Parece já haver uma sentença escrita para o bispo de Matagalpa, Rolando Álvarez, que foi preso em Agosto passado no auge de uma série de actividades que levaram o governo nicaraguense liderado por Daniel Ortega a encerrar à força várias actividades dos meios de comunicação social da Igreja. E parece que esta sentença poderia ser evitada se o Bispo Álvarez decidisse deixar o país. Um auto-exílio seria a terceira expulsão de um bispo da Nicarágua desde que Daniel Ortega está no poder.
No ano passado, de facto, foi o arcebispo Waldemar Sommertag, o núncio apostólico, que foi expulso do país em Março de 2022, numa decisão que a Santa Sé descreveu num comunicado como "inexplicável". Inexplicável, mas não inesperado, tendo em conta que nos meses anteriores Ortega já tinha dado um forte sinal diplomático. De facto, o representante da Santa Sé é sempre, por convenção internacional, o reitor do Corpo Diplomático acreditado num país. Mas Ortega tinha decidido contra isto, que não haveria nenhum reitor, marginalizando efectivamente o diplomata da Santa Sé.
Anteriormente, foi o bispo auxiliar de Manágua, Silvio Báez, que foi chamado pelo Papa Francisco a Roma em 2019, numa súbita decisão em meio a um recrudescimento da violência.
Mas havia um precedente ainda mais distante: em 1986, Pablo Antonio Vega, bispo-prelado de Juigalpa e vice-presidente da Conferência Episcopal de Nicaráguatinha sido exilada da Nicarágua. O mesmo destino tinha acontecido a Monsenhor Bismarck Carballo, que foi porta-voz do arcebispo de Manágua, nesse ano.
Havia, portanto, a possibilidade do auto-exílio do Bispo Alvarez. Ele estaria disposto a enfrentar a prisão em vez de aceitar deixar a sua pátria. Uma escolha que, contudo, poderia também criar problemas para a linha diplomática escolhida pelo Papa Francisco.
O Papa e a Nicarágua
O Papa tem dedicado vários apelos à Nicarágua desde que a crise eclodiu em 2018. Havia uma razão precisa. No início da crise, decorrente de uma reforma das pensões pelo governo Ortega mas sintomático de um descontentamento mais amplo entre a população, parecia haver um espaço para a Igreja mediar no chamado diálogo nacional.
Os bispos tinham sido chamados a intervir como "mediadores e testemunhas". Mas o seu papel tinha-se tornado impossível quando os confrontos entre as autoridades nicaraguenses e os manifestantes foram retomados. A Igreja, em Junho de 2018, tinha suspendido a sua presença no chamado diálogo nacional. Em resposta, tinha sido apontado pelo governo como uma força pró-oposição, com uma escalada que tinha mesmo levado a um ataque a 9 de Julho de 2018 contra o Cardeal Leopoldo Brenes, Arcebispo de Manágua, o seu auxiliar Báez e o Núncio Sommertag.
No entanto, a intenção da Santa Sé era ainda a de estabelecer um diálogo, acreditando que pelo menos alguma interlocução entre as partes seria útil. A seu tempo, ficaria desapontado.
O Papa Francisco mudou então a sua abordagem. Começou a dar espaço aos apelos públicos, chamou o Bispo Baez a Roma e tentou acalmar as coisas. O princípio não era o de ir contra o governo, mas sim o de encontrar formas de colaboração. O Nuncio Sommertag também tinha sido bem sucedido em algumas situações, chegando mesmo a negociar a libertação de alguns prisioneiros políticos.
A diplomacia prática do Papa
Esta é a diplomacia prática do Papa Francisco, aplicada também em outras situações, e muitas vezes precisamente no continente latino-americano. Na Venezuela, por exemplo, onde a participação no diálogo foi mantida apenas até que se sentiu a vontade de envolver a Santa Sé, e onde a Santa Sé nunca se opôs ao Presidente Nicolás Maduro; de facto, houve um novo contacto durante a recente visita a Caracas do Arcebispo Edgar Peña Parra, Secretário de Estado Adjunto.
Os apelos públicos têm sido distantes, e a Nicarágua nem sequer foi mencionada na mensagem de Natal do Papa Francisco "Urbi et Orbi". Nessa ocasião, o Papa limitou-se a pedir que Jesus inspirasse "as autoridades políticas e todas as pessoas de boa vontade do continente americano nos seus esforços para pacificar as tensões políticas e sociais que afectam vários países". Não fez qualquer referência directa, excepto no que diz respeito à menção posterior do povo haitiano.
De facto, a última vez que o Papa falou publicamente sobre a situação na Nicarágua foi a 21 de Agosto, na sequência da prisão do Bispo D. Álvarez.
O Papa tinha feito outra referência em 15 de Setembro, na conferência de imprensa sobre o seu voo de regresso do Cazaquistão. "Sobre a Nicarágua", disse o Papa, "as notícias são claras, todas elas. Há diálogo, neste momento há diálogo. Tem havido conversações com o governo, há diálogo. Isto não significa que tudo o que o governo faz seja aprovado ou desaprovado. Não. Há diálogo, e quando há diálogo é porque há necessidade de resolver problemas. Neste momento, existem problemas. Pelo menos espero que as freiras de Madre Teresa de Calcutá regressem. Estas mulheres são boas revolucionárias, mas do Evangelho! Eles não fazem guerra a ninguém. Pelo contrário, todos nós precisamos destas mulheres. Mas esperemos que eles voltem e que a questão seja resolvida. Mas continuar o diálogo. Nunca, nunca interromper o diálogo. Há coisas que não são compreensíveis. Colocar um núncio na fronteira é uma coisa séria do ponto de vista diplomático, e o núncio é um bom rapaz, que foi agora nomeado noutro lugar. Estas coisas são difíceis de compreender e difíceis de engolir.
Sinais da Santa Sé
Embora o Papa tivesse assim mostrado o seu desagrado com a demissão do núncio, preferiu não continuar com protestos formais e parede a parede. Diálogo, de facto. Assim, o Arcebispo Sommertag foi nomeado outra nunciatura, a do Senegal, Cabo Verde, Guiné Bissau e Mauritânia, e ainda não há um novo "embaixador papal" em Manágua.
A decisão de transferir o núncio não é apenas uma concessão à pressão da Ortega. É também uma forma de enviar um sinal. Ao desocupar a nunciatura, que é agora chefiada pelo encarregado de negócios, é dado um sinal claro de que a Santa Sé não está a legitimar as acções do governo através do diálogo.
É um protesto que tem uma linguagem diplomática forte, e indica que a Santa Sé não quer de forma alguma legitimar as acções de Ortega. Mas o sinal parece ser de rendição, e compreensivelmente assim.
As acusações contra o bispo
Entre outras coisas, porque se depara com uma situação difícil, que é a do Bispo Álvarez. Foi preso juntamente com outros 18 sacerdotes no episcopado de Matagalpa a 19 de Agosto de 2022. Desde então tem estado preso, e está agora a ser julgado sob a acusação de subversão e ataque aos princípios democráticos. As notícias falam de audições clandestinas, realizadas em segredo e sem possibilidade de o bispo - que é também administrador de Estelí - nomear um advogado.
Assim, duas alternativas permanecem: ou o bispo cumpre uma dura pena por "conspiração criminosa destinada a prejudicar a integridade nacional e a difundir falsas notícias em detrimento do Estado e da sociedade", ou o bispo abandona o país, indo para o exílio auto-imposto. Esta última solução permitiria que a presidência Ortega se pronunciasse sobre a questão, o que tem provocado protestos internacionais generalizados.
A prisão de Alvarez foi o culminar de uma série de actividades contra a Igreja e os direitos humanos em geral. Entre os destaques: algumas missionárias Madre Teresa foram expulsas em poucas horas, acusadas de ajuda ao terrorismo e outras coisas; revistas, jornais e canais de televisão locais da Igreja foram encerrados com ordens administrativas; centenas de presos políticos e candidatos presidenciais estão na prisão.
Diplomacia pontifícia
O Papa Francisco, contudo, decidiu não enfrentar a situação de frente, mas sim orientar os bispos locais para um diálogo que também poderia ter os seus inconvenientes, mas que no entanto mantém vivo o contacto com a realidade local.
Houve contactos diplomáticos, mesmo a alto nível - em Agosto de 2018, o Cardeal Pietro Parolin, Secretário de Estado do Vaticano, teve um telefonema com o então Vice-Presidente dos EUA Peter Pence sobre o assunto - mas, em geral, o Papa prefere deixar a decisão nas mãos das Igrejas locais, que são acompanhadas pela diplomacia papal e só intervêm em raras ocasiões.
É uma política comum, que também é aplicada na Nicarágua. Resta saber até que ponto será bem sucedido.