Vaticano

Pádula MassimilianoFrancisco está de olhos postos nos problemas de hoje".

Massimiliano Padula, sociólogo dos processos culturais e comunicativos no Instituto Pastoral da Pontifícia Universidade Lateranense, explica nesta entrevista as chaves do pensamento sociológico do Papa Francisco.

Giovanni Tridente-4 de Março de 2023-Tempo de leitura: 3 acta
massimiliano padula

Foto: Massimiliano Padula numa conferência realizada na Pontifícia Universidade da Santa Cruz em Roma ©PUSC

"Para alcançar uma visão global que abrace a existência cristã na sua complexidade". É assim que Romano Guardini explica o significado de "Liberdade, graça, destino", um dos seus estudos mais significativos. E não é por acaso que Jorge Mario Bergoglio extrai grande parte do seu magistério do pensador e teólogo italiano, hoje Servo de Deus, ao ponto de lhe "atribuir" a abordagem interpretativa da sua primeira Exortação Apostólica Evangelii GaudiumA Carta Magna de todo o seu pontificado.

No documento, o Papa Francisco cita o próprio Papa Francisco como dizendo Guardini quando pergunta como avaliar os processos que constroem um povo: "O único modelo para uma avaliação bem sucedida de uma época é perguntar até que ponto a plenitude da existência humana se desenvolve nela e atinge uma autêntica razão de ser, de acordo com o carácter particular e as possibilidades da própria época" (EG, 222).

Estas premissas abrem o caminho para uma interpretação clara e compreensível do que é a sociedade para o Papa Francisco. Ele explica Pádula MassimilianoSociólogo de processos culturais e comunicativos no Instituto Pastoral da Pontifícia Universidade Lateranense, entrevistado por ocasião do décimo aniversário do pontificado do Papa argentino.

Na sua opinião, é possível esboçar uma espécie de "sociologia do Papa Francisco" nestes dez anos?

Respondo citando Romano Guardini e o seu estudo "The End of the Modern Age" que, de certa forma, antecipou o debate actual sobre a pós-modernidade e a secularização. Embora não fosse sociólogo, Guardini delineou categorias sócio-históricas que há muito estão no centro da investigação dos sociólogos em geral e, em particular, dos sociólogos da religião. O Papa Francisco segue esta linha, guiado (como Guardini) pela luz da fé. Mas ele faz mais: analisa os problemas de hoje, encarnados na vida colectiva e na vida individual.

Pode dar-nos um exemplo?

-Leitura suficiente Laudato si' para compreender até que ponto Bergoglio usa um "olhar sociológico" para analisar a sociedade (ele chama-lhe a "família humana"). Na Encíclica, ele destaca o ambiente como um facto social que gera mudanças, muitas vezes pouco encorajadoras para o desenvolvimento humano integral.

Também consegue captar algumas das questões mais prementes do nosso tempo: entre elas, a aceleração, que ele indica com a palavra espanhola "rapidación". E que se refere ao estudo dos sociólogos alemães Hartmut Rosa e William E. Scheuerman intitulado "The high-speed society", uma configuração de sociedade que por um lado melhora a nossa qualidade de vida, e por outro cria novas formas de marginalização e exclusão.

De facto, a marginalização e a exclusão estão no centro das reflexões do Pontífice argentino...

-Of curso. São duas categorias interpretativas de uma existência cada vez mais estratificada, complexa e desigual. Os marginalizados e excluídos são os pobres, os imigrantes, os idosos e os doentes. Mas não só. A marginalização e a exclusão afectam todos os indivíduos, todos os grupos sociais, todas as micro-organizações e macro-organizações. É o do coração, ou melhor, a indiferença, que constitui um comportamento anti-social e perturbador.

Francis intercepta as suas várias manifestações quando, por exemplo, fala de uma "cultura descartável". Mas ele não se limita a um simples diagnóstico: ele ajuda-nos a compreender como preencher as lacunas, a agir e a comportar-se com vista a um bem que é verdadeiramente comum.

Viagens apostólicas a zonas fronteiriças e países devastados pela guerra e pela miséria, apelos à paz, a passagem de uma lógica espacial para uma lógica processual, diálogo ecuménico, a proposta de um pacto educativo global, são alguns dos sinais da sua terapia social.

Poderíamos dizer - parafraseando as características da ciência sociológica - que o magistério Bergogliano engloba uma função descritiva (fornecendo as chaves de acesso ao mundo) e uma função prescritiva (partilhando objectivos e códigos de conduta).

Na sua opinião, como pode a sociologia relacionar-se com o catolicismo no futuro?

-Credito que a sua relação terá cada vez mais de ser jogada em termos de reciprocidade. A sociologia só será capaz de ajudar a religião se for capaz de se repensar à luz da sociedade e das suas mudanças.

Isto não significa abandonar-se a um relativismo estéril, mas sim compreender que a realidade social é "ontologicamente" provisória e deve ser lida e vivida como tal. Quando Francisco insiste em abandonar a lógica do "sempre foi feito desta forma" (ele chama-lhe "indietrizismo"), mostra que compreende bem os processos da morfogenética social.

Entre estes, dois parecem-me ser particularmente prospectivos para a reflexão e investigação sócio-religiosa no presente e no futuro. A primeira é a mudança do centro de gravidade do cristianismo de uma Europa "doente de cansaço" para uma parte meridional do mundo que, apesar dos seus muitos problemas, demonstra uma espiritualidade frutuosa. A outra é o processo de personalização da fé que, embora distanciando-a da tradição, oferece novas oportunidades para a evangelização e para uma pastoral vital e criativa.

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