Notícias

A lógica do perdão

Enquanto a misericórdia de Deus é infinita, o mal tem sempre um limite: e isto é precisamente a misericórdia de Deus. Um artigo sobre a lógica humana do perdão, e sobre a lógica divina do Sacramento da Penitência.

Joan Costa-4 de Abril de 2016-Tempo de leitura: 8 acta

O Papa Francisco, no Touro Misericordiae Vultus n. 9, comentários: "O perdão das ofensas torna-se a expressão mais evidente do amor misericordioso, e para nós, cristãos, é um imperativo que não podemos dispensar. [...] O perdão é uma força que nos revive para uma nova vida e nos dá a coragem de olhar para o futuro com esperança.. O perdão é portanto uma expressão eminente das obras de Misericórdia, algo como o coração da Misericórdia.

Quando pergunto às pessoas o que procuram quando se aproximam do sacramento da confissão, as respostas são geralmente as seguintes: recomeçar, tirar um peso dos meus ombros, recuperar uma consciência limpa, encontrar a paz, procurar força e conforto, receber bons conselhos... Gostaria agora de dar um exemplo relacionado com o mundo universitário, uma época em que os jovens estão muito apaixonados e as relações homem/mulher são muito intensas. Bem, imaginemos que há uma rapariga que toma notas muito boas; ao ver isto, um rapaz faz amizade com a rapariga a fim de obter essas notas. No entanto, há alguém que tenta pedir as notas a fim de atrair a atenção da rapariga e fazer amizade com ela, para que ela repare nele. Estas são duas posições muito diferentes, e parece-me óbvio qual delas agradaria mais à rapariga, pelo menos do ponto de vista da auto-estima feminina.

Quando em confissão procuramos força, tranquilidade, conselho..., então o que procuramos são "notas". Mas Jesus, em confissão, diz-nos: pedes-me notas, mas eu dou-te algo muito mais valioso: eu mesmo, para viver no teu coração e deixar-te viver no meu. É a Deus que devemos dirigir-nos quando nos confessamos.

A confissão também não é uma mera lavandaria. Isto acontece quando vamos à conta, para que as nossas manchas sejam removidas sem uma verdadeira conversão do coração, porque não entendemos o pecado como a falta de amor e a confissão como um acto de amor.

Saber amar. Primerear

A dinâmica do amor tem, entre outras, duas dimensões: a outra e o bem da outra. O verdadeiro amor precisa de ambos. Quem procura e deseja apenas a outra pessoa, mas não procura ao mesmo tempo o bem da outra pessoa, seria puro egoísmo; e inversamente, se estivesse disposto a procurar o bem da outra pessoa mas não desejasse a sua proximidade, tal compromisso tornar-se-ia uma humilhação.

Uma forma gráfica de definir o amor seria a pertença mútua de um no outro. Ou seja: vós sois a minha vida e, portanto, se não vos tenho no meu coração, falta-me algo, não posso ser plenamente eu, e não posso ser feliz. Em Evangelii Gaudium (n. 24) há algumas palavras que formam uma sequência para compreender as diferentes exigências do amor: "envolver-se primeiro, envolver-se, acompanhar, dar frutos e celebrar".. São uma forma muito precisa de descrever o amor.

Quem deve começar a perdoar: a vítima ou o infractor? Na prática do nosso comportamento descobrimos frequentemente que se aquele que nos ofendeu vem pedir perdão, então estaríamos dispostos a perdoar-lhe, mas o amor-próprio impede-nos de iniciar o caminho da reconciliação. O que acontece, porém, é que se não formos capazes de tomar a iniciativa, isso significa que não nos preocupamos com a outra pessoa. Aqui vale a pena trazer à baila essa palavra que o Papa Francisco menciona frequentemente: "primerear".a tomar a iniciativa. Se não estou disposto a tomar a iniciativa, significa que o que me oferecem não me interessa; em suma, não estou interessado em vocês, e deixei de amar. Quem não for capaz de tomar a iniciativa no perdão, não ama. O perdão, por outro lado, segue a lógica de que "ter-te no meu coração é valioso para mim"; e aquele que mais ama, aquele que tem o maior coração, deve começar a pedir perdão.

Reconhecimento

Quando a outra pessoa vem pedir perdão do coração, percebe-se que o que ele ou ela diz é: o que me oferece - a sua amizade, o seu afecto, a sua proximidade - é valioso para mim, um presente e uma fonte de alegria. Neste sentido, pedir perdão é uma forma de valorizar o outro.

Não ser capaz de primerear reconciliar-se com os outros manifesta uma indiferença humilhante. Pedir perdão, pelo contrário, é uma das formas mais belas de mostrar à pessoa que ofendemos que precisamos deles, que queremos tê-los perto de nós, que eles nos são queridos. Pedir perdão é o reconhecimento do outro como valioso.

O perdão também inclui o reconhecimento do ofensor. Quando o ofensor vem pedir perdão, o ofendido, ao acolher esta iniciativa, mostra de facto o seu verdadeiro amor: a sua vinda é também um presente para mim. Quando estavas longe, também eu sofri; desejava ter-te no meu coração, obrigado por teres vindo. Acolher o perdão é, portanto, a forma mais bela de elogiar o outro. O perdão torna-se o acto pelo qual restauramos a dignidade do outro aos nossos olhos. A sua dignidade está a viver no meu coração. Isto é o que o Senhor nos diz sempre que nos perdoa. O perdão (ser perdoado) exalta sempre, nunca humilha nem um nem o outro. No perdão, como no amor, ninguém perde e todos ganham. Recordemos as parábolas do pai misericordioso, da ovelha perdida.

Reconhecendo a culpa

O reconhecimento da culpa é necessário para o perdão. O perdão requer um reconhecimento de culpa e um pedido explícito de perdão a fim de "purificar a memória", caso contrário, a situação não será remediada. Para pedir perdão, não é estritamente necessário manifestar verbalmente a culpa, mas é necessário mostrar claramente o arrependimento. As pessoas que sofrem de amor-próprio excessivo acham muito difícil pedir perdão explicitamente, usam frequentemente linguagem não verbal, o que é suficiente para aqueles que as conhecem.

Perante o perdão oferecido, o reconhecimento da culpa torna possível o seu desaparecimento imediato. É por isso que nunca devemos justificar uma falha, por pequena que seja, pois isso impede que seja superada, e permanecerá latente. Ao reconhecê-lo, o perdão também alcançará a sua plenitude; o mal será destruído, e nada restará dele. O pecado, o mal, afasta os corações, mas depois de nos termos perdoado não há nada que nos afaste uns dos outros: o perdão é a força mais poderosa da história na luta contra o mal.

Lembro-me de um homem que estava a morrer. Pediu a um padre que conhecia para mediar com o seu filho porque não falavam um com o outro há mais de trinta anos. Tomaram as medidas necessárias e o filho concordou em visitar o seu pai doente. Quando entraram no quarto do hospital, o pai levantou-se, abraçou-o, ambos começaram a chorar... e não sobrou nada do mal que os dois tinham causado um ao outro durante tantos anos. Reconhecemo-nos, abraçamo-nos e não nos resta nada.

Quem guarda rancor no seu coração não perdoou verdadeiramente. De facto, aquele que não perdoa nunca será verdadeiramente livre. Deus deu-nos a liberdade de amar, e a incapacidade de perdoar manifesta uma falta de liberdade. Não há pessoa mais livre do que alguém que seja capaz de perdoar. Os seres humanos devem ter uma boa drenagem incorporada nos seus corações para que não haja ressentimentos persistentes, ódio, malícia ou mal-estar para com os outros. A melhor maneira de o conseguir é olhar para Cristo e aprender a amar.

Culpa e maldade como uma oferta

O Senhor, sempre que pedimos perdão, responde-nos: "O teu mal é um presente para mim, porque serve para te mostrar que também te amo com todo o teu mal; que te amo muito mais do que pensavas, e o mal que cometeste é agora, para mim, o meio que tenho para te mostrar que te amo muito mais"..

De facto, alguns definem a misericórdia à luz da etimologia das palavras que compõem o termo: "Você dá-me o seu miséria e ofereço-lhe o meu coração". O mal torna-se então uma oferta, um caminho e uma manifestação real do meu amor pelo outro.

O perdão, o grande destruidor do mal

Os seres humanos são feitos à imagem de Deus, e Ele é Amor. A nossa dignidade e vocação está em jogo no amor. Somos feitos para amar e para ser amados. Sabemos também que através do pecado original o maligno instalou no mundo as duas bombas destrutivas mais poderosas da história: o orgulho e o egoísmo; são a negação do amor, da nossa dignidade e da nossa vocação. Ambas as atitudes significam dizer à outra: não quero saber de ti, não me interessas. Passamos de ser amados a ser abusados ou usados de forma abusiva. Estas duas bombas desfazem tudo, porque têm uma grande capacidade destrutiva: indivíduos, famílias, povos e nações, e a própria Igreja.

Mas nesse preciso momento, Deus instituiu o grande neutralizador, o antivírus, contra toda esta força destrutiva: o perdão. Graças ao perdão, a humanidade tem uma razão bem fundamentada para ter esperança. Todo o mal da história, colocado perante o olhar de Deus que pronuncia o seu perdão, é reduzido a nada, é aniquilado. É por isso que o mundo tem sempre esperança. Agora, perante esta bela verdade de um Deus que perdoa incondicionalmente, ninguém pode desesperar, considerando a sua vida um fracasso, porque cada vida de cada pessoa, através do mistério da Cruz de Cristo, é a receptora daquele "Eu perdoo-vos" pelo qual todo o mal é aniquilado.

O mal, podemos afirmar, tem um limite, e este limite é a misericórdia de Deus, enquanto que a misericórdia de Deus é infinita. Deus, nas palavras de Santa Teresa, "nem se cansa nem se cansa".Ele tem sempre a última palavra na história através do seu perdão.

A alegria da comunhão interpessoal

O ponto final do perdão é a alegria e a felicidade de saber que sou amado por aqueles que amo. A comunhão interpessoal, ter nos nossos corações aqueles que amamos, sentirmo-nos amados por aqueles que amamos, é o que nos faz felizes. Portanto, ter Deus, Amor, no próprio coração é o maior presente que existe na terra e na eternidade. Quem tem Deus, tem tudo. Só Deus é suficiente.

Pelo contrário, aquele que não perdoa nunca será feliz. O orgulho e o egoísmo tornam a felicidade na terra impossível. É urgente transmitir uma grande lição: a importância da família e de olhar e acolher Cristo, a fim de ensinar as pessoas a amar.

Quantas vezes temos de perdoar?

Peter deve ter tido um coração enorme quando pergunta se deve perdoar até sete vezes, um número não só grande, mas também relacionado com a completude. Jesus, contudo, lembra-nos que deve perdoar "sempre", setenta vezes sete.

Há uma dupla razão pela qual temos sempre de perdoar. Em primeiro lugar, porque no dia em que digo "já não perdoo", estou também a dizer que já não me preocupo contigo, que já não te amo, o que significa que já não te reconheço como uma pessoa, cuja dignidade é ser amada por si mesma. Ao mesmo tempo, quando eu não perdoo, não vivemos de acordo com a nossa vocação, que é amar. O não-perdão implica uma dupla injustiça. Outra coisa é a ajuda necessária da graça, sem a qual não somos capazes de perdoar.

E a segunda razão é que, se eu disser "basta, já não te perdoo", de facto nunca te amei realmente, porque só estive disposto a perdoar-te até este limite; não te aceitei, mas o que estava disposto a aceitar de ti. Se nem sempre perdoo, não te amei verdadeiramente nem me preocupo contigo a partir de agora.

O significado de penitência

No final da confissão, recebemos uma penitência, o que significa que Deus é rancoroso? Qual é o significado de penitência ou satisfação no perdão? Voltemos a um exemplo: uma criança faz uma travessia na escola, partindo uma porta de vidro. A mãe, em frente do director, a primeira coisa que ela faria seria pedir perdão, embora não seja ela a culpada; o que acontece é que ela "está" de certa forma na criança e ele nela. Ao sentir-se desculpada pelo director, ela compreende que também perdoou a criança. O mesmo acontece na cruz com o Filho: ele pede pessoalmente perdão, como a mãe, porque assumiu todo o pecado do mundo, e por Deus Pai oferecendo o seu perdão, em Cristo todos nós fomos perdoados.

No entanto, a dívida pelos danos ainda está pendente. Ela assume que deve pagar e esvazia a carteira na presença do seu filho que, movido e percebendo as consequências da sua acção, decide tirar as poucas moedas que tem no bolso. A mãe deve aceitá-las? Sim, por duas razões principais: porque se não o fizesse, estaria a depreciar e a ignorar a oferta da criança, e porque seria uma falta de amor. Ao mesmo tempo, ao aceitar, ela torna-o mais consciente da sua própria responsabilidade, e torna-o mais humano. Essas moedas são penitência. A penitência pode ser entendida de forma semelhante. Depois de receber o perdão, o que posso fazer por Jesus é penitência. Não é o rancor de um Deus que cobra o seu preço, mas um acto de amor delicado da parte de Deus que valoriza o gesto de amor. Desta forma, Deus ama-nos aceitando o nosso amor, e agradece-nos por isso.

O autorJoan Costa

Faculdade de Teologia da Catalunha

Boletim informativo La Brújula Deixe-nos o seu e-mail e receba todas as semanas as últimas notícias curadas com um ponto de vista católico.
Banner publicitário
Banner publicitário