Espanha

Bispo García Beltrán: "Na linha da frente do diálogo com a sociedade, muitos riscos são assumidos".

Mons. Ginés García Beltrán tem presidido à Fundación Pablo VI desde 2015. Sob a sua presidência, iniciou-se uma nova fase na qual a formação e o diálogo social se manifestam em diferentes iniciativas. Um deles, o congresso Igreja e Sociedade Democrática realizada em Madrid, nos dias 9 e 10 de Março de 2022, a sua segunda edição centrada em O mundo que está por vir. 

Maria José Atienza-31 de Outubro de 2022-Tempo de leitura: 6 acta
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Ministros, escritores, filósofos, cientistas e freiras... A segunda edição do congresso Igreja e Sociedade Democrática, patrocinada pela Fundação Paulo VI, reuniu em Madrid, em 9 e 10 de Março de 2022, pessoas de origens profissionais e culturais muito diferentes. Uma representação tão ampla como o tema que foi discutido durante os dois dias: o futuro da nossa sociedade. 

O mundo que está por vircomo o congresso foi intitulado, marcou um ponto-chave na nova etapa desta fundação, herdeiro do Instituto Social Leão XIII fundado pelo Cardeal Ángel Herrera Oria, que há quatro anos iniciou um novo ciclo na sua história com uma profunda renovação dos seus programas de formação através da promoção de um grupo de reflexão e a organização de congressos, fóruns e seminários em áreas tais como: bioética, ciência e saúde; tecnologia, ecologia, desenvolvimento e promoção humana; diálogo cultural, social e político; liderança humanista e economia social e digital. 

Desta transformação nasceram o Observatório de Bioética e Ciência, os Fóruns de Encontros Interdisciplinares e o Centro de Pensamento Paulo VI, para reflectir e recuperar o legado do Papa Montini e, um ano mais tarde, a Escola de Economia e Sociedade. 

Nesta ocasião, deu uma entrevista à Omnes, na qual recorda que "estar na vanguarda do diálogo com a sociedade está inscrito na própria natureza da Igreja".

O 2º Congresso da Igreja e da Sociedade Democrática contou com a participação de pessoas de diferentes quadrantes políticos, culturais e sociais. Será este um exemplo do objectivo de diálogo aberto prosseguido por esta fundação? 

-Não podemos esquecer que a Fundação Paulo VI nasceu em 1968 quando o Cardeal Ángel Herrera Oria tomou as rédeas da escola social Leo XIII e lançou este projecto de divulgação da Doutrina Social da Igreja; e o diálogo é a base da Doutrina Social da Igreja e, mais ainda, na mente do Papa Paulo VI, sob os auspícios do qual esta iniciativa foi fundada. 

O diálogo é um presente. O próprio Paulo VI diz que o diálogo é parte da revelação de Deus. O Apocalipse é um diálogo: Deus que fala e o homem que responde. 

O diálogo inscreve-se, portanto, na própria natureza da Igreja. Temos de estar presentes, e estar na linha da frente é um risco porque a pretensão é dialogar com todos, para tornar presente a mensagem de salvação no meio do mundo. 

Em nome da Igreja, a Fundação Paulo VI quer estar na fronteira deste diálogo. Estamos cientes de que aqueles que estão na linha da frente também correm muitos riscos, tudo lhe vem "de frente".

É por isso que o diálogo com todos tem sido tão importante neste congresso. O congresso nasceu em 2018 e nasceu com a vocação de permanência. O primeiro congresso foi realizado nesse ano, teria sido realizado em 2020, mas não pôde ser realizado devido à pandemia. O congresso deste ano foi, portanto, o segundo, mas a nossa intenção é organizar outro congresso como este daqui a dois anos. 

Durante estes dias, quisemos olhar para o futuro: para o mundo vindouro. Fala-se constantemente que estamos num ponto de viragem, e é verdade. Vimo-lo, por exemplo, muito claramente manifestado à mesa Os jovens e o futuro: três pontos de vista de uma sociedade pós-moderna. Estamos num verdadeiro momento de mudança e precisamos de saber como olhamos para o futuro. 

Lembro-me frequentemente de uma das experiências mais dolorosas que tive no meu ministério: quando uma rapariga me perguntou o que esperar, se era possível esperar alguma coisa hoje. Fiquei entristecido. Quando um jovem olha para o futuro com medo e não com esperança, algo está errado. 

Por conseguinte, temos de ajudar a olhar para o mundo com esperança. A nossa obrigação, também por parte da Igreja, é ver como é o mundo que virá. 

Um dos perigos que continuamos a enfrentar é o de criar grupos fechados ou ambientes em que o diálogo é visto como um perigo para a firmeza dos princípios.... 

-Eu penso que o diálogo não é um perigo, é uma possibilidade. O diálogo não nos afasta da nossa identidade. 

Entrar em diálogo implica a certeza de que a outra pessoa, a posição deferencial, pode enriquecer-me, mas não tem de me convencer. 

Acredito que um diálogo bem planeado enriquece e até reforça os princípios que queremos defender, porque podemos encontrar alguém que pensa completamente diferente, ou mesmo o contrário, e que esta mesma diferença ajuda a reforçar a minha posição. 

No encerramento do Congresso, referiu-se à ideia errada de que tudo no passado era melhor. Agora há aqueles que dizem que "tudo é contra os católicos". Será que polarizámos posições na Igreja "ou comigo ou contra mim"? 

-Podemos cair na polarização se não aceitarmos que a Igreja, ao longo da história, tenha navegado contra a maré. A mensagem de Cristo é uma proposta que é sempre original, sempre jovem e em contraste com o mundo. 

O homem é a imagem de Deus e tem a dignidade dos filhos de Deus, mas ao mesmo tempo é ferido pelo pecado. Tudo isto é combinado com a liberdade. 

Portanto, ao longo da história, a sociedade e a cultura não têm sido a favor do Evangelho. Por vezes muito explicitamente, como na época actual ou no final do século XVIII; outras vezes, como diria Santo Inácio, "vestido como um anjo de luz". 

Tem havido períodos em que a sociedade tem apoiado a Igreja, mas muitas vezes para a utilizar. Mesmo nesses períodos, não era tão fácil para a Igreja. 

Temos de assumir que a nossa visão e a nossa missão no mundo é paradoxal, porque o Evangelho é paradoxal. Temos de esperar que vamos sofrer rejeição, mal-entendidos, mesmo perseguição, mas isto não nos deve atrasar ou assustar; pelo contrário. 

Se esta realidade nos deve levar a uma reacção de extremos, de negação, de contrariedade... então não compreendemos a revelação cristã. 

Pode objectar-se que não tem dificuldade em dizer isto, porque "é o seu salário". Mas e quando a posição cristã conduz a problemas na sociedade ou no trabalho? 

-Isto é de facto uma realidade. Muitas pessoas vêm até nós com este tipo de situação. Talvez não tanto que possam perder os seus empregos, mas muitos deles sentem na sua consciência que não podem fazer isto ou aquilo. Sempre que me falam sobre estes problemas, aconselho-os sempre a ficar, a permanecer lá, a estar presente. Às vezes podemos fazer tudo, às vezes podemos fazer um pouco, às vezes nada, apenas estar lá. 

Aqui também entramos numa questão muito importante: a objecção de consciência. A objecção conscienciosa envolve a consciência pessoal, formada por uma realidade objectiva no caso dos crentes, pela revelação, pela fé da Igreja e pelo dom da liberdade que Deus respeita. E o Estado, os poderes estabelecidos, devem também respeitar esta consciência. Temos de anunciar - e denunciar se necessário - este direito de objecção em consciência a realidades ou situações que possamos estar a viver.

Para levar este tema da presença a um nível teológico, podemos perguntar-nos o que a Virgem Maria poderia fazer ao pé da cruz. Perante a impotência de não poder fazer nada, ela era, simplesmente era, como nos diz o Evangelho de João. 

Neste sentido, nós católicos temos sido ou vivemos realmente as consequências de uma falta de presença na esfera pública?

- penso que, se olharmos para o amplo horizonte do que consideramos ser a esfera pública, estamos presentes. Por vezes há quem falhe uma palavra da Igreja, dos pastores, em certos momentos. E não é fácil porque às vezes temos de falar, mas outras vezes temos de ser prudentes. 

Neste sentido, uma das razões de ser da Fundação Paulo VI é promover a presença de leigos na vida pública: na política, na economia, nos sindicatos e nos meios de comunicação social. 

A presença católica não se limita à palavra dos pastores para iluminar uma realidade concreta mas, sobretudo, manifesta-se na presença dos leigos que informam a sociedade com os princípios do Evangelho. 

Durante o congresso, a realidade do "anseio" dos jovens tornou-se evidente. Educado talvez fora da fé mas desejando ou desejando ter esperança e até acreditar em algo mais. 

-Em algumas áreas da realidade social, como a política, há muita tensão e isto não contribui para o diálogo. Contudo, acredito que no contacto com as pessoas simples existem muitas possibilidades para este encontro. 

Há muitas pessoas necessitadas, famintas de transcendência, muitas pessoas que estão de volta e que precisam de ouvir uma palavra diferente, uma palavra de fé. Estamos num bom momento para a proclamação e para o diálogo. 

A partir deste último congresso que realizámos, resta-me um apelo à esperança, que vi em muitos momentos. E a esperança reside nos jovens, apesar daqueles que não têm confiança neles. Fiquei encantado pela mesa redonda dos jovens, onde tantas preocupações foram expressas, ou por ver uma jovem freira em África que torna Cristo presente nos territórios mais remotos e que afirma que a Eucaristia é a raiz da vida. Estes são sinais de esperança.

Falando de diálogo e esperança, estamos num processo sinodal em que o encontro com o outro é fundamental, mas será que ele está a permear a Igreja?

-Credito que o sínodo tocou o povo de Deus e está a criar raízes, não sem dificuldades, na Igreja. A sinodalidade não pode ser renunciada, porque a sinodalidade não é uma invenção do Papa Francisco, mas faz parte da essência da Igreja. O desafio deste momento é passar do sínodo como "algo que tenho de fazer" para o sínodo como "algo que tenho de viver"."

O objectivo deste processo sinodal é consciencializar-nos de que na Igreja somos um sínodo e temos de viver como um sínodo. Se isto permanecer na Igreja, teremos realmente conseguido o que este processo significa.

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