falar do actor italiano Lino Banfi foi do próprio Banfi, ao vivo no ar, quando se dirigiu a Bento XVI no Encontro Mundial das Famílias de 2006 em Valência e lhe disse que ele era "o avô da Itália" e o Papa Bento XVI "o avô do mundo".

São registadas pelo menos duas reuniões do actor italiano Lino Banfi com Bento XVI; uma como Papa em Valência, e a outra como Papa Emérito em 2016. Há também um registo de uma audiência com o Papa Francisco a 2 de Março de 2022.

Foi em Julho de 2006 em Valência, talvez alguns de vós se lembrem. O sol brilhava intensamente. Valência e inúmeras famílias espanholas derramaram os seus corações a Bento XVI, ao "avô do mundo", como o actor Lino Banfi, que por sua vez foi chamado "o avô da Itália", carinhosamente chamado por ele. Banfi tinha na altura 69 anos de idade, talvez 70, e o seu nome é na realidade Pasquale Zagaria.

O sucessor de S. João Paulo II, que tinha sido o seu firme apoiante até 2005, passou a desembalar ideias centrais sobre o casamento e a família, que se tornaram a herança da humanidade.

"A família é um bem necessário para os povos, uma base indispensável para a sociedade e um grande tesouro para os cônjuges ao longo das suas vidas", disse Bento XVI. "É um bem insubstituível para as crianças, que devem ser o fruto do amor, da doação total e generosa dos seus pais. Proclamar a verdade integral da família, fundada no casamento como Igreja doméstica e santuário da vida, é uma grande responsabilidade para todos. Convido portanto os governos e legisladores a reflectir sobre o bem evidente que os lares pacíficos e harmoniosos asseguram ao homem, à família, o centro nevrálgico da sociedade, como recorda a Santa Sé na Carta dos Direitos da Família".

Mais tarde, no mesmo encontro festivo e testemunhal, o então Papa Bento XVI referiu-se directamente aos avós, como Lino Banfi: "Desejo referir-me agora aos avós, que são tão importantes nas famílias. Podem ser - e tantas vezes são - os garantes do afecto e da ternura que todo o ser humano precisa de dar e receber. Eles dão aos pequenos a perspectiva do tempo, são a memória e a riqueza das famílias. Esperemos que, em circunstância alguma, sejam excluídos do círculo familiar. São um tesouro que não podemos tirar às novas gerações, especialmente quando dão testemunho de fé perante a aproximação da morte".

Anos mais tarde, em 2013

Alguns anos mais tarde, em Outubro de 2013, meses após a sua demissão, encontraram-se novamente, desta vez no mosteiro Mater Ecclesiae. Após uma reunião que durou cerca de 35 minutos, Lino Banfi disse que o Papa Emérito Bento XVI "toca piano, lê, estuda e reza" e está "muito bem", recordou na rádio RT, segundo a Europa Press.

O actor italiano sublinhou que tinha encontrado o Papa Emérito "muito sereno" e recordou a sua participação no Encontro Mundial das Famílias em Valência, quando falou em "Espanhol-Pugliese", e chamou a Bento XVI "avô do mundo", que tinha 79 anos em Valência, dez anos mais velho que Lino Banfi.

Em 2022, com Lolo Kiko

A 2 de Março do ano passado, perante a audiência geral, o Papa Francisco teve um encontro com o actor italiano Lino Banfi, o "avô da Itália". O Gabinete de Imprensa A Santa Sé partilhou o testemunho de Banfi, que pediu ao Santo Padre "uma oração pela paz na Ucrânia e outra pela minha esposa Lúcia, porque ontem celebrámos 60 anos de casamento".

"O Papa e eu temos a mesma idade, nascemos em 1936: lembrei-o disto, salientando que sou cinco meses mais velho", comentou o comediante. "Acho extraordinário que tenha escolhido dar uma catequese sobre a velhice, que não é a idade de 'descartar'... pelo contrário! Estou satisfeito por ser chamado 'avô da Itália', e disse ao Papa que ele é realmente o 'avô do mundo', porque os idosos são fundamentais para o futuro... cada vez mais!".

Mas, "precisamente porque sou velho", continuou Banfi, "confiei ao Papa que nunca pensei ver outra guerra na Europa, e que me sinto próximo do povo sofredor, como um avô, a rezar pela paz".

Alguns anos antes da pandemia, no meio do Sínodo dos Bispos sobre jovens, fé e discernimento vocacional, o Papa Francisco teve uma reunião na qual aconselhou os avós sobre como transmitir a fé aos seus netos. Ele recordou "uma memória muito bonita". Quando estava nas Filipinas, as pessoas cumprimentaram-me chamando-me: Lolo Kiko! Avô Francesco! Lolo Kiko, eles estavam gritando! Fiquei muito feliz por ver que eles se sentiam próximos de mim como avô", disse o Papa.

Como ter um avô sábio em casa".

Num relatório de Omnes Nos últimos anos, quando os jornalistas perguntaram ao Papa Francisco sobre a sua relação com o Papa Emérito Bento XVI ao longo dos anos, ele disse: "é como irmãos, na verdade"; "sinto-me como se tivesse um avô sábio em casa"; "faz-me bem ouvi-lo"; "ele também me encoraja muito". "Como ter um avô sábio em casa", repetiu Francis no encontro com os idosos em Setembro de 2014.

O autorFrancisco Otamendi

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Cultura

Um livro reunirá o pensamento espiritual de Bento XVI

Dio è sempre nuovo (Deus é sempre novo) é o título do livro a ser publicado pela Libreria Editrice Vaticana, a editora oficial da Santa Sé, com um prefácio do Papa Francisco.

Maria José Atienza-4 de Janeiro de 2023-Tempo de leitura: 2 acta
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"Deus é sempre novo porque Ele é a fonte e razão da beleza, da graça e da verdade. Deus nunca é repetitivo, Deus surpreende-nos, Deus traz novidade", é como o Papa Francisco resume no seu prefácio o título apropriado sob o qual a editora do Vaticano reúne uma "síntese espiritual" do escritos de Bento XVI na qual, como sublinha Francisco, "a sua capacidade de mostrar a profundidade da fé cristã brilha sempre de novo". 

O livro, publicado pela Libreria editrice Vaticanaque será publicado a 14 de Janeiro, aborda, nas palavras do prefácio, "uma gama de temas espirituais e é um incentivo para que nos mantenhamos abertos ao horizonte da eternidade que o cristianismo traz no seu ADN. O pensamento e o magistério de Bento XVI é e continuará a ser frutuoso no tempo, porque ele foi capaz de se concentrar nas referências fundamentais da nossa vida cristã: primeiro, a pessoa e a palavra de Jesus Cristo, e depois as virtudes teologais, ou seja, a caridade, a esperança e a fé. E por isso toda a Igreja lhe ficará grata".

O Papa Francisco também quis expressar neste prólogo a sua gratidão a Deus "por nos ter dado o Papa Bento XVI: com a sua palavra e o seu testemunho, ensinou-nos que através da reflexão, pensamento, estudo, escuta, diálogo e, sobretudo, oração, é possível servir a Igreja e fazer o bem a toda a humanidade; ofereceu-nos ferramentas intelectuais vivas para que cada crente pudesse dar razões para a sua esperança usando uma forma de pensar e de comunicar compreensível para os seus contemporâneos. A sua intenção era constante: entrar em diálogo com todos a fim de procurarmos juntos os caminhos através dos quais podemos encontrar Deus".

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Vaticano

Os momentos engraçados de Bento XVI

Relatórios de Roma-4 de Janeiro de 2023-Tempo de leitura: < 1 minuto
relatórios de roma88

Nos seus quase oito anos de pontificado, Bento XVI viveu alguns momentos divertidos, incluindo, por exemplo, algumas audiências originais, como a concedida a um grupo de artistas de circo em que o Papa acariciou uma cria de leão ou o presente de um volante de Fórmula 1.


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Vaticano

Papa Francisco: "A fragilidade é, de facto, a nossa verdadeira riqueza".

O Papa Francisco reuniu-se hoje com os fiéis na Sala Paulo VI para a audiência geral de quarta-feira. É a primeira audiência de 2023.

Paloma López Campos-4 de Janeiro de 2023-Tempo de leitura: 3 acta

O Papa Francisco esteve hoje na Sala Paulo VI com fiéis de todo o mundo que assistiram à audiência geral, muitos deles também se despediram do Papa Emérito. Bento XVI.

O Santo Padre começou a audiência mencionando Bento XVIcujo "pensamento aguçado e educado não era auto-referencial, mas eclesial, porque ele sempre quis acompanhar-nos ao encontro com Jesus". Jesus, o Crucificado Ressuscitado, o Vivente e o Senhor, foi o objectivo a que o Papa Bento XVI nos conduziu, levando-nos pela mão".

Dar-se a conhecer

Com a sua pregação na audiência de hoje, o Papa conclui o catequese sobre o discernimentoque tem vindo a decorrer desde Agosto. Para encerrar este ciclo, Francisco referiu-se ao "acompanhamento espiritual, importante antes de mais para o auto-conhecimento, que vimos ser uma condição indispensável para o discernimento".

No acompanhamento espiritual, o Papa disse, "é importante, antes de mais, darmo-nos a conhecer, sem ter medo de partilhar os nossos aspectos mais frágeis, nos quais nos descobrimos mais sensíveis, fracos ou com medo de sermos julgados. A fragilidade é, de facto, a nossa verdadeira riqueza, que devemos aprender a respeitar e a acolher, porque, oferecida a Deus, torna-nos capazes de ternura, misericórdia e amor. Torna-nos humanos. Esta fragilidade não é tanto uma coisa negativa como faz parte da beleza da natureza humana, pois "Deus, para nos fazer como Ele, quis partilhar até ao fim o nosso fragilidade".

Acompanhamento espiritual e discernimento

O acompanhamento espiritual é um instrumento necessário para o discernimento, porque "se é dócil ao Espírito Santo, ajuda a desmascarar até graves mal-entendidos na nossa consideração de nós mesmos e na nossa relação com o Senhor". Através de um acompanhamento espiritual que se assemelha às confidências dos personagens do Evangelho com Cristo, Deus pode ser encontrado. Há exemplos disto nas histórias do Evangelho que nos lembram que "as pessoas que têm um verdadeiro encontro com Jesus não têm medo de lhe abrir o coração, de lhe apresentar a sua vulnerabilidade e inadequação". Desta forma, a sua partilha torna-se uma experiência de salvação, de perdão livremente recebido".

O Santo Padre afirma que "contar a alguém o que vivemos ou o que procuramos ajuda, antes de mais, a trazer clareza ao nosso interior, trazendo à luz os muitos pensamentos que nos habitam e que muitas vezes nos perturbam com os seus insistentes refrões". Através do acompanhamento, "descobrimos com surpresa diferentes formas de ver as coisas, sinais de bondade que sempre estiveram presentes em nós".

Contudo, é importante lembrar que "aquele que acompanha não substitui o Senhor, não faz o trabalho no lugar daquele que o acompanha, mas caminha ao seu lado, encoraja-o a ler o que se move no seu coração, o lugar por excelência onde o Senhor fala".

Os princípios básicos do acompanhamento espiritual

O Papa não quis esquecer os pilares em que se baseia o acompanhamento espiritual. Assim, ele diz que "o acompanhamento pode ser frutuoso se, de ambos os lados, tivermos experimentado a filiação e o irmandade espiritual. Descobrimos que somos filhos de Deus quando descobrimos que somos irmãos e irmãs, filhos do mesmo Pai. É por isso que é essencial fazer parte de uma comunidade itinerante. Não vamos sozinhos para o Senhor. Como na história do Evangelho do paralítico, somos muitas vezes sustentados e curados graças à fé de outra pessoa. Quando estas fundações não são firmes, "o acompanhamento pode levar a expectativas irrealistas, mal-entendidos e formas de dependência que deixam a pessoa num estado infantil".

Maria, professora

Não é só em Jesus que se encontra um professor que ensina a viver em acompanhamento, o Papa destaca a figura de Santa MariaEla é uma "professora de discernimento: fala pouco, ouve muito e guarda o seu coração". Quando ela fala, Francis disse à audiência, fá-lo com sabedoria. "No Evangelho de João, há uma frase muito breve proferida por Maria que é uma palavra de ordem para os cristãos de todos os tempos: "...ela é uma mestra de discernimento.Faça o que Ele lhe diz"(cf. 2.5)".

Esta sabedoria de Nossa Senhora nasce porque "Maria sabe que o Senhor fala ao coração de cada um de nós, e pede-nos que traduzamos esta palavra em acções e escolhas". Ela soube encarnar tudo isto na sua vida, de modo que "ela está presente nos momentos fundamentais da vida de Jesus, especialmente na hora suprema da sua morte na cruz".

Discernimento, arte e dom

O Papa concluiu esta última catequese sobre o discernimento afirmando que o discernimento "é uma arte, uma arte que pode ser aprendida e que tem as suas próprias regras. Se for bem aprendida, permite-nos viver a nossa experiência espiritual de uma forma cada vez mais bela e ordenada. Acima de tudo, o discernimento é um dom de Deus, que deve ser sempre pedido, sem nunca presumir ser perito e auto-suficiente".

É importante ter em mente que "a voz do Senhor é sempre reconhecível, tem um estilo único, é uma voz que acalma, encoraja e tranquiliza nas dificuldades". É esta voz que em toda a Bíblia repete "Não tenhas medo". Sabendo isto, "se confiarmos na sua palavra, jogaremos bem o jogo da vida, e seremos capazes de ajudar os outros". Como a SalmoA sua Palavra é uma lâmpada aos nossos pés e uma luz ao nosso caminho (cf. 119.105)".

Vaticano

Os desafios "políticos" das viagens ao estrangeiro de Bento XVI

O seu secretário pessoal, Georg Gänswein, reflecte sobre a contribuição política e diplomática de alguns dos discursos mais significativos proferidos durante as suas Jornadas Apostólicas por Bento XVI a instituições europeias e internacionais.

Giovanni Tridente-4 de Janeiro de 2023-Tempo de leitura: 5 acta

Como mostram os muitos relatórios dos últimos dias, o Papa Emérito Bento XVI foi também um Pontífice que manteve a tradição dos seus predecessores de realizar Viagens Apostólicas ao estrangeiro, e não apenas a Itália. Uma série inaugurada quatro meses após o seu pontificado, viajando para a sua pátria para o Dia Mundial da Juventude em Colónia.

Regressou à Alemanha mais duas vezes, em 2006 (à Baviera, onde teve lugar o conhecido "incidente de Regensburg") e em 2011, numa visita oficial ao país.

No total, Bento XVI fez 24 viagens apostólicas ao estrangeiro, várias à Europa (três vezes à Espanha), mas também à América Latina (Brasil, México, Cuba), Estados Unidos (2008), África (Camarões, Benin) e Austrália (2008), como a OMNES também relatou nos últimos dias.

Confirmação na fé

Obviamente, a primeira razão para estas viagens fora do Vaticano a países distantes é de natureza espiritual; o Vigário de Cristo vai em peregrinação a terras habitadas por católicos baptizados - mesmo onde estão em minoria - para os confirmar na fé e para lhes trazer a proximidade e bênção de toda a Igreja.

Há também razões políticas, já que se trata de visitas a um país específico, com a sua própria representação institucional que o acolhe - e sobretudo o convida - com as suas próprias tradições e culturas, problemas, desafios e perspectivas de futuro, que cada Pontífice se compromete a valorizar e integrar em todo o seu magistério, deixando sempre sementes de possível crescimento e desenvolvimento.

Este foi também o caso de Bento XVI, que durante o seu mandato de sete anos à frente da Igreja universal não deixou de se encontrar com vários líderes políticos e culturais de países europeus e realidades internacionais.

Esta experiência - e os discursos que ele tem feito de tempos a tempos nas suas várias viagens - permite-nos fazer várias reflexões sobre questões fundamentais da sociedade, tais como a relação entre justiça e liberdade religiosa, o confronto entre fé e razão, a dinâmica entre lei e direito, etc.

Diplomacia ao estilo de Ratzinger

Sobre estes temas, o seu secretário particular, Monsenhor Georg Gänswein, ofereceu em 2014, um ano após a demissão de Bento XVI, algumas reflexões que realçam precisamente o impacto "político" da diplomacia formatada de Ratzinger, centrando-se em cinco grandes discursos do Papa Emérito, dirigidos a tantos contextos e audiências diferentes, mas dos quais emergem certas "ideias-chave", desenvolvidas "de uma forma orgânica e coerente".

O primeiro destes discursos destacado pelo Prefeito da Casa Pontifícia é sem dúvida o discurso proferido emn Regensburg em 12 de Setembro de 2006O verdadeiro significado deste pronunciamento, é claro, não reside nas críticas que se seguiram. Evidentemente, a verdadeira importância deste pronunciamento não reside nas críticas que se seguiram.

Um segundo discurso foi proferido nas Nações Unidas em Nova Iorque dois anos mais tarde, focando os direitos humanos e o projecto que sessenta anos antes levou à adopção da Declaração Universal dos Direitos do Homem.

Gänswein sublinhou então o significado do discurso que proferiu no Collège des Bernardins de Paris (12 de Setembro de 2008), dirigida às elites culturais de um país considerado secularizado e hostil às religiões. Bento XVI recordou aqui a contribuição da fé cristã para o desenvolvimento da civilização europeia.

Em 2010, a 17 de Setembro, Bento XVI falou em Londres na sede daquele Parlamento que, entre outras coisas, decretou a morte de Thomas More como resultado de dissensão religiosa. Nessa ocasião, apreciou a tradição democrática liberal, ao mesmo tempo que denunciava os ataques à liberdade religiosa que estavam a ter lugar no Ocidente.

Finalmente, de significado político e diplomático foi o seu discurso ao Bundestag alemão em 22 de Setembro de 2011, no qual Bento XVI abordou a questão dos fundamentos do sistema jurídico e os limites do positivismo resultante que dominou a Europa ao longo do século XX.

Com base nestes pronunciamentos, o Secretário Particular de Bento XVI desenha um fio condutor comum em três perspectivas.

Religião e Direito

O primeiro tem a ver com o cerne do pensamento de Bento XVI sobre a contribuição da religião para o debate público e, consequentemente, para a construção da ordem jurídica. Isto pode ser visto muito claramente no discurso ao Bundestag em Berlim, quando Ratzinger afirma: "Na história, os sistemas jurídicos foram quase sempre motivados religiosamente: com base numa referência à vontade divina, o que é justo entre os homens é decidido.

Ao contrário de outras grandes religiões, o cristianismo nunca impôs ao Estado e à sociedade uma lei revelada, uma ordem jurídica derivada de uma revelação. Em vez disso, referiu-se à natureza e à razão como as verdadeiras fontes do direito, referiu-se à harmonia entre a razão objectiva e subjectiva, uma harmonia que, no entanto, pressupõe que ambas as esferas sejam fundadas na Razão criadora de Deus".

Tinha proposto um conceito semelhante em Westminster Hall, para afastar os receios de que a religião seja uma "Autoridade" que de alguma forma se impõe em questões jurídicas e políticas, frustrando a liberdade e o diálogo com os outros.

A proposta de Bento XVI, pelo contrário, tem uma visão universal e situa-se precisamente na inter-relação entre a razão e a natureza. Gänswein reflecte: "A primeira e fundamental contribuição de Bento XVI é a lembrança de que as fontes últimas do direito se encontram na razão e na natureza, e não num mandato, seja ele quem for".

Razão e natureza

Uma segunda perspectiva pedagógica diz respeito à área da relação entre razão e natureza, na qual "está em jogo o destino das instituições democráticas, a sua capacidade de produzir o 'bem comum', ou seja, a possibilidade, por um lado, de decidir por maioria uma grande parte da matéria a regulamentar legalmente e, por outro, de se esforçar continuamente por reconhecer e reafirmar o que não pode ser votado", recorda Monsenhor Gänswein.

Nos seus discursos públicos, Bento XVI denuncia abertamente a tentação de reduzir a razão a algo mensurável e compara-a a um bunker de betão sem janelas. Em vez disso: "Temos de abrir novamente as janelas, temos de ver de novo a imensidão do mundo, o céu e a terra, e aprender a usar tudo isto de uma forma justa", disse ele em Berlim.

É por isso que não se deve ter medo de se medir contra a realidade, pensando que a única forma de aceder a ela é reduzi-la a esquemas pré-constituídos ou mesmo pré-concebidos. Aqui existe praticamente "uma correcção do racionalismo moderno, que permite restabelecer uma relação correcta entre a razão e a realidade. Uma razão positivista ou auto-suficiente é incapaz de sair do pântano das incertezas", comenta Gänswein.

Inter-relação entre razão e fé

Finalmente, um paradigma fundamental de todo o pontificado, a inter-relação entre razão e fé, que brilha brilhantemente nos discursos que o então pontífice proferiu com o continente europeu como ponto de referência. "A cultura da Europa nasceu do encontro entre Jerusalém, Atenas e Roma; do encontro entre a fé no Deus de Israel, a razão filosófica dos gregos e o pensamento jurídico de Roma. Este triplo encontro molda a identidade íntima da Europa", disse novamente Ratzinger no seu discurso ao Bundestag.

A reflexão sobre como a fé cristã contribuiu para a reabilitação da razão emerge antes do conteúdo do discurso no Collège des Berardins em Paris, quando o emérito cita o exemplo do monaquismo ocidental como uma oportunidade para o renascimento de uma civilização até agora "enterrada sob as ruínas da devastação da barbárie" - recorda Gänswein - tendo "derrubado velhas ordens e velhas certezas".

Em suma, na opinião de Bento XVI existe uma profunda relação de amizade entre a fé e a razão, e nenhum dos dois quer subjugar o outro. Ele disse em Westminster Hall: "o mundo da razão e o mundo da fé - o mundo da racionalidade secular e o mundo da crença religiosa - precisam um do outro e não devem ter medo de se envolver num diálogo profundo e contínuo, em prol da nossa civilização. A religião, portanto, para qualquer legislador, não é de todo um problema a ser resolvido, os legisladores não são um problema a ser resolvido, "mas um contributo vital para o debate nacional".

Benedict, um homem incompreendido

Serão necessários anos, talvez décadas, para apreciar a estatura intelectual, humana e espiritual do Papa Emérito Bento XVI, que morreu na manhã de sábado, 31 de Dezembro.

4 de Janeiro de 2023-Tempo de leitura: 3 acta

Há pessoas que se destacam por algum traço de personalidade eminente - por exemplo, um talento artístico ou uma inteligência notável - mas que são impedidas de brilhar em todo o seu potencial por uma certa falta de carácter: um génio ardente, uma sensibilidade excessiva ou uma timidez sobreposta à insegurança.

Por vezes não é um factor temperamental, mas um revés ou contratempo externo a eles, tal como uma circunstância histórica adversa. Ou pode ser uma combinação de ambos, num infeliz cocktail. Felizmente, a passagem do tempo faz muitas vezes justiça e coloca todos no seu devido lugar.

Foi isto que aconteceu a artistas como Il Caravaggio ou Vincent Van Gogh. Mais do que um santo deixou este mundo envolto em controvérsia. Penso não estar a exagerar quando digo que levará anos, talvez décadas, para apreciar a estatura intelectual, humana e espiritual de Bento XVI.

Nos dias que decorreram desde a sua morte recente em 31 de Dezembro passadoNuma ignorância presunçosa - dupla ignorância - alguns apontaram o seu passado no movimento juvenil hitleriano ou acusaram-no de encobrir os casos de pederastia perpetrada por clérigos dentro da Igreja.

Contudo, um facto que ninguém pode desqualificar é a decisão que tomou em 2013 de se demitir da Sé de Pedro face às crescentes limitações físicas e psicológicas causadas pela idade. E é precisamente aí que, se se tem um mínimo de honestidade intelectual, começa-se a vislumbrar a grandeza de Joseph Ratzinger, um homem profundamente fiel ao Deus a quem dedicou as suas melhores forças e a si próprio.

O emérito começou o seu pontificado apresentando-se aos fiéis reunidos na Praça de São Pedro e ao mundo como um humilde trabalhador na vinha do Senhor. Qualquer pessoa com o seu CV na mão na altura não teria tido outra escolha senão franzir o sobrolho e atribuir-lhe falsa modéstia. Mas Ratzinger não estava a mentir. Foi assim que ele se sentiu e foi assim que tentou passar toda a sua vida.

Poderia ter sido um dos teólogos mais prolíficos do século XX, mas aceitou um convite para se tornar pastor da diocese de Munique e para trabalhar nos ingratos Congregação para a Doutrina da FéEra um homem livreiro, apesar de ser melhor nos livros do que nas ovelhas, e apesar de saber que o estigma inquisitorial se voltaria contra ele e o acompanharia a partir de então.

A sua timidez foi o seu pior defeito, mas certamente também a sua melhor virtude, pois tornou-se a salvaguarda da sua humildade e, consequentemente, de uma fé inabalável.

Ele nunca procurou defender-se contra as críticas. Ele só teve tempo para a missão que lhe foi confiada ao serviço da Igreja. Foi apenas no final dos seus dias que ele decidiu esclarecer o assunto. face a alegações de um encobrimento de um padre pedófilo enquanto era bispo de Munique. Escreveu uma carta na qual esclareceu a situação, mas sobretudo na qual pediu novamente perdão em nome de toda a instituição para o pior flagelo da sua história milenar.

O ensino de Ratzinger como Pontífice Romano é um deleite para o ouvido, alimento para o intelecto e bálsamo para o coração. Através dele, tem agido como "pater familias", à maneira evangélica, extraindo o que é bom da bota da doutrina e dando-o requintadamente mastigado aos seus filhos. Serão gerações de cristãos que serão alimentadas pelos seus ensinamentos ao longo do tempo.

Dois factores externos têm trabalhado contra este pontificado, que ficará nos livros de história pelo seu abrupto e inesperado epílogo: por um lado, o relativismo dominante que o próprio Papa denunciou e tentou combater com as suas melhores armas.

Um relativismo que gerou, juntamente com a superficialidade, essa ignorância presunçosa a que me referi anteriormente. Por outro lado, a escolha de conselheiros e aliados que não sabiam como acompanhá-lo numa viagem conturbada. E assim crises como a das crianças de Lefebvre, a má interpretação do discurso de Regensburg, o escândalo de Vatileaks e mesmo a resposta tardia da instituição - não do Papa Bento - à condenação da pedofilia foram desencadeadas.

Diz-se que quando pensava em renunciar ao pontificado, partilhou esta dúvida com vários dos seus conselheiros mais próximos. Todos tentaram dissuadi-lo, mas ele já tinha tomado a sua decisão na presença de Deus. Algum tempo depois provou que tinha razão em ignorar as suas palavras.

A história chamará injusta a esta geração por não ter compreendido Bento XVI e por não o ter apreciado em toda a sua magnitude. Teremos de nos desculpar dizendo que a sua timidez, nesta era da imagem, não ajudou, ou que manchetes tendenciosas e mentirosas nos impediram de o fazer. Mas em todo o caso espero que ela seja mais precisa do que nós e que brilhe para as próximas gerações a figura deste homem de Deus, que sob uma aparência desajeitada e frágil trazia dentro de si um gigante.

Vaticano

Os participantes do funeral de Bento XVI

Foi publicada a lista dos representantes religiosos presentes no funeral de Bento XVI em Roma, na quinta-feira 5 de Janeiro. Estes participantes juntam-se aos milhares de pessoas que se espera que venham ao Vaticano para se despedirem do Papa Emérito.

Paloma López Campos-3 de Janeiro de 2023-Tempo de leitura: 2 acta

Os representantes de muitas confissões religiosas querem assistir ao funeral de Bento XVI a ter lugar esta quinta-feira 5 de Janeiro em Roma. Estes nomes juntam-se aos de tantas pessoas que se vão mobilizar nos próximos dias para dar um último adeus ao Papa Emérito.

Representantes ortodoxos

Assim, o Patriarcado Ecuménico da Igreja Ortodoxa de Constantinopla espera que as suas eminências Policarpo de Itália e Emmanuel de Calcedónia estejam presentes. O Bispo Gennadios do Botswana é também esperado como representante dos ortodoxos gregos.

O Patriarcado de Moscovo, por seu lado, em RússiaO funeral contará com a presença do Presidente do Departamento de Relações Externas da Igreja, António de Volokolamsk, e do Assistente do Departamento de Relações Externas da Igreja, Ivan Nikolaev. O Patriarcado Sérvio será representado pelo Bispo de Bec.

Da Roménia, o bispo da diocese ortodoxa romena do Norte de Itália, Monsenhor Siluan, e o seu bispo auxiliar, Athanasius, virão em nome do Patriarcado romeno.

Os Patriarcados da Bulgária e da Geórgia serão representados por Ivan Ivanov, Administrador das comunidades búlgaras em Itália, e pelo pároco da comunidade georgiana em Roma, Ioane Khelaia, respectivamente.

A Igreja de Chipre enviará o Bispo Metropolita Basílio de Constança, e a Igreja Grega será representada pelo Metropolita Inácio de Dimitriades. Representando a Macedónia do Norte estará Sua Alteza Josif de Tetovo-Gostivar e Diácono Stefan Gogovski.

Em nome da Igreja Ortodoxa na América (OCA), o Primaz da IOA, Tikhon, e o seu secretário, Alessandro Margheritino, assistirão ao funeral.

O bispo para Itália do Patriarcado Copta Ortodoxo, Bispo Barnabas El Soryany, também estará presente. Da Igreja Apostólica Arménia, o representante da Santa Sé, o Arcebispo Khajag Barsamian, Bagrat Galstanyan da Diocese de Tavush na Arménia, e o legado papal para a Europa Central, Tiran Petrosyan, são esperados. Da mesma igreja, mas da Cilícia, estará presente o Arcebispo Nareg Alemezian.

Abraham Mar Stephanos, metropolitano do Reino Unido e da Europa, representará a igreja Syriac Malankara; e Mar Odisho Oraham, bispo da Escandinávia e da Alemanha, é o enviado da igreja assíria do Oriente.

Representantes Vetero-Católicos

A antiga Igreja Católica de Utrecht será representada pelo Bispo Heinrich Lederleitner de Utrecht. Áustria.

Representantes anglicanos

Em nome da Comunhão Anglicana, o representante do Arcebispo de Cantuária junto da Santa Sé e Director do Centro Anglicano em Roma, Ian Ernest; o representante do Secretário-Geral da Comunhão Anglicana, D. Christopher Hill; e o bispo sufragâneo da Diocese na Europa, D. David Hamid, viajarão para Roma.

Representantes metodistas

Matthew Laferty, Director do Gabinete Ecuménico Metodista em Roma.

Representantes luteranos

Por outro lado, a paróquia luterana em Roma será representada pelo Pastor Michael Jonas da Comunidade Evangélica Luterana de Roma.

Representantes do Conselho Ecuménico

O Bispo Heinrich Bedford-Strohm, Moderador do Conselho Ecuménico de Igrejas, irá ao Vaticano em nome do Conselho Ecuménico de Igrejas.

Representantes evangélicos

Samuel Chiang, Secretário-Geral Adjunto dos Ministérios da Aliança Evangélica Mundial, é o representante dos evangélicos no funeral.

Representantes dos jovens

Finalmente, em representação da Associação Cristã de Jovens Homens em Itália estarão o Presidente do Congresso Federico Serra, o Presidente do Comité Nacional Maurizio Donnangelo e o Secretário-Geral da Federação Alessandro Indovina.

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Coisas pelo nome

Os excessos de linguagem inclusiva, que por vezes se aproximam do ridículo, ou o rolo compressor da ideologia do género, que ameaça transformar qualquer pessoa que se recuse a dizer que o branco é preto num criminoso, são apenas exemplos de uma prática bem conhecida dos governantes de todas as idades.

3 de Janeiro de 2023-Tempo de leitura: 2 acta

"A guerra é paz, a liberdade é escravidão, a ignorância é força. Estes são os três slogans do partido que coroam o edifício faraónico do Ministério da Verdade no romance 1984. A manipulação da linguagem atinge hoje níveis semelhantes.

Não sou certamente um teórico da conspiração, mas penso que não estamos longe da sociedade distópica esmagadora imaginada por George Orwell. Ali, a chamada "neolinguagem" servia o omnipresente Big Brother para controlar os cidadãos; aqui, as ideologias usam a linguagem para adoçar o que não engoliríamos se chamassem as pás à espada.

Os excessos de linguagem inclusiva, que por vezes se aproximam do ridículo, ou o rolo compressor da ideologia do género, que ameaça transformar qualquer pessoa que se recuse a dizer que o branco é preto num criminoso, são apenas exemplos de uma prática bem conhecida dos governantes de todas as idades.

As últimas a queixarem-se da manipulação da língua foram as associações de famílias numerosas que vêem a nova lei a ser preparada pelo governo espanhol como uma agressão. Na exposição de motivos do projecto de lei, revelada pelo jornal ABC, o governo reconhece claramente a natureza ideológica da lei, afirmando que "a família já não existe, mas sim as famílias no plural".

Segundo o regulamento, o conceito de família grande desaparece, reconhecendo no seu lugar até 16 tipos diferentes de famílias, incluindo (que coisa!) a família composta por uma só pessoa.

As grandes famílias protestam com razão que "se tudo é família, já nada é família", citando a falta de reconhecimento, no actual contexto demográfico, da função social que desempenham.

Apesar de, ano após ano, a família continuar a aparecer em primeiro lugar no ranking das instituições mais valorizadas, a verdade é que, à medida que as práticas sociais a tornam cada vez mais pequena e mais frágil, o seu papel está a tornar-se cada vez mais confuso. Algumas pessoas já dizem que a verdadeira família são amigos, porque são "aqueles que você escolhe", para que o Big Brother cumpra, passo a passo, o seu projecto de engenharia social de eliminação de laços, a fim de tornar os indivíduos cada vez mais solitários, mais desenraizados, mais dependentes do Estado e, portanto, mais manipuláveis. Esvaziar a palavra família do seu significado aproxima-nos cada vez mais da manada - ou da alcateia ou do rebanho, o que preferir; torna-nos menos humanos e mais do que aquilo em que eles nos querem transformar.

O que aconteceria se, na procura de uma igualdade efectiva, todos nos chamássemos uns aos outros o mesmo nome? O mundo estaria num caos, ninguém saberia quem é quem, nem mesmo a si próprio.

Hoje celebramos a festa do Santíssimo Nome de Jesus, um termo que significa, em hebraico, "Deus salva", indicando claramente a missão da criança. Que saibamos chamar as coisas pelos seus nomes e não nos deixemos manipular por estes falsos salvadores da humanidade. Porque a humanidade já foi salva por um homem simples que aprendeu a ser e a levar este conceito até ao fim naquela escola da humanidade chamada família. O seu nome, acima de todos os nomes: Jesus. Voltemo-nos para ele quando estivermos confusos.

O autorAntonio Moreno

Jornalista. Licenciado em Ciências da Comunicação e Bacharel em Ciências Religiosas. Trabalha na Delegação Diocesana dos Meios de Comunicação Social em Málaga. Os seus numerosos "fios" no Twitter sobre a fé e a vida diária são muito populares.

Ecologia integral

O que a ecologia deve ao Papa Bento XVI

A questão ecológica em Bento XVI mantém um equilíbrio interessante entre estar aberto ao mundo de hoje, valorizando os aspectos positivos que incorpora, ao mesmo tempo que sabe iluminar os problemas e as expectativas dos seus contemporâneos com a luz do mais autêntico cristianismo.

Emilio Chuvieco-3 de Janeiro de 2023-Tempo de leitura: 5 acta

Parece-me que não há necessidade de alargar a longa lista de reconhecimentos que o trabalho teológico e pastoral do Papa Bento XVI tem merecido nos últimos dias por ocasião da sua morte. Nem perderei um minuto a responder aos delírios daqueles que o criticam sem mal conhecer os seus escritos e sem o ter conhecido pessoalmente.

Parece-me muito mais apropriado sublinhar outra dimensão do seu pensamento - talvez não central, mas certamente importante - que me é muito cara. Servirá assim como uma modesta homenagem e gratidão a um grande intelectual, um homem sábio e bom, que teve a tarefa de conduzir a Igreja nos últimos 40 anos - primeiro como apoio fundamental de São João Paulo II e depois como Bispo de Roma - para uma autêntica renovação da Igreja no século XXI, assumindo os aspectos mais substanciais e frutuosos do Concílio, combinando Tradição com abertura à Modernidade, numa fidelidade dinâmica que nos pergunta sempre o que Jesus Cristo nos pediria se ele pregasse aos nossos contemporâneos.

Refiro-me ao ponto de vista de Bento XVI sobre as questões ambientais tão calorosamente debatidas hoje. Considero particularmente apelativa a posição de Bento XVI sobre este assunto, pois exemplifica muito bem esse equilíbrio entre alguém que está aberto ao mundo de hoje, valorizando as coisas positivas que incorpora, ao mesmo tempo que sabe iluminar os problemas e as expectativas dos seus contemporâneos com a luz do cristianismo mais autêntico.

Para muitos cristãos, estas são questões que são - na melhor das hipóteses - estranhas à nossa fé, se não uma oportunidade de minar a mensagem cristã com interesses espúrios ou abertamente pagãos. Para outros, a Igreja não pode permanecer em silêncio sobre qualquer questão que tenha significado intelectual e amplo interesse social.

A trajectória do magistério eclesiástico sobre a chamada "questão ecológica" parece, à primeira vista, muito recente, embora existam referências muito interessantes à admiração e abertura à natureza em autores tão relevantes como São Basílio, Santo Agostinho e São Bento.

Contudo, a análise do recente magistério parte de algumas alusões em textos de São João XXIII, São Paulo VI, e alguns escritos mais específicos de São João Paulo II e Bento XVI, para terminar na encíclica dedicada a este tema pelo Papa Francisco em 2015. O actual texto do Papa é muito profundo e relevante, com algumas notas originais, mas não sai de um vazio: inspira-se nos escritos dos seus antecessores, bem como nos documentos produzidos por várias conferências episcopais. Gostaria agora de me concentrar nas contribuições do Papa Bento XVI para esta trajectória.

Vale a pena lembrar que Bento XVI era alemão, e que na Alemanha a sensibilidade ambiental é uma componente básica da vida quotidiana (vale a pena lembrar que é um dos poucos países do mundo a ter um partido Verde com ampla representação parlamentar).

O questão ecológica em Bento XVI

As suas referências à "questão ecológica" são frequentes e profundas. Por exemplo, em quatro anos do seu pontificado de oito anos, ele dedica referências centrais a este tema nas suas Mensagens para o Dia Mundial da Paz.

Na edição de 2007, introduz um tema extremamente importante, o conceito de ecologia humana, dando-lhe uma interpretação tanto moral como doutrinal: "A humanidade, se está verdadeiramente interessada na paz, deve ter sempre presente a inter-relação entre a ecologia natural, ou seja, o respeito pela natureza, e a ecologia humana. A experiência mostra que qualquer atitude desrespeitosa para com o ambiente leva a danos à coexistência humana, e vice-versa" (n. 8).

Bento XVI é também o primeiro a ligar directamente a justiça ambiental às gerações futuras, algo que está agora plenamente incluído na legislação internacional como um princípio moral, mesmo que seja juridicamente complicado de aplicar. Recordando que... "O respeito pelo ambiente não significa que a natureza material ou animal seja mais importante que o homem", afirmou que não podemos utilizar a natureza "...de uma forma egoísta, à plena disposição dos nossos próprios interesses, porque as gerações futuras também têm o direito de beneficiar da criação, exercendo nela a mesma liberdade responsável que reivindicamos para nós próprios" (Bento XVI, Mensagem para o Dia Mundial da Paz, 2008, n. 7).

No entanto, a ecologia humana proposta por Bento XVI vai mais longe. Refere-se à profunda ligação entre o equilíbrio natural e o equilíbrio humano, propondo que sejamos guiados pela lei natural, ligando a natureza humana à natureza "natural", porque afinal fazemos parte do mesmo substrato natural. A verdade do homem e da natureza conduzem a uma atitude de respeito e cuidado: não são aspectos separados.

Neste sentido, ele secunda o que São João Paulo II já salientou, que a degradação ambiental está ligada à degradação moral do homem, uma vez que ambas implicam desprezo pelo desígnio criativo de Deus, mas Bento XVI estende isto a várias facetas da acção moral: "Se o direito à vida e à morte natural não for respeitado, se a concepção, a gestação e o nascimento do homem forem tornados artificiais, se embriões humanos forem sacrificados à investigação, a consciência comum acaba por perder o conceito de ecologia humana e, com ele, de ecologia ambiental. É uma contradição pedir às novas gerações que respeitem o ambiente natural quando a educação e as leis não as ajudam a respeitar-se a si próprias.

O livro da natureza é único e indivisível, quer se trate da vida, sexualidade, casamento, família, relações sociais, numa palavra, desenvolvimento humano integral" (Caritas in veritate, 2009, n. 51). Daqui surge o conceito mais recentemente desenvolvido pelo Papa Francisco de ecologia integral, que se refere ao cuidado da natureza e das pessoas, pois afinal, este planeta é a nossa casa comum.

Não pode haver descontinuidade entre estes dois aspectos, nem num extremo nem no outro. Seria tão errado cuidar do ambiente denegrindo as pessoas que nele vivem, como seria degradar o ambiente gratuitamente para supostamente favorecer as pessoas. Existe apenas uma crise - como o Papa Francisco tantas vezes menciona - tanto social como ambiental.

A solução para o problema ambiental, portanto, não é apenas técnica mas também moral. Todos precisam de descobrir que aspectos das suas vidas podem ser renovados. Este é o quadro do conceito de conversão ecológica, que o Papa Francisco tanto gosta, mas que foi proposto por João Paulo II, e alargado por Bento XVI, concretizado em mudanças pessoais: "Precisamos de uma mudança efectiva de mentalidade que nos leve a adoptar novos estilos de vida, "em que a busca da verdade, da beleza e do bem, bem como a comunhão com os outros para um crescimento comum, são os elementos que determinam as escolhas de consumo, poupança e investimento" (Bento XVI, Caritas in veritate, 2009, n. 51). 51).

As alusões de Bento XVI à questão ambiental no seu memorável discurso no parlamento alemão são também dignas de nota. Aí salientou que o respeito pela natureza é também uma forma de reconhecer uma verdade objectiva que não criamos, mas à qual devemos o reconhecimento.

É por isso que indicou que: "Devemos ouvir a linguagem da natureza e responder-lhe de forma coerente", ligando este reconhecimento ao da própria natureza humana: "O homem não é apenas uma liberdade que cria para si próprio. O homem não se cria a si próprio. Ele é espírito e vontade, mas também natureza, e a sua vontade é apenas quando respeita a natureza, ouve-a, e quando se aceita por aquilo que é, e admite que não se criou a si próprio. Desta forma, e apenas desta forma, a verdadeira liberdade humana é realizada".

Em suma, no magistério muito amplo de Bento XVI, a dimensão ecológica é proposta como central à experiência cristã, partindo de uma concepção de Deus Criador, que embelezou o mundo à nossa volta com uma imensa biodiversidade, de Deus Redentor, que quis partilhar a nossa natureza humana, vivendo em harmonia com o seu ambiente, e de Deus Santificador, que usa a matéria natural como veículo de Graça nos sacramentos.

O Papa Francisco recordou-nos isto na sua encíclica e nas suas muitas alusões no seu magistério, mas também os papas anteriores, especialmente Bento XVI, merecem um lugar de honra entre os precedentes deste magistério.

O autorEmilio Chuvieco

Professor de Geografia na Universidade de Alcalá.

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Espanha

Mayte Rodríguez: "Os judeus e os cristãos devem trabalhar e dialogar sobre tudo o que nos une".

Há algumas semanas, a casa capitular da Catedral de Almudena em Madrid tornou-se um ponto de encontro inter-religioso para a celebração do 50º aniversário da criação do Centro de Estudos Judaico-Cristãos. Meio século "sendo a instituição oficial da Igreja para o diálogo com o judaísmo", como salienta Mayte Rodríguez, Directora do Centro.

Maria José Atienza-3 de Janeiro de 2023-Tempo de leitura: 5 acta

A história do Centro de Estudos Judaico-CristãosAs Irmãs de Nossa Senhora de Sion, dependentes do arcebispado de Madrid, não podem ser compreendidas sem mencionar a congregação das Irmãs de Nossa Senhora de Sion. 

Esta congregação, fundada sob a inspiração de Theodore e Alphonse Ratisbonne, dois irmãos de origem judaica, que se converteram ao catolicismo e foram ordenados sacerdotes, tem como carisma o trabalho e a oração na Igreja para revelar o amor fiel de Deus pelo povo judeu e para realizar o reino de Deus na terra através da colaboração fraterna. 

Esta tem sido a linha destes 50 anos de trabalho, como sublinha Mayte Rodríguez, uma leiga que veio a conhecer o carisma das Irmãs de Sion pouco depois de chegar a Espanha e que, desde então, tem feito parte deste Centro de Estudos, nesta entrevista. 

Quando foi fundado o Centro de Estudos Judaico-Cristãos? 

-Por volta de 1960, a Irmã Esperanza e a Irmã Ionel chegaram a Espanha. A primeira coisa que fizeram foi dirigir-se à comunidade judaica, que os acolheu de braços abertos. Foi aí que a fundação do Amizade Judaico-Cristã, aprovado pelo arcebispado de Madrid.

Estamos a falar de antes do Concílio Vaticano II. Após o Conselho, o Cardeal Tarancón decidiu erigir um Centro de Estudos Judaico-CristãosA instituição oficial da Igreja, ou seja, faz dela uma instituição oficial da Igreja.

Na verdade, somos a única instituição oficial da Igreja para o diálogo com o judaísmo aqui em Espanha. O Centro enquanto tal foi criado a 21 de Setembro de 1972, confiando a sua gestão à Congregação de Nossa Senhora de Sion.

Porque é que a Congregação está estabelecida em Espanha? 

-No Verão de 1947, um grande grupo de judeus e cristãos de 19 países reuniram-se em Seelisberg, Suíça. Entre eles estavam Jacques Maritain e Jules Isaac. Essa reunião foi um evento chave. Mostrou, entre outras coisas, como uma certa parte do horror do recente holocausto judeu poderia ter vindo de uma visão errada dos cristãos em relação aos judeus. Estamos a referir-nos a ideias como o facto de os judeus "culpado da morte de Cristo". Seelisberg promove o que é conhecido como "amizades judaico-cristãs". 

É verdade que em Espanha, não sendo participantes na Segunda Guerra Mundial, talvez não tivéssemos a mesma percepção da perseguição dos judeus que poderíamos ter tido em França ou na Alemanha, mas em Espanha havia uma óbvia raiz sefárdica, judaica. Não é em vão que os judeus são divididos em sefarditas e ashkenazi, os primeiros de origem espanhola e os segundos de raízes da Europa Central. 

Nesta história, que papel desempenha a declaração Nostra Aetate?

-Nos últimos anos, tem havido um número crescente de documentos da Igreja sobre este assunto. É certo que houve séculos de mal-entendidos e isto levou a mal-entendidos, mal-entendidos e assim por diante. 

Muitos progressos têm sido feitos nos últimos anos. A este respeito, a contribuição do Concílio Vaticano II e, em particular, a da declaração Nostra Aetate, tem sido fundamental. Isto deve-se, na minha opinião, a três pessoas: São João XXIII, Jules Isaac e o Cardeal Agustin Bea SJ.

Após este encontro com Seelisberg, Jules Isaac pediu uma entrevista com São João XXIII. Nessa entrevista, lamentou que, embora não tenha encontrado nenhum ponto anti-semita nos Evangelhos, tenha perguntado de onde vinha a animosidade histórica em relação ao povo judeu. Nessa conversa, Isaac perguntou ao Papa: "Santidade, posso trazer esperança ao meu povo?"João XXIII respondeu: "Tem direito a mais do que esperança. Após essa reunião, o Papa confiou ao Cardeal Agustín Bea a preparação do que viria a ser a declaração Nostra Aetate. Esta declaração foi altamente controversa: para alguns sectores da Igreja, ficou aquém das expectativas, e para outros foi excessiva. Houve também mal-entendidos por parte das outras confissões. No final Nostra Aetate e esse foi o início da mudança. Não só por parte dos católicos mas, no caso da comunidade judaica, como nos viram a nós cristãos. 

Houve também uma mudança de mentalidade por parte da comunidade judaica?

-É preciso ter em conta que, para os judeus, os cristãos têm sido frequentemente considerados como uma espécie de seita, uma heresia do judaísmo. 

Foram dados passos significativos nos últimos anos. Por exemplo, em documentos recentes, os judeus reconhecem que os cristãos fazem parte do plano infinito de Deus. Não só isso, mas num certo sentido seguimos caminhos paralelos e quando Deus quiser encontrar-nos-emos. Entretanto, temos de trabalhar e dialogar sobre tudo o que nos une. Isto é muito importante. 

É realmente paradoxal, mas o que mais nos une aos nossos irmãos mais velhos na fé é também o que mais nos separa: a figura de Cristo. Jesus era judeu, a sua mãe era judia, os apóstolos eram judeus... A grande diferença é que para nós ele é o Messias e para eles ele é um grande rabino. Neste ponto, refiro-me frequentemente ao nome da revista do centro, El Olivo. Esta revista deve o seu nome a estas palavras do 11º capítulo da carta aos Romanos: "Se a raiz é santa, os ramos também o são. Por outro lado, se alguns dos ramos fossem quebrados, enquanto você, sendo uma oliveira selvagem, fosse enxertado no seu lugar e feito para partilhar a raiz e a seiva da oliveira. Os judeus são o baú, e se nós somos santos é porque eles também são santos. Muitas vezes, dentro dos próprios cristãos, apreciamos que existe uma visão distante do povo judeu. Penso que é mais uma falta de interesse do que qualquer outra coisa. No entanto, graças a Deus vemos que isto está a mudar e que há mais abertura. Mas muito mais é necessário. 

Agora que tem 50 anos, quais são as perspectivas do Centro para o futuro?

-Eu penso que este Centro é algo que Deus quer, por isso Ele saberá o que fazer para o futuro. Já passámos, e ainda estamos a passar, por muitas subidas e descidas. Todas as manhãs, quando chego ao Centro, vou à capela que aqui temos e digo ao Senhor: "Vou à capela. "Isto é teu, vamos ver o que podes fazer!". Penso que é isso, uma obra de Deus. Trabalhamos para o seu povo e pelo seu povo, e aqueles de nós que sentem este afecto vêem-no dessa forma. 

No Centro quase todos nós somos voluntários, mesmo o magnífico quadro de professores nas nossas conferências fazem-no numa base voluntária. Quando as Irmãs de Sião vieram a Espanha e reuniram um grupo de intelectuais, políticos, etc., o ponto-chave foi que amavam o povo judeu e queriam difundir a sua cultura, e é isso que continuamos a fazer. Para além de séries de palestras sobre vários temas relacionados com o Judaísmo e o Cristianismo, temos cursos de hebraico, que estão abertos a todos. A maioria das pessoas que aqui vêm são mais velhas, porque têm mais tempo e estão interessadas em aprender sobre a história do povo judeu ou a relação com os cristãos. Gostaríamos que mais jovens viessem, mas com o tempo limitado que têm, é difícil. Temos também uma biblioteca muito boa, aberta a estudiosos e professores, sobre tudo o que está relacionado com o mundo judeu e cristão. 

Como definiria a actual relação com a comunidade judaica? 

-Excelente. Graças a Deus, temos uma relação fraternal. Existe uma cooperação constante entre nós e vale a pena notar que nos ajudam de muitas maneiras diferentes: tanto para manter este Centro como para colaborar muitas vezes em obras de caridade da Igreja, por exemplo, em campanhas da Cáritas ou em colecções de alimentos. Alguns dos momentos mais cativantes são quando nos acompanhamos uns aos outros em ocasiões especiais. Celebramos com eles festas tais como Yom Kippur o Purim e vêm no dia 20 de Janeiro, que é o feriado anual da nossa escola. Temos de ter em mente que, além disso, muitos dos judeus que vivem em Espanha frequentaram escolas ou universidades católicas e as nossas festividades são muito próximas delas.

Vaticano

Milhares de pessoas visitam os restos mortais de Bento XVI

Milhares de pessoas estão hoje em fila de espera para se despedirem do Papa Emérito. O protocolo do Vaticano está a trabalhar num funeral sem precedentes, a ser presidido pelo Papa Francisco. 

Stefano Grossi Gondi-2 de Janeiro de 2023-Tempo de leitura: 7 acta

Foi um dia intenso no primeiro dos dias em que foi possível prestar uma última homenagem e oração a Bento XVI na Basílica do Vaticano.

A transferência dos restos mortais de Bento XVI para a Basílica de São Pedro teve lugar às 7.00 da manhã de hoje, e a chegada à Basílica foi às 7.15 da manhã. O breve rito foi presidido por Card. Gambetti, que durou até às 7.40 da manhã.

A preparação da Basílica para a chegada dos fiéis em visita ao Papa Emérito foi então concluída. Desde o início, às 9 da manhã, quando a Basílica foi aberta, e durante toda a segunda-feira, sempre houve uma sensação de calma nas filas, sem muitos selos, com uma sensação de recolhimento.

As primeiras imagens dos restos mortais de Bento XVI provocaram alguns comentários entre os fiéis e peregrinos. Quando João Paulo II morreu em 2005, não usava uma mitra e um crozier quando foi colocado para descansar na sua capela privada. Enquanto Benedict o fez.

Uma das grandes dúvidas sobre um acontecimento sem precedentes, como a morte de um pontífice emérito, foi o rito funerário e o protocolo que seria estabelecido.

A roupa fornece algumas pistas, uma vez que Bento XVI estava vestido de vermelho papal, mas sem o pálio: o ornamento à volta do seu pescoço que indica o poder exercido no momento da sua morte. A ausência do pálio indica que o alemão tinha acabado de se reformar. Bento XVI foi vestido com vestes pontifícias vermelhas, a cor reservada aos pontífices. Usa uma solene casula vermelha e uma serra dourada.

Ao demitir-se como pontífice, também não usa a "cruz pastoral", o bastão encimado por uma cruz que tem um significado paralelo ao do pálio. Nem usa sapatos de Borgonha, que na tradição papal evocam o sangue derramado pelos mártires seguindo as pegadas de Cristo.

Além disso, Benedito tem nas suas mãos um rosário entrelaçado. Descansa sobre um catafalque coberto por um pano de veludo vermelho e apoiado por duas almofadas castanhas. Junto a ele está uma vela acesa. Um facto interessante: o Papa Emérito Bento XVI deita-se no altar com a casula que usou na missa de encerramento do Dia Mundial da Juventude em Sidney, em 2008.

Desde o início da manhã, o Arcebispo Ganswein, secretário pessoal do Papa Bento XVI, esteve presente no túmulo e recebeu as condolências de numerosas personalidades ao longo do dia, começando por Matarella, Presidente da República Italiana, e a Primeira-Ministra, Giorgia Meloni. 

Benedicto XVI ganswein
Bispo Georg Gänswein em frente ao corpo de Bento XVI na Basílica de São Pedro ©CNS photo/Paul Haring

Longas filas na Praça de São Pedro para se despedir de Bento XVI

Ao longo do dia, houve longas filas na Praça de São Pedro para se despedirem de Bento XVI.
As pessoas que entram e saem são cruzadas e os preparativos para o funeral de quinta-feira estão a começar. Estamos também numa situação muito especial, uma vez que não vivemos o que vivemos quando João Paulo II, o Papa reinante, faleceu. Bento XVI está reformado há 10 anos, mas a Praça de São Pedro está mais uma vez viva e jovem. Pudemos ver muitos peregrinos jovens, para quem Bento XVI foi, é e continuará a ser uma referência na sua vida cristã. Este é um papa que acreditava profundamente no poder da Verdade, que amava a Verdade, que morreu amando a Verdade nos seus lábios.

Começamos a contar com muitas reacções após o desaparecimento do primeiro "papa emérito" da história, um papa que produziu um enorme trabalho doutrinário: 3 encíclicas, 275 cartas, 125 constituições apostólicas, 4 exortações apostólicas, 67 cartas apostólicas, 13 Motu proprios, 199 mensagens, 349 homilias, e cerca de 1500 discursos.

Reunindo as impressões de turistas e peregrinos, é comum ouvir avaliações como as de uma família italiana, originária de Milão, que sublinha (um casal de meia-idade) que Bento era sobretudo uma pessoa afável, com uma eloquência simples e directa, típica de uma pessoa extraordinariamente educada, com uma rara capacidade de capturar o coração com um conceito e uma ideia".

A memória de Lluís Clavell, antigo reitor da Universidade de Barcelona, não é muito diferente. Pontifícia Universidade da Santa Cruz e professor de metafísica na mesma universidade. "Veio ver-nos duas vezes. Uma vez apenas para estar connosco e responder às nossas perguntas. E pelas suas respostas atenciosas, podia-se dizer que ele tinha uma rara capacidade de ouvir. Para lhe responder primeiro é preciso ouvir bem. Ratzinger possuía ambas as qualidades.

Ouvimos também na rádio as declarações do Cardeal Pell, que confirmou: "O Papa Ratzinger era um cavalheiro cristão. Um verdadeiro professor alemão, um homem de maneiras requintadas, de alta cultura, um cavalheiro da velha escola, muito, muito educado".

Outras pessoas na praça disseram, como a freira italiana Lúcia: "Estou aqui desde muito cedo pela manhã. Devia cumprimentá-lo neste momento, depois de tudo o que ele fez pela Igreja. Ao seu lado, milhares de pessoas fizeram fila todo o dia para entrar na Basílica. Cerca de 35.000 pessoas deverão visitar a capela todos os dias, que permanecerá aberta até quarta-feira. Hoje foi confirmado que 40.000 pessoas passaram pela Basílica. 

Os primeiros fiéis a entrar na basílica foram um grupo de sacerdotes da Índia. A coincidência da morte de Bento XVI com as férias de Natal significou que muitos dos curiosos eram meros turistas. Tal como Jennifer K., uma americana que, juntamente com vários amigos, salientou a "sorte" que teve em Roma durante estes dias. "Estou triste com a morte de Bento XVI, mas para nós foi uma grande coincidência que ele nos tenha apanhado em Roma, e aqui estamos nós". Outros, como um grupo de espanhóis a poucos metros de distância, aproveitaram a sua viagem de férias para assistir ao funeral. "Estamos a fazê-lo por respeito a Benedict, embora a verdade seja que não o conhecemos muito bem", disse Luis Mesa, 36 anos.

Para outras personalidades, como a Irmã Alessandra Smerilli, secretária de um dos mais importantes Dicastérios da Santa Sé, o testamento do Papa Bento XVI recorda as suas humildes origens, a sua relação com a sua família. Um simples testamento, simples a sua vida, ele permaneceu firme, permanecendo firme perante Deus momento a momento".
Outros, como Gustavo Entrala, o comunicador espanhol que ajudou Benedict a enviar o seu primeiro tweet, recordaram online como ele e a sua equipa conseguiram que o Papa Bento XVI se interessasse pelas redes sociais. Hoje, @Pontifex é um sucesso indiscutível. E que teve a sua origem com o Papa anterior, aconselhado pelo comunicador espanhol. 

Segundo o Arcebispo de Malta, Charles Scicluna, foi Bento XVI quem começou por enfrentar "o lado obscuro" do abuso sexual clerical, levando a cabo uma série de medidas que hoje constituem o núcleo da política de "tolerância zero" da Igreja. Antes da sua eleição para o papado, o então cardeal Joseph Ratzinger "desempenhou um papel decisivo no longo processo de actualização da legislação e dos procedimentos" para lidar com crimes graves como o abuso sexual de crianças, disse Scicluna. Como disse o Prefeito e o Papa, Scicluna, Bento XVI liderou a reforma "em constante diálogo com peritos canónicos" e promoveu "a formação a todos os níveis". Durante os seus oito anos como papa, disse Scicluna, Benedict passava tempo todas as semanas a rever casos de padres abusivos que precisavam de decisões.

Numa rápida revisão do legado de Bento, que tantos recordam hoje, poderíamos mencionar "Fé e razão reencontrando-se de uma nova forma", e também que durante o seu pontificado, ele repetiu muitas vezes que o homem é capaz de verdade e deve procurá-la. Que precisa de critérios para ser verificada e deve ser acompanhada de uma tolerância real. A medida da verdade para os católicos é o Filho de Deus. Relativamente ao Vaticano II, recordou sempre "A hermenêutica da reforma". Lutou por uma verdadeira compreensão do significado do Concílio Vaticano II, como uma busca de uma "síntese de fidelidade e dinamismo". Na área da Nova Evangelização, insistiu em "Redescobrir a alegria de crer": para Bento, a nova evangelização deve preocupar-se em encontrar formas de tornar mais eficaz a proclamação da salvação, sem a qual a existência pessoal permanece contraditória e privada dos seus elementos essenciais. Embora Bento XVI tenha sido sempre firme na sua defesa da fé, procurou suavizar as diferenças e construir pontes dentro e fora da Igreja. Impulsionado por um desejo de unidade, tentou atrair aqueles que por uma razão ou outra se tinham afastado de Roma.

Preparativos para os funerais 

Os preparativos estão em pleno andamento para o funeral solene do Papa Bento XVI, agendado para quinta-feira, dia 5. O funeral de Joseph Ratzinger será o de um Romano Pontífice, com os ritos e veneração que a Igreja sempre pagou ao sucessor (Bento foi o 265º) do Apóstolo Pedro.

Embora o protocolo do Vaticano, geralmente muito preciso e detalhado para a despedida de um Papa, encontra-se pela primeira vez nos seus dois mil anos de história a registar o funeral de um Pontífice celebrado pelo seu sucessor, o Papa Francisco. E por isso está em curso um trabalho de elaboração de novas regras.

Mas o que são as Ultima Comendatio e a Valedictioas bênçãos que precedem o enterro? A tradução latina da primeira soa como "a última comenda". Como prescreve o ritual litúrgico romano, no final da liturgia da palavra (ou seja, as leituras das passagens bíblicas e evangélicas, acompanhadas de hinos, a homilia, a profissão de fé e a oração universal ou de fiéis) o celebrante com os concelebrantes borrifa o caixão com água benta e incenso. Segue-se uma oração, que é normalmente: "Entregamos o corpo mortal do nosso irmão (ou irmã) à terra na expectativa da sua ressurreição; que o Senhor receba a sua alma na gloriosa comunhão dos santos; que abra os braços da sua misericórdia, para que este nosso irmão, redimido da morte, absolvido de toda a culpa, reconciliado com o Pai e carregado sobre os ombros do Bom Pastor, possa participar na glória eterna no Reino dos Céus".

A Valedictio, do latim "Vale", que os romanos disseram ou escreveram quando se cumprimentaram e que é equivalente ao nosso "Até logo" com a adição de um desejo de saúde e paz, representa o último adeus ao falecido. O mais usado é "Vinde, santos de Deus, apressai-vos, anjos do Senhor". Recebe a sua alma e apresenta-a ao trono do Altíssimo. Que Cristo, que vos chamou, vos receba, e que os anjos vos conduzam com Abraão ao paraíso. Recebe a sua alma e apresenta-a ao trono do Altíssimo. Senhor, concedei-lhe o descanso eterno, e deixai brilhar sobre ele a luz perpétua. Recebe a sua alma e apresenta-a ao trono do Altíssimo".

O caixão é então levado para o lugar do enterro, que para o Papa Ratzinger deveria ser, de acordo com o seu pedido, o loculus das Grutas do Vaticano, onde o corpo de João Paulo II foi colocado para descansar antes de ser transferido para a parte superior da Basílica.

O autorStefano Grossi Gondi

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Iniciativas

Amigos de Monkole 2022: mais de 400.000 euros em 11 projectos

Desde a sua fundação há 12 anos, Friends of Monkole já ajudou mais de mil mulheres grávidas no Centro Hospitalar Monkole, localizado num dos bairros mais pobres de Kinshasa (República Democrática do Congo).

Maria José Atienza-2 de Janeiro de 2023-Tempo de leitura: < 1 minuto

O Fundação dos Amigos de Monkoleconseguiu financiar os seus 11 projectos de solidariedade na República Democrática do Congo com mais de 400.000 euros, "um valor recorde, cerca de 40% mais do que em 2021, graças aos nossos doadores e à ajuda recebida de várias instituições e organizações públicas e privadas", como explicou Enrique Barrio, presidente da fundação. Mais de 35.000 pessoas, especialmente mulheres e crianças, beneficiaram, directa ou indirectamente, graças a estes projectos.

Os projectos aos quais o dinheiro foi atribuído variaram desde operações de raquitismo em crianças (20.000 euros), operações de substituição da anca (18.290,5 euros), Forfait Mamá, assistência ao parto para 107 mães (29.000 euros), Neonatologia (39.200 euros, incluindo uma subvenção de 20.000 euros da Fundação Ordesa), até ao Projecto Elikia: rastreio do cancro do útero (29.700 euros).

Outros projectos são o Projecto Dentário com o apoio da Associação Dentária das Astúrias (5.600 euros), Escola de Enfermagem (90.000 euros), Formação em África com médicos da Europa (10.605,89 euros), reabilitação da antena sanitária de Kimbondo (6.000 euros, com o apoio da Junta de Castilla y León), entrega de máquinas de lavar e engomar industriais (50.251,27 euros, com o apoio da Junta de Castilla y León), poço sanitário em Niangara (17.800 euros), produção de oxigénio (30.700 euros), criação de cantinas para as pessoas para a produção de cantinas (30.700 euros).251,27 euros, com a ajuda da Junta de Castilla y León), poço sanitário em Niangara (17.800 euros), produção de oxigénio (30.700 euros), criação de Cantinas Populares para nutrição infantil (7.000 euros em conjunto com a Fundação Roviralta, o Fundo María Felicidad Jiménez Ferrer e Moneytrans), campanha de combate ao VIH (48.531,78 euros com a Câmara Municipal de Valladolid). No total, a ajuda enviada ascende a 402.679,44 euros.

Zoom

Os fiéis despedem-se de Bento XVI

O corpo de Bento XVI foi transferido para a Basílica de São Pedro para receber um último adeus dos fiéis. O funeral será oficiado pelo Papa Francisco a 5 de Janeiro.

Maria José Atienza-2 de Janeiro de 2023-Tempo de leitura: < 1 minuto
Vaticano

Bento XVI. Um funeral com apenas 2 delegações oficiais

Relatórios de Roma-2 de Janeiro de 2023-Tempo de leitura: < 1 minuto
relatórios de roma88

O Vaticano está a preparar-se para o funeral de Bento XVI. O corpo do Papa Emérito pode ser visto na Basílica de São Pedro a partir da manhã de 2 de Janeiro.

Na quinta-feira, 5 de Janeiro, às 9h30, o Papa Francisco oficializará no seu funeral, no qual haverá apenas duas delegações oficiais. Por um lado, a Itália e, por outro, a Alemanha, como país de origem de Bento XVI.

O Vaticano confirmou que os seus restos mortais repousarão na cripta dos Papas, perto do túmulo de São Pedro.


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Cultura

Chaves para os tesouros dos Museus do Vaticano

O "Clavigero Vaticano", herdeiro do antigo Marechal do Conclave, tem 2.798 chaves, com as quais pode aceder às partes mais inacessíveis dos Museus do Vaticano.

Antonino Piccione-2 de Janeiro de 2023-Tempo de leitura: 5 acta

Esta é a história de Gianni Crea, o "Gianni Crea".Clavigero Vaticano"Ele é um dos depositários autorizados a utilizar as 2.797 chaves que abrem e fecham os tesouros papais, ou seja, os Museus do Vaticano, nada menos que onze colecções diferentes em exposição pública para além da Muralha Leonina na Cidade do Vaticano.
A Capela Sistina, os quartos de Rafael e Loggia, os mármores romanos, os museus Gregoriano-Egípcio e Etrusco, a Galeria das Tapeçarias, a Galeria do Candelabro, a Galeria dos Mapas, o Apartamento Borgia e o Apartamento de S. Pio V, e eu poderia continuar e continuar.

Não há lugar no mundo tão rico em arte, genialidade, gosto e fé. Uma viagem exclusiva que atinge o coração e a mente, ninguém pode ficar indiferente, ninguém se sente excluído, é o milagre secular da grande arte. Paolo Ondarza disse às Notícias do Vaticano a 13 de Dezembro.

A rota do clavigero

Todos os dias abre e fecha as portas dos sete quilómetros do percurso de exposição dos Museus do Vaticano. É pouco depois das 5 da manhã quando tudo começa. Em frente ao bistrô que dentro de algumas horas estará recebendo visitantes de todo o mundo, o clavigero abre uma porta: conduz ao bunker que aloja, protegido por um sistema de ar condicionado concebido para evitar a ferrugem, as 2798 chaves que abrem os 11 sectores dos Museus. São testados semanalmente, um a um, para verificar o funcionamento das fechaduras e assegurar a sua integridade.

"Três chaves são mais importantes que as outras: o número '1' abre a porta monumental à saída dos Museus do Vaticano; o '401' pesa cerca de meio quilo, foi forjado em 1700 e é o mais antigo e abre a porta de entrada do Museu Pio Clementino, o primeiro núcleo dos Museus do Vaticano; e finalmente o mais precioso, a chave sem número, forjada em 1870, abre a porta da Capela Sistina, sede do Conclave desde 1492", explica Gianni Crea, clavigero desde 1999. A chave não numerada é guardada dentro de um cofre num envelope selado pela direcção do Museu do Vaticano. Todas as manhãs, o ritual pelo qual é extraído evoca o fascínio de séculos distantes e a ligação histórica entre o clavigeros - e o antigo Marechal do Conclave e Custódio da Santa Igreja Romana: aquele a quem até 1966 foi confiada a tarefa de selar todas as entradas da Santa Igreja Romana. sacellum quando os cardeais se reuniram para eleger o Papa. 

O clavigero começa ao amanhecer, em solidão, a rota que repetirá ao anoitecer. Ele abre, uma após outra, as quinhentas portas e janelas de todo o itinerário para visitar as colecções papais, cobrindo cinco séculos de história em cerca de uma hora. Abrir o pesado portão do Museu Pio Clementino. Percorrer o núcleo mais antigo da colecção do Vaticano, passando pela Biblioteca até às Salas Raphael. Aprenda todos os segredos dos Museus do Vaticano, tais como os sismógrafos rudimentares, escondidos nas paredes da Sala da Imaculada Conceição pintada no século XIX por Francesco Podesti: foram utilizados para controlar a estabilidade do edifício após qualquer tremor sísmico. 

O feixe de luz da lanterna com que ele inspecciona cada sala no escuro traz a beleza imortal dos frescos e esculturas para fora da escuridão, revelando segredos e detalhes que o olho mal consegue apanhar em plena luz do dia, quando o museu está apinhado.

Ao longo do antigo corredor dos Mapas, a invulgar representação invertida da Sicília e da Calábria é um verdadeiro apanhado de atenção. São assim retratados porque são vistos de Roma em dois dos 40 mapas gigantes que percorrem 120 metros ao longo da mais longa representação topográfica jamais feita da Itália, de norte a sul, com extremo detalhe. Foi encomendado por Gregory XIII Boncompagni aos melhores pintores paisagistas do século XVI.
Deixando atrás de portas e portões abertos, a passagem do clavigero evoca por um momento o histórico "salto gigantesco para a humanidade" de 20 de Julho de 1969. Nas galerias inferiores, de facto, estão expostos fragmentos de rochas lunares da expedição Apollo 11, doados pelo Presidente norte-americano Richard Nixon, juntamente com a bandeira do Estado da Cidade do Vaticano levada para o espaço pelos astronautas naquela data memorável.

Todos os tipos de chaves

Chaves antigas e modernas, em ferro ou alumínio, forjadas à mão, desgastadas pelo tempo, hoje em dia até electrónicas, as chaves abrem também salas inacessíveis ao público, que o guardião tem o dever de inspeccionar diariamente: armazéns subterrâneos que guardam, envoltos em mistério, retratos anónimos da época romana, cujo olhar questiona qualquer pessoa que os encontre; armazéns e sótãos em cujas paredes os antigos guardiães deixaram vestígios da sua passagem ao longo dos séculos com grafites e inscrições a lápis.

São cerca das 7 horas da manhã. A última porta a abrir é a mais ansiosamente aguardada. Feito de madeira, com um cabo de latão em forma de "S", "S" que significa "secreto", que significa reservado, fechado; é a sala onde se realiza o escrutínio e eleição do Sucessor de Pedro: a Capela Sistina.

O guardião dos portões

"Ser clavigero é uma tarefa que quase lhe dá a sensação de guardar a história. Por ocasião da eleição do papa, 12 chaves permitem a clavigero para fechar toda a área em redor da Capela Sistina. Imediatamente a seguir, observando escrupulosamente um protocolo antigo, cabe-lhe seguir, juntamente com as autoridades competentes, o trabalho do serralheiro que coloca os selos para manter em segredo tudo o que acontece dentro da capela mais famosa do mundo; depois, o clavigero Ele coloca as chaves numa caixa metálica: ficará sob a custódia da Gendarmaria até o novo Papa ser eleito".

Até ao pontificado de São João Paulo IIUma vez que os cardeais entraram no Conclave, só foram autorizados a abandonar a área em redor da Capela Sistina uma vez realizada a eleição: foram alojados, em estado de reclusão, dentro de várias salas dos Palácios do Vaticano, adaptadas como dormitórios para a ocasião. Imediatamente após o "extra omnes".Era dever do Marechal do Conclave certificar-se de que todas as portas, janelas e pórticos na área onde os cardeais permaneciam estavam bem fechados. No final da verificação, este agente de segurança colocou as chaves num saco vermelho. Aqui permaneceram até ao fumo branco.

Como leigo pertencente à aristocracia romana, o Marechal do Conclave desempenhou um papel fundamental durante a sé vacante. Inicialmente era a Casa Romana de Savelli que detinha o título, herdado desde 1712 até à sua supressão sob Paulo VI pelo filho mais velho da Casa de Chigi. De facto, a bandeira do Marechal traz o brasão da nobre família de origem siena juntamente com o símbolo do camarlengo e as duas chaves, não cruzadas como nos brasões papais, mas separadas e penduradas de lado.

A Capela Sistina é o local onde termina a rota da Clavigera, que desde 2017 está disponível por marcação. "Quando comecei em 1999", diz Gianni Crea, "éramos três, mas tive de esperar três anos para poder abrir a Capela Sistina". Imaginei esse momento durante muito tempo e a emoção ainda é indescritível: todos os dias tenho dificuldade em acreditar que tenho a honra de abrir o centro do cristianismo a visitantes de todo o mundo".

Nas paredes afresco de artistas do século XV, uma pintura de Pietro Perugino, professor de Rafael, destaca-se pelo seu elevado valor semântico e simbólico. Descreve a "Entrega das chaves a São Pedro". Uma é dourada e voltada para Cristo, a outra prata: recordam respectivamente o poder sobre o Reino dos Céus e a autoridade espiritual do papado na terra.

A ti darei as chaves do reino dos céus, e tudo o que ligares na terra será ligado no céu, e tudo o que desligares na terra será desligado no céu": esta é a ordem de Jesus ao apóstolo Pedro, o "...".clavigero do céu".

O autorAntonino Piccione

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Leituras dominicais

A Sabedoria dos Magos. Solenidade da Epifania do Senhor (A)

Joseph Evans comenta as leituras para a Solenidade da Epifania do Senhor (A) e Luis Herrera faz uma breve homilia em vídeo.

Joseph Evans-2 de Janeiro de 2023-Tempo de leitura: 2 acta

Os Magos viram uma estrela extraordinária, iluminando o céu das suas terras orientais. Conheciam os escritos proféticos de Israel que prediziam o nascimento de um grande Messias, um Rei Salvador, e viam este presságio como um sinal de que tal rei tinha nascido. Inspirados pelo Espírito Santo, saíram para o adorar. E assim, como salientou o Papa Bento XVI, foram conduzidos a Jesus pela estrela e pelos livros sagrados de Israel, ou, por outras palavras, pela criação e pela palavra de Deus. Eles fizeram uso do que Deus lhes tinha enviado. A estrela não era um sinal inequívoco. O seu movimento foi um convite para o seguir, mas não foi uma mensagem explícita. Aos Magos não foi dada uma explicação completa ou um mapa claro. Da mesma forma, o seu conhecimento da Escritura teria sido limitado. Como já dissemos, eles teriam ouvido falar das profecias do Messias, mas provavelmente não tinham as suas próprias cópias. Eles tinham ouvido e estavam dispostos a ouvir; para os de coração aberto, até um pouco de informação é suficiente.

Os Magos foram sábios precisamente porque fizeram uso do que Deus lhes deu. Não se queixaram de que Deus não lhes deu instruções mais explícitas, que o plano era tão desconhecido e tão incerto. Sabedoria é fazer bom uso do que temos, por muito pouco que seja, e combater as ilusões de ter mais, ou algo diferente.

Os peritos em Jerusalém, os sumos sacerdotes e os escribas, eram muito mais conhecedores do que os Magos. Mas os Magos eram sábios, e os peritos não. Os peritos conheciam a teoria, mas o seu conhecimento mais perfeito não os levou a agir. Conseguiram dizer a Herodes que o Messias iria nascer: "Em Belém da Judéia, pois assim escreveu o profeta: 'E vós, Belém, terra de Judá, não sois de modo algum o último do povo de Judá; pois de vós sairá um líder que pastoreará o meu povo Israel'".. Mas, seja por indiferença ou por medo do rei, não ouvimos falar de nenhum deles a seguir a estrela.

A sabedoria é versátil e disposta a seguir no escuro, como os Magos seguiram a estrela durante a noite. Mas há sempre uma estrela nessa escuridão, quer seja a nossa consciência, os ensinamentos da Igreja ou os conselhos de um padre sábio ou de um amigo. 

Seguindo a estrela, no final da sua viagem, encontraram aquele que é a luz do mundo. Todas as verdades parciais, se as seguirmos com sinceridade, conduzem à plenitude da verdade, que é o próprio Jesus Cristo, mesmo que essa verdade venha "envolta" em pobreza e fraqueza. Apresentaram os seus presentes e foram instruídos a regressar às suas próprias terras. "por outra via". a salvo de Herodes. A generosa vontade de procurar a verdade acaba por levar a Deus, e Ele mostra-nos uma forma segura de O seguir na vida ordinária, "na nossa própria terra".

Homilia sobre as leituras da Solenidade da Epifania do Senhor (A)

O sacerdote Luis Herrera Campo oferece a sua nanomiliauma breve reflexão de um minuto para estas leituras.

Vaticano

Papa Francisco: "Maria traz a Vida no seu ventre e assim nos fala do nosso futuro".

O Papa Francisco rezou o Angelus hoje, no primeiro dia de 2023, na Solenidade de Maria, Mãe de Deus.

Paloma López Campos-1 de Janeiro de 2023-Tempo de leitura: 2 acta

O Papa Francisco juntou-se hoje aos fiéis para a oração do Angelus. Como habitualmente, dirigiu algumas palavras ao povo no início do novo ano 2023.

Francisco começou por mencionar o seu predecessor, Bento XVIque morreu ontem de manhã. Ele disse: "O início de um novo ano é confiado a Maria Santíssima, que hoje celebramos como Mãe de Deus. Nestas horas invocamos a sua intercessão em particular para o Papa Emérito Bento XVI, que deixou este mundo ontem de manhã. Unimos todos nós, com um só coração e uma só alma, para dar graças a Deus pelo dom deste servo fiel do Evangelho e da Igreja".

Uma Mãe que não fala, mas ensina

O Santo Padre voltou o seu olhar para a Santíssima Virgem para fazer a todos duas perguntas: "Em que língua nos fala a Santíssima Virgem? O que podemos aprender com ela para este ano que se abre?

O Papa é rápido a dar-nos a resposta: "Maria não fala. Ela acolhe com surpresa o mistério que vive, guarda tudo no seu coração e, sobretudo, cuida da Criança, que, como diz o Evangelho, estava "deitada na manjedoura" (Lc 2,16). Este verbo "deitar" significa colocar com cuidado. E diz-nos que a própria linguagem de Maria é a da maternidade: cuidar ternamente da Criança. Esta é a grandeza de Maria: enquanto os anjos fazem um banquete, os pastores vêm e todos louvam a Deus em voz alta pelo acontecimento que teve lugar, Maria não fala, não entretém os convidados explicando o que lhe aconteceu, não rouba as luzes da ribalta; pelo contrário, ela coloca a Criança no centro, cuidando dele com amor".

Com delicadeza, o Papa afirmava: "Esta é a linguagem típica da maternidade: a ternura dos cuidados. De facto, depois de terem carregado nos seus ventres durante nove meses o dom de um misterioso prodígio, as mães continuam a colocar os seus filhos no centro de toda a sua atenção: alimentam-nos, seguram-nos nos braços, deitam-nos suavemente nos seus berços. Cuidado: esta é também a língua da Mãe de Deus.

Aprender a língua de Maria

Francisco concluiu a sua mensagem dizendo: "Maria traz vida no seu ventre e fala-nos assim do nosso futuro. Mas ao mesmo tempo lembra-nos que, se queremos realmente que o novo ano seja bom, se queremos reconstruir a esperança, devemos abandonar as línguas, os gestos e as escolhas inspirados pelo egoísmo e aprender a linguagem do amor, que é o cuidado. Este é o compromisso: cuidar da nossa vida, do nosso tempo, da nossa alma; cuidar da criação e do ambiente em que vivemos; e, mais ainda, cuidar do nosso próximo, daqueles que o Senhor colocou ao nosso lado, bem como dos nossos irmãos e irmãs que estão em necessidade e apelam à nossa atenção e compaixão".

Como este desafio não pode ser enfrentado sem ajuda, o Papa pediu que "imploramos a Maria Santíssima, Mãe de Deus, que nesta era poluída pela desconfiança e indiferença, ela nos torne capazes de compaixão e cuidado, capazes de "ser comovidos e parar diante dos outros tantas vezes quanto necessário" (Exortação Apostólica Evangelii Gaudium, 169)".

Vaticano

Papa Francisco: "Deus tem uma mãe e, desta forma, ligou-se para sempre à nossa humanidade".

Hoje, na solenidade de Maria Santíssima Mãe de Deus, o Papa Francisco celebrou a Missa na Basílica de São Pedro.

Paloma López Campos-1 de Janeiro de 2023-Tempo de leitura: 4 acta

O Papa Francisco celebrou hoje a Santa Missa pela solenidade de Maria, Santíssima Mãe de Deus. A Basílica de São Pedro estava cheia de fiéis, aos quais o Santo Padre se dirigiu durante a sua homilia.

O Papa começou por sublinhar que a maternidade de Maria é uma verdade de fé, mas ao mesmo tempo é "uma notícia muito bonita: Deus tem uma Mãe e desta forma ligou-se para sempre à nossa humanidade, como um filho com a sua mãe, ao ponto de a nossa humanidade ser a sua humanidade". Francisco afirma que ao nascer de Maria, Deus "mostrou o seu amor concreto pela nossa humanidade, abraçando-a de uma forma real e plena".

Nascido da Virgem Maria, o Papa continua, Deus mostra-nos que "não nos ama com palavras, mas com actos".

Maria, portadora de esperança

O título de "Mãe de Deus" de Santa Maria penetrou "o coração do Povo santo de Deus, na oração mais familiar e caseira, que acompanha o ritmo dos dias, os momentos mais dolorosos e as esperanças mais ousadas: a Ave Maria".

O Papa afirma que "a esta invocação, a Mãe de Deus responde sempre, ouve as nossas petições, abençoa-nos com o seu Filho nos braços, traz-nos a ternura de Deus feito carne". Ela dá-nos, numa palavra, esperança. E nós, no início deste ano, precisamos de esperança, tal como a terra precisa de chuva".

Francisco pediu uma oração especial, com Nossa Senhora como intercessora, por todos aqueles que sofrem as consequências da guerra, por aqueles que já não rezam, por aqueles que vivem no meio da violência e da indiferença.

Pastores, exemplos para os cristãos de hoje

"Através das mãos de uma Mãe, a paz de Deus quer entrar nas nossas casas, nos nossos corações, no nosso mundo. Mas como podemos dar-lhe as boas-vindas"? O Papa Francisco dá as chaves e começa por olhar para "aqueles que viram pela primeira vez a Mãe com o Menino, os pastores de Belém".

O Papa diz deles que "eles eram pobres, talvez também bastante rudes, e que

noite, estavam a trabalhar. Foram precisamente eles, e não os sábios ou ainda menos os poderosos, que primeiro reconheceram o Deus que lhes era próximo, o Deus que veio pobre e que gosta de estar com os pobres. O Evangelho sublinha dois gestos muito simples dos pastores, que, no entanto, nem sempre são fáceis. Os pastores foram e viram: vai e vê".

Desta primeira atitude de "partir", o Papa diz: "Era noite, eles tinham de cuidar dos seus rebanhos e provavelmente estavam cansados; podiam ter esperado pelo amanhecer do dia, esperar que o sol se levantasse para ver uma criança deitada numa manjedoura. Em vez disso, foram rapidamente, porque coisas importantes precisam de ser tratadas rapidamente, não adiadas".

Isto, afirma Francisco, ensina-nos que "para acolher Deus e a sua paz não podemos permanecer imóveis e confortáveis à espera que as coisas melhorem". Temos de nos levantar, aproveitar as oportunidades que a graça nos dá, ir, correr riscos. Hoje, no início do ano, em vez de ficarmos sentados a pensar e à espera que as coisas mudem, seria bom perguntarmo-nos: "Para onde quero ir este ano? Para quem vou fazer o bem? Muitos, na Igreja e na sociedade, estão à espera do bem que você e só você pode fazer, eles estão à espera do seu serviço. E perante a preguiça que anestesia e a indiferença que paralisa, perante o risco de nos limitarmos a sentar em frente a um ecrã, com as mãos sobre um teclado, os pastores de hoje encorajam-nos a sair, a comovermo-nos com o que está a acontecer no mundo, a sujar as nossas mãos para fazer o bem, a desistir de tantos hábitos e comodidades para nos abrirmos às novidades de Deus, que se encontram na humildade do serviço, na coragem de assumir o comando".

O segundo aspecto dos pastores que o Papa destaca é que eles viram uma Criança numa manjedoura. "É importante ver, abraçar com os nossos olhos, permanecer, como os pastores, em frente da Criança que está nos braços da Mãe. Sem dizer nada, sem perguntar nada, sem fazer nada. Olhar em silêncio, adorar, acolher com os nossos olhos a ternura consoladora de Deus feito homem; de Maria, sua Mãe e nossa. No início do ano, em meio a todas as novidades que gostaríamos de experimentar e às muitas coisas que gostaríamos de fazer, demos tempo para ver, ou seja, para abrir os nossos olhos e mantê-los abertos ao que é verdadeiramente importante: Deus e os outros.

Olhos, o desafio para o novo ano

Esta contemplação da Criança também nos deve levar ao nosso vizinho. Devemos perguntar-nos, conclui o Papa, "quantas vezes, na nossa pressa, não temos sequer tempo para passar um minuto na companhia do Senhor, para ouvir a sua Palavra, para rezar, para adorar, para louvar". O mesmo acontece em relação aos outros: com pressa ou sob os holofotes, não há tempo para ouvir a esposa, o marido, para falar com os filhos, para lhes perguntar como se sentem por dentro, e não apenas como vão os seus estudos e saúde. E o quanto nos faz bem ouvir os idosos, o avô e a avó, olhar para as profundezas da vida e redescobrir as nossas raízes. Perguntemo-nos então se somos capazes de ver aqueles que vivem ao nosso lado, aqueles que vivem no nosso condomínio, aqueles que encontramos todos os dias nas ruas.

Francisco termina a sua homilia com um convite: "Vamos redescobrir, no impulso de ir e na maravilha de ver, os segredos de tornar este ano verdadeiramente novo.

Vocações

Monsenhor Arjan Dodaj: A testemunha do bispo que veio de trás da Cortina de Ferro

Arcebispo Arjan Dodaj é Arcebispo de Tirana-Durrës. Educado no ateísmo, na sua juventude emigrou para Itália para trabalhar. Ali conheceu Cristo e a sua vocação sacerdotal na Fraternidade dos Filhos da Cruz.

Espaço patrocinado-1 de Janeiro de 2023-Tempo de leitura: 2 acta

D. Arjan Dodaj é Arcebispo de Tirana-Durrës (Albânia). A sua vida não foi fácil. Nasceu em Laç-Kurbin, na mesma arquidiocese, a 21 de Janeiro de 1977. Em 1993, aos 16 anos de idade, após completar os seus estudos primários e secundários na sua cidade natal, emigrou para Itália e instalou-se em Cuneo, onde começou a trabalhar.

"Nessa altura estávamos a sair da Cortina de Ferro em que o nosso país estava, e o pluralismo apareceu, e com ele a possibilidade de democracia, tantos albaneses tentaram encontrar um futuro melhor no Ocidente. Pessoalmente, tentei várias vezes fugir, especialmente para Itália", diz ele ao Fundação CARF.

Ele trabalhou como soldador - mais de 10 horas por dia - e eventualmente na Congregação da Fraternidade dos Filhos da Cruz, descobriu a sua fé cristã. Foi educado no ateísmo, mas quando conheceu Cristo, foi baptizado e Deus chamou-o para o sacerdócio.

Foi ordenado sacerdote a 11 de Maio de 2003 pelo Papa João Paulo II na Basílica de São Pedro. Ele é agora o primeiro bispo da Fraternidade. "Para mim, ser bispo não é um ponto de chegada, mas um apelo a uma vigilância ainda maior, a um serviço ainda maior e a uma resposta cada vez mais humilde.

Alguns membros da sua congregação estudam na Universidade Pontifícia da Santa Cruz a fim de receberem formação adequada para enfrentarem todos os desafios a nível mundial.

No que diz respeito aos desafios apostólicos que o seu país enfrenta, disse que era seu dever transmitir que era possível uma relação fraterna com outras confissões. "Na Albânia, a relação com o Islão e a Igreja Ortodoxa é muito especial, senão mesmo única. O próprio Papa Francisco levou-o ao mundo como um exemplo de cooperação fraterna. É evidente que este é um presente que nunca podemos tomar como garantido, mas que devemos cultivar, acompanhar e apoiar, todos os dias. É precisamente por isso que nos encontramos frequentemente com os vários líderes religiosos em várias comissões, para lhes apresentarmos iniciativas valiosas nos campos da cultura, educação, mulheres, migrantes e caridade", diz ele.

Vaticano

O testamento espiritual de Bento XVI

Bento XVI agradeceu a Deus pela sua família, a sua pátria, pediu e concedeu perdão e traçou um único caminho: Jesus Cristo: "Eu vi e vejo como do emaranhado de hipóteses surgiu e está a emergir novamente a razoabilidade da fé".

Maria José Atienza-31 de Dezembro de 2022-Tempo de leitura: 3 acta

A Santa Sé publicou o testamento espiritual do Papa Emérito. Em poucas palavras simples, a grandeza interior de Bento XVI é evidente. Um testamento em que o Papa dá graças pela sua família, pela fé e pela dedicação de muitos dos seus amigos; pede perdão àqueles que possa ter ferido e faz um claro e inequívoco apelo a olhar apenas para Jesus Cristo e a não se deixar enganar por falsas certezas. Permanecer firme na fé! é o legado espiritual de um dos maiores teólogos da Igreja.

Texto completo do testamento espiritual de Bento XVI

Se olhar para esta hora tardia da minha vida e rever as décadas pelas quais passei, vejo em primeiro lugar quantas razões tenho de dar graças. 

Antes de mais, agradeço ao próprio Deus, o doador de todo o bem, que me deu vida e me guiou em vários momentos de confusão; ele sempre me levantou quando eu comecei a escorregar e sempre me devolveu a luz do seu semblante.

Em retrospectiva vejo e compreendo que mesmo os trechos escuros e cansativos deste caminho foram para a minha salvação e que foi neles que Ele me guiou bem.

Agradeço aos meus pais, que me deram vida num momento difícil e que, em grande sacrifício, com o seu amor, me prepararam um magnífico lar, que, como uma luz brilhante, me ilumina todos os dias até hoje. 

A fé lúcida do meu pai ensinou-nos filhos a acreditar, e como sinal ele sempre se manteve firme no meio de todas as minhas realizações científicas; a profunda devoção e grande bondade da minha mãe são um legado pelo qual nunca lhe poderei agradecer o suficiente. 

A minha irmã ajudou-me durante décadas de forma abnegada e carinhosa; o meu irmão, com a lucidez do seu julgamento, a sua vigorosa resolução e a serenidade do seu coração, sempre me abriu o caminho; sem esta constante precedência e companheirismo, eu não teria podido encontrar o caminho certo. 

Do meu coração agradeço a Deus pelos muitos amigos, homens e mulheres, que Ele sempre colocou a meu lado; pelos colaboradores em cada etapa da minha viagem; pelos professores e alunos que Ele me deu. Com gratidão recomendo-os a todos à Sua bondade. 

E quero agradecer ao Senhor pela minha bela pátria nos Pré-Alpes da Baviera, na qual sempre vi brilhar o esplendor do próprio Criador. Agradeço às pessoas da minha pátria porque nelas experimentei a beleza da fé uma e outra vez. Rezo para que a nossa terra permaneça uma terra de fé, e peço-vos, caros compatriotas: não se deixem afastar da fé. 

E finalmente, agradeço a Deus por toda a beleza que pude experimentar em todas as fases da minha viagem, mas especialmente em Roma e em Itália, que se tornou a minha segunda pátria.

A todos aqueles que prejudiquei de alguma forma, peço desculpa do fundo do meu coração.

O que disse antes aos meus compatriotas, digo agora a todos aqueles que na Igreja estão confiados ao meu serviço: mantenham-se firmes na fé! Não se confunda. Muitas vezes parece que a ciência - as ciências naturais, por um lado, e a investigação histórica (especialmente a exegese da Sagrada Escritura), por outro - é capaz de oferecer resultados irrefutáveis em contradição com a fé católica. 

Tenho experimentado as mudanças nas ciências naturais durante um longo período de tempo, e tenho visto como, pelo contrário, as aparentes certezas contra a fé desapareceram, provando não ser ciência, mas interpretações filosóficas apenas aparentemente pertencentes à ciência; tal como, por outro lado, é no diálogo com as ciências naturais que a fé também aprendeu a compreender melhor os limites do alcance das suas reivindicações, e portanto a sua especificidade. 

Há sessenta anos que venho seguindo o caminho da Teologia, em particular das ciências bíblicas, e com a sucessão de diferentes gerações tenho visto teses que pareciam colapso inamovível e que se provam ser meras hipóteses: a geração liberal (Harnack, Jülicher, etc.), a geração existencialista (Bultmann, etc.), a geração marxista. 

Vi e vejo como fora do emaranhado de hipóteses a razoabilidade da fé emergiu e reaparece.

Jesus Cristo é verdadeiramente o caminho, a verdade e a vida, e a Igreja, com todas as suas insuficiências, é verdadeiramente o seu corpo. 

Finalmente, peço humildemente: rezem por mim, para que o Senhor, apesar de todos os meus pecados e insuficiências, me receba nas habitações eternas. A todos aqueles que me são confiados, dia após dia, vai a minha sincera oração.

(Tradução não-oficial)

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Vaticano

Papa sobre Bento XVI: "Só Deus conhece o poder dos seus sacrifícios oferecidos pela Igreja".

O Papa Francisco presidiu à recitação das Vésperas e ao Te Deum de acção de graças na Basílica de São Pedro na última noite do ano 2022, numa cerimónia marcada pela memória de Bento XVI.

Maria José Atienza-31 de Dezembro de 2022-Tempo de leitura: 3 acta

A recitação das Vésperas e do Te Deum a 31 de Dezembro foi marcada pela morte do Papa Emérito. Na sua homilia neste último dia de 2022, Vésperas da Solenidade de Maria, Mãe de Deus, o Papa Francisco destacou a figura do Papa Emérito e centrou as suas palavras na virtude da bondade, que é fundamental no mundo de hoje.

Bento XVI, um exemplo de bondade

A liberdade foi o primeiro conceito sobre o qual o Papa Francisco quis reflectir. Referiu-se a ela quando recordou que Cristo "não nasceu numa mulher, mas de uma mulher". Isto é essencialmente diferente, significa que Deus queria tirar carne a uma mulher, não a usou mas pediu-lhe consentimento e com ela iniciou a lenta jornada da gestação de uma humanidade livre do pecado e cheia de graça e verdade".

"A maternidade virginal de Maria é o caminho que revela o extremo respeito de Deus pela nossa liberdade. Esta sua forma de nos vir salvar é a forma pela qual também nos convida a segui-lo, a continuar com ele na tecelagem de uma humanidade nova, livre e reconciliada. O Papa insistiu nesta palavra "humanidade reconciliada" para explicar que "é uma forma de nos relacionarmos uns com os outros da qual derivam muitas virtudes humanas, tais como a bondade".

Foi neste momento que as suas palavras recordaram "o nosso amado Papa Emérito Bento XVI que nos deixou esta manhã". Com emoção contida, o Papa disse que "recordamos a sua pessoa, tão nobre, tão gentil". E sentimos tanta gratidão no nosso coração: gratidão a Deus por tê-lo dado à Igreja e ao mundo; gratidão a ele por todo o bem que fez, e especialmente pelo seu testemunho de fé e oração, especialmente nestes últimos anos da sua vida de aposentado. Só Deus conhece o valor e o poder da sua intercessão, dos seus sacrifícios oferecidos para o bem da Igreja".

Os danos do individualismo do consumidor

O Papa quis oferecer esta ideia de bondade e diálogo como o caminho a seguir na sociedade, salientando que "a bondade é um factor importante na cultura do diálogo, e o diálogo é indispensável se quisermos viver em paz, como irmãos, que nem sempre se dão bem - isso é normal - mas que, no entanto, falam uns com os outros, escutam-se mutuamente e tentam compreender-se e encontrar-se".

Francisco encorajou-nos a humanizar as nossas sociedades exercendo esta bondade diariamente e salientou que "os danos do individualismo consumista estão à vista de todos", uma vez que os nossos vizinhos, outros, "aparecem como obstáculos à nossa paz de espírito, ao nosso conforto". Outros "incomodam-nos", incomodam-nos, tiram-nos tempo e recursos para fazermos o que gostamos de fazer".

Contra este pano de fundo, a bondade, salientou o Papa Francisco, "é um antídoto para a crueldade, que infelizmente pode entrar no coração como um veneno e intoxicar as relações; para a ansiedade distraída e o frenesim que nos fazem focar em nós próprios e fechar-nos aos outros".

Francisco quis recordar as três palavras de coexistência, "permissão", ou "perdão", e "obrigado". São as "palavras de bondade", afirmou o Papa.

Francisco referiu-se novamente a estas três atitudes para reflectir se as pomos em prática nas nossas vidas, num mundo que nunca parece ser amável.

Finalmente, o Papa voltou o seu olhar para a Virgem Maria que mostra como Deus queria ser concebido no ventre de Maria, como qualquer criança: "Não passemos depressa, façamos uma pausa para contemplar e meditar, pois aqui está uma parte essencial do mistério da salvação", encorajou o Papa, "e tentemos aprender o 'método' de Deus, o seu infinito respeito, a sua 'bondade' por assim dizer, porque na maternidade divina da Virgem está o caminho para um mundo mais humano".

O Papa juntou-se à recitação do Te Deum em acção de graças pelo ano e também pelo legado do Papa Emérito, e depois visitou o presépio montado no exterior da Praça de São Pedro.

Vaticano

Um simples adeus e sepultamento nas gruta do Vaticano para Bento XVI

A simplicidade marcará os ritos fúnebres do Papa Emérito que o tinha pedido nas suas últimas horas.

Maria José Atienza-31 de Dezembro de 2022-Tempo de leitura: < 1 minuto

Como a Santa Sé informou, os restos mortais do Papa Emérito Bento XVI descansarão no Mosteiro Mater Ecclesiae até às primeiras horas de segunda-feira, 2 de Janeiro. Não estão previstas visitas oficiais ou orações públicas para estes dois primeiros dias.

O corpo de Joseph Ratzinger estará em exposição para os fiéis na Basílica de São Pedro, que estará aberta na segunda-feira das 9h às 19h, terça-feira e quarta-feira das 7h às 19h, das 9h às 19h.

Missa fúnebre presidida pelo Papa Francisco

O funeral presidido pelo Santo Padre terá lugar na Praça de São Pedro na quinta-feira 5 de Janeiro às 9.30 da manhã.

A 5 de Janeiro de 2023, às 9.30 da manhã, no átrio da Basílica de São Pedro, o Santo Padre Francisco presidirá à Missa fúnebre do falecido Sumo Pontífice Emérito Bento XVI. No final da celebração eucarística, terá lugar o Ultima Commendatio e o Valedictio.

Não é necessário bilhete para participar. As delegações oficiais presentes serão as da Alemanha e de Itália.

O caixão do Papa Emérito será levado à Basílica de São Pedro e depois à Gruta do Vaticano para ser enterrado.

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A juventude de Bento XVI

Sou um daqueles jovens que hoje vêem como o seu Papa, Bento XVI, deixou o mundo em silêncio. Com a mesma humildade com que, há dez anos atrás, deu lugar ao seu sucessor para liderar a Igreja de Cristo.

31 de Dezembro de 2022-Tempo de leitura: < 1 minuto

Sim, eu sou um dos jovens do Papa que hoje foi para o céu.

Sim, sou um daqueles jovens que cantaram o nome de Bento XVI nas ruas de Madrid e no aeródromo de Cuatro Vientos há mais de dez verões.

Daquela juventude pela qual um homem de 83 anos suportou mais de 40 graus ao sol e um vendaval de ar e chuva durante a noite, agarrado à Cruz.

Dos jovens a quem o Papa ensinou que - tal como naquela noite em que resistimos à chuva - com Cristo também podíamos ultrapassar todos os obstáculos da vida.

Sou um daqueles jovens em quem aquele Papa, com a sua frágil constituição, depositou a sua confiança, aqueles jovens a quem inequivocamente pediu para serem sempre alegres, e para darem testemunho em todas as circunstâncias.

Sou um daqueles jovens que hoje vêem o seu Papa a deixar o mundo em silêncio. Com a mesma humildade com que, há dez anos atrás, deu lugar ao seu sucessor para liderar a Igreja de Cristo.

Sim, sou um daqueles jovens que deveria agradecer a Bento XVI por tudo o que ele lhes ensinou, não só através das suas palavras, mas também através do seu exemplo de dedicação mesmo em dificuldades.

Hoje é um dia para agradecer a Deus por Joseph Ratzinger, porque um dia ele o escolheu e colocou-o ao nosso serviço.

Hoje é um dia para rezar por ele, para rezar a ele e para rezar pela Igreja de Cristo. Hoje, como então, continuamos a ser a juventude do Papa. Daquele que foi e daquele que virá.

Pois hoje, como então, proclamamos que este é o nosso Papa, que esta é a nossa Igreja, que estamos, se não na idade, então no coração, na sua alegria e na sua coroa.

O autorMaria José Atienza

Diretora da Omnes. Licenciada em Comunicação, com mais de 15 anos de experiência em comunicação eclesial. Colaborou em meios como o COPE e a RNE.

Vaticano

Bento XVI morre aos 95 anos de idade

Relatórios de Roma-31 de Dezembro de 2022-Tempo de leitura: < 1 minuto
relatórios de roma88

O Papa Emérito morreu às 9.34 da manhã do último dia do ano de 2022. Desde a sua demissão, Bento XVI vivia no mosteiro Mater Ecclesiae em território do Vaticano, onde faleceu.


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Mundo

O mundo despede-se de Bento XVI

Figuras civis e religiosas de todo o mundo expressaram as suas condolências pela morte do Papa Bento XVI.

Maria José Atienza-31 de Dezembro de 2022-Tempo de leitura: 4 acta

A morte do Papa Emérito marcou os últimos meses de 2022. Um ano já difícil para o antigo Sumo Pontífice da Igreja Católica durante quase oito anos.

Personalidades religiosas e civis de todo o mundo têm demonstrado o seu respeito e admiração por Joseph Ratzinger e têm destacado a sua humanidade e o seu legado teológico, especialmente o seu foco na caridade.

Monsenhor Georg Bätzing. Presidente da Conferência Episcopal Alemã

O primeiro comunicado do presidente dos bispos alemães, a pátria de Bento XVI, afirma "como Igreja na Alemanha, pensamos com gratidão do Papa Bento XVI: ele nasceu no nosso país, aqui foi a sua casa, aqui ajudou a moldar a vida da Igreja como professor de teologia e bispo". Como Igreja na Alemanha, pensamos com gratidão do Papa Bento XVI: ele nasceu no nosso país, aqui foi a sua casa, aqui ajudou a moldar a vida da Igreja como professor de teologia e bispo". de Bento XVI ele sublinha a sua "personalidade que deu esperança e direcção à Igreja, mesmo em tempos difíceis. O Papa Bento XVI fez ouvir, oportuna ou inoportunamente, a voz do Evangelho". O Arcebispo Bätzing salientou que "o seu pensamento teológico, a sua capacidade de julgamento político e a sua interacção pessoal com muitas pessoas distinguiram o Papa Bento XVI. Penso com grande respeito pela sua corajosa decisão de se demitir do cargo de papa em 2013.

Mons. Juan José Omella. Presidente da Conferência Episcopal Espanhola

O presidente dos bispos espanhóis, num vídeo divulgado pela CEE sobre a morte do Papa Emérito, agradeceu "o seu profundo ministério como Papa, os seus escritos teológicos e o seu profundo amor pela Igreja". Omella pediu "que reze ao Pai para que não nos afastemos do caminho que conduz a Deus feito homem". Também quis sublinhar que "a sua proximidade à Igreja em peregrinação em Espanha permanecerá para sempre" e recordou as "três ocasiões em que visitou Espanha, bem como a proclamação do doutoramento de São João de Ávila".

Líderes mundiais

Os principais líderes políticos europeus juntaram-se às condolências pela morte do Papa Emérito Bento XVI, recordando a importância histórica da sua figura e do seu legado teológico.

Da Alemanha, o Chanceler Olaf Scholz descreveu Bento XVI como "um teólogo e um líder especial para a Igreja, capaz de transcender fronteiras, que pôs a sua vida ao serviço da Igreja universal e que falou, e continuará a falar, ao coração e à mente dos homens com a profundidade espiritual, cultural e intelectual do seu Magistério".

A primeira-ministra italiana Giorgia Meloni, por seu lado, descreveu o Papa Emérito como "um grande homem da história que a história não esquecerá", enquanto Emmanuel Macron destacou a obra de Bento XVI "com alma e inteligência para um mundo mais fraterno".

Também da Polónia, Mateusz Morawiecki descreveu Bento XVI como um dos maiores teólogos do nosso tempo e apelou tanto aos crentes como aos não crentes para que continuassem o seu "grande legado".

A Presidente da Comissão Europeia, a alemã Ursula Von der Leyen, concentrou a sua memória no "sinal" que Bento XVI enviou com a sua demissão, que mostrava como o Papa Emérito "se via primeiro como um servo de Deus e da Igreja".

O primeiro-ministro britânico Rishi Sunak também se associou às condolências, recordando a "visita histórica que fez ao Reino Unido em 2010, tanto para católicos como para não-católicos".

Ángel Fernández Artime. Reitor-Mor dos Salesianos

O superior da família salesiana emitiu uma declaração na qual sublinha que "um grande Papa, um grande crente, um grande teólogo e pensador, um homem capaz de construir pontes de comunicação com os mais diversos filósofos, teólogos e intelectuais, foi ao encontro do seu Senhor". Um Papa que foi respeitado e que será ainda mais valorizado nos anos e décadas vindouras; um homem e um Papa que soube viver com simplicidade e silêncio. Que o Deus da vida o guarde com ele. Como filhos de Dom Bosco, e como ele ensinou todos os seus Salesianos, hoje também dizemos: Viva o Papa!

Pontifícia Sociedade de Missões

As Sociedades Missionárias Pontifícias também expressaram o seu pesar pela morte do Papa Emérito de quem salientam que nos "seus oito anos de pontificado, o Santo Padre Bento XVI infectou-nos com o seu amor a Deus, não só através do seu magistério e da sua brilhante exposição de doutrina, mas sobretudo através do testemunho da sua vida". Como pastor da Igreja universal, o Papa desejava espalhar a fé e o amor de Deus por todo o mundo. As Sociedades Missionárias Pontifícias foram um instrumento privilegiado para tal, como ele próprio expressou nas suas Mensagens para o Dia Mundial das Missões, o Domundo.

Cáritas Espanhola

A delegação espanhola da Cáritas expressou o seu pesar pela notícia da morte de Bento XVI, e quis sublinhar o seu "magistério especialmente significativo para a Cáritas espanhola através das suas encíclicas "Deus caritas est" e "Caritas in veritate".

Observam também que "após uma longa vida de admirável serviço à Palavra e à Verdade, Bento XVI deixa-nos o legado de um dos grandes Papas na história da Igreja como apóstolo da caridade e da esperança".

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Vaticano

Bento XVI: o grande discernimento sobre o Conselho

O pontificado de Bento XVI deixa como marca a profundidade invulgar de uma fé cristã que evangeliza ao procurar o diálogo com o mundo moderno.

Juan Luis Lorda-31 de Dezembro de 2022-Tempo de leitura: 5 acta

Oito anos são poucos em comparação com os quase vinte e sete anos do pontificado anterior. São João Paulo II foi o Papa - e talvez o ser humano mais visível e mais mediático da história. Também teve uma grande experiência no palco, uma longa experiência como bispo e uma sensibilidade especial em lidar com os meios de comunicação social. Bento XVI, por outro lado, aos 78 anos de idade, teve de aprender a cumprimentar as multidões.

Iras do Islamismo

Desde que o famoso Discurso de Regensburg tornou-se claro que o novo papa não era "amigo dos media". Enquanto um discurso de alta qualidade intelectual, uma citação marginal sobre a intolerância religiosa focou a atenção porque despertou a ira do islamismo.

Mas também produziu a inesperada e invulgar oferta de diálogo de um importante grupo de intelectuais muçulmanos. A anedota reflecte algumas das características do Pontificado. Uma certa solidão administrativa, porque qualquer comunicador astuto que tivesse lido o discurso poderia tê-lo avisado do que estava prestes a acontecer. Uma certa discordância com os usos e critérios dos meios de comunicação, que precisam de perfis simples, frases para manchetes e gestos para fotografias. Mas também uma profundidade invulgar que coloca a fé cristã em diálogo com as ciências, com a política, com as religiões. E esta profundidade de uma fé que evangeliza procurando o diálogo será provavelmente a marca deixada pelo pontificado de Bento XVI.

Chegou ao Pontificado com a sabedoria de tantos anos de reflexão teológica, com uma enorme experiência da situação da Igreja, com algumas questões que lhe pareciam mal resolvidas e com plena consciência das limitações que lhe eram impostas pela sua idade. Em pouco tempo, sem adoptar qualquer postura, instalou-se no seu exaustivo ministério e a sua personalidade tornou-se clara: serena, simples e amigável. Ao mesmo tempo, nunca perdeu uma certa seriedade académica quando proferiu os seus discursos, porque estava convencido do que estava a dizer.

Principais discursos

Às suas três importantes encíclicas, onde antigas preocupações podem ser facilmente descobertas, devemos acrescentar o seu magistério comum, com alguns discursos muito importantes nas suas viagens (Regensburg, a ONU, Westminster), e sobretudo com muitas intervenções "menores", que têm o seu selo: especialmente as audiências e o breve Angelus. Nas audiências, ele traçou a história da teologia e do pensamento cristão a partir das primeiras figuras do Evangelho. E ultimamente, ele tem-nos oferecido considerações preciosas sobre a fé.

A sua mente expressou-se com particular vitalidade em contextos menores e mais informais, talvez porque lhe permitiram mais liberdade. Paradoxalmente, um dos textos mais importantes do Pontificado é o seu primeiro discurso na Cúria (22 de Dezembro de 2005). Foi uma reunião simples para enviar saudações de Natal. Mas aí fez um diagnóstico profundo do significado do Concílio Vaticano II, e da sua verdadeira interpretação como uma reforma e não como uma ruptura na tradição da Igreja. E acrescentou um discernimento preciso da liberdade religiosa, o grande tema da cultura política da modernidade. Respondeu assim aos Lefevbrianos, para quem o Concílio é herético precisamente porque mudou a posição da Igreja sobre este ponto. 

Curiosamente, na sua adeus ao clero em Roma, 14 de Fevereiroregressou ao significado do Conselho. Mais uma vez fez uma avaliação clara das suas realizações, da sua actualidade, e também dos desvios pós-conciliares e das suas causas.

Não sabemos até que ponto vai querer viver na reforma, mas seria maravilhoso se a sua sabedoria eclesial e teológica pudesse ser recolhida em novas obras.

Três questões principais

No seu famoso discurso de Natal de 2005, Bento XVI disse que o Conselho queria restabelecer o diálogo com o mundo moderno e que tinha estabelecido três círculos de perguntas. Não é preciso muito discernimento para ver que também houve três grandes questões para Bento XVI como teólogo, como Prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé e como Papa. São a relação de fé com as ciências humanas (incluindo a exegese bíblica); a situação da Igreja num contexto democrático, especialmente nos antigos países cristãos; e o diálogo com outras religiões.

É neste contexto que devemos colocar os seus três livros sobre Jesus de Nazaré, um projecto de longa data, acarinhado durante anos, planeado como uma ocupação para a sua desejada reforma, e escrito no tempo livre de um esgotante calendário. Durante muitos anos antes, tinha estado preocupado com uma interpretação da Escritura que, no seu esforço para ser científica, parecia esquecer a fé. Nos três livros ele tenta fazer uma leitura crente, que, ao mesmo tempo, respeita as exigências científicas da exegese. Os prólogos são particularmente interessantes.

Testes e desafios

Quando chegou ao Pontificado, estava consciente das questões muito difíceis que tinha enfrentado como Prefeito. Em particular o escândalo de alguns padres e algumas instituições religiosas. Ordenou imediatamente medidas disciplinares e revitalizou os processos canónicos, bastante esquecidos por uma certa "boa vontade" pós-conciliar. Ele não se importou de admitir que era isto que mais o tinha feito sofrer.

Por outras razões, a cisma de Lefevbre tem sido um assunto desconfortável. Mas Bento XVI não queria que a cisão se solidificasse. Fez o seu melhor para aproximar os tradicionalistas, superando qualquer tipo de explosões de interlocutores tensos e difíceis, e críticas ferozes de outros que precisavam de se sentir progressistas. Avançou sem poder chegar a uma conclusão.

Em parte em resposta às críticas de alguns, mas sobretudo por razões de critérios litúrgicos, Bento XVI pôs fim à dialéctica pós-conciliar entre a "velha" e a "nova" liturgia. Não vale a pena opor-se-lhes, porque a mesma Igreja e com a mesma autoridade fez uma e a outra. Desconsiderando os rótulos, Bento XVI quis deixar claro que a Igreja reformou legitimamente a sua liturgia, mas que o rito anterior nunca foi oficialmente abolido; por esta razão, estipulou que pode ser celebrado como uma forma extraordinária. 

Bento XVI adora a liturgia. Ele declara isto na sua biografia. Por seu desejo expresso, o volume dedicado à liturgia foi o primeiro dos seus trabalhos completos a ser publicado. Além da sua piedade pessoal na celebração, vimos o seu interesse pelo estilo e beleza das vestes e objectos litúrgicos, a sua atenção ao canto e à música sagrada, e a sua recomendação de preservar o latim nas partes comuns da liturgia, especialmente nas celebrações de missa. Além disso, promoveu o estudo de algumas questões particulares (o "pro omnes-pro multis",  o lugar do gesto de paz, etc.).

Questões curiosas

Bento XVI é um homem de pensamento e não um homem de gestão. Como Prefeito tinha vivido concentrado o seu trabalho e em relativo isolamento. É por isso que, desde o início, confiou nas pessoas que constituíam o seu círculo de confiança na Congregação. Em particular, o seu Secretário de Estado, Cardeal Bertone.

É notório o quanto o Papa ficou descontente com os "movimentos" curiais, as dificuldades em pôr ordem em questões económicas ou o surpreendente caso do comissário de bordo e a fuga de documentos. É difícil avaliar, sem mais informação, o quanto tudo isto pode ter influenciado a sua decisão de se retirar. Contudo, pelas razões que ele próprio deu, é evidente que sente que precisa de alguém com mais energia do que aquela que lhe resta para enfrentar os actuais desafios da governação da Igreja; e que considera que isto não deve esperar.  

Ao olharmos com os olhos da fé para os problemas que a Igreja sempre enfrentou, podemos ver o quanto temos de agradecer ao Senhor pela extraordinária lista de Papas que dirigiram o barque de Pedro nos últimos dois séculos. Todos têm sido homens de fé e cada um tem dado o seu melhor. É uma lista quase tão boa como a dos Papas dos primeiros séculos, a maioria dos quais eram mártires. E muito melhor do que noutros séculos difíceis, tais como o décimo ou o décimo quinto, quando mesmo pessoas indignas chegaram ao Pontificado. Os tempos difíceis purificam a fé, enquanto os tempos fáceis a gentrificam.

A Bento XVI devemos muitas coisas, mas especialmente o seu testemunho de fé, e um grande discernimento do Concílio e do diálogo evangelizador que a Igreja tem de levar a cabo com o mundo moderno.

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Bento XVI. Cooperador da verdade

A verdade de Deus Criador e Redentor, da qual o Santo Padre Bento XVI foi um buscador incessante, ilumina o crepúsculo dos últimos anos da sua vida passados em oração, silêncio e humildade exemplar.

31 de Dezembro de 2022-Tempo de leitura: 4 acta

O Papa Emérito Bento XVI morreu. Se algo tem caracterizado a sua longa vida, desde a sua infância e adolescência como seminarista no seminário menor da Arquidiocese de Munique, localizado em Traunstein, nos contrafortes dos Alpes da Baviera, até aos seus últimos anos como Papa Emérito, é sem dúvida a sua vocação de querer ser um "Cooperador da Verdade": da Verdade de Deus, revelada em Cristo para a Salvação da humanidade. 

Foi um cooperador da Verdade, procurando-a com a paixão do seu coração e a lucidez intelectual de uma mente inquieta nos seus estudos teológicos no Seminário Maior de Freissen, que encontrou a sua confirmação na sua tese de doutoramento e na sua qualificação como docente universitário.

A Teologia de Santo Agostinho proporciona-lhe o horizonte teológico para compreender e explicar o ser da Igreja como "Povo e Casa de Deus", e a partir do de São Boaventura, do seu "Itinerário da mente a Deus", recebe a inspiração intelectual para compreender a Verdade do Deus vivo que se revela numa história de Salvação, culminando em Cristo, o Filho de Deus, encarnado no ventre de uma Virgem, Maria, crucificado, morto e ressuscitado.

As suas duas décadas como professor de Teologia em Bonn e Münster, Tübingen e Regensburg, nas quais combinou ensino e pesquisa, palestras e publicações com uma extraordinária fecundidade pedagógica, revelam uma compreensão da busca da verdade revelada em Deus, na qual o diálogo Fé/ Razão se desdobra com uma rigorosa disciplina lógica e, ao mesmo tempo, com uma extraordinária sensibilidade espiritual para as questões dos seus leitores e ouvintes. Quanto o seu fascinante tratado sobre "Introdução ao Cristianismo" ajudou as gerações de jovens estudantes universitários daquele momento histórico dramático a encontrar o caminho para a verdade com uma letra maiúscula: encontrar o Deus vivo além, mas não contra, o Deus dos filósofos! 

As fases seguintes da sua biografia como Arcebispo - apenas cinco anos - e como Prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé - quase vinte e cinco - centraram-se num serviço à fé da Igreja como colaborador próximo e íntimo do Papa São João Paulo II no cumprimento do seu primeiro dever como sucessor de Pedro, que é nada mais nada menos que "confirmar os seus irmãos na fé". O seu método de trabalho seguiu o princípio "Anselmian" de "Fides quaerens intellectum" - "Intellectus quaerens Fidem" ("fé em busca de inteligência" e "inteligência em busca de fé"). Um princípio posto em prática com o cuidado requintado de um diálogo sempre atento e sempre simpático a teses opostas. Todo o debate dos anos oitenta do século passado em torno da Teologia da Libertação é uma ampla evidência disso.

Finalmente, o seu magistério nos oito anos do seu pontificado concentra-se na Verdade de Deus que é Amor (a sua encíclica "Deus Caritas est") e no último fundamento da Esperança que não desilude (a sua encíclica "Spes Salvi"). A última encíclica, "Caritas In Veritate" ("Amor na Verdade", CV), publicada a 29 de Junho de 2009, no meio da crise financeira global com o seu epicentro na Bolsa de Nova Iorque - e que em breve conduziu a uma grave crise social, política e cultural - visa mostrar como a fé no Deus vivo e verdadeiro, revelado em Cristo, abre o caminho para o verdadeiro progresso humano - progresso integral - ou, por outras palavras, abre o caminho para a realização de um verdadeiro e autêntico humanismo. A chamada "viragem antropológica" do pensamento moderno e pós-moderno, que ele conhecia bem, não só é esvaziada de significado, mas, pelo contrário, o seu significado para o bem transcendente da pessoa humana e da sociedade é autenticado e consolidado. 

Não é surpreendente, portanto, que uma das conclusões práticas da encíclica seja que "não há pleno desenvolvimento e nenhum bem comum universal sem o bem espiritual e moral das pessoas, considerado na sua totalidade de alma e corpo" (CV 76), e, ao mesmo tempo, que "o desenvolvimento necessita de cristãos com braços erguidos a Deus em oração, cristãos conscientes de que o amor cheio de verdade, 'caritas in veritate', do qual procede o autêntico desenvolvimento, não é o resultado dos nossos esforços, mas um dom" (CV 79). 

Na sua homilia na Praça Obradoiro, Santiago de Compostela, a 6 de Novembro de 2010 (na sua segunda viagem pastoral a Espanha), disse: "Só Ele - Deus - é amor absoluto, fiel, indeclinável, um objectivo infinito que pode ser visto por detrás de todos os bens, verdades e belezas admiráveis deste mundo: admirável mas insuficiente para o coração do homem. Santa Teresa de Jesus compreendeu isto bem quando escreveu: 'Só Deus é suficiente'".

No final do Dia Mundial da Juventude em Madrid, 21 de Agosto de 2011, quando se despediu de Espanha, disse-nos: "Espanha é uma grande nação que, em coexistência aberta, plural e respeitosa, sabe como e pode progredir sem renunciar à sua alma profundamente cristã e católica", e que "os jovens respondem com diligência quando são sincera e verdadeiramente propostos o encontro com Jesus Cristo, o único Redentor da humanidade".

A verdade de Deus Criador e Redentor do homem, a VERDADE que é Ele e só Ele, da qual o Santo Padre Bento XVI tem sido um incessante buscador, cooperador, testemunha e mestre ao longo de toda uma vida dedicada a Cristo, ilumina o crepúsculo dos últimos anos da sua vida passada em oração, silêncio e humildade exemplar. No prefácio do primeiro volume da sua monografia "Jesus de Nazaré", publicada em 2007, confessa: "Não preciso certamente de dizer expressamente que este livro não é de modo algum um acto magisterial mas apenas uma expressão da minha busca pessoal do rosto do Senhor". Um rosto que ele já encontrou na contemplação eterna da sua Beleza infinita. Por isso rezamos, unidos na oração de toda a Igreja por aquele que sempre se considerou "o seu humilde trabalhador na vinha do Senhor".

O autorAntonio M. Rouco Varela

Cardeal Arcebispo Emérito de Madrid. Presidente da Conferência Episcopal Espanhola de 1999 a 2005 e de 2008 a 2014.

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Vaticano

Morre Bento XVI

O Papa Emérito morreu às 9.34 desta manhã no mosteiro Mater Ecclesiae no Vaticano, após uma vida de serviço incansável à Igreja. Tinha 95 anos de idade. Professor eminente e teólogo eminente, surpreendeu o mundo com a sua demissão do papado em Fevereiro de 2013.

Maria José Atienza-31 de Dezembro de 2022-Tempo de leitura: 2 acta

Bento XVI morreu hoje às 9.34 da manhã no Mosteiro Mater Ecclesiae do Vaticano, com a idade de 95 anos. O Papa Emérito, que residia no Mosteiro Mater Ecclesiae desde a sua demissão, tinha sofrido um agravamento da sua saúde nos últimos dias. O Papa Francisco, de facto, pediu orações pela saúde do seu predecessor durante a audiência semanal na quarta-feira 28 de Dezembro.

Nascido em Marktl am Inn, Diocese de Passau (Alemanha), Josep Ratzinger nasceu a 16 de Abril de 1927 (Sábado Santo) e foi baptizado no mesmo dia. A cruz permaneceria presente na vida do jovem, padre, bispo e cardeal ao longo da sua vida.

Dotado de inteligência excepcional e de uma humanidade que era palpável para aqueles que o conheciam, no extensa biografia que pode ser encontrada em OmnesA humildade de um brilhante professor e eminente teólogo, cujo Ópera Omnia oferece um pensamento esclarecido e uma análise da Igreja e da humanidade de hoje.

O Magistério papal de Bento XVI é condensado, em particular, nas suas três encíclicas Caritas in veritateSpe Salvi y Deus caritas est. O seu prolífico legado teológico, no entanto, estende-se desde o seu fase inicial como professor e padre, o tempo à frente da Congregação para a Doutrina da Fébem como os seus como Sumo Pontífice da Igreja Católica. Um trabalho muito extenso e profundo de grande profundidade doutrinal e moral sem o qual a Igreja de hoje não pode ser compreendida.

A criação da Fundação Joseph Ratzinger do Vaticano foi um impulso para o trabalho e o ensino do Papa. Em particular, esta fundação promoveu a publicação da obra completa de Joseph Ratzinger, Opera Omnia. Embora actualmente só esteja disponível na sua totalidade em italiano, estes volumes contêm as principais características do pensamento teológico de Joseph Ratzinger.

Nos últimos anos, Bento XVI teve de sofrer uma nova onda de contradições com a acusação contra ele de não ter agido com força suficiente num caso de abuso durante o seu tempo como chefe da diocese de Munique. Uma acusação sem provas concretas que levou o teólogo suíço Martin Rhonheimer para denunciar uma tentativa de destruir a reputação do teólogo Joseph Ratzinger no final da sua vida.

A frágil saúde do Papa Emérito deteriorou-se nos últimos dias de Dezembro de 2022, embora ele estivesse "lúcido e estável", apesar da gravidade do seu estado. Esta manhã, num comunicado muito breve, a Santa Sé anunciou a morte do Papa Emérito às 9.34 da manhã no Mosteiro Mater Ecclesiae do Vaticano.

Como relatado por Matteo Bruni, director do Gabinete de Imprensa da Santa Sé, o Papa Francisco presidirá ao funeral para o descanso eterno do seu predecessor a 5 de Janeiro às 9.30 da manhã na Basílica de São Pedro, no Vaticano. Bruni também informou que Bento XVI recebeu a Unção dos Enfermos na quarta-feira passada no final da Missa no Mosteiro e na presença dos Memores Domini, que o têm assistido diariamente durante anos. Antes da sua morte, o Papa Emérito pediu que tudo fosse marcado pela simplicidade, uma qualidade com a qual ele viveu.

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Notícias

O Magistério de Bento XVI

Bento XVI, o Papa da Palavra, para além dos seus discursos sempre inspiradores, deixou-nos três magníficas encíclicas e quatro exortações apostólicas. Amor, verdade, esperança, a Palavra de Deus e liturgia foram os temas principais dos seus escritos.

Pablo Blanco Sarto-31 de Dezembro de 2022-Tempo de leitura: 5 acta

Bento XVI não tem sido apenas "o papa da razão", mas também o papa do amor e da esperança, a julgar pelos títulos das suas encíclicas. Tem sido também "o papa da palavra", em termos dos discursos e homilias inspiradoras que proferiu durante um breve mas intenso pontificado.

Nestas linhas centrar-nos-emos principalmente nas encíclicas e exortações apostólicas, a fim de apresentar uma visão unificada do programa do seu pontificado.

Amor, verdade e esperança

Estes são os três pilares centrais do seu magistério. Bento XVI iniciou a sua primeira encíclica intitulada Deus caritas est, datado do dia de Natal de 2005. Antes de mais nada, o amor. Aí ele apresentou uma "revolução do amor" que ainda não foi completamente bem sucedida no nosso pequeno mundo. Ainda há fome, pobreza, injustiça e mortes inocentes. Para que esta "revolução do amor" se realize de uma vez por todas, lembrou-nos, não devemos esquecer duas palavras: Deus e Cristo.

Jesus Cristo é "o amor de Deus encarnado", que se concretiza não só na caridade para com os outros, mas sobretudo na cruz e na Eucaristia. Esta é a fonte de todo o nosso amor por Deus e pelo próximo: todo o verdadeiro amor e caridade vêm de Deus. O eros pode ser transformado em agape cristã, após um processo de purificação. Isto é algo que a Igreja não podia esquecer e que teve de recordar a este mundo algo cruel. O amor pode mudar o mundo, repetiu Bento XVI com uma certeza que nos deve fazer pensar.

Depois veio uma nova encíclica, desta vez sobre a esperança. Apareceu a 30 de Novembro, a festa de Santo André, o apóstolo a quem os orientais têm uma devoção especial, e na véspera da época do Advento, a época da esperança. Bento XVI publicou esta segunda encíclica sobre a segunda virtude teológica, a seguir à da caridade. Aquele que, como prefeito, tinha sido o "guardião da fé" era agora também o papa do amor e da esperança.

O título foi retirado de S. Paulo: spe salvisalvo pela esperança" (Rm 8,24). Na nova encíclica, havia um tom ecuménico marcado, especialmente quando se referia à doutrina do purgatório, na qual fazia menção explícita à teologia ortodoxa, e a apresentava com uma abordagem personalista e cristocêntrica fácil de compreender (cf. n. 48).

O Purgatório é um encontro com Cristo que nos abraça e nos purifica. Ao mesmo tempo, o papa alemão propôs um diálogo crítico com uma modernidade que procura a esperança.

Ao contrário da encíclica sobre a esperança, que foi escrita pessoalmente pelo Papa da primeira à última linha, na encíclica sobre a esperança, a Caritas in veritate muitas mentes e mãos tinham estado a trabalhar. Bento XVI tinha deixado a sua marca nela, já visível nas palavras do título que indissoluvelmente combinam caridade e verdade, uma proposta decididamente Ratzingeriana. "Injectar o mundo com mais verdade e amor", resumiu uma manchete de jornal. "Só com caridade - iluminada pela fé e pela razão - é possível alcançar objectivos de desenvolvimento dotados de valor humano", disse o papa alemão.

Foi a primeira encíclica social do seu pontificado, publicada dezoito anos após a última encíclica social de João Paulo II, Centesimus annusde 1991. Jornais, estações de rádio e televisão de todo o mundo estavam ansiosos por ouvir o que o Papa tinha a dizer sobre a situação económica actual. Caritas in veritateNo entanto, ele foi além da crise. "As dificuldades actuais passarão dentro de alguns anos, mas a mensagem da encíclica permanecerá", assegurou Monsenhor Martino.

Pão e Palavra

Sacramentum caritatis, Sacramento do amor: este foi o título da carta apostólica do papa alemão sobre a Eucaristia, que foi o resultado do Sínodo dos Bispos realizado em Roma em Outubro de 2005. Foi uma reunião convocada por João Paulo II para toda a Igreja reflectir sobre o que é "o seu centro e cume". Jesus está lá", recordou, "a Eucaristia é o próprio Cristo e por isso a Eucaristia "faz a Igreja", tinha escrito São João Paulo II.

Agora, como um fruto maduro, esta exortação apostólica saiu em continuidade com a primeira e, até então, a última encíclica de Bento XVI, significativamente intitulada Deus é amor. Ele tinha falado da Eucaristia como a manifestação última de amor por parte de Jesus e como o centro de toda a Igreja. As propostas do sínodo já tinham sido publicadas em internetA nova carta apostólica, a pedido do próprio Papa Ratzinger, não foi por isso uma grande surpresa. É uma questão de aplicar o que o Vaticano II já disse, insistiu a nova carta apostólica.

A 30 de Setembro de 2010, festa de São Jerónimo, foi publicado um novo documento intitulado Verbum Domini, a palavra do Senhor. O tema era logicamente a Escritura e era um fruto maduro do sínodo que tinha tido lugar dois anos antes sobre o mesmo assunto, e com clareza, tal como os participantes no sínodo, salientou em primeiro lugar que "a fé cristã não é uma 'religião do Livro': o cristianismo é a 'religião da palavra de Deus', não de uma palavra escrita e muda, mas da Palavra encarnada e viva" (n. 7).

O Cristianismo não é a religião de um Livro (como o Judaísmo ou o Islão podem ser), mas de uma Pessoa: a de Jesus Cristo, verdadeiro Deus e verdadeiro homem. No entanto, esta Pessoa - Jesus Cristo - tinha falado longamente e pregado parábolas sublimes. A Palavra de Deus é um acesso directo ao Filho de Deus, que é o cume de toda a revelação, a Palavra feita carne.

Nova evangelização

Depois de lançar as bases sobre o amor, a verdade e a esperança, assim como os lugares onde Jesus Cristo se encontra - o Pão e a Palavra - Bento XVI lançou na "nova evangelização" já proposta por João Paulo II.

A exortação apostólica pós-sinodal Africae munus (2011) reuniu os frutos do trabalho da Segunda Assembleia Especial para África do Sínodo dos Bispos. "África, terra de um novo Pentecostes, tem confiança em Deus [...] África, Boa Nova para a Igreja, fá-lo para todo o mundo", disse ali o Papa. O documento de 138 páginas contém uma grande variedade de tópicos, mas pode ser resumido num único ponto: permanecer no nível espiritual, de modo a não se tornar um partido católico. Segundo Bento XVI, o papel em favor da reconciliação, justiça e paz pode ser mantido se a Igreja permanecer fiel à sua missão espiritual de reconciliação da humanidade com Deus e uns com os outros através de Cristo.

Em Porta fidei (2011) o papa alemão anunciou o Ano da Fé, em perfeita continuidade com a nova evangelização, no contexto do Concílio Vaticano II, cinquenta anos após o seu início. Neste sentido, o cristão de hoje tem à sua disposição dois instrumentos privilegiados para poder concretizar e realizar esta nova evangelização: o Conselho, que tem agora cinquenta anos; e os seus Catecismopromulgado por João Paulo II. "A fim de ter acesso a um conhecimento sistemático do conteúdo da fé, todos podem encontrar no Catecismo da Igreja Católica um subsídio precioso e indispensável. É um dos frutos mais importantes do Concílio Vaticano II" (n. 11), acrescentou agora o seu sucessor. O Ano da Fé foi o ano do Conselho e do seu catecismo.

A fé é um "grande sim" que contém e implica, por sua vez, toda a existência humana. Fé e vida, crença e experiência estão mutuamente entrelaçadas no acto de fé. A evangelização consiste assim, em primeiro lugar, em mostrar a beleza e a racionalidade da fé, em levar a luz de Deus ao povo do nosso tempo com convicção e alegria. O tempo dar-nos-á este primeiro texto do Papa Francisco, Lumen fidei (2013), uma encíclica "escrita a quatro mãos" e o culminar do Ano da Fé. Fé, esperança e caridade foram o legado do pontificado de Bento XVI, que continha no seu núcleo o próprio Jesus Cristo presente no Pão e na Palavra. Com isto estávamos perfeitamente equipados para a nova evangelização deste mundo agora em crise.

Vaticano

Os momentos-chave do pontificado de Bento XVI

O destino daquele que devia dirigir a Igreja sob o nome de Bento XVI tinha-se tornado claro no dia do funeral do seu predecessor quando proferiu aquela comovente homilia que começou com a palavra "Segue-me".

Giovanni Tridente-31 de Dezembro de 2022-Tempo de leitura: 9 acta

Na humildade e na verdade, no silêncio e na oração. Foi assim que Bento XVI, Papa Emérito, viveu, e foi assim que ele partiu. Eleito ao trono papal a 19 de Março de 2005, imediatamente após o "grande Papa João Paulo II", nas suas primeiras palavras à multidão da loggia central da Basílica de São Pedro, descreveu-se a si próprio como "um simples e humilde trabalhador na vinha do Senhor". E como tal ele apareceu, com as mangas da sua camisa preta a sair da sua batina papal, o sinal de um
escolha que pode não ter sido esperada.

Tímido, mas muito culto, simples de maneira mas complexo em pensamento e nunca banal. Um trabalhador incansável. Demonstrou-o nos inúmeros anos que passou na Cúria Romana como colaborador insubstituível do seu predecessor, num dos mais importantes e sólidos dicastérios, a então Congregação para a Doutrina da Fé.

Também no dia da sua eleição, definiu-se como um "instrumento insuficiente", confortado pelo facto de que o Senhor saberia usá-lo da melhor maneira possível, sem lhe faltar "a sua ajuda permanente", com a cumplicidade da sua Bem-Aventurada Mãe Maria. Ele pediu orações.

Durante quase oito anos, até à sua demissão, que entrou em vigor a 28 de Fevereiro de 2013, não desistiu perante nenhum obstáculo, colocou (e voltou a colocar) a mão no arado e começou a apoiar os elementos fundamentais do edifício da Igreja, que tinha acabado de aterrar com toda a humanidade num novo milénio cheio de mudanças e "choques", recentemente órfão de um imponente guia espiritual, que o tinha acompanhado pela mão durante mais de 27 anos.

O seu destino tinha-se tornado claro no dia do funeral de São João Paulo II, quando proferiu aquela comovente homilia que começou com a própria palavra "Segue-me". Alguns dias antes - na Via Sacra no Coliseu, meditando na nona estação, a terceira queda de Jesus - tinha então "tomado sobre si" para denunciar "imundície na Igreja", mas também arrogância e auto-suficiência.

O seu sonho era regressar à sua pátria, dedicar-se à leitura e desfrutar da sua paixão pelos gatos e do seu amor pela música clássica. Em vez disso, teve de enfrentar todos os problemas que aprendera a conhecer tão bem, e também suportar o peso da crítica e do mal-entendido, mas teve de enfrentar todos os problemas que aprendera a conhecer tão bem, e também suportar a cruz da crítica e do mal-entendido.
preparando o caminho para um processo de reforma que o seu sucessor - o Papa Francisco - tem conseguido prosseguir com facilidade. Fê-lo com humildade e verdade.

Uma tarefa sem precedentes para além da capacidade humana

"Uma tarefa sem precedentes, que ultrapassa verdadeiramente toda a capacidade humana". No domingo 24 de Abril de 2005, Bento XVI iniciou o seu ministério petrino como Bispo de Roma, numa Praça de São Pedro repleta de mais de 400.000 pessoas presentes. E ao estabelecer a gravidade e o peso do mandato que sentia que tinha de assumir, disse que, no final, o seu programa de governo não seria "seguir as minhas próprias ideias, mas ouvir, com toda a Igreja, a palavra e a vontade do Senhor e permitir-me ser guiado
para Ele, de modo que é Ele mesmo que guia a Igreja nesta hora da nossa história". A vontade de Deus que "não nos afasta, mas purifica-nos - talvez até dolorosamente - e assim nos conduz a nós próprios".

Estar disposto a sofrer

O tema do sofrimento aparece frequentemente no discurso da investidura, como quando explica que "amar [o povo que Deus nos confia] significa também estar pronto a sofrer", "dar às ovelhas o verdadeiro bem, o alimento da verdade de Deus, da palavra de Deus, o alimento da sua presença".

Palavras que em retrospectiva soam como profecia. Bento XVI não foi certamente poupado a qualquer sofrimento, mas viveu-o sempre num espírito de serviço e humildade. Olhando para os quase oito anos do seu pontificado, destacam-se algumas das contribuições excepcionais que o primeiro Papa Emérito da história deixou como legado a toda a Igreja.

As três encíclicas

A primeira contribuição é, sem dúvida, magisterial. Alguns meses após o seu pontificado, Bento XVI assinou a sua primeira encíclica, "Deus caritas est" (Deus é amor), na qual explica como o homem, criado à imagem de Deus-amor, é capaz de experimentar a caridade; inicialmente escrita em alemão e assinada no dia de Natal de 2005, foi distribuída no mês seguinte.

A 30 de Novembro de 2007 foi publicado "Spe salvi" (Salvo na esperança), que coloca a esperança cristã face a face com formas modernas de esperança baseadas em realizações terrestres, que levam a substituir a confiança em Deus por uma mera fé no progresso. Mas só uma perspectiva infinita como a oferecida por Deus através de Cristo pode dar verdadeira alegria.

A última encíclica com a sua assinatura é datada de 29 de Junho de 2009 e intitula-se "Caritas in veritate" (Amor na verdade). O Pontífice revê os ensinamentos da Igreja sobre justiça social e convida os cristãos a redescobrir a ética dos negócios e das relações económicas, colocando sempre a pessoa e os valores que preservam o seu bem no centro.

Preparava uma quarta encíclica para completar a trilogia dedicada às três virtudes teologais; seria publicada pelo Papa Francisco a 29 de Junho de 2013, no Ano da Fé, completando a parte principal do trabalho que Ratzinger já tinha preparado. Tem o título "Lumen fidei".

Quatro Exortações Pós-Sinodais

Eucaristia, Palavra, África e Médio Oriente são, por seu lado, os temas das quatro exortações apostólicas que viram a luz do dia sob o pontificado de Bento XVI, coroando quatro Sínodos dos Bispos que tiveram lugar respectivamente em 2005, gerando o "Sacramentum caritatis" (2006); em 2008, com a publicação do "Verbum Domini" (2010); em 2009, que deu origem à exortação "Africae munus" (2011); e em 2010, que dois anos mais tarde deu origem ao documento "Ecclesia in Medio Oriente".

Nisso reside a importância dos sacramentos, e a proximidade das periferias do mundo, lugares onde a Igreja está muito viva, rica em vocações, mas onde falta frequentemente o esforço "de Roma" para estar mais presente nestas terras.

A trilogia de Jesus de Nazaré

Graças à sua paixão pelo estudo e às suas qualidades como teólogo, nos anos do seu pontificado Bento XVI deu também à comunidade dos crentes três importantes livros sobre a figura histórica de Jesus, publicados respectivamente em 2007, 2011 e 2012. A viagem narrativa começa com a "Infância de Jesus" e continua através da vida pública do Messias até à ressurreição.

Tem sido um sucesso editorial sem precedentes, e muitos crentes têm sido edificados pela história da Pessoa-Jesus. Peregrino dos povos, não interrompeu a tradição das viagens apostólicas do seu antecessor, tanto em Itália como no estrangeiro; uma série inaugurada quatro meses depois do seu pontificado, viajando para a sua pátria para o Dia Mundial da Juventude em Colónia. Regressou à Alemanha mais duas vezes, em 2006 (à Baviera, onde teve lugar o famoso "incidente de Regensburg") e em 2011, numa visita oficial ao país. No total, Bento XVI fez 24 viagens apostólicas ao estrangeiro, várias à Europa (três vezes à Espanha), mas também à América Latina (Brasil, México, Cuba), Estados Unidos (2008), África (Camarões, Benin) e Austrália (2008).

A sua viagem à Terra Santa, visitando a Jordânia, Israel e a Autoridade Nacional Palestiniana em Maio de 2009 foi certamente significativa, tal como a sua visita ao campo de concentração de Auschwitz no mesmo mês três anos antes, onde rezou para honrar a memória dos judeus, polacos, russos, ciganos e representantes de vinte e cinco nações assassinados pelo ódio nazi.

Fez também mais de trinta visitas pastorais e peregrinações em Itália e tantas outras na diocese de Roma, visitando paróquias, santuários, basílicas, prisões, hospitais e seminários. Para a história
permanecerá a sua visita a Áquila em 2009, imediatamente após o terramoto, quando foi rezar sobre os restos mortais de Celestine V, em cujo túmulo colocou o seu pálio, uma premonição que muitos associaram à sua futura demissão.

Acidentes

No início do seu ministério petrino, Bento XVI tinha-se referido ao sofrimento, e infelizmente este foi um dos elementos que não foi poupado de todo, começando com alguns mal-entendidos e controvérsias que tiveram um eco internacional.

A primeira delas data de 2006, com a famosa "lectio magistralis" na Universidade de Regensburg durante a sua segunda viagem à Alemanha, em visita à Baviera. Neste caso, o incidente surgiu da infeliz citação de uma frase do imperador bizantino Manuel II Palaeologus sobre a guerra santa, com referências ao Profeta Maomé. No seu discurso, o Papa tinha recordado a declaração "Nostra Aetate" e a atitude da Igreja para com as religiões não cristãs, mas nessa altura o mal-entendido já tinha surgido, e houve reacções violentas no mundo islâmico.

Mais tarde Bento XVI pediu desculpa publicamente, dizendo que lamentava e deixando claro que não partilhava o pensamento expresso no texto citado. Felizmente, nos anos que se seguiram, as trocas culturais e teológicas entre católicos e muçulmanos floresceram, culminando mesmo num encontro no Vaticano entre uma delegação de teólogos e intelectuais islâmicos e o próprio Pontífice. Este foi sem dúvida o prelúdio do "Documento sobre a Fraternidade Humana", que o Papa Francisco pôde assinar vários anos mais tarde em Abu Dhabi juntamente com o Grande Imã de Al-Azhar.

Um segundo incidente teve lugar em Roma, envolvendo a principal universidade da capital, "La Sapienza", onde um grupo de mais de 60 professores da universidade se opôs à visita de Bento XVI, que tinha sido convidado pelo então reitor para falar na inauguração do ano académico em 2008. Na sequência da polémica, a Santa Sé recusou o convite. Nove anos mais tarde, em 2017, o seu sucessor Francis pôde em vez disso visitar outra universidade civil romana, "Roma Tre".

Após o mal-entendido com os muçulmanos, em 2009 veio o incidente com o mundo judeu. Bento XVI tinha decidido remeter a excomunhão de quatro bispos Lefebvrianos, entre eles Ricardo
Williamson. Na sequência deste gesto, veio à luz - através da televisão sueca SVT - que no passado o bispo tinha expressado publicamente posições negacionistas sobre o Shoah. Também neste caso, a Santa Sé foi obrigada a emitir uma nota que, além de confirmar a condenação e recordação do genocídio dos judeus, exigia que o Bispo Williamson se distanciasse "de forma absolutamente inequívoca e pública das suas posições na Shoah" antes de ser admitido em funções episcopais na Igreja, esclarecendo que estas posições não eram conhecidas do Papa no momento da remissão da excomunhão.

Outras críticas vieram durante a sua viagem aos Camarões e Angola em Março de 2009, quando declarou no avião que a distribuição de preservativos não seria uma solução para a SIDA - uma declaração estigmatizada por governos, políticos, cientistas e organizações humanitárias com repercussões também a nível diplomático.

Luta contra os abusos

E no entanto, sob o pontificado de Bento XVI, todo o processo de combate aos abusos na Igreja, que o Papa Francisco pôde continuar de forma mais suave, ganhou um impulso irreversível. O Papa Ratzinger foi o primeiro pontífice a pedir desculpa explícita às vítimas de abuso clerical e a encontrar-se com elas em várias ocasiões, por exemplo, em viagens ao estrangeiro.

Foi drástico ao expulsar vários clérigos responsáveis por tais crimes e ao estabelecer as primeiras regras e directrizes mais estritas contra estes fenómenos.

Um exemplo entre muitos é o tratamento do "caso Maciel", que Ratzinger já tinha tido ocasião de examinar em profundidade durante os seus anos como Prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé.Como Pontífice, providenciou para que a Congregação dos Legionários recebesse uma Visita Apostólica, em resultado da qual foi nomeado um Delegado Pontifício - o falecido Cardeal Velasio De Paolis -, o que levou à revisão dos estatutos e regulamentos, depois de a culpa do fundador ter sido publicamente reconhecida e um processo completo de renovação e cura ter sido posto em marcha.

Outro fenómeno é o da Irlanda, na sequência da publicação dos relatórios Ryan e Murphy que denunciaram numerosos casos de abuso sexual de menores por padres e religiosos dos anos 30 a 2000, com tentativas de encobrimento por parte da Igreja local. Já em 2006, dirigindo-se aos bispos do país que tinham vindo a Roma numa visita "ad limina", Bento XVI disse que "as feridas causadas por tais actos são profundas, e a tarefa de restaurar a confiança onde ela foi danificada é urgente". Além disso, é necessário "tomar todas as medidas para evitar uma repetição no futuro, para assegurar o pleno respeito pelos princípios da justiça e, sobretudo, para curar as vítimas e todas as pessoas afectadas por estes crimes abomináveis".

Quatro anos mais tarde escreveu uma carta pastoral aos católicos da Irlanda, na qual confiava que "partilhava a consternação e o sentimento de traição" que tinham experimentado, e ao culpado acrescentava: "deve responder por isto perante Deus Todo-Poderoso, bem como perante os tribunais devidamente constituídos".

Os Conselhos

Ao longo do seu pontificado, Bento XVI presidiu a cinco consórcios para a criação de novos cardeais, criando um total de 90 "eminências", das quais 74 foram eleitores. Significativamente, no último, a 24 de Novembro de 2012, além de ser o segundo Consistório no mesmo ano (desde 1929 não havia duas criações diferentes de cardeais no mesmo ano), desta vez não havia cardeais europeus presentes, quase como se estivesse a inaugurar uma tradição de "pesca" para os colaboradores do Papa, mesmo longe de Roma. Algo que desde então se tornou muito comum com o Papa Francisco.

Foi o ano da criação do Cardeal Luis Antonio Tagle, Arcebispo Metropolitano de Manila (Filipinas), ou Baselios Cleemis Thottunka, Arcebispo Maior de Trivandrum dos Syro-Malankars (Índia), por exemplo.

Pedido de demissão

O último acto que permanece na história do pontificado de Bento XVI é sem dúvida a sua demissão, anunciada a 11 de Fevereiro de 2013 durante um Consistório para certas causas de canonização como uma "decisão de grande importância para a vida da Igreja".

Entre as motivações que o levaram a esta decisão - tomada com absoluta humildade e num espírito de serviço à Igreja, também neste caso - estava a consciência de que "para conduzir o barco de São Pedro é preciso também vigor de corpo e alma, vigor esse que, nos últimos meses, diminuiu de tal forma em mim que tenho de reconhecer a minha incapacidade de administrar bem o ministério que me foi confiado".

Palavras de uma limpeza única, oferecida com o coração na mão, e com a liberdade de quem não tem medo de reconhecer as suas próprias limitações, ao mesmo tempo que está pronto a servir o Senhor "não menos sofrimento e oração".

Fiel à sua palavra, Bento XVI dedicou os últimos anos da sua vida a rezar pela Igreja, no "esconderijo" do Mosteiro Mater Ecclesiae, com o seu coração, com a reflexão e com toda a sua força interior, como disse na sua última saudação aos fiéis da Loggia do Palácio Apostólico de Castel Gandolfo, a 28 de Fevereiro, há quase dez anos. Como peregrino "na última etapa da sua peregrinação nesta terra", que agora chegou ao seu cumprimento, vela por nós do Céu!

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Adeus, Bento XVI

A Igreja despede-se do Papa Emérito Bento XVI. A sua morte aos 95 anos de idade deixa para trás um vasto legado teológico e magisterial sem o qual a Igreja do século XXI não pode ser compreendida. Na foto: durante a JMJ Madrid 2011.

Maria José Atienza-31 de Dezembro de 2022-Tempo de leitura: < 1 minuto
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Joseph Ratzinger. Uma vida passada ao serviço da Igreja

Os seus dons intelectuais sempre se destacaram: nos seus dezoito anos como professor universitário, no seu breve período como Arcebispo de Munique, na Congregação para a Doutrina da Fé e finalmente no seu ministério como Papa.

Henry Carlier-31 de Dezembro de 2022-Tempo de leitura: 10 acta

A biografia de qualquer pessoa oferece quase sempre pistas abundantes para decifrar o temperamento, a personalidade e mesmo algumas das principais decisões tomadas pelo biógrafo. Este é também o caso de Joseph Ratzinger - Bento XVI.

Por exemplo, uma chave biográfica que ajuda a compreender o esgotamento que o levou a demitir-se não é apenas a sua idade avançada, mas sobretudo o enorme desgaste que experimentou do seu trabalho intenso, dedicado e ininterrupto ao serviço da Igreja universal nos mais de trinta e um anos que passou em Roma: primeiro como colaborador próximo de São João Paulo II à frente da Congregação para a Doutrina da Fé, a partir de 25 de Novembro de 1981; e depois, quando o Cardeal Ratzinger já pensava na sua merecida reforma, nos quase oito anos de extenuante ministério como Vigário de Cristo.

Crianças e jovens

Joseph Ratzinger nasceu na cidade bávara de Marktl, no rio Inn, num dia de grande significado religioso: Sábado Santo (16 de Abril de 1927). O facto de ter sido baptizado no mesmo dia é indicativo da sua precocidade espiritual e litúrgica (a Vigília Pascal é o quadro baptismal por excelência).

No entanto, passou a sua infância e adolescência em Traunstein, uma pequena cidade quase na fronteira austríaca, a trinta quilómetros de Salzburgo. Neste ambiente "moçarciano", como ele próprio o definiu, foi educado humana, cultural e musicalmente sob a influência cristã da sua família. O seu pai, um comissário da gendarmaria, veio de uma antiga família de agricultores da Baixa Baviera de meios modestos. A sua mãe, a filha de artesãos de Rimsting, trabalhou como cozinheira em vários hotéis antes do seu casamento. José é o mais novo de três irmãos. Maria, a filha mais velha, morreu em 1996, e Georg (89), sacerdote e músico, vive em Regensburg.

A educação que recebeu permitiu-lhe ultrapassar a dura experiência do regime nazi, que era hostil à Igreja Católica. O jovem José viu com os seus próprios olhos como os nazis batiam num padre que estava prestes a celebrar a Missa. Paradoxalmente, e também porque viu no seu pai a rejeição cristã do nazismo, essa complexa situação histórica acabou por o ajudar a descobrir a verdade e a beleza da fé.

Pouco antes do fim da Segunda Guerra Mundial - o jovem Ratzinger tinha então 16 anos - foi forçado a alistar-se nos serviços auxiliares antiaéreos. Este episódio tem sido duramente criticado em algumas biografias exageradamente críticas. Este é o caso de um esboço biográfico inicial escrito pelo vaticanista John Allen, para quem a resistência ao nazismo era difícil e arriscada, mas não impossível. Mas Joseph Ratzinger teve a coragem de desertar nessas circunstâncias, apesar de ter corrido o risco de ser baleado.   

Sacerdote e teólogo

Em qualquer caso, não foi o activismo político que foi a inclinação fundamental do jovem Joseph Ratzinger, mas sim o estudo. Muito cedo começou a dedicar-se e a destacar-se no que viria a ser a sua principal tarefa: o ensino de teologia. De 1946 a 1951 estudou filosofia e teologia na Freising School of Philosophy and Theology e na Universidade de Munique. Juntamente com o seu irmão Georg, foi ordenado sacerdote a 29 de Junho de 1951. Este foi, como ele diria mais tarde, o dia mais importante da sua vida.

Um ano depois, aos 25 anos de idade, começou a ensinar na Universidade Livre de Ciências Aplicadas. Logo começou a fazer nome como professor e investigador em ciências teológicas, particularmente nos campos da antropologia e da eclesiologia.

Joseph Ratzinger

Em 1953 recebeu o seu doutoramento em teologia com uma tese: "O povo e a casa de Deus na doutrina da Igreja em Santo Agostinho". Quatro anos mais tarde, sob a orientação do Professor Gottlieb Söhngen, obteve o seu título de professor com uma dissertação sobre o mesmo: "A teologia da história de São Boaventura".

Depois de ensinar teologia dogmática e fundamental na Universidade de Filosofia e Teologia em Freising, continuou a sua actividade docente em Bona de 1959 a 1963, em Munique de 1963 a 1966, e em Tübingen de 1966 a 1969. No último ano, tornou-se professor de dogmática e história do dogma na Universidade de Regensburg, onde também exerceu o cargo de vice-reitor.

Perito no Conselho

De 1962 a 1965 contribuiu para o trabalho do Concílio Vaticano II como "perito". Assistiu ao Conselho como teólogo consultor do Cardeal Joseph Frings, Arcebispo de Colónia. Bento XVI relatou como veio a participar no Conselho por acaso. Quando era professor na Universidade de Bona, o Cardeal Joseph Frings pediu-lhe que preparasse o texto de uma palestra que iria proferir em Génova. Pouco tempo depois, João XXIII chamou o Cardeal Frings a Roma. Estes últimos temiam o pior. No entanto, o Papa abraçou-o e disse-lhe: "Obrigado, Vossa Eminência; dissestes o que eu queria dizer mas não conseguistes encontrar as palavras". E foi assim que o Cardeal Frings convidou o Professor Ratzinger a ir com ele ao Conselho como seu assistente pessoal.

As contribuições de Joseph Ratzinger para os documentos do Conselho sobre a liturgia e a Palavra de Deus foram fundamentais. A sua intensa actividade científica conduziria mais tarde a posições importantes ao serviço da Conferência Episcopal Alemã e da Comissão Teológica Internacional.

Ao longo dos anos, como resultado do seu prestígio como teólogo e do seu trabalho à frente da Congregação para a Doutrina da Fé, Ratzinger recebeu numerosos doutoramentos honorários: do Colégio de São Tomás em São Paulo (Minnesota, EUA) em 1984; da Universidade Católica de Eichstätt (Alemanha) em 1985; da Universidade Católica de Lima (Peru) em 1986; da Universidade Católica de Lima (Peru) em 1986; e da Universidade Católica de Lima (Peru) em 1986. Foi-lhe concedido o doutoramento honoris causa pelo Colégio de S. Paulo (Minnesota, EUA) em 1984; pela Universidade Católica de Eichstätt (Alemanha) em 1985; pela Universidade Católica de Lima (Peru) em 1986; pela Universidade Católica de Lublin (Polónia) em 1988; pela Universidade de Navarra (Pamplona, Espanha) em 1998; pela Universidade Livre de Maria Santíssima Assunção (LUMSA) (Roma) em 1999; pela Faculdade de Teologia da Universidade de Wroclaw (Polónia) em 2000.

Alguns dizem que Ratzinger teve uma fase inicial liberal como teólogo, mas que no final dos anos 60 se afastou das correntes teológicas menos seguras. Juntamente com Hans Urs von Balthasar, Henri de Lubac e outros grandes teólogos, fundou em 1972 a revista teológica "Communio".

Bispo de Munique e Cardeal

A 25 de Março de 1977, Paulo VI nomeou-o Arcebispo de Munique e Freising. Este foi o fim de um período de 18 anos como professor em algumas das melhores universidades públicas da Alemanha.

Quando foi ordenado bispo a 28 de Maio, tornou-se o primeiro padre diocesano em 80 anos a assumir o governo pastoral da grande arquidiocese da Baviera. Como seu lema episcopal ele escolheu "Cooperador da verdade".Esta é a chave para interpretar o serviço de Ratzinger à Igreja nas suas várias facetas ao serviço da verdade. Foi assim que ele próprio o explicou: "Por um lado, pareceu-me expressar a relação entre a minha anterior tarefa como professor e a minha nova missão. Embora de formas diferentes, o que estava e ainda estava em jogo era seguir a verdade, estar ao seu serviço. E por outro lado, escolhi este lema porque no mundo de hoje o tema da verdade é quase completamente silenciado; é apresentado como algo demasiado grande para o homem, e no entanto, se faltar a verdade, tudo se desmorona".

No Consistório de 27 de Junho de 1977, o Papa Paulo VI criou o jovem Arcebispo de Munique (então com 50 anos) um cardeal com o título de Nossa Senhora da Consolação em Tiburtino.

Em 1978 Ratzinger participou no seu primeiro conclave: o que elegeu João Paulo I a 26 de Agosto. Em Outubro do mesmo ano, participou também no conclave que elegeu João Paulo II.

Mais tarde, seria relator na V Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos, no Outono de 1980, sobre o tema: "A Missão da Família Cristã no Mundo Contemporâneo", e presidente delegado da VI Assembleia Geral Ordinária em 1983 sobre "Reconciliação e Penitência na Missão da Igreja".

Bento XVI
Papa João Paulo II com o Cardeal Ratzinger no aeroporto de Munique em Novembro de 1980 ©CNS foto da KNA

Prefeito do Santo Ofício

A vida de Joseph Ratzinger tomou um novo e definitivo rumo em 25 de Novembro de 1981, quando João Paulo II o chamou a Roma para o colocar à frente da Congregação para a Doutrina da Fé, da Pontifícia Comissão Bíblica e da Comissão Teológica Internacional. Trabalhou lá, em perfeita harmonia com o Pontífice polaco, durante mais de 23 anos.

João Paulo II nunca quis passar sem esta cabeça teológica privilegiada. O Cardeal Ratzinger tinha-se tornado o seu principal e mais fiel colaborador, especialmente quando se tratava de resolver as questões doutrinárias mais difíceis, como, por exemplo, responder às chamadas teologias da libertação ou colocá-lo à frente da Comissão para a preparação do Catecismo da Igreja Católica.

A 5 de Abril de 1993, João Paulo II elevou o Cardeal Ratzinger à ordem dos Bispos e a 30 de Novembro de 2002 aprovou a sua eleição como Decano do Colégio dos Cardeais, tornando-o assim o supervisor da eleição do futuro Papa.

Cartão. Joseph Ratzinger numa conferência de imprensa em Junho de 2000 ©CNS foto da Reuters

Após a morte de João Paulo II a 2 de Abril de 2005, Ratzinger esperava que no final do conclave o seu serviço directo à Sé Apostólica também chegasse ao fim. Contudo, o Espírito Santo tinha outros planos para ele.

O teólogo do Papa

O pontificado de Bento XVI não tinha sequer oito anos de idade. A chegada de Joseph Ratzinger à Sé de Pedro coincidiu sem dúvida com o início de um dos períodos mais difíceis para a Igreja Católica: o grave problema do abuso sexual por parte de clérigos e religiosos, a instabilidade económica global e a mudança de paradigma social marcaram indubitavelmente a linha do pontificado e a sua surpreendente demissão.

Como pastor, as catequeses do Papa bávaro constituem uma colecção notável de formação catequética acessível e precisa. Os seus comentários sobre figuras como S. Paulo e os Padres da Igreja, ou a descoberta de homens e mulheres por vezes desconhecidos da grande maioria dos fiéis, fazem destas conversas um tesouro de fé e de formação cristã.

Deve ser feita uma menção especial à sua trilogia Jesus de Nazarécujo primeiro volume saiu em Abril de 2007, o segundo em Março de 2011 e o terceiro em Novembro de 2012, foi um sucesso editorial mundial. Nestes livros, o Papa desembala a figura de Cristo com grande profundidade e um conhecimento profundo da fé e da tradição, colocando-o em perfeito diálogo com o homem moderno.

As suas encíclicas "Deus Caritas est"Spe Salvi y "Caritas in Veritate constituem a espinha dorsal do Magistério Pontifício de Joseph Ratzinger. A par destas estão as suas numerosas cartas e mensagens privadas que o Papa dirigiu a diplomatas, jovens, movimentos eclesiais e novas comunidades, a Cúria Romana e outras entidades em todo o mundo.

Enquanto Papa, Bento XVI confrontou-se com os principais problemas da Igreja. Entre os mais notáveis foram os seus esforços para trazer à luz os casos de abuso sexual dentro da Igreja, o seu encontro com as vítimas e o estabelecimento de instruções a todas as Conferências Episcopais para que estes casos não se repetissem. Prosseguiu assim no caminho iniciado pelo seu antecessor para erradicar tal conduta dentro da Igreja e cujos esforços continuam até aos dias de hoje.

Foi também sob o seu pontificado que se iniciou a reforma do sistema financeiro do Vaticano para o alinhar com as normas internacionais de transparência.

O Papa Bento XVI foi conhecido pelo seu diálogo com as religiões não cristãs e pelas suas numerosas viagens pelo mundo. Bento XVI fez 24 viagens apostólicasDesde a sua primeira visita a Colónia para o 20º Dia Mundial da Juventude em Agosto de 2005, até à sua viagem ao Líbano em Setembro de 2012. Bento XVI visitou todos os continentes, com paragens na Turquia, Brasil, Estados Unidos, Sydney, Camarões e Angola, Jordânia, Benin, México e Cuba, bem como outras viagens à Europa: Polónia, Espanha, Áustria, França, República Checa, Malta, Portugal, Chipre, Reino Unido, Croácia e, claro, a sua pátria, a Alemanha.

Em Dezembro de 2012, Bento XVI inaugurou, com o seu primeiro tweet, a conta @pontifex sobre esta rede social. Actualmente, o relato oficial do Papa tem mais de 53 milhões de seguidores e está escrito em 9 línguas.

Papa envia o seu primeiro tweet em 12 de Dezembro de 2012 ©CNS photo/L 'Osservatore Romano via Reuters

A magnitude dos problemas internos e externos da Igreja e a realização da sua frágil saúde levaram o Papa Bento XVI a anunciar a sua demissão surpresa a 11 de Fevereiro de 2013, citando a "falta de força". Não tinha havido uma demissão papal desde que Celestine V, cansado das lutas internas, se demitiu do leme do navio de Pedro em 1294. O próprio Bento XVI tinha visitado o túmulo deste papa em L'Aquila. A demissão papal entrou em vigor a 28 de Fevereiro do mesmo ano.

Após a eleição de Jorge Mario Bergoglio como sucessor do chefe da Igreja Católica, Joseph Ratzinger tornou-se Papa Emérito e fixou-se no mosteiro Mater Ecclesiae em território vaticano.

Anos recentes

Desde a sua demissão do papado, Bento XVI tem permanecido em segundo plano, sem muitas aparições ou publicações públicas. Na maioria das ocasiões, imagens dele foram disponibilizadas graças às frequentes visitas do Papa Francisco para o felicitar nos grandes dias de festa cristã ou aniversários pessoais. Em Abril de 2014, participou nas cerimónias de canonização de João XXIII e João Paulo II, e mais tarde na beatificação de Paulo VI. Também assistiu a alguns consensos públicos de cardeais e abriu a Porta Santa no ano do Jubileu de 2015.

Em 2016 publicou uma entrevista em livro que escreveu com o jornalista Peter Seewald, na qual faz um balanço do seu pontificado e discute temas como a sua jovem posição sobre a encíclica Humanae vitae, a sua relação com o teólogo Hans Küng e outros tópicos da sua vida pessoal.

Bento XVI reza com o seu irmão Georg Ratzinger ©CNS foto/L'Osservatore Romano via Reuters

Em Junho de 2020, fez uma viagem de cinco dias a Regensburg para visitar o seu irmão gravemente doente, Georg Ratzinger, que morreu alguns dias mais tarde. Esta foi a única viagem do papa emérito fora da Cidade do Vaticano após a sua demissão. 

Nas primeiras horas da manhã de 31 de Dezembro de 2022, o Gabinete de Imprensa da Santa Sé anunciou a morte do Papa Emérito: "É com pesar que anuncio que o Papa Emérito Bento XVI faleceu hoje às 9:34 da manhã no Mosteiro Mater Ecclesiae, no Vaticano.", a nota lida.

O autorHenry Carlier

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Mundo

Dezoito missionários mataram este 2022

Durante 2022, 18 missionários em todo o mundo morreram em circunstâncias violentas. Entre as vítimas encontram-se especialmente padres e religiosos.

Paloma López Campos-31 de Dezembro de 2022-Tempo de leitura: 2 acta

De acordo com as informações fornecidas pela Agência FidesDezoito missionários foram mortos em 2022. No total, 12 sacerdotes, 3 freiras, 1 religiosa, 1 seminarista e 1 leigo. O maior número de vítimas encontra-se em África, onde 7 padres e 2 religiosos morreram. Especificamente, os assassinatos tiveram lugar em Moçambique, na Nigéria, na República Democrática do Congo e na Tanzânia.

A América Latina é o país com o próximo maior número de vítimas, com 4 padres, 1 religioso, 1 seminarista e 1 leigo assassinado. Os países onde os ataques tiveram lugar foram o México, Honduras, Bolívia e Haiti. Por outro lado, na Ásia, especificamente no Vietname, um padre foi assassinado.

Um dos projectos das Sociedades de Missão Pontifícia (OMP / Flickr)

Embora não se saiba muito sobre as circunstâncias das mortes, relatórios e notícias obtidas pela Agência Fides mostram que estas testemunhas da fé não estavam em missões extraordinárias, mas estavam a realizar o seu trabalho pastoral diário "em contextos particularmente difíceis, marcados pela violência, miséria, falta de justiça e falta de respeito pela vida humana".

No relatório completo A agência oferece uma breve biografia das vítimas deste ano e uma comparação dos assassinatos ao longo dos anos. Este documento também fornece dados como o número de missionários mortos entre 2001 e 2022 (544 no total) e as actividades que os missionários estavam a realizar na altura dos assassínios.

Testemunhas para Cristo

O relatório especifica que o termo ".missionário"não se aplica exclusivamente aos missionários "ad gentes", mas inclui qualquer pessoa baptizada, uma vez que "em virtude do Baptismo recebido, cada membro do Povo de Deus torna-se um discípulo missionário. Cada baptizado, qualquer que seja a sua função na Igreja ou conhecimento da fé, é um sujeito activo de evangelização" (EG 120).

Para além desta consideração feita pela Fides, a declaração feita pela Papa Francisco durante o Dia Mundial das MissõesOs discípulos são convidados a viver a sua vida pessoal na chave da missão. Jesus envia-os ao mundo não só para cumprir a missão, mas também e sobretudo para viver a missão que lhes foi confiada; não só para dar testemunho, mas também e sobretudo para ser suas testemunhas... A essência da missão é dar testemunho de Cristo, isto é, da sua vida, paixão, morte e ressurreição, por amor ao Pai e à humanidade".

Cultura

A passagem

Uma história - ou não história! para estes dias de Natal que nos lembra que, mesmo na terra, recebemos mais quando damos.

Juan Ignacio Izquierdo Hübner-31 de Dezembro de 2022-Tempo de leitura: 2 acta

Esta anedota tem anos, mas é real; o nome do protagonista também é autêntico (tenho a sua permissão). É um acontecimento breve e simbólico que aconteceu a um amigo meu chileno; um amigo e colega estudante da Faculdade de Direito.

Lembro-me que era tempo de exames e que o Natal estava apenas a algumas semanas de distância. E com isto penso que já dei contexto suficiente.

John saiu tarde de casa para fazer um exame oral com um professor famoso e exigente. Correu com o seu fato escuro, gravata azul e sapatos duros até à estação de metro Pedro de Valdivia, afundou as escadas, atravessou as multidões, passou o seu cartão pelo validador e pip, pip, lNão lhe restava nenhum equilíbrio! Verificou à pressa a sua carteira: sem dinheiro. Ele pegou no seu cartão de débito, mas lembrou-se que os seus pais ainda não tinham depositado a sua mesada. Deixou a linha com as mãos na cabeça e o rosto pálido, aterrorizado com a ideia de que o professor poderia falhar por não comparecer; o que fazer?

De repente, alguém lhe bateu no ombro. John virou-se e encontrou a senhora que normalmente se senta no degrau de cima das escadas a pedir esmola. Ela estava a sorrir e tinha aberto a mão para lhe pedir alguma coisa? Não, pelo contrário: para lhe oferecer uma moeda de 500 pesos. "Para comprar o seu bilhete", disse ele. O meu amigo ficou muito surpreendido, tentou resistir à ajuda, eles lutaram um pouco: não, sim, não, sim; e tal foi a sua angústia que acabou por aceitar.

O meu colega chegou ao exame a tempo e obteve uma nota razoável. No dia seguinte, quando ele desceu à estação, reparou na senhora que o tinha ajudado e devolveu a moeda - juntamente com um chocolate, claro - e conversaram durante algum tempo.

Após algumas semanas, a rapariga mendiga deixou de aparecer. Passaram vários anos desde então; agora John é um advogado de prestígio e desce ao metro com fatos mais elegantes e sapatos mais confortáveis do que os que usava para dar provas orais na Faculdade, mas sempre, antes de atravessar o torniquete, pára por um momento para verificar se aquela boa mulher que outrora o ajudou pode estar sentada algures no canto da estação, a sorrir para ele.

Cultura

San Silvestre e o fim do ano

O Papa São Silvestre nunca imaginou que seria ele a dar o seu nome ao último dia do ano civil em vários países de todo o mundo. Esta data é uma grande oportunidade para recordar a figura deste santo papa.

Stefan M. Dąbrowski-31 de Dezembro de 2022-Tempo de leitura: 2 acta

Provavelmente nunca passou pela cabeça do 33º bispo de Roma que a sua pessoa seria perpetuada ao longo dos séculos com celebrações luxuosas em todo o mundo. Em muitos países, o Dia de Ano Novo é simplesmente chamado o Silvester. Paradoxalmente, Sylvester era um padre muito calado. O seu serviço zeloso a Deus conquistou-lhe o respeito universal e em 314 foi eleito Papa.

Exerceu funções durante vinte anos. O seu pontificado coincidiu com a promulgação do Édito de Milão, que garantiu aos cristãos a liberdade religiosa. As fontes dizem-nos que ele ordenou que no dia do sol romano (dies solis) foi celebrado como o Dia do Senhor, e Constantino o Grande declarou o domingo livre do trabalho por decreto em 321.

Realizou a consagração solene das basílicas de São Pedro no Vaticano (326 d.C.) e São João de Latrão (324 d.C.), ambas construídas pelo Imperador, iniciando assim a tradição de consagrações solenes de edifícios semelhantes.

Durante este período, o bispo de Roma não pôde comparar em importância com os bispos das Igrejas Orientais ou com as personalidades eminentes que exerceram uma influência decisiva sobre Constantino, o imperador protector da Igreja.

Durante o pontificado de Sylvester, teve lugar o Conselho de Nicaea (325 d.C.), que estabeleceu o Credo Niceno. A participação limitada do papa neste primeiro dos conselhos ecuménicos, talvez devido à sua distância do local do conflito ou ao seu respeito pela autonomia das Igrejas Orientais, foi recebida com algumas críticas.

Provavelmente porque o episcopado de Silvestre chegou num momento crucial da história da Igreja, os seus sucessores e a cada vez mais importante comunidade cristã de Roma não se contentaram com o papel secundário que desempenhou ao lado do primeiro imperador cristão. Neste contexto, especialmente quando os imperadores já não residiam na cidade, surgiram lendas que pintaram um retrato idealizado de Sylvester.

Celebrações do Ano Novo

Na maior parte do mundo, a noite de Ano Novo está associada à última noite do ano civil. A forma como é celebrado depende da cultura local, embora a globalização esteja cada vez mais a corroer todas as diferenças e costumes locais. Música alta e fogos de artifício acompanham frequentemente as festividades da noite. Provavelmente, o costume mais difundido é brindar à meia-noite.

O último dia do ano é uma grande oportunidade para recordar a figura deste papa sagrado. É bom perpetuar esta referência na mente dos nossos amigos. Esta santa pode recordar-nos todos os anos as duas basílicas papais, a celebração do domingo e a profissão de fé no Credo. Isto permite-nos tomar a direcção certa para o novo ano que se avizinha.

O autorStefan M. Dąbrowski

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Notícias

As 10 notícias mais lidas pela Omnes em 2022

2022 tem sido um ano de crescimento para a Omnes e gostaríamos de dar as boas-vindas a 2023 com um olhar retrospectivo sobre as melhores notícias do ano que está a chegar ao fim.

Paloma López Campos-31 de Dezembro de 2022-Tempo de leitura: < 1 minuto

Ao longo deste ano, a Omnes trouxe-lhe notícias diárias a partir de uma perspectiva católica. No último dia de 2022, aqui está uma selecção das principais notícias publicadas no nosso sítio web nos últimos doze meses.

Uma explicação do carisma e da hierarquia na Prelatura do Opus Dei

Em Julho entrevistamos Enrique Rojas, que falou sobre hiperconectividade na nossa sociedade.

Uma explicação sobre a organização interna da Igreja

Este ano, o Opus Dei comemorou o seu 40º aniversário como Prelatura e olhamos para trás, para a sua história e carisma.

Luis Alberto Rosales, director do CARF, deu uma entrevista à Omnes em Agosto passado.

Há alguns meses, a Pontifícia Faculdade de Teologia de Bratislava conferiu um grau honorário a Fernando Ocáriz

Um resumo do que está a acontecer na Nicarágua

Joseph Weiler, vencedor do Prémio de Teologia Ratzinger 2022, foi o orador no último Fórum Omnes.

Mariano Fazio veio falar-nos sobre liberdade e amor numa entrevista sobre o seu livro Liberdade para amar através dos clássicos

Zoom

Orações por Bento XVI

O mundo reza hoje em dia pelo Papa Emérito Bento XVI cuja saúde se debilitou nas últimas horas. Aqui, Bento XVI saúda a multidão no final de uma audiência na Praça de São Pedro em Fevereiro de 2017.

Maria José Atienza-30 de Dezembro de 2022-Tempo de leitura: < 1 minuto
Cultura

"Somos todos verdadeiramente responsáveis uns pelos outros".

Há trinta e cinco anos, a 30 de Dezembro de 1987, a encíclica de João Paulo II Sollicitudo rei socialis foi publicada no vigésimo aniversário da Populorum Progressio de Paulo VI.

Antonino Piccione-30 de Dezembro de 2022-Tempo de leitura: 12 acta

João Paulo II prestou homenagem à encíclica Populorum Progressio do seu antecessor Paulo VI ao publicar - há trinta e cinco anos, em 30 de Dezembro de 1987 - a encíclica social Sollecitudo Rei Socialis. Veio 20 anos após a publicação da encíclica do Papa Montini dirigida aos homens e à sociedade nos anos 60.

Sollicitudo Rei Socialis mantém toda a força do apelo de Paulo VI à consciência e refere-se ao novo contexto histórico-social dos anos 80, num esforço para indicar os contornos do mundo de hoje, sempre de olho no motivo inspirador, o "desenvolvimento dos povos", ainda longe de ser alcançado. "Proponho alargar o seu eco, ligando-os com possíveis aplicações ao momento histórico actual, não menos dramático do que o de há vinte anos atrás", escreve João Paulo II.

O tempo - como bem sabemos - corre sempre ao mesmo ritmo; hoje, porém, temos a impressão de que está sujeito a um movimento de aceleração contínua, devido sobretudo à multiplicação e complexidade dos fenómenos no meio dos quais vivemos. Como resultado, a configuração do mundo nos últimos vinte anos, embora mantendo algumas constantes fundamentais, sofreu mudanças consideráveis e apresenta aspectos inteiramente novos".

Com Sollicitudo rei socialis (doravante SRS), é oferecida uma análise do mundo de hoje, tendo em conta toda a verdade sobre o homem: alma e corpo, ser e pessoa comunitária com valor em si, criatura e filho de Deus, pecador e redimido por Cristo, fraco e fortalecido pelo poder do Espírito.

A encíclica sublinha a base ética do desenvolvimento, sublinhando a necessidade do empenho pessoal de todos para com os seus irmãos e irmãs.

Este esforço para o desenvolvimento de todo o homem e de cada homem é a única forma de consolidar a paz e a felicidade relativa neste mundo. Na opinião de Enrique Colom (em AA.VV., John Paul theologian. En el signo de las encíclicas, Mondadori, Milão 2003, pp. 128-141) "num certo sentido, o ensino da encíclica poderia ser resumido numa única frase cheia de consequências práticas: "somos todos verdadeiramente responsáveis por todos" (SRS 38)".

Como é bem sabido, as encíclicas do Papa, mesmo as do Magistério Social, não são documentos políticos ou sociológicos, mas de natureza teológica.

Uma das ideias mais enfatizadas no SRS é precisamente que a pobreza, o desenvolvimento, a ecologia, o desemprego, a solidariedade, etc. são mais problemas éticos do que técnicos, e a sua solução real e duradoura não deve ser encontrada apenas numa melhoria estrutural, mas deve basear-se numa mudança ética, ou seja, numa vontade de mudar, talvez, hábitos mentais e de vida que, se genuínos, afectarão as instituições.

O homem é uma pessoa, não apenas homo faber ou oeconomicus. Portanto, como a Populorum Progressio ensinou, o verdadeiro desenvolvimento é a passagem, para cada pessoa, de menos condições humanas para mais condições humanas: "Mais humano: a ascensão da pobreza para a posse das necessidades, a vitória sobre os males sociais, a expansão do conhecimento, a aquisição da cultura". Mais humano, também: maior consideração pela dignidade dos outros, a transição para o espírito de pobreza, a cooperação para o bem comum, o desejo de paz. Mais humano ainda: o reconhecimento pelo homem dos valores supremos e de Deus, que é a sua fonte e o seu fim. Mais humano, finalmente e acima de tudo: fé, dom de Deus aceite pela boa vontade do homem, e unidade na caridade de Cristo, que nos chama a todos a partilhar como filhos na vida do Deus vivo, o Pai de todos os homens" (n. 21). Já Paulo VI, como João Paulo II faria mais tarde, sem negligenciar os aspectos económico-sociais do desenvolvimento, mostra a maior importância da esfera espiritual e transcendente.

Certamente, para alcançar a realização a pessoa precisa de "ter" coisas, mas estas não são suficientes, o crescimento interior também é necessário: cultural, moral, espiritual. "O 'ter' de objectos e bens não aperfeiçoa por si só o sujeito humano se não contribuir para a maturação e enriquecimento do seu 'ser', ou seja, para a realização da vocação humana enquanto tal" (SRS 28).

O essencial, portanto, é a plena realização da pessoa, ou seja, "ser" mais, crescer em humanidade sem negligenciar nenhuma virtude humana, e fazê-lo de forma harmoniosa, de acordo com uma autêntica hierarquia de valores, de acordo com toda a verdade sobre o homem. Portanto, o Papa não propõe nem pensa numa antinomia entre "ser" e "ter", mas adverte contra um "ter" que impeça o "ser", o próprio ou o de outra pessoa, e ensina que, se houver incompatibilidade, é preferível "ter" menos do que "ser" menos.

A característica mais importante da verdade sobre o homem depende do facto de ele ser uma criatura de Deus, elevada a ser seu filho: desta condição os homens recebem a sua consistência, a sua verdade, a sua bondade, a sua ordem própria e a sua lei conveniente. Portanto, o cumprimento dos desígnios divinos é o único compromisso verdadeiramente "absoluto" da pessoa, que o orienta para a sua plenitude integral; os outros compromissos não são anulados, mas devem ser subordinados a ele.

De facto, o desenvolvimento humano - o SRS lembra-nos - "só é possível porque Deus Pai decidiu desde o início fazer do homem um participante da Sua glória em Jesus Cristo ressuscitado (...), e Nele quis vencer o pecado e colocá-lo ao serviço do nosso bem maior, que supera infinitamente o que o progresso pode alcançar" (SRS 31). Pelo contrário, o homem pode construir a sociedade e "organizar a terra sem Deus, mas sem Deus ele só a pode organizar contra o homem". O humanismo excludente é um humanismo desumano" (Populorum Progressio, 42).

Mesmo na esfera social e económica, as palavras de Jesus são cumpridas: "Há mais alegria em dar do que em receber" (Act 20,35). Além disso, não se deve esquecer que Deus é o Senhor de todo o universo, de cada minuto, do menor acontecimento; por conseguinte, como ensina João Paulo II, a plena realização do desenvolvimento será sobretudo fruto da "fidelidade à nossa vocação de homens e mulheres crentes". Pois depende, antes de mais nada, de Deus" (SRS 47).

Infelizmente, as doutrinas utilitárias medem o progresso exclusivamente em termos imanentes e terrestres. Contudo, as contradições gritantes observadas no nosso mundo realçam ainda mais "a contradição intrínseca de um desenvolvimento limitado apenas ao aspecto económico. Subordina facilmente a pessoa humana e as suas necessidades mais profundas às exigências do planeamento económico ou do lucro exclusivo (...). Quando indivíduos e comunidades não vêem necessidades morais, culturais e espirituais, baseadas na dignidade da pessoa e na identidade própria de cada comunidade, a começar pela família e sociedades religiosas, estritamente respeitadas, tudo o resto - disponibilidade de bens, abundância de recursos técnicos aplicados à vida quotidiana, um certo nível de bem-estar material - será insatisfatório e, a longo prazo, insignificante" (SRS 33).

Aí, o desenvolvimento humano e o progresso económico andam de mãos dadas, como João Paulo II recordou: "As origens morais da prosperidade são bem conhecidas ao longo da história. Encontram-se numa constelação de virtudes: laboriosidade, competência, ordem, honestidade, iniciativa, sobriedade, sobriedade, sobriedade, espírito de serviço, fidelidade às promessas, audácia: em suma, o amor ao trabalho bem feito. Nenhum sistema ou estrutura social pode resolver magicamente o problema da pobreza sem estas virtudes; a longo prazo, tanto os programas como o funcionamento das instituições reflectem estes hábitos do ser humano, que são essencialmente adquiridos no processo educativo, dando origem a uma verdadeira cultura de trabalho". O que é necessário para que o desenvolvimento transcendente e terrestre do ser humano viva em harmonia é que cada pessoa realize as suas actividades, incluindo as actividades socioeconómicas, de forma a atingir o seu pleno significado humano, de acordo com o destino transcendente último do homem; e que outras pessoas e a sociedade estejam conscientes do valor e das necessidades de cada ser humano, e actuem em conformidade.

Uma pedra angular destas necessidades humanas é a necessidade de participar na produção e usufruto dos bens humanos, a todos os níveis; ainda mais hoje, quando a interdependência tem aumentado. Isto é conseguido precisamente através do princípio e da virtude da solidariedade: um dos temas mais frequentes nos ensinamentos de João Paulo II.

O Papa insiste tanto nela, por um lado, devido à sua relação íntima com a caridade - amor a Deus e ao próximo - o cume da vida cristã; por outro lado, porque nas actuais condições de desenvolvimento tecnológico, as desigualdades socioeconómicas são o produto do egoísmo, de não ver no outro um irmão, um filho do Pai eterno, uma pessoa humana com a mesma dignidade; por outras palavras, são o produto de um comportamento pouco solidário. Estas são duas razões mutuamente relacionadas: a primeira é puramente religiosa, a segunda é social, mas com uma base transcendente. 

São João lembra-nos que "Deus é amor" (1 Jo 4,8.16), um amor que é uma constante doação mútua dentro da Trindade. E uma vez que o homem foi criado à imagem e semelhança de Deus (Gn 1,26), também deve ser dito do homem que a sua verdade mais íntima se encontra no amor, na doação de si mesmo.

Isto está em perfeita harmonia com o "novo mandamento" de Jesus Cristo no qual toda a lei e os profetas estão contidos: a caridade é a lei fundamental da perfeição humana e, portanto, também da transformação do mundo. Contudo, dados os mal-entendidos sobre a noção de amor, deve ser enfatizado que o verdadeiro amor implica gratuidade (Jo 3,16; 15,13) e serviço (1 Ped 2,16; Gl 5,13), e não tanto a busca do próprio bem (Mt 16,25); e abrange todas as dimensões da pessoa: nenhuma característica humana está fora da caridade e do amor.

A dimensão fraterna é tão essencial para a vida do cristão (e de qualquer homem) que não se pode imaginar uma orientação para Deus que esqueça os laços que unem cada pessoa com os seus irmãos e irmãs. À luz destas verdades, conclui-se que a vida cristã não pode ser vivida como se as pessoas estivessem desligadas.

Pelo contrário, o compromisso de uma pessoa com o progresso material e espiritual da sociedade como um todo é parte integrante da vocação com que Deus chama cada pessoa: a identificação com a pessoa amada que é própria do amor leva a tê-la em mente em todas as acções, que são realizadas como um dom gratuito para a pessoa amada.

Isto significa que o amor de Deus exige um compromisso social, e que este compromisso encontra o seu fundamento firme numa vida autêntica de amor: só um amor que esteja em harmonia com toda a verdade sobre o homem é capaz de moldar uma vida social digna da pessoa.

Esta realidade é confirmada, negativamente, pelo nascimento e crescimento da "questão social", precisamente numa altura em que o pensamento ideológico apontava a oposição, a luta e mesmo o ódio como a força motriz da história.

"O mundo está doente", disse Paulo VI (Populorum Progressio, 66), e parece que desde então a doença se agravou: Basta pensar nos campos de refugiados, nos exilados, nos pontos quentes (guerra, guerrilha e terrorismo), nas discriminações raciais e religiosas, na falta de liberdades políticas e sindicais, nos fenómenos de fuga como a droga e o alcoolismo, nas áreas onde a exploração e a corrupção estão institucionalizadas, a locais de trabalho onde se tem a impressão de ser utilizado como meio e a lugares onde a humilhação se tornou um modo de vida, a zonas de fome, seca e doenças endémicas, a campanhas anti-natalistas frequentemente racistas, à propagação do aborto e da eutanásia, etc. O quadro mundial de hoje, incluindo o económico, em vez de estar preocupado com um verdadeiro desenvolvimento que conduza todos a uma vida "mais humana" - como a encíclica Populorum Progressio pedia - parece destinado a conduzir-nos mais rapidamente para a morte" (SRS 24).

Estamos assim perante um paradoxo: as pessoas conhecem - em grande medida - os critérios do verdadeiro desenvolvimento, desejam - em grande medida - fazer o bem e evitar o mal, possuem - em quantidade suficiente - os meios técnicos para o fazer; no entanto, o mundo ainda está doente, talvez mais doente do que antes. O paradoxo exige, portanto, uma explicação - muito mais profunda que a análise socioeconómica - que chegue à origem última dos males do mundo; exige uma análise que aborde o núcleo mais profundo do comportamento humano: análise ética, que chegue à própria origem das estruturas injustas, ou seja, que chegue à raiz das acções imorais do homem, aquilo a que o cristianismo chama pecado.

E as acções imorais de uma pessoa não são outra coisa senão o pecado, com as suas consequências institucionalizadas - as "estruturas do pecado" - que, ao condicionar a conduta das pessoas, se tornam a fonte de outros pecados: "A verdadeira natureza do mal com que somos confrontados na questão do "desenvolvimento dos povos": é um mal moral, fruto de muitos pecados, que conduz a "estruturas do pecado" (SRS 37). Certamente, "pecado" e "estruturas de pecado" são categorias que não são normalmente aplicadas à situação do mundo contemporâneo. Não é fácil chegar a uma compreensão profunda da realidade tal como ela se apresenta diante dos nossos olhos sem nomear a raiz dos males que nos afligem" (SRS 36). E "estas atitudes e 'estruturas de pecado' só podem ser superadas - supondo a ajuda da graça divina - por uma atitude diametralmente oposta: compromisso para com o bem do próximo com a prontidão, no sentido evangélico, de 'perder-se' para o bem do outro em vez de o explorar, e de o 'servir' em vez de o oprimir em proveito próprio (cf. Mt 10,40-42; 20,25; Mc 10,42-45; Lc 22,25-27)" (SRS 38).

Quem não quiser reconhecer - e remediar - esta fonte moral de males sociais, nem sequer quer seriamente ser curado do mal; é portanto necessário examinar os próprios pecados, especialmente - ao falar de males socioeconómicos - aqueles que afectam mais directamente a vida social: orgulho, ódio, raiva, ganância, inveja, etc., sem se refugiar numa colectividade anónima; e também reconhecer as consequências deletérias destes pecados na vida pessoal, familiar, social e política. "Diagnosticar o mal desta forma é identificar com precisão, ao nível da conduta humana, o caminho a seguir para o ultrapassar" (SRS 37). 

A identificação da raiz do mal incentiva a procura das soluções e meios mais apropriados para o erradicar. Eles, tal como o obstáculo, serão principalmente de natureza moral, a nível pessoal (pecado) e institucional (estruturas do pecado): "Quando os meios científicos e técnicos estiverem disponíveis que, juntamente com as decisões políticas necessárias e concretas, devem finalmente contribuir para colocar os povos no caminho do verdadeiro desenvolvimento, os maiores obstáculos só poderão ser ultrapassados em virtude de determinações essencialmente morais, que, para os crentes, especialmente os cristãos, serão inspiradas pelos princípios da fé com a ajuda da graça divina" (SRS 35).

Não nos podemos iludir: não iremos mais longe na justiça social e caridade do que na justiça pessoal e caridade. A atitude moral de uma comunidade depende da conversão pessoal dos corações, do compromisso com a oração, da graça dos sacramentos e do esforço nas virtudes dos seus membros. No entanto, a prioridade da conversão pessoal não elimina, pelo contrário, a necessidade de mudança estrutural.

Neste sentido, o Papa recorda tanto uma vontade política eficaz como uma decisão essencialmente moral (cf. SRS 35; 38): só a primeira poderia - fortuitamente - provocar alguma mudança, mas a experiência atesta a sua futilidade e que muitas vezes as injustiças causadas são maiores do que as corrigidas; a segunda sem a primeira permaneceria estéril devido à sua inautenticidade: a verdadeira conversão interior não é a que não conduz a melhorias sociais.

A noção de solidariedade ecoa assim o significado etimológico -participar no solidum-, que designa o conjunto de laços que ligam as pessoas e as impulsionam à ajuda mútua.
Do ponto de vista ético, uma forma virtuosa e estável de agir é posta em causa, de acordo com um comportamento de solidariedade, entendido como um compromisso concreto ao serviço dos nossos irmãos e irmãs: "É, antes de mais, uma questão de interdependência, sentida como um sistema de relações que é um factor determinante no mundo contemporâneo, nas suas componentes económicas, culturais, políticas e religiosas, e assumida como uma categoria moral. Quando a interdependência é assim reconhecida, a resposta correlativa, como uma atitude moral e social, como uma "virtude", é a solidariedade" (SRS 38).

A solidariedade deve assim ser vista como o fim e o critério da organização social, e como um dos princípios fundamentais da doutrina social cristã. Mas não como um bom desejo moralista, mas como uma forte exigência da natureza humana: as pessoas são um ser para os outros e só se podem desenvolver numa abertura oblativa aos outros.

Isto também é sublinhado pela mensagem do Evangelho, como ensina o SRS: "A consciência da paternidade comum de Deus, da fraternidade de todos os homens em Cristo, 'filhos no Filho', da presença e acção vivificadora do Espírito Santo, dará à nossa visão do mundo um novo critério para a sua interpretação. Para além dos já fortes e estreitos laços humanos e naturais, está previsto um novo modelo de unidade da raça humana à luz da fé, que deve, em última análise, inspirar solidariedade. Este modelo supremo de unidade, reflectindo a vida íntima de Deus, uma em cada três Pessoas, é o que nós cristãos designamos pela palavra "comunhão"" (SRS 40).

Uma comunhão tão forte que nos torna todos verdadeiramente responsáveis uns pelos outros, pelo que fazemos aos outros fazemos a nós próprios, mais ainda a Jesus Cristo (Mt 25,40.45).

A solidariedade não deve ser confundida com "um sentimento de vago compaixão ou simpatia superficial pelos males de tantas pessoas, próximas ou distantes". Pelo contrário, é a determinação firme e perseverante de se comprometerem com o bem comum: ou seja, com o bem de todos e de cada um" (SRS 38).

Todo este esforço de solidariedade social adquire o seu valor e força numa atitude de solidariedade pessoal; assim a encíclica: "O exercício da solidariedade dentro de qualquer sociedade é válido quando os seus membros se reconhecem uns aos outros como pessoas" (SRS 39). Isto implica ultrapassar as tendências para o anonimato nas relações humanas; transformar "solidão" em "solidariedade", "desconfiança" em "colaboração"; promover a compreensão, a confiança mútua, a ajuda fraterna, a amizade e a vontade de "perder-se" para o bem do outro. De facto, "à luz da fé, a solidariedade tende a superar-se a si mesma, a assumir as dimensões especificamente cristãs de total gratuidade, perdão e reconciliação. 

Se esta atitude parece "ideal" e não muito "realista", não se deve esquecer que este "ideal" é o único que tornará possível construir uma nova sociedade e um mundo melhor, que permitirá o verdadeiro desenvolvimento dos indivíduos e das comunidades, que tornará possível alcançar uma paz verdadeira e duradoura. 

Sollicitudo rei socialis propõe que todas as pessoas, especialmente os cristãos, devem assumir a responsabilidade pelo desenvolvimento integral de todas as outras pessoas. É um ideal árduo, que requer esforço constante, mas é confortado pela graça do Senhor.

A Igreja proclama a realidade deste desenvolvimento, já em acção no mundo, mas ainda não consumado; e afirma também, com base na promessa divina - destinada a assegurar que a história presente não permaneça fechada em si mesma, mas aberta ao Reino de Deus - a possibilidade de ultrapassar os obstáculos que impedem o crescimento integral das pessoas; ela confia, portanto, na realização de uma verdadeira - embora parcial nesta terra - libertação (cf. SRS 26; 47).

Por outro lado, "a Igreja também tem confiança no homem, mesmo conhecendo o mal de que ele é capaz, porque sabe bem que - apesar do pecado herdado e do pecado que cada um pode cometer - existem qualidades e energias suficientes na pessoa humana, existe uma 'bondade' fundamental (cf. Gen 1,31), porque ele é a imagem do Criador, colocado sob a influência redentora de Cristo, "que se uniu de certo modo a todo o ser humano" (cf. Gaudium et spes, 22; Redemptor hominis, 8), e porque a acção eficaz do Espírito Santo "enche a terra" (Sab 1,7)" (SRS 47).

O autorAntonino Piccione