

Passaram quinze meses desde o início do Ano Inacianoque comemora o 20 de Maio de 1521 quando Inácio foi gravemente ferido na defesa de Pamplona. Quinze meses que culminaram neste 31 de Julho, dia da festa do santo; um tempo que nos serviu para recordar a sua vida com gratidão e, sobretudo, a acção misericordiosa de Deus na sua pessoa.
Pela profundidade desta mudança, por tudo o que ela significou na sua vida e pelo que significaria na vida de tantas pessoas, falamos de conversão. Conversão que não entendemos como algo estranho para nós, mas como uma viagem de fé que nos desafia e nos mostra um horizonte para o qual nos sentimos convidados a caminhar.
Uma conversão decisiva
O percurso de conversão do jovem cortesão Íñigo serviu-nos de estímulo para propormos um vasto leque de iniciativas apostólicas: jornadas de teologia e formação, propostas para jovens em escolas, paróquias e universidades; conferências e exposições; publicações importantes, tais como a Autógrafos dos ExercíciosOs Exercícios Espirituais, a alma espiritual de tudo o que somos e fazemos, são a alma espiritual de tudo o que fazemos.
Por vezes pergunto-me se não serão demasiadas coisas, talvez demasiadas; mas a verdadeira questão a ser respondida é outra: até que ponto estas propostas nos ajudaram a percorrer um caminho que nos conduz a Deus? Têm estas iniciativas sido um estímulo para caminhar em direcção ao cume?
A conversão de Inácio de Loyola levou-o a uma cimeira que ele não esperava: o encontro com Deus cara a cara, coração a coração, o que o levou a "ver todas as coisas novas". O cume, conversão assim entendida, não é o fim do caminho, mas o início de toda a novidade guiada pelo Espírito. Onde está esta novidade e como se manifesta na vida do peregrino Inácio?
Um novo visual
A conversão, aquela altura da experiência de Deus que amadureceu de uma forma inesperada em Manresa, permitiu a Inácio ver tudo a partir do olhar de Deus. Nesse olhar, todas as coisas são chamadas à comunhão mais íntima, a comunhão no amor.
Amor que começa por si mesmo, reconhecendo as suas próprias limitações e pecados e, no entanto, sentindo-se sempre amado e resgatado em Jesus Cristo, a face da misericórdia de Deus.
Um olhar que procura a proximidade do mundo e não a sua rejeição; para que o movimento do Amor seja sempre para descer, para se dar de uma forma especial em tantas situações de falta de amor, miséria e injustiça que poderíamos chamar de a-teas (sem Deus).
O olhar encarnado procura a proximidade com aquelas pessoas que Jesus, no Sermão da Montanha, proclamou abençoadas, porque o próprio Deus não queria ser compreendido sem elas. Quantas vezes as nossas acções, mesmo as nossas boas acções, só aguardam reconhecimento e aplausos!
Aprender a amar
Se formos descuidados, estamos mais preocupados em sentirmo-nos bem com o que fazemos do que em fazer realmente o bem aos necessitados, independentemente de como nos sentimos. Inácio estava a aprender a difícil lição do "amor discreto", ou seja, o amor perspicaz. Uma que não procura o interesse próprio, nem engorda a si própria escondendo-se em supostos actos de bondade.
O que é importante, o que Deus nos move a fazer, é "ajudar as almas"; ajudar tantos homens e mulheres a viverem da parte escondida e genuína dos seus corações, onde a sua verdade habita, onde se realizam verdadeiros encontros com os seus semelhantes e com Deus. E isto, na maioria das vezes, acontece no oculto, em silêncio, em oração.
Assim escreveu o santo de Loyola em 1536: "... sendo [os Exercícios Espirituais] o melhor que consigo pensar, sentir e compreender nesta vida, tanto para um homem poder beneficiar-se a si próprio, como para poder ser fecundo, ajudar e beneficiar muitos outros...".
Amizade
Por ocasião do 4º centenário da canonização de Santo Inácio (12 de Março), senti-me emocionado por traduzir a sua santidade em termos de amizade: "santidade é amizade". Foi assim que Inácio o viveu e é assim que a tradição bíblica e eclesial nos mostra.
Amizade com Deus, em primeiro lugar. No início da sua conversão, Jesus é para Inácio o novo Senhor a quem ele deseja servir. Esta imagem de Deus, que num certo sentido seria mantida ao longo da sua vida, teria de ser submetida a um duro processo de purificação.
Perante os senhores deste mundo é necessário fazer méritos, prestar contas para que eles o tomem em consideração. Inácio, afundado na mais severa desolação da aldeia de Manresa, sentirá que o amor de Deus é incondicional; que a misericórdia é a sua primeira e última palavra.
Que este Deus, este Senhor, não tem de ser conquistado, porque é Ele que nos ama primeiro e que nos procura para nos chamar amigos. No livro dos Exercícios Espirituais, Inácio irá propor ao retirante que se dirija a Deus "como um amigo fala com outro amigo".
Amizade com aqueles com quem partilhamos a fé e a missão. Conhecemos a vida e obra de Inácio porque ele as partilhou com muitas pessoas, especialmente com os primeiros companheiros que iriam formar a Companhia de Jesus.
A Viagem Inaciana
Após vários anos de convivência e estudo em Paris, Inácio teve de partir durante quase um ano por razões de saúde, encontrando-se em Veneza. Numa das suas cartas, Inácio regista esta reunião com estas palavras: "nove amigos meus no Senhor chegaram aqui de Paris em meados de Janeiro".
É o laço de verdadeira amizade que nos constrói como comunidade, como Igreja. Um laço que vai para além dos gostos, desejos pessoais e ideias partilhadas por aqueles que mais pensam da mesma maneira.
A verdadeira amizade faz-nos apreciar o valor e a beleza do que é diferente, do que é complementar, do que nem eu nem o meu grupo podemos ou devemos alcançar. Na verdadeira amizade deixamos o outro e os outros serem quem devem ser, e deixamos o Senhor fazer o milagre da comunhão.
Finalmente, a amizade com os mais pobres e necessitados. Em 1547 Inácio recebeu uma carta dos Jesuítas de Pádua. Escreveram ao seu Padre Geral expressando as dificuldades extremas que estavam a sentir. O estado de dificuldade estava a piorar porque o fundador da nova faculdade tinha retirado a maior parte do dinheiro necessário para manter o trabalho.
Escrevem a Inácio porque precisam da sua consolação. A carta que Inácio lhes envia é uma jóia que dá um vislumbre da ligação íntima (mística) entre a pobreza e a amizade. O santo escreve: "os pobres são tão grandes na presença divina que Jesus Cristo foi enviado à terra principalmente por eles". E acrescenta ainda: "a amizade com os pobres faz de nós amigos do Rei eterno".
Coordenador do Ano Inaciano em Espanha