Vaticano

O casamento é "um caminho dinâmico para a realização" e não um "fardo", diz o Papa

O Santo Padre encorajou a apresentação do casamento "como um caminho dinâmico de crescimento e realização", e não "como um fardo a ser suportado toda a vida", numa audiência numa conferência internacional organizada pela Pontifícia Universidade Gregoriana e pelo Instituto Teológico João Paulo II. No final, criticou a "reviravolta" de "figuras eclesiásticas" em matéria moral.

Francisco Otamendi-14 de Maio de 2022-Tempo de leitura: 5 acta
família papa francisco

Reflexão e congressos estão a aumentar estas semanas na recta final do Ano 'Amoris Laetitia' da Família, que está programado para terminar com o Reunião Dia Mundial das Famílias a 26 de Junho em Roma e nas dioceses, promovido pelo Conselho Mundial das Igrejas. Dicastério Vaticano para os Leigos, Família e Vida, cujo prefeito é o Cardeal Kevin Joseph Farrell.

Além da conferência na Universidade Gregoriana, que contou com a participação de um comité científico de peritos de doze universidades internacionais, este fim-de-semana em Barcelona, por exemplo, há a I Workshop Conferência Internacional sobre Acompanhamento Familiar, organizada pela Universitat Internacional de Catalunya (UIC), e nos próximos dias 4 e 5 de Junho o Conversas de AmorO congresso digital da Federação Internacional para o Desenvolvimento da Família (IFFD), em que mais de 40 peritos de diferentes países e especialidades falarão sobre afectividade e sexualidade, relações e pornografia.

"O barco da família

Em Roma, o Papa Francisco sublinhou algumas das ideias enunciadas na Exortação Apostólica Amoris LaetitiaA conferência foi organizada pelo Instituto João Paulo II para as Ciências do Matrimónio e da Família e pela Pontifícia Universidade Gregoriana, e contou com a presença dos organizadores e oradores. O tema do Congresso foi "Práticas pastorais, experiência de vida e teologia moral: 'Amoris Laetitia' entre novas oportunidades e caminhos".

No seu acolhimento, o Santo Padre agradeceu ao Padre Da Silva Gonçalves pelas suas palavras, e saudou o Cardeal Farrell, Monsenhor Paglia e Monsenhor Bordeyne, juntamente com todos os que colaboraram e participaram na Conferência de todo o mundo.

O Papa recordou na sua Discurso que "a iniciativa tem lugar no contexto do Ano da 'Família Amoris Laetitia', convocada para estimular a compreensão da Exortação Apostólica e para ajudar a orientar as práticas pastorais da Igreja, que quer ser mais e melhor sinodal e missionária", e que "recolhe os frutos das duas Assembleias Sinodais sobre a família: a extraordinária em 2014 e a ordinária em 2015. Os frutos amadureceram ao ouvir o Povo de Deus, que é em grande parte constituído por famílias, que são o primeiro lugar onde a fé em Jesus Cristo e o amor mútuo são vividos", observou Francisco.

"É bom que a teologia moral seja alimentada pela rica espiritualidade que germina na família", acrescentou o Santo Padre. "A família é a Igreja doméstica (Lumen gentium, 11; Amoris Laetitia, 67, adiante AL); nela os cônjuges e filhos são chamados a cooperar na vivência do mistério de Cristo, através da oração e do amor implementado na concretude da vida quotidiana e das situações, em cuidados mútuos capazes de acompanhar para que ninguém seja excluído e abandonado. Não esqueçamos que, através do sacramento do Matrimónio, Jesus está presente neste "barco", o barco da família".

A família, "mais testada do que nunca".

"No entanto, a vida familiar é hoje mais testada do que nunca", salientou o Papa. "Antes de mais, há já algum tempo que 'a família está a atravessar uma profunda crise cultural, como todas as comunidades e laços sociais' (Evangelii Gaudium, 66). Além disso, muitas famílias sofrem de falta de trabalho, de habitação decente ou de terra onde viver em paz, numa era de grandes e rápidas mudanças. Estas dificuldades afectam a vida familiar, gerando problemas relacionais. Há muitas "situações difíceis e famílias feridas" (AL 79).

"A própria possibilidade de formar uma família hoje em dia é muitas vezes difícil e os jovens encontram muitas dificuldades em casar e ter filhos", continuou o Santo Padre. "De facto, as mudanças epocais que estamos a viver estão a provocar teologia moral para assumir os desafios do nosso tempo e para falar uma linguagem compreensível para os interlocutores - e não apenas para os 'iniciados' - e assim ajudar a 'superar adversidades e contrastes' e fomentar 'uma nova criatividade para expressar no presente desafio os valores que nos constituem como povo nas nossas sociedades e na Igreja, o Povo de Deus'".

"Descobrir o significado do amor

Francisco salientou no seu discurso que "a diferença de culturas é uma oportunidade preciosa que nos ajuda a compreender ainda mais o quanto o Evangelho pode enriquecer e purificar a experiência moral da humanidade, na sua pluralidade cultural".

"Desta forma ajudaremos as famílias a redescobrir o significado do amor, uma palavra que hoje 'aparece frequentemente desfigurada' (AL 89)", disse ele, "porque o amor 'não é apenas um sentimento', mas uma escolha em que cada pessoa decide 'fazer o bem' [...] de uma forma superabundante, sem medir, sem exigir recompensas, pelo simples facto de dar e servir" (AL 94).

E desta forma elogiou a luta diária nas famílias: "A experiência concreta das famílias é uma escola extraordinária da boa vida. Convido-vos portanto, teólogos morais, a continuar o vosso trabalho, rigoroso e valioso, com fidelidade criativa ao Evangelho e à experiência dos homens e mulheres do nosso tempo, em particular a experiência viva dos crentes".

"O 'sensus fidei fidelium', na pluralidade de culturas, enriquece a Igreja, para que hoje ela possa ser o sinal da misericórdia de Deus, que nunca se cansa de nós", observou o Santo Padre neste momento. "Deste ponto de vista, as vossas reflexões enquadram-se muito bem no actual processo sinodal: esta Conferência Internacional faz parte integrante do mesmo e pode dar o seu próprio contributo original".

O Papa também contrariou opiniões desanimadoras: "Quantas vezes o casamento é apresentado 'como um fardo a suportar para toda a vida' em vez de 'como um caminho dinâmico de crescimento e realização' (AL 37). Isto não quer dizer que a moralidade evangélica renuncie à proclamação do dom de Deus. A teologia tem uma função crítica de compreensão da fé, mas a sua reflexão baseia-se na experiência viva e no 'sensus fidei fidelium'. Só assim é que a inteligência teológica da fé presta o seu necessário serviço à Igreja".

Críticas ao "recuo" na casuística

O Papa Francisco introduziu uma ideia no final do seu discurso que não estava escrita no texto inicial. Foi a crítica a "tantas figuras eclesiásticas", disse ele literalmente, por aquilo a que chamou "recuar". As suas palavras foram as seguintes:

"Gostaria de acrescentar uma coisa, que está a causar tantos danos à Igreja neste momento: é como um 'andar para trás', quer por medo, quer por falta de engenho ou de coragem".

"É verdade que os teólogos, mesmo os cristãos, devem voltar às raízes, é verdade. Sem as raízes, não podemos dar um passo em frente. Nas raízes, inspiramo-nos, mas para avançarmos. Isto é diferente de voltar atrás. Voltar para trás não é cristão. Pelo contrário, penso que é o autor da Carta aos Hebreus que diz: 'Não somos um povo atrasado'. O cristão não pode andar para trás. Para voltar às raízes sim, para ser inspirado, para continuar. Mas regressar é regressar para ter uma defesa, uma segurança para evitar o risco de avançar, o risco cristão de carregar a fé, o risco cristão de fazer a viagem com Jesus Cristo. E isto é um risco.

"Hoje, esta reviravolta pode ser vista em muitas figuras eclesiásticas - não eclesiásticas, eclesiásticas - que brotam como cogumelos, aqui e ali, e se apresentam como propostas de vida cristã. Na teologia moral há também um recuo com propostas casuísticas, e a casuística, que eu pensava estar enterrada a menos de sete metros, está a reemergir como uma proposta.  ̶ algo disfarçado ̶ como "até aqui pode, até aqui não pode, a partir daqui sim, a partir daqui não"".

"O verdadeiro Thomismo".

"E reduzir a teologia moral à casuística é o pecado de andar para trás. A Casuística foi ultrapassada. A casuística tem sido o alimento para mim e para a minha geração no estudo da teologia moral. Mas é característica do Thomismo decadente.

O verdadeiro Thomismo é o de 'Amoris Laetitia', o que aí tem lugar, bem explicado no Sínodo e aceite por todos.

É a doutrina de São Tomás vivo, que nos faz avançar em risco, mas em obediência. E isto não é fácil. Por favor, estejam atentos a esta reviravolta que é hoje uma tentação, mesmo para vós, teólogos da teologia moral".

Assim se expressou o Papa Francisco, que pronunciou então o parágrafo final: "Que a alegria do amor, que encontra um testemunho exemplar na família, se torne o sinal eficaz da alegria de Deus, que é misericórdia, e da alegria daqueles que recebem esta misericórdia como um presente. Alegria. Obrigado e por favor não se esqueça de rezar por mim, porque eu preciso dele. Obrigado.

O autorFrancisco Otamendi

Boletim informativo La Brújula Deixe-nos o seu e-mail e receba todas as semanas as últimas notícias curadas com um ponto de vista católico.
Banner publicitário
Banner publicitário