Cultura

O mistério de outra presença. A capela de São João Paulo II na Catedral de Madrid.

Há alguns meses, o Cardeal Carlos Osoro, Arcebispo de Madrid, inaugurou uma capela dedicada a São João Paulo II na Catedral de Almudena, em Madrid, obra dos arquitectos Benjamín Cano e Diego Escario. Para além de uma breve descrição da capela, reflectimos sobre alguns dos simbolismos da arquitectura cristã desde as suas origens até aos nossos dias, que estão presentes nesta obra de Cano e Escario.

Andrés Iráizoz-16 de Março de 2023-Tempo de leitura: 6 acta
joão paul ii

As catedrais são edifícios concebidos para durar "para sempre", e não é raro que sejam submetidos a trabalhos ao longo dos séculos que gradualmente alteram a sua aparência. Quando a catedral de Santa María la Real de la Almudena havia uma série de capelas laterais, uma das quais é a que o Capítulo da Catedral decidiu dedicar a São João Paulo IIO Papa que dedicou a catedral em 1993. 

Quando a comissão chegou ao estúdio de Cano y Escario, já havia uma primeira capela que decidiram respeitar e desenharam um envelope interior composto por uma série de pórticos de madeira muito próximos uns dos outros que permitem ver a arquitectura original, mas com uma subtileza que é muito bem conseguida, uma vez que o visitante experimenta estar numa capela completamente nova. 

Ou seja, Cano e Escario propõem a sua actuação como um enredo espacial cénico dentro do espaço de uma capela lateral. Este, por sua vez, é enquadrado no espaço global da catedral.

Vista geral da capela de João Paulo II. ©Arquimadrid/Luis Millán

Elementos simbólicos

À entrada da capela, destaca-se uma grande rocha, simbolizando a dimensão material da criação. A pedra de mármore, para além deste significado, refere-se à primazia de Pedro e à continuidade apostólica.

Logo atrás desta pedra, à maneira de um barco, encontra-se uma estreita mesa longitudinal na extremidade da qual se encontra uma vela pascal, na vertical da qual, erguida do céu ou do seio de Abraão, penduram três luminárias simbolizando a Santíssima Trindade.

Tradicionalmente nos templos, a pedra era utilizada para a materialização dos seus cofres, simbolizando o reino celestial e/ou sagrado. 

Aqui há uma aparente mudança, pois Cano e Escario optaram pela utilização da madeira, uma escolha de grande interesse e subtileza pois, na sua essência, a ideia é simbolizar a união dos fiéis na construção da igreja. Se em alguns exemplos, os fiéis são representados pelas pedras esculpidas, aqui são as peças de madeira nos seus sucessivos pórticos, trinta centímetros à parte, que tornam a capela original transparente: é a Igreja em movimento, na tradição e vibrantemente contemporânea, configurando a estrutura da Capela, simbolizando assim o lugar deste mundo e o trabalho do homem no seu desenho para dominar a criação. 

Reliquário com o frasco de sangue do Santo Papa. ©Arquimadrid/Luis Millán

A oficina de José está também aqui representada, lembrando-nos, neste bosque, tanto do empenho da Igreja na criação como da paixão do Papa polaco pelas florestas e montanhas.

São João Paulo II começou o seu pontificado confiando toda a Igreja à Virgem Maria com aquela memorável invocação "....Totus Tuus (Todo seu). Nesta capela, talvez falhemos, figurativamente, esse mistério da presença mariana virginal. Contudo, talvez de uma forma mais enigmática, nestes ambientes petrinos podemos intuir, já reflectida na sua secção, algo como o claustro materno da Nossa Mãe, Santa Maria. A este respeito, é de notar que uma das novidades introduzidas pela arquitectura cristã foi que, ao contrário dos templos clássicos da Grécia e Roma, os fiéis passaram para o interior do templo. Este conceito está corporizado na concepção geral das igrejas cristãs em que, como o ventre de uma mãe, os fiéis são engendrados no mundo da graça.

Neste caso, podemos também ver esta presença gestual tanto na planta como na secção. Enquanto em outras capelas da catedral não é possível aceder ao interior, mas são concebidas apenas para observação, nesta capela de São João Paulo II podemos estabelecer um percurso interno que nos fala do início e do fim do significado dos símbolos incluídos.

A pureza da dimensão espiritual é simbolizada pela luz emitida pela vela pascal e pelas luzes inseridas como luminárias entre os pórticos de madeira que simbolizam a aurora e as sombras da vida dos fiéis e dos santos, dando uma impressão do fundo em perspectiva com a sua seriedade. São os marcos e as luzes que a Providência marca no caminho de vaguear por esta vida até chegar ao Pai.

Neste grupo simbólico, podemos também compreender que estamos a ver o mistério da nossa redenção, no qual Jesus Cristo está encarnado na matéria (rocha) e depois da sua vida representada no barco, que por sua vez é a Igreja, depois da sua Ascensão, ele abriu o caminho que conduz ao encontro com Deus o Pai. 

Rocha com as palavras de abertura do pontificado de São João Paulo II. ©Arquimadrid/Luis Millán

Esta subida de madeira rompe os caminhos da vida, desde o início do chão do tabuleiro de xadrez até ao zénite da redenção da qual pende a Cruz de Cristo. 

Abaixo dele, como preâmbulo sacramental, há um confessionário para os penitentes.

As ripas que se elevam do nível do chão em direcção a ele, quebram o seu curso e direccionalidade num itinerário gracioso, como crianças que estão sempre a brincar na sua presença. 

Na parte inferior da capela, estas mesas albergam luminárias romboidais com fotografias da vida do Papa ou da vida de São João Paulo II como marcos significativos na sua história e passagem por esta vida. Estas cenas da vida do santo são como janelas que se abrem da sua privacidade para o espaço exterior dos fiéis.

No fundo da capela encontra-se uma grande imagem de São João Paulo II, por detrás da qual se encontra o espaço para o ministério da penitência, que, juntamente com a Eucaristia e os outros sacramentos, é o caminho estabelecido por Jesus Cristo para iniciar a nossa ressurreição já nesta vida. Isto - o confessionário - pela graça eleva-nos penitencialmente para o Pai. Por outras palavras, o penitente é assim transformado num embrião destinado a nascer para a vida eterna. O homem é assim mostrado como sendo a imagem e semelhança de Deus, santificado pela graça e elevado à ordem sobrenatural.

Neste caso, por ser uma capela penitencial e não ter altar, a imagem é colocada em frente ao confessionário, simbolizando a enorme dedicação e o valor atribuído a este sacramento na vida e no ensino do Papa Wojtyła. Como o Decano da Catedral salientou na inauguração, seria uma atitude agradável para o visitante, antes de entrar na capela, considerar as palavras do santo para os jovens: "entra, não tenhas medo e abre as portas a Cristo"; palavras pronunciadas por ele imediatamente após a sua adesão ao ministério Petrine.

Numa das pastilhas laterais, também iluminada, está o relicário que foi guardado na catedral de Madrid, naquele primeiro espaço dedicado ao papa polaco e contendo uma ampola do seu sangue.

Uma das paredes da capela. ©Archimadrid/Luis Millán

Se olharmos para os aspectos formais do enredo cénico que a capela nos oferece, poderíamos dizer que tem reminiscências minimalistas, arquitectura norte-europeia orgânica, arte conceptual e uma "maneira" particular de organizar e conceber as coisas de uma forma marcadamente expressiva.

Existe um grande refinamento formal que, por sua vez, revela uma certa complexidade arquitectónica e contradição na linguagem utilizada. O jogo e a deformação dos elementos dos pórticos de madeira à medida que se movem para trás e para a frente, assimetricamente para cima e para baixo, etc., testemunham isso mesmo.

Poderíamos também falar de um traço ou ar simbólico das procissões da Semana Santa, com um certo efeito nocturno. Algo como o inconsciente colectivo que os artistas, não sei se intencional ou não intencionalmente, deixaram para trás. É o sonho arquetípico do sagrado no homem, manifestado pelos seus rituais simbólicos. Cenários de uma viagem: o mistério de uma outra presença.

O autorAndrés Iráizoz

Arquitecto.

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