América Latina

Evangelização da América: dar graças, pedir perdão e ajuda para o futuro

A procura das nossas raízes obriga-nos a olhar para o passado e, é verdade, aí encontramos episódios que nem sempre são edificantes. A evangelização, como um acontecimento histórico realizado pelos homens, também tem luzes para agradecer e sombras pelas quais devemos pedir perdão.

David Torrijos-Castrillejo-7 de Outubro de 2021-Tempo de leitura: 4 acta
brasil indígena

Foto: ©CNS foto/Adriano Machado, Reuters

Na semana passada houve um grande alvoroço em Espanha por ocasião da carta do Papa ao presidente da Conferência Episcopal Mexicana, por ocasião do segundo centenário da independência.

O texto foi apresentado por muitos meios de comunicação como um pedido de perdão pelos pecados cometidos durante a conquista.

Na verdade, é muito mais interessante do que isso. O Papa vê esta festa como uma oportunidade para pensar na liberdade e sugere que ela não deve ser entendida como uma energia para nos separar das nossas origens, mas para aprofundar quem somos. Assim, no contexto de uma festa de independência, o Papa está a falar de raízes!

Perdão, não acusação

A procura das nossas raízes obriga-nos a olhar para o passado e, é verdade, aí encontramos episódios que nem sempre são edificantes. No passado do México encontramos abusos cometidos pelos espanhóis que colocaram o rico mundo americano em contacto com a velha Europa. Se nós, espanhóis, protestássemos pelo nome contra os abusos cometidos por alguns conquistadores, transformaríamos o patriotismo em partidarismo mesquinho, pois não é patriotismo defender um crime desde que este tenha sido cometido por "um dos nossos". Esta forma de pensar afastar-nos-ia do espírito com que as autoridades espanholas foram guiadas quando investigaram e processaram cuidadosamente muitos desses conquistadores.

O Papa durante o ofertório na missa de encerramento do Sínodo da Amazónia ©CNS foto/Paul Haring

Mas o Papa não tinha a intenção de processar a Espanha. Ele estava interessado no passado do México e nas suas raízes cristãs. Queria apenas evocar o pedido de perdão dos diferentes Papas pelos pecados cometidos pelos cristãos durante o curso da evangelização americana. Por exemplo, João Paulo II disse em Santo Domingo em 12 de Outubro de 1992: "A Igreja, que com os seus religiosos, padres e bispos esteve sempre ao lado do povo indígena, como poderia esquecer [...] os enormes sofrimentos infligidos aos habitantes deste continente durante a época da conquista e colonização".

Não há dúvida sobre a proximidade dos evangelizadores com os povos indígenas, algumas das quais foram preservadas nas gramáticas e catecismos produzidos pelos missionários. Foi o cristianismo que foi o maior muro de contenção da ganância tristemente espontânea nos corações dos conquistadores.

Da prestigiosa Universidade de Salamanca, algumas décadas após a chegada de Colombo às Índias Ocidentais, o eminente padre dominicano Francisco de Vitoria e outros intelectuais católicos denunciaram os pecados cometidos contra os nativos: as más acções dos conquistadores, vindas de cristãos, constituíram um grave escândalo para os nativos aos quais o tesouro do Evangelho estava a ser entregue.

A principal razão de estar na América para tantos religiosos dedicados, cuidadosamente seleccionados pelos seus superiores de entre a nata das suas ordens, foi a fidelidade ao mandato de Jesus e um amor sincero pelos habitantes daquelas terras. Isto é demonstrado pelos confrontos corajosos com as autoridades políticas exigindo o respeito pela dignidade destas pessoas e pelo facto de a proclamação do Evangelho ter sido alargada para além do controlo destas autoridades. Mesmo assim, a própria autoridade contribuiu em grande medida para os formidáveis resultados da presença espanhola, longe da colonização exploradora: foram introduzidas novas técnicas agrícolas e formas de criação de gado até então desconhecidas no Novo Mundo, foram construídos centenas de hospitais, em menos de cem anos já tinham sido erguidas oito universidades, e no século XVIII eram 26...

Perseguição de católicos

O que poucos notaram na semana passada foi que o Papa não só mencionou "acções ou omissões que não contribuíram para a evangelização" mas também "acções que, em tempos mais recentes, foram cometidas contra o sentimento religioso cristão de uma grande parte do povo mexicano, provocando assim um sofrimento profundo".

A perseguição sofrida pelos cristãos mexicanos durante a chamada Guerra de Cristero, mais de um século após a independência, indica que o cristianismo foi profundamente gravado nas suas raízes e transcendeu a relação com Espanha.

Os nossos antecessores poderiam ter feito muitas coisas melhor, mas isso não nos impede de agradecer a Deus pelas muitas realizações belas e honrosas que nos legaram.

David Torrijos

Mas nem o Papa tencionava meter o dedo neste outro ponto doloroso, muito mais recente. O Papa estava a convidar-nos a olhar para o futuro. É por isso que acredito que a festa dos "temperamentos" que se celebra esta semana no nosso país pode ajudar-nos. É um festim de dobradiças que liga o passado ao futuro: são dias para pedir perdão pelos pecados do ano passado, para agradecer os benefícios recebidos e para pedir ajuda para o ano que está a começar. Os pecados do passado lembram-nos de estarmos vigilantes, pois ninguém está livre da tentação. Seria irresponsável consolarmo-nos, acusando os nossos antepassados de certas falhas, ignorando ao mesmo tempo os pecados que cometemos no presente.

Talvez os nossos antecessores pudessem ter feito muitas coisas melhor, mas isso não nos impede de agradecer a Deus pelas muitas realizações belas e honrosas que nos legaram. Portanto, olhar para o passado leva-nos a olhar para o futuro com uma oração nos lábios, pois o futuro está nas nossas mãos, mas devemos dar as nossas mãos ao Senhor para as guiar. O Papa termina a sua carta encorajando o povo mexicano a entregar-se nas mãos da Virgem de Guadalupe. Maria tocou os corações de todos os povos da América porque, para além do embaraço humano, a experiência mostrou-lhes que o Filho de Maria faz sobressair o melhor de nós e eleva-o acima das nossas próprias expectativas.

O autorDavid Torrijos-Castrillejo

Professor Assistente, Faculdade de Filosofia, Universidade Eclesiástica de San Daámaso

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