América Latina

O que aconteceu e o que pode acontecer na crise nicaraguense?

A crise social e política na Nicarágua aumentou acentuadamente este Verão, especialmente no que diz respeito ao assédio da Igreja. Explicamos porque é que a voz da Igreja passou a ser tão respeitada entre os cidadãos e revemos os principais acontecimentos que conduziram a esta situação. 

Javier García-24 de Agosto de 2022-Tempo de leitura: 5 acta

Foto: Cardeal Brenes e Monsenhor Silvio Báez chegam a Diriamba em 9 de Julho de 2018 para protestos anti-governamentais. Nesse dia, os dois prelados foram atacados por grupos armados alinhados com o governo da cidade. ©CNS/Oswaldo Rivas, Reuters

Artigo em inglês

No final de Junho de 2022, os media internacionais ficaram perplexos com a decisão do governo nicaraguense de expulsar do país as inofensivas Filhas da CaridadeComo foi possível que freiras, conhecidas no mundo inteiro pelo seu trabalho altruísta e pacífico, fossem expulsas? A resposta é bastante simples: nas suas pequenas clínicas médicas trataram os feridos após os ataques da polícia numa tentativa de reprimir os protestos de rua. Como o governo tinha banido os manifestantes dos hospitais públicos, eles só tinham a opção de ir para aqueles que nunca fecham os olhos aos necessitados. Só a coragem destas mulheres foi capaz de mitigar os danos. A crise na Nicarágua atingiu um ponto ainda mais alto.

Estes graves protestos tiveram origem em 2018, na sequência da decisão do governo de baixar as pensões até 5% e aumentar os impostos sobre as sociedades. A violência policial deixou então mais de 300 mortos e 2.000 feridos, e o único lugar onde os manifestantes encontraram refúgio foi nas igrejas. A maioria dos párocos do país abriram-lhes as portas das suas paróquias. O relatório O relatório das Nações Unidas sobre a grave crise dos direitos humanos que se estava a desenrolar.

Um bispo preso

Estes dois factos permitem-nos compreender os esforços de Daniel Ortega, o presidente do país, para silenciar a voz da Igreja. Na sexta-feira, 19 de Agosto, a Nicarágua foi mais uma vez manchete dos media internacionais. O bispo Rolando Álvarez da diocese de Matagalpa foi preso a meio da noite no palácio do arcebispo, juntamente com vários sacerdotes e seminaristas. Encontra-se agora de novo em prisão domiciliária. 

Desta forma, o governo estava a exercer uma forte pressão sobre uma das principais vozes dissidentes do regime, provavelmente na esperança de que deixasse o país como vários padres e pastores foram forçados a fazer. 

Novo assédio da Igreja

Nas últimas semanas, o governo intensificou a vigilância das paróquias. Muitas paróquias têm patrulhas policiais à porta durante as missas dominicais. Se o padre não manter um equilíbrio delicado em relação à situação no país, os fiéis são proibidos de participar nas cerimónias. Esta é a razão pela qual nos últimos dias muitas fotos e vídeos estão a ser vistos nas redes sociais mostrando os fiéis a comungar através dos portões das propriedades paroquiais, sob o olhar atento da polícia. 

Desta forma, o governo tenta pressionar os padres a não denunciar os abusos cometidos e as causas da crise política e social que tem arrastado a Nicarágua durante quinze anos. Uma situação que gerou mais de 150.000 refugiados, a maioria dos quais deslocados para a vizinha Costa Rica. 

A eliminação de dissidentes

Interroga-se porque é que a Igreja tem uma liderança tão proeminente, ao ponto de ser agora o alvo número um do governo. Durante a última década, a repressão política no país tem sido intensa, resultando no exílio ou na prisão de numerosos líderes da oposição (18 opositores foram presos no último ano). O poder judicial curvou-se aos interesses do governo, de modo que a separação de poderes já não existe realmente. 

A Nicarágua, um pequeno país com menos de 7 milhões de habitantes, tem nove bispos. Um deles, Monsenhor Silvio Báez, foi forçado ao exílio em 2019. Mas a pressão do governo não se limitou à hierarquia; nos últimos meses, encerrou estações católicas de televisão e rádio.

A Igreja tentou desempenhar um papel tão construtivo quanto possível - dentro da situação tensa e instável - mas ao longo do tempo tornou-se a única voz pública com autoridade suficiente para denunciar os ataques aos direitos humanos. Isto tem feito muitas pessoas respeitarem e apreciarem a sua força. A par da tradição católica do país, é lógico que a Igreja seja vista favoravelmente pela maioria da população e não pelo governo.

Cronologia da crise e da repressão contra a Igreja:

  • 1985-1990. Daniel Ortega é Presidente da Nicarágua. 
  • Janeiro de 2007. Daniel Ortega ganha novamente as eleições. O seu governo é de esquerda, herdeiro do Sandinismo, e ao longo dos anos tem-se tornado cada vez mais comunista de carácter. 
  • Outubro de 2009. O Supremo Tribunal da Nicarágua aceita que Ortega possa candidatar-se novamente às eleições, apesar da proibição expressa na constituição. A separação de poderes está cada vez mais enfraquecida. 
  • Ortega é reeleito em 2012, 2017 e 2021.
  • Maio de 2014. Os bispos do país reúnem-se com o presidente e a sua esposa (então porta-voz do governo) para discutir a carta pastoral que os prelados tinham escrito analisando a situação no país e as suas propostas de melhoria. O texto denunciava a falta de liberdade de expressão, a corrosão da separação de poderes, a violência policial e a manipulação eleitoral, entre outras coisas

2018

  • Abril de 2018. Daniel Ortega reduz as pensões em 5% e aumenta as contribuições das empresas e dos trabalhadores. Começam as manifestações e os protestos sociais, fortemente reprimidos pelo regime. Sacerdotes de todo o país abrem as portas da igreja para abrigar os manifestantes que estavam a ser atacados pela polícia e grupos paramilitares.
  • Junho de 2018. Os principais bispos do país processam com o Santíssimo Sacramento no meio de uma manifestação, graças à qual se evita um massacre policial. Os bispos exortam o governo a antecipar as eleições para apaziguar o público após a manipulação das eleições de 2017.
  • Julho de 2018. Os apoiantes do governo assediam o Bispo Silvio Báez, que fica ligeiramente ferido, quando ele vai verificar as alegações de violência em que se diz terem estado envolvidas as forças de segurança do país.
  • Agosto de 2018. Questões das Nações Unidas um relatório sobre a situação no país. Notou a existência de uma grave crise de direitos humanos como resultado dos protestos sociais, que resultaram em aproximadamente 300 pessoas mortas e 2000 feridas. 
  • Dezembro de 2018. Os Estados Unidos impõem sanções económicas ao país. 

2019-2022

  • Abril de 2019. O Bispo Silvio Báez exila-se a pedido do Papa Francisco, na sequência de pressões do governo junto da Santa Sé.
  • Julho de 2020. A catedral de Manágua sofre um ataque, sob a forma de um incêndio.
  • Novembro de 2021. Ortega ganha uma eleição bastante corrupta. A Venezuela, Cuba, Bolívia e Rússia são os únicos países a aceitar o resultado sem reservas. 
  • Março de 2022. O governo expulsa o núncio do país. 
  • Maio de 2022. O governo encerra o Canal 51, propriedade da Conferência Episcopal.
  • Junho de 2022. O governo proíbe mais de 100 ONG, tanto denominacionais como seculares. 
  • Junho de 2022. Os Missionários da Caridade são expulsos do país. A razão dada pelo governo é que os dispensários que serviam estavam a receber doações do estrangeiro e este dinheiro estava a ser utilizado para comprar armas e desestabilizar o país. Não foram apresentadas provas para fundamentar esta acusação.
  • Julho e Agosto de 2022. Vários padres são presos. O governo fecha 13 estações de rádio católicas. 

Agosto de 2022. 

  • Monsenhor Rolando Álvarez, bispo de Matagalpa, e denunciante principal dos ataques aos direitos humanos, é preso na sua residência juntamente com outros sacerdotes e seminaristas. 
  • O governo acusa as organizações católicas de violarem a Lei Anti-Lavagem de Dinheiro e Financiamento do Terrorismo. A razão é que compreende que aqueles que ajudam os opositores do regime encorajam divisões, protestos, violência e terrorismo contra o Estado. 
  • Os sucessivos relatórios das Nações Unidas mostram a repressão e a falta de liberdades na Nicarágua. 
  • O Secretário da Pontifícia Comissão para a América Latina, Rodrigo Guerra, explica que há um intenso trabalho diplomático-sombra da Santa Sé
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