Cultura

A missão do Cardeal Zuppi sobre a guerra na Ucrânia

Não se deslocará apenas a Kiev, enviado pelo Papa, mas também a Moscovo. Os contornos da missão de paz do Cardeal Matteo Zuppi, Arcebispo de Bolonha, encarregado pelo Papa de actuar como seu enviado especial para tentar aliviar a situação de guerra na Ucrânia, estão apenas a começar a ser definidos.

Andrea Gagliarducci-29 de Maio de 2023-Tempo de leitura: 7 acta
Matteo Zuppi

O Cardeal Matteo Zuppi não será apenas o enviado do Papa a Kiev, mas também a Moscovo, para uma missão que "não tem como objectivo imediato a mediação", mas sim o de "aliviar as tensões", nas palavras do Cardeal Pietro Parolin, Secretário de Estado do Vaticano.

Mas porque é que o Papa Francisco escolheu o Cardeal Zuppi para uma missão tão delicada? O que é que o Papa espera conseguir?

Procurar um diálogo com o agressor

Desde o início da agressão em grande escala da Rússia em UcrâniaO Papa Francisco tem procurado um contacto directo com a Rússia. Em 25 de Fevereiro de 2022, de forma totalmente não convencional, deslocou-se mesmo à embaixada da Federação Russa junto da Santa Sé, procurando em várias entrevistas aquilo a que mais tarde chamaria uma "janela" de diálogo com o Presidente russo Vladimir Putin. Em vão.

Depois veio a videoconferência com o Patriarca de Moscovo, Kirillem 16 de Março de 2022. Deveria ter conduzido a um segundo encontro histórico entre o Papa e o Patriarca e, para ser justo, já estava em curso. Na realidade, essa videoconferência veio estreitar ainda mais as relações, não tanto pelo que aconteceu durante a conversa, mas pela forma como o Papa Francisco a descreveu depois, sublinhando que tinha dito a Kirill que "não somos clérigos do Estado".

O Papa Francisco tem diferentes ligações à Ucrânia. O arcebispo maior da Igreja Greco-Católica Ucraniana, Sviatoslav ShevchukConhece o Papa desde que era eparca de Buenos Aires, e o Papa tem sido repetidamente benevolente para com ele. E os gestos de proximidade do Papa para com a Ucrânia não têm sido poucos.

Como, por exemplo, quando em 2016 lançou a Colecta Extraordinária para a Ucrânia. Ou quando, em 2019, convocou uma reunião interdicasterial com sínodos e bispos da Igreja Greco-Católica Ucraniana precisamente para discutir a crise ucraniana.

Mas o Papa Francisco nunca descurou os seus laços com a Rússia, à qual sempre prestou especial atenção. Putin é o actual chefe de Estado que mais vezes foi recebido pelo Papa (três) e, em termos absolutos, só fica atrás da ex-chanceler alemã Angela Merkel, que se encontrou com Francisco cinco vezes.

Os contactos com Moscovo sempre foram considerados importantes. A reunião com o Patriarca Kirill em Havana, em 2016, resultou num documento final que parecia tendencioso em relação às posições russas, embora tenha sido apreciado como um esforço.

Moscovo era certamente vista como um interlocutor, se não privilegiado, pelo menos como um interlocutor a que se devia prestar muita atenção. E houve resultados. Em 2017, o cardeal Pietro Parolin foi o segundo secretário de Estado do Vaticano a visitar Moscovo. Em 2021, foi o arcebispo Paul Richard GallagherO "ministro dos Negócios Estrangeiros" do Vaticano visita o país.

Estes números servem para afirmar que o Papa sempre esteve atento à situação ucraniana, embora de uma forma diferente das chancelarias e diplomacias normais. Mas o Papa sempre teve uma predilecção pela Rússia, ao ponto de sempre ter feito saber que está pronto a ir a Moscovo sempre que é convidado. De facto, apesar de ter sido convidado várias vezes a ir à Ucrânia para ver a situação com os seus próprios olhos, o Papa sempre associou uma possível viagem a Kiev a uma viagem a Moscovo.

A diplomacia pessoal do Papa

Assim, o Papa Francisco parece pensar que o futuro da região passa mais pelo diálogo com Moscovo do que com a Ucrânia. No entanto, a diplomacia papal não deixou de manifestar o seu apoio, tendo mesmo o Arcebispo Gallagher visitado Ucrânia em Maio de 2022. Desde o início, a diplomacia do Papa chamou a atenção para o perigo de uma escalada militar, mas nunca negou o direito da Ucrânia à defesa.

Por seu lado, o Papa enviou repetidamente o Cardeal Konrad Krajewski, prefeito do Dicastério para a Caridade, para levar ajuda à Ucrânia, e enviou também o Cardeal Michael CzernyO encontro contou com a presença do Prefeito do Dicastério para o Serviço do Desenvolvimento Humano Integral, Prefeito do Dicastério para o Serviço do Desenvolvimento Humano Integral, para avaliar a situação dos refugiados.

Agora, o Papa parece ter decidido que é necessário outro enviado pessoal, e a escolha recaiu sobre o Cardeal Matteo Zuppi.

Porquê? Porque o Cardeal Zuppi, como membro da comunidade de Sant'Egidio, esteve entre os negociadores do bem sucedido acordo de paz em Moçambique. E depois porque Sant'Egidio teve uma posição muito próxima da do Papa sobre a guerra, ao ponto de liderar uma manifestação pacifista em Novembro de 2022, e de apelar incessantemente a um "cessar-fogo", considerando mesmo a possibilidade de declarar Kiev uma "cidade aberta", aceitando assim a eventual ocupação.

Zuppi representa a diplomacia da paz, mas é também um expoente de posições que o Papa parece partilhar. Mais uma vez, portanto, o Papa Francisco decide agir pessoalmente, na esperança de que o Cardeal Zuppi, também graças aos contactos no terreno das organizações caritativas de Sant'Egidio, possa pelo menos trazer alguns resultados concretos.

No fim de contas, trata-se de aliviar o sofrimento, e este é o trabalho que as organizações cristãs têm vindo a fazer desde o início na Ucrânia. De facto, sempre foi assim, se considerarmos que o Conselho das Igrejas Ucranianas tem mais de 25 anos e tem sido uma das organizações mais próximas das vítimas do conflito que se arrasta há anos nas zonas fronteiriças, nas repúblicas autoproclamadas de Dombas e Luhansk.

De facto, nem a Rússia nem a Ucrânia querem missões de mediação de paz, e já o deixaram claro de várias formas. Mas uma missão que poderia, pelo menos, conduzir a um cessar-fogo foi elogiada na semana passada por um porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros russo, sinalizando uma abertura russa a este respeito. Será isto uma declaração de forma, um sinal da necessidade da Rússia de parar para se rearmar e reagrupar, ou um desejo sincero de paz?

Uma paz possível

É difícil de definir, porque o que se nota nesta guerra é que se trata de uma guerra híbrida, travada não só no terreno, mas também com a difusão de informação, num grande jogo entre as partes.

A Santa Sé sabe disso, e Parolin também falou de guerra híbrida no interdicasterial com a Igreja Greco-Católica Ucraniana em 2019. De momento, porém, é necessário, antes de mais, aquilo a que o Cardeal Parolin chamou "soluções criativas". E uma dessas soluções seria uma grande Conferência de Paz na Europa, para redescobrir aquilo a que se chama o "espírito de Helsínquia".

Em que é que consiste? O espírito que conduziu, em 1975, à Declaração de Helsínquia, que deu origem à Organização para a Segurança e a Cooperação na Europa. A declaração estabeleceu também, por proposta da Santa Sé, o princípio da defesa da liberdade religiosa em todos os Estados que aderiram à iniciativa, incluindo a União Soviética, que tinha promovido a conferência e queria que a Santa Sé estivesse presente.

Foi esta passagem que marcou o primeiro golpe para os regimes ateus, agora obrigados a não perseguir a religião, sob pena de comprometerem um diálogo que tinha sido conduzido com dificuldade. Não é por acaso que, nos dez anos que se seguiram a Helsínquia, o mundo soviético começou a ranger, enquanto a política de perestroika de Mikhail Gorbachev criava as condições para a queda do Muro de Berlim.

No entanto, os tempos são muito diferentes, e o "espírito de Helsínquia" dificilmente poderia voltar na forma de há cinquenta anos, porque a história e a situação são diferentes. Mas a Santa Sé quer propor um novo mundo multilateral, em oposição ao mundo polarizado que, de facto, está a dividir em blocos até as reacções à guerra na Ucrânia.

Mediação para a paz

O ideal seria, portanto, que a Santa Sé fosse chamada a mediar. Mas mesmo isso parece difícil. Quando o Papa revelou a missão do Cardeal Zuppi, sem entrar em pormenores, era o dia 30 de Abril e o Papa estava no voo de regresso da sua viagem à Hungria. Mas as palavras do Papa foram interpretadas como as de uma possível mediação, e ele apressou-se imediatamente a desmentir. Um sinal, afinal, de que a paz é particularmente difícil de alcançar e que, na Ucrânia, dificilmente será alcançada, a menos que as duas partes cheguem a um compromisso.

O Papa está a tentar chegar a um compromisso com um enviado especial. Não é certo que isso seja suficiente.

Na semana passada, o Papa Francisco nomeou o Cardeal Matteo Zuppi, presidente da Conferência Episcopal Italiana, como enviado especial para a Ucrânia e a Rússia.

A notícia surge um dia depois das declarações do Arcebispo Claudio Gugerotti, prefeito do Dicastério para as Igrejas Orientais e antigo núncio na Ucrânia, que sublinhou não saber nada sobre o seu possível papel como enviado a Moscovo. Mas esse papel será de Zuppi, disse o Cardeal Parolin numa mesa redonda para a paz em Bolonha. Zuppi", disse o Secretário de Estado do Vaticano, "será um delegado do Papa não só em Kiev, mas também em Moscovo. Por isso, temos de dar o nosso apoio à pessoa a quem foi confiada uma missão tão delicada".

O Cardeal Parolin, ao apresentar o livro editado por Monsenhor Dario Edoardo Viganò "Os Papas e os Media. Edição e recepção dos documentos de Pio XI e Pio XII no cinema, na rádio e na televisão". - A missão não tem "a mediação como objectivo imediato", mas sim o de "aliviar as tensões no conflito ucraniano", tentando "fomentar uma atmosfera que possa conduzir a caminhos de paz".

As notícias sobre o envio de um representante do Papa têm-se sucedido desde que o Papa Francisco anunciou uma missão confidencial para a paz na Ucrânia, uma missão negada tanto pelo lado russo como pelo lado ucraniano, mas reiterada várias vezes pelo próprio Cardeal Parolin, Secretário de Estado do Vaticano. 

Missão a definir

As modalidades da missão ainda não foram definidas. O vaticanista Sandro Magister recorda que o Cardeal Zuppi é membro da Comunidade de Sant'Egidio e que Andrea Riccardi, fundador de Sant'Egidio, tem tido posições pouco favoráveis à Ucrânia em relação à guerra, primeiro defendendo que Kiev seja declarada "cidade aberta" (fez o mesmo apelo para Alepo) e depois organizando uma procissão pacifista a 5 de Novembro, na qual apelou a um cessar-fogo.

Magister salienta ainda que a posição de um cessar-fogo imediato está muito longe da posição do Arcebispo Paul Richard Gallagher, Secretário do Vaticano para as Relações com os Estados, que esteve na Ucrânia e que defendeu repetidamente a necessidade de uma defesa armada (mas proporcional), mesmo com toda a prudência diplomática da Santa Sé, que apelou repetidamente a soluções criativas e advertiu imediatamente contra a escalada.

Por esta razão, o Papa teria preferido a diplomacia paralela de Sant'Egidio, que conduziu, entre outras coisas, ao acordo de paz em Moçambique, mediado por Zuppi, mas que se revelou problemático noutras regiões do mundo.

A missão do Cardeal Zuppi recebeu, no entanto, uma espécie de aval do Kremlin. De facto, um porta-voz do Ministro dos Negócios Estrangeiros russo, Sergei Lavrov, em declarações à agência noticiosa estatal Ria Novosti, disse que Moscovo "aprecia a iniciativa de paz do Vaticano", embora até agora a Santa Sé "não tenha tomado qualquer iniciativa para enviar um emissário à Rússia".

O Ministério dos Negócios Estrangeiros sublinhou que tomava nota do "desejo sincero da Santa Sé de promover o processo de paz", acrescentando que "qualquer esforço nesse sentido só fará sentido se tiver em conta a conhecida posição de princípio da Rússia sobre possíveis negociações de paz".

O Ministério dos Negócios Estrangeiros também fez questão de salientar que, até agora, Kiev "continua a rejeitar categoricamente a possibilidade de negociações com Moscovo e opta pela guerra".

O autorAndrea Gagliarducci

Boletim informativo La Brújula Deixe-nos o seu e-mail e receba todas as semanas as últimas notícias curadas com um ponto de vista católico.
Banner publicitário
Banner publicitário