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D. Jorge Carlos Patrón Wong: "A formação sacerdotal, acima de tudo, é a formação do coração de um discípulo de Jesus".

A Congregação para o Clero publicou o novo Ratio Fundamentalis Institutionis Sacerdotalisque serve de base para a formação dos sacerdotes do mundo. Patrón Wong, responsável pelos seminários nesta congregação e arcebispo emérito de Papantla, explica. "O mais importante é que o padre está sempre em formação e que esta formação é integral", diz ele.

Alfonso Riobó-10 de Março de 2017-Tempo de leitura: 8 acta
Monsenhor Jorge Carlos Patrón Wong. Secretário dos Seminários da Congregação para o Clero.

Entrevista com o Secretário dos Seminários, Congregação para o Clero

A Santa Sé acaba de actualizar as directrizes para a formação de sacerdotes. Mons. Patrón Wong explica o novo documento. 

Como avalia a evolução numérica das vocações sacerdotais?

-O sacerdócio nunca foi uma questão de números. O que realmente importa é a santidade dos padres. Um padre que se entrega fielmente ao ministério sacerdotal ajuda tantas pessoas, o seu coração está cheio de nomes; ele ajuda mesmo sem se aperceber, porque só a sua vida sacerdotal é um grande bem para muitos. 

Por outro lado, as necessidades pastorais não são resolvidas apenas pelos padres. É para isso que serve o apostolado dos leigos e dos religiosos e religiosas. Contudo, o número é necessário, porque as vocações amadurecem em comunidade e para isso é necessário um número suficiente de seminaristas, que formam uma atmosfera e criam um clima formativo. 

Qual é o perfil actual dos candidatos ao sacerdócio?

- A sociedade de hoje precisa de evangelistas que percebam as coisas boas em tantas pessoas e se sintonizem com elas, porque proclamamos o Reino de Deus, que é o Reino de Deus. "ele já está entre vós". (Lc 17,21). São necessários sacerdotes que falem uma linguagem compreensível, que "toquem" com misericórdia a realidade de todas as pessoas, que se coloquem ao serviço onde são necessários e sem ambiguidade, que sejam livres perante qualquer outro interesse, que vivam um profundo desapego das coisas materiais, que ofereçam um exemplo de maturidade humana e cristã, que saibam amar a todos, especialmente aqueles que não são amados. Estes traços, que são os da vida e ministério sacerdotal como sempre foram, ainda hoje são relevantes, porque o mundo de hoje precisa de sacerdotes.

Ao dirigir-se aos sacerdotes, o Papa também é exigente. O que é que ele lhes pede? 

-É lógico que o Santo Padre se preocupe com os padres e faça gestos de proximidade e ao mesmo tempo exija deles. Mas tenho notado que ele partilha a sua própria experiência de ministério sacerdotal. 

E como prova é a prova do pudim, gostaria de o deixar falar por si próprio sobre um ponto que tem muito a ver com a aprendizagem ao longo da vida: "Mas acima de tudo gostaria de falar sobre uma coisa: o encontro entre sacerdotes, entre vós. Amizade sacerdotal: este é um tesouro, um tesouro a ser cultivado entre vós. Amizade sacerdotal. Nem toda a gente pode ser um amigo chegado. Mas o que é uma bela amizade sacerdotal. Quando sacerdotes, como dois irmãos, três irmãos, quatro irmãos se conhecem, falam dos seus problemas, das suas alegrias, das suas expectativas, de tantas coisas... Amizade sacerdotal. Procure isto, é importante. Sejam amigos. Creio que isto ajuda muito a viver a vida sacerdotal, a viver a vida espiritual, a vida apostólica, a vida comunitária e também a vida intelectual: a amizade sacerdotal. Se conhecesse um padre que me dissesse: 'Nunca tive um amigo', pensaria que este padre não teve uma das mais belas alegrias da vida sacerdotal, a amizade sacerdotal. É isso que desejo para si. Desejo que sejais amigos daqueles que o Senhor coloca perante vós para amizade. Desejo isto na vida. A amizade sacerdotal é uma força de perseverança, de alegria apostólica, de coragem, e também de sentido de humor. É belo, muito belo". (Reunião com sacerdotes e seminaristas, 12 de Maio de 2014).

O que é exactamente o Ratio Fundamentalis Institutionis Sacerdotalis?

-O Rácio Fundamentalis é um documento que estabelece as directrizes gerais para a formação de sacerdotes. Inclui todo um processo, que começa com o acompanhamento vocacional, intensifica-se durante os anos de seminário e continua ao longo da vida sacerdotal. O mais importante é que o padre está sempre em formação e que esta formação é integral. 

Estas são apenas directrizes gerais, que cada nação e cada seminário deve então adaptar à sua própria realidade, sempre em diálogo com a cultura e tendo em conta as características da Igreja em cada lugar. Regulamento de base. A publicação do Rácio Fundamentalis é apenas o ponto de partida de um processo de renovação da formação sacerdotal que continuará em cada Conferência Episcopal e em cada Seminário, sempre com a ajuda da Congregação para o Clero.

O que está no novo Relação, e o que a distingue da anterior?

-O novo Rácio estabelece o "roteiro" para a formação de sacerdotes a partir de uma perspectiva interdisciplinar. O texto é mais abrangente que o anterior porque incorporou o conteúdo de muitos documentos que a Igreja tem vindo a publicar sobre a formação sacerdotal ao longo dos últimos quarenta anos, e está em plena continuidade com ele. 

Ao mesmo tempo, a proposta formativa é renovada ao incorporar as experiências positivas e encorajadoras que têm sido feitas em muitos Seminários nas últimas décadas, oferecendo uma mediação pedagógica adequada para facilitar a sua aplicação prática. Se quisermos apontar algumas insistências, elas seriam quatro: a formação é do homem interior, é sempre integral, é feita gradualmente e requer um acompanhamento e discernimento cuidadosos.

Portanto, a formação de sacerdotes não se destina apenas a treiná-los intelectualmente ou em competências práticas...

-Deus consagra a pessoa inteira através da ordenação sacerdotal, para que se torne um sinal no meio do povo de Deus. Este facto exige que a pessoa inteira seja formada nas suas muitas facetas. 

Antes de mais, é a formação do coração de um discípulo de Jesus que se configura a Cristo Servo, Pastor, Cônjuge e Cabeça sob a forma concreta de caridade pastoral. Movidos por este amor pelo povo de Deus, o candidato ao seminário e depois o seminarista e o padre permanecem atentos a vários aspectos da sua vida que os ajudam a prestar um melhor serviço evangelizador: o aspecto humano, o aspecto espiritual, o aspecto intelectual e o aspecto pastoral. Cada uma destas dimensões tem o seu lugar em formação. A integração de todos eles é o que queremos dizer quando utilizamos a expressão "formação integral".

O acompanhamento pessoal é importante, antes e depois da ordenação?

-O caminho da fé é pessoal, mas não é um caminho solitário. Todos precisamos da ajuda de irmãos que nos escutam, que por vezes nos corrigem e nos ajudam a discernir a vontade de Deus. O acompanhamento pessoal tem características diferentes na pastoral vocacional, na formação inicial e na formação permanente, mas é sempre necessário. 

A regularidade e profundidade do acompanhamento determinam, em grande medida, a qualidade da formação. É um serviço prestado por formadores, directores espirituais e confessores. Profissionais como médicos e psicólogos também ajudam, mas o que é realmente importante é que o candidato ao sacerdócio aprenda a contar com a ajuda de outros no seu processo de maturação em completa liberdade e guiado pelo amor à verdade. O acompanhamento é também um acompanhamento de grupo, ajuda as relações entre seminaristas ou sacerdotes a constituir um clima formativo.

Todos os que se sentem chamados por Deus para serem sacerdotes podem ser sacerdotes? Como se distingue uma verdadeira vocação?

-Em vários parágrafos do Rácio Fundamentalis é salientada a importância do discernimento vocacional, que deve ser feito durante cada uma das etapas do Seminário e depois sempre na vida sacerdotal. Há um tempo em que o objecto de discernimento é a vocação, ou seja, aquilo a que Deus me chama. Há outro momento em que a ênfase está em como, isto é, como o Senhor quer que eu exerça o ministério sacerdotal. 

É sempre importante discernir as atitudes formativas, para que a pessoa esteja realmente envolvida no seu processo de crescimento. É normal que, mais cedo ou mais tarde, alguns seminaristas abandonem o Seminário. O que realmente importa é que eles tenham crescido como homens e como cristãos e encontrem um modo de vida no qual possam cumprir a vontade de Deus. Acompanhar aqueles que partiram é uma das tarefas mais delicadas que os formadores normalmente fazem. É normal que um jovem que deixou o Seminário esteja grato por todo o bem que recebeu e tenha feito determinações no sentido de uma maior maturidade na sua vida de fé. Assim, a sua estadia no Seminário não foi um tempo perdido, mas um verdadeiro presente de Deus.

Que ajuda precisa o padre na sua formação, na sua vida espiritual, na sua actividade apostólica?

-Os padres têm muitos meios à sua disposição para a sua formação permanente. O primeiro meio é cada um deles, que é chamado a viver fielmente a sua vocação e a ser o principal responsável pela sua própria formação. Depois há a fraternidade sacerdotal, porque os padres são co-responsáveis pela formação dos seus irmãos. Quanto ajuda um clima saudável de relações positivas marcadas por valores cristãos e sacerdotais! O exame de consciência e a confissão sacramental são meios maravilhosos à disposição de todos. Em cada diocese há padres com uma certa experiência que ajudam os seus próprios confrades através da direcção espiritual. 

Uma grande ajuda é oferecida pela comunidade. Poderíamos dizer que a comunidade é confiada aos cuidados do padre e o padre, por sua vez, é confiado aos cuidados da comunidade. É óptimo ter leigos, religiosos e religiosas que rezam pelos sacerdotes, os ajudam em diferentes aspectos da sua vida e ministério e até os corrigem fraternalmente quando necessário. Em cada diocese existe uma comissão para o cuidado dos padres que realiza muitas acções em seu nome. O bispo tem uma missão delicada a este respeito, que exige que ele esteja próximo de todos os sacerdotes e que tenha uma grande capacidade de discernimento.

O documento afirma que a castidade "não é um tributo a ser pago ao Senhor", mas um presente de Deus. Poderia explicar isto?

-Isto é uma citação de um documento sobre o celibato sacerdotal. Um pouco antes disso vem a ideia central: é uma questão de "um caminho para a plenitude do amor". (RFIS, 110). Na vida conjugal a capacidade de amar concentra-se numa pessoa escolhida para sempre, mas na escolha do celibato a capacidade de amar expande-se e abre-se a muitos destinatários, especialmente àqueles que não são amados. Assim, ser celibatário não significa amar menos, mas amar mais. Renuncia-se a um amor exclusivo para se viver um amor inclusivo capaz de abraçar todos. Esta profunda experiência afectiva é expressa nas palavras de consagração que o sacerdote repete todos os dias: este é o meu corpo que se dá por todos

Viver esta plenitude de amor só pode ser um dom de Deus, porque é Ele que olha misericordiosamente para todos. Chamamos a esta prontidão para amar a todos com um amor que vem de Deus "caridade pastoral" e é a alma e a força motriz da vida e actividade dos sacerdotes.

O padre serve um grupo específico de pessoas, mas deve ter um espírito missionário. Como é que os dois se combinam?

-O padre não é apenas o capelão de um pequeno grupo de pessoas. É verdade que lhe é confiada uma parte do povo de Deus, mas a sua missão vai para além das paredes da igreja e do grupo de católicos fiéis, porque é uma missão universal. 

Jacques Hamel, assassinado em França a 26 de Julho de 2016. Foi-lhe certamente confiada uma paróquia, mas tinha estabelecido uma corrente de simpatia com toda a sociedade, onde a maioria das pessoas eram não católicas ou não cristãs. A sua morte foi lamentada por todos eles, ao ponto de terem erguido recentemente um monumento em sua honra. Tal como o Padre Hamel, há muitos, muitos padres que fazem bem a todos, participam criativamente em redes sociais e são cidadãos de pleno direito na aldeia global. A razão profunda é que na Igreja e em cada crente e especialmente nos padres existem duas forças equilibradoras: a comunhão e a missão.

Estas orientações serão adaptadas às condições locais muito variáveis?

- Esta é a tarefa das Conferências Episcopais que, com a ajuda dos formadores dos seminários em cada país em particular, irão elaborar os seus próprios programas nacionais de formação ao longo dos próximos anos. Rácio nacional. Ou seja, as normas de formação sacerdotal para esse território. Muitos aspectos serão aí concretizados e matizados. Por outro lado, o Rácio Fundamentalis visa oferecer segurança a todos naquilo que na experiência da Igreja e a partir de uma visão geral é considerado oportuno para a formação. 

Na elaboração das normas nacionais, a Congregação para o Clero colaborará com cada Conferência Episcopal, para que cada Seminário e cada seminarista possa ser assistido na resposta vocacional pessoal e comunitária. Para o efeito, a Congregação para o Clero está a organizar um Congresso a realizar em Outubro de 2017, que contará com a participação dos Bispos e formadores que elaborarão então o Rácio nacional.

Mais alguma coisa que gostaria de acrescentar?

-A audiência de Palabra é de crentes e não apenas de padres. Gostaria de salientar que todos os cristãos estão num caminho de formação permanente, que todos devem discernir a sua vocação e pô-la em prática de acordo com a vontade de Deus, e para isso necessitam de um acompanhamento adequado. Com isto gostaria de sublinhar que o que é dito sobre a formação de sacerdotes se aplica de certa forma a todos e convida toda a comunidade cristã a enveredar por um caminho de formação permanente.

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