Espanha

Os bispos promovem o direito à objecção de consciência às leis sobre o aborto e a eutanásia

A Conferência Episcopal Espanhola publicou um nota doutrinal sobre a objecção de consciência em que visam oferecer critérios e princípios face aos problemas que as leis como a eutanásia ou a nova lei sobre o aborto colocam aos católicos.

Maria José Atienza-25 de Março de 2022-Tempo de leitura: 22 acta
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Esta nota responde, como os próprios bispos explicam "ao processo de aprovação de leis em que a vida humana está seriamente desprotegida", juntamente com a dificuldade crescente para o exercício da "objecção de consciência por aqueles que se opõem à colaboração nestas práticas".

A própria Conferência salienta que é uma nota doutrinal "porque se baseia em princípios de moral fundamental, tais como a dignidade da consciência, e da Doutrina Social da Igreja, tais como a liberdade de religião e consciência, a missão do Estado, a natureza dos direitos humanos, etc. O texto oferece aos católicos o direito e o dever de se oporem activamente a acções que vão contra as exigências da fé cristã ou contra os seus valores fundamentais".

"Quando as autoridades públicas se estabelecem como disseminadores de uma ideologia, vão além dos limites da sua missão".

Os bispos salientam também que "quando as autoridades públicas se estabelecem como divulgadores de uma certa ideologia ou promotores de certos valores morais abertos à opinião, estão a ultrapassar os limites da sua missão". O prelúdio da nota lembra-nos também que a obrigação do Estado é "reconhecer este direito e não discriminar aqueles que o exercem em paralelo com o
obrigação dos cristãos de evitar qualquer material directo ou cooperação formal de qualquer tipo
com aqueles actos que violam o direito à vida, e qualquer acção que possa ser
interpretados como cooperação, mesmo que indirecta, ou aprovação destes actos". De facto, salientam que a objecção de consciência se destina a leis que "atacam elementos essenciais da própria religião ou aqueles que minam os fundamentos da dignidade humana e da coexistência baseada na justiça".

Esta nota foi aprovada pelos bispos membros da Comissão Episcopal para a Doutrina da Fé na sua reunião CCLVI a 1 de Fevereiro de 2022 e a Comissão Permanente da CEE autorizou a sua publicação na sua reunião CCLVIII a 8-9 de Março de 2022.

Nota doutrinal sobre a objecção de consciência "Porque Cristo nos libertou" (Gal 5, 1).

I. JUSTIFICAÇÃO PARA ESTA NOTA

Os seres humanos caracterizam-se por uma consciência da sua própria dignidade e do facto de a salvaguarda desta dignidade estar ligada ao respeito pela sua liberdade. A convicção de que os dois são inseparáveis e que todos os seres humanos, independentemente da sua situação económica ou social, têm a mesma dignidade e, por conseguinte, o direito de viver em liberdade é um dos avanços mais importantes da história da humanidade: "Nunca antes os homens tiveram um sentido de liberdade tão apurado como têm hoje". A aspiração de viver em liberdade está inscrita no coração do homem.

A liberdade não pode ser separada de outros direitos humanos, que são universais e invioláveis. Devem, portanto, ser protegidos como um todo, na medida em que "uma protecção parcial dos mesmos equivaleria ao seu não reconhecimento". A sua raiz "deve ser procurada na dignidade que pertence a todo o ser humano", e a sua fonte última "não se encontra na mera vontade do ser humano, na realidade do Estado ou das autoridades públicas, mas no próprio homem e em Deus seu criador". Nos documentos do Magistério da Igreja encontramos enumerações destes direitos. O primeiro de tudo é o direito à vida desde a concepção até à sua conclusão natural, que "condiciona o exercício de todos os outros direitos e implica, em particular, a ilegalidade de todas as formas de aborto induzido e de eutanásia". O direito à liberdade religiosa é também fundamental, pois é "um sinal emblemático do autêntico progresso do homem em qualquer regime, em qualquer sociedade, sistema ou ambiente".

No processo que conduziu à formulação e proclamação dos direitos humanos, estes foram concebidos como a expressão de limites éticos que o Estado não podia ultrapassar nas suas relações com os indivíduos. Eram uma defesa contra as tentações totalitárias e a tendência das autoridades públicas para invadir a vida das pessoas em todas as áreas, ou para se desfazerem delas de acordo com os seus próprios interesses. Por esta razão, a Igreja vê-os como "uma extraordinária oportunidade que os nossos tempos oferecem para que, através da sua consolidação, a dignidade humana possa ser mais eficazmente reconhecida e universalmente promovida". Na doutrina católica, além disso, são vistos como uma expressão das normas morais básicas que devem ser respeitadas em todas as ocasiões e circunstâncias, e do caminho para uma vida mais digna e uma sociedade mais justa.

Nas últimas décadas, uma nova visão dos direitos humanos está a tomar forma. Vivemos num ambiente cultural caracterizado por um individualismo que não quer aceitar quaisquer limites éticos. Isto levou ao reconhecimento por parte das autoridades públicas de novos "direitos" que, na realidade, são a manifestação de desejos subjectivos. Desta forma, estes desejos tornam-se uma fonte de direito, mesmo que a sua realização implique a negação de direitos básicos genuínos de outros seres humanos. Isto teve consequências na lei: os comportamentos que eram tolerados através da "descriminalização" são agora considerados como "direitos" a serem protegidos e promovidos.

Testemunhámos recentemente no nosso país a aprovação da lei que permite a prática do eutanásia e considera-o como um direito humano. É mais um passo de uma série de leis que levam a que a vida humana fique seriamente desprotegida. Foram também aprovadas leis inspiradas por princípios antropológicos que absolutem a vontade humana, ou por ideologias que não reconhecem a natureza do ser humano que lhe foi dada na criação, que deveria ser a fonte de toda a moralidade. Estas leis também promovem a imposição destes princípios nos currículos educacionais, e restringem o direito à objecção de consciência tanto dos indivíduos como das instituições educacionais, de saúde ou de assistência social, limitando assim o exercício da liberdade.

Isto leva-nos a pensar que, embora seja verdade que os seres humanos nunca tiveram um sentido tão forte da sua própria liberdade, esta liberdade será sempre ameaçada por Estados e grupos de poder que não hesitam em usar quaisquer meios para influenciar a consciência das pessoas, para difundir certas ideologias ou para defender os seus próprios interesses. Hoje, temos a sensação de que certos direitos humanos estão a ser "tolerados" como se fossem uma concessão "graciosa", que estão a ser progressivamente reduzidos, e que valores contrários às convicções religiosas de grandes grupos da sociedade estão a ser promovidos. O uso do poder para moldar a consciência moral das pessoas é uma ameaça à liberdade.

Em continuidade com os ensinamentos deste CEE expressos na instrução pastoral "A verdade libertar-vos-á" (Jo 8,32); e em conformidade com a carta do Congregação para a Doutrina da Fé Samaritanus bónusO Parlamento Europeu apelou a "uma posição clara e unida por parte das Conferências Episcopais, igrejas locais e instituições católicas para proteger o direito à objecção de consciência em contextos legislativos que prevêem o direito à objecção de consciência no contexto do direito à objecção de consciência". eutanásia e suicídio"; nesta nota gostaríamos de recordar os princípios morais que os católicos devem ter em mente ao decidir como agir face a estas e outras leis semelhantes, e que qualquer Estado ou pessoa empenhada na defesa dos direitos humanos deve respeitar.

II. LIBERDADE DE RELIGIÃO E CONSCIÊNCIA

A liberdade, que consiste no "poder, enraizado na razão e na vontade, de agir ou não, de fazer isto ou aquilo, de realizar acções deliberadas por vontade própria", é uma característica essencial do ser humano, dada por Deus no momento da sua criação. É o "sinal eminente da sua imagem divina" e portanto a expressão última da dignidade que lhe é própria. Ao criar o ser humano dotado de liberdade, Deus quer que o ser humano o procure e o adira sem coacção para que, desta forma, "possa alcançar a perfeição plena e feliz". Estamos, portanto, perante algo de que nenhum poder humano nos pode privar licitamente: "Toda a pessoa humana, criada à imagem de Deus, tem o direito natural de ser reconhecida como livre e responsável".

Esta característica essencial do ser humano não deve ser entendida como uma ausência de qualquer lei moral que indique limites à sua acção, ou como "uma licença para fazer o que lhe apetecer, mesmo que seja mau". Os seres humanos não se dão a si próprios, pelo que exercem correctamente a sua liberdade quando reconhecem a sua dependência radical de Deus, vivem em permanente abertura a Ele e procuram fazer a Sua vontade. Além disso, foi criado como membro da grande família humana, de modo que o exercício da sua liberdade é condicionado pelas relações que moldam a sua existência: com outros seres humanos, com a natureza e consigo próprio. A liberdade não pode ser entendida como um direito de agir independentemente de qualquer exigência moral.

O respeito pela liberdade de todas as pessoas, que constitui uma obrigação dos poderes públicos, manifesta-se sobretudo na defesa da liberdade religiosa e da liberdade de consciência: "O direito de exercer a liberdade é uma exigência inseparável da dignidade da pessoa humana, especialmente em matéria moral e religiosa". Vivemos numa cultura que não valoriza a religião como um factor positivo para o desenvolvimento dos indivíduos e das sociedades. O princípio subjacente a muitas leis que são aprovadas é que todos nós devemos viver como se Deus não existisse. Há uma tendência para subestimar a religião, para a reduzir a algo meramente privado e para negar a relevância pública da fé. Isto leva a que a liberdade religiosa seja vista como um direito secundário.

No entanto, este é um direito fundamental porque o homem é um ser aberto à transcendência e porque afecta a parte mais íntima e profunda do seu ser, que é a sua consciência. Portanto, quando não é respeitada, a parte mais sagrada do ser humano é violada, e quando é respeitada, a dignidade da pessoa humana na sua raiz está a ser protegida. É um direito que tem um estatuto especial e deve ser reconhecido e protegido dentro dos limites do bem comum e da ordem pública. Podemos portanto afirmar que a salvaguarda do direito à liberdade de religião e consciência é um indicador para verificar o respeito por outros direitos humanos. Se não for efectivamente garantido, não se acredita verdadeiramente neles.

Sob o direito à liberdade religiosa, "ninguém será obrigado a agir contra a sua consciência, nem impedido de agir de acordo com a sua consciência, quer publicamente ou em privado, sozinho ou em associação com outros, dentro dos devidos limites". Este direito não deve ser entendido num sentido minimalista, reduzindo-o à tolerância ou à liberdade de culto. Para além da liberdade de culto, exige o reconhecimento positivo do direito de cada pessoa a ordenar as suas acções e decisões morais de acordo com a verdade; do direito dos pais a educar os seus filhos de acordo com as suas convicções religiosas e tudo o que se relaciona com a sua vida, especialmente na vida social e no comportamento moral; das comunidades religiosas a organizarem-se para viver a sua própria religião em todas as áreas; de todos a professarem publicamente a sua fé e a anunciarem a sua mensagem religiosa aos outros.

A obrigação por parte das autoridades públicas de proteger a liberdade religiosa de todos os cidadãos não exclui que esta liberdade deva ser regulamentada no sistema jurídico. Este regulamento deve ser inspirado por uma avaliação positiva do contributo das religiões para a sociedade, a salvaguarda da ordem pública e a procura do bem comum, que consiste na "soma daquelas condições de vida social através das quais os homens podem alcançar a sua perfeição mais plena e rapidamente" e, sobretudo, "o respeito pelos direitos da pessoa humana". Uma legislação adequada sobre liberdade religiosa deve partir do princípio fundamental de que a liberdade religiosa "não deve ser restringida a menos que e na medida em que seja necessária".

Ao regulamentar este direito, o Estado deve observar certos princípios: 1. assegurar a igualdade jurídica dos cidadãos e evitar a discriminação com base na religião. 2. reconhecer os direitos das instituições e grupos formados por membros de uma determinada religião a praticarem essa religião. 3. proibir tudo o que, embora directamente ordenado por preceitos ou inspirado por princípios religiosos, constitua um ataque aos direitos e dignidade das pessoas ou ponha em perigo a sua vida. Com base nestes princípios, as leis devem garantir o direito de cada pessoa "a agir em consciência e liberdade para tomar decisões morais pessoais".

III. A DIGNIDADE DA CONSCIÊNCIA

No exercício da sua liberdade, cada pessoa deve tomar as decisões que conduzem à realização do bem comum da sociedade e do seu próprio bem pessoal. Por esta razão, o ser humano que, tendo sido criado à imagem e semelhança de Deus, é uma criatura livre, tem a obrigação moral de procurar a verdade, pois só a verdade é o caminho que conduz à justiça e ao bem. Esta obrigação decorre do facto de que o homem, não tendo-se criado a si próprio, também não é o criador de valores, para que o bem e o mal não dependam da sua vontade. A sua tarefa é discernir como deve agir nas muitas situações em que se pode encontrar e que o levam a tomar decisões concretas.

A fim de poder saber o que é bom e o que é mau em qualquer momento, Deus dotou o homem de uma consciência, que é "o núcleo mais secreto e o tabernáculo do homem, no qual ele está sozinho com Deus, cuja voz ressoa no seu ser mais íntimo". Decidir e agir de acordo com a própria consciência é a maior prova de liberdade madura e é uma condição para a moralidade das próprias acções. Este é o elemento mais pessoal de cada ser humano, o que o torna uma criatura única e responsável perante Deus pelas suas acções. A consciência, mesmo que não seja infalível e possa cometer erros, é o "próximo padrão de moralidade pessoal", razão pela qual todos devemos agir de acordo com a nossa consciência. e, por conseguinte, todos devemos agir em conformidade com os juízos que dela emanam.

O homem na sua consciência descobre uma lei fundamental "que não se dá a si próprio, mas que deve obedecer e cuja voz ressoa nos ouvidos do seu coração, chamando-o a amar e a fazer o bem e a evitar o mal". Esta lei é a fonte de todas as normas morais, para que em obediência a ela encontremos o princípio da moralidade. O ser humano "é obrigado a seguir fielmente o que sabe ser justo e correcto" . Se agir desta forma, está a agir de acordo com a sua dignidade. Por outro lado, quando as suas acções não são inspiradas pela procura da verdade e pelo desejo de se conformar com padrões morais objectivos, é facilmente conduzido pelos seus próprios desejos e interesses egoístas, e "pouco a pouco, através do hábito do pecado, a sua consciência torna-se quase cega".

Agir de acordo com a própria consciência nem sempre é fácil: requer a percepção dos princípios fundamentais da moralidade, a sua aplicação a circunstâncias concretas através do discernimento, e a formação de um juízo sobre os actos a serem realizados. Muitas vezes surgem situações que tornam o juízo moral menos certo; as pessoas estão frequentemente sujeitas às influências do ambiente cultural em que vivem, às pressões do exterior, e aos seus próprios desejos. Tudo isto pode obscurecer os seus juízos morais e levar ao erro por ignorância. Contudo, quando a ignorância não é culpada, "a consciência não perde a sua dignidade", pois procura formas de se formar a si própria. Pois procurar formas de formar um juízo moral e de agir de acordo com os seus ditames é mais digno dos seres humanos do que dispensar a questão da moralidade das suas acções.

IV. O PAPEL DO ESTADO

Os seres humanos são, por natureza, seres sociais. Por conseguinte, nas suas decisões morais não deve procurar apenas o seu próprio bem, mas o de todos. Nas suas acções deve ter em conta alguns princípios básicos de moralidade: fazer aos outros o que ele gostaria que lhe fizessem; não fazer mal para obter o bem; agir com caridade, respeitando o seu próximo e a sua consciência, etc. As estruturas políticas são necessárias para regular as relações entre os membros da sociedade. A comunidade política "deriva da natureza das pessoas" e é, portanto, "uma realidade conatural aos homens". O seu objectivo é fomentar o crescimento mais pleno de todos os membros da sociedade e assim promover o bem comum, que é inalcançável para cada indivíduo sem uma organização de coexistência.

No seu serviço ao bem comum, as autoridades públicas devem respeitar a autonomia do indivíduo, para que em nenhum momento possam proibir que todos formem a sua própria opinião sobre assuntos que afectam a vida da sociedade. Nem podem ser evitadas as iniciativas que têm origem na sociedade e procuram o bem comum de todos. Quando os direitos humanos são defendidos na comunidade política e é criado um ambiente favorável ao seu exercício pelos cidadãos, isto já é uma contribuição para o bem comum.

A autoridade é um instrumento de coordenação ao serviço da sociedade. O seu exercício não pode ser absoluto e deve ser realizado dentro dos limites do respeito pelo indivíduo e pelos seus direitos. Nem pode tornar-se um organismo que procura invadir ou regular todos os aspectos da vida dos indivíduos e das famílias. As autoridades públicas, cuja tarefa é promover uma vida ordenada na sociedade, não podem sobrepor-se ou suplantar as iniciativas privadas, mas devem regulamentá-las de modo a servirem o bem comum. Tanto na vida económica como social "a acção do Estado e das outras autoridades públicas deve estar em conformidade com o princípio da subsidiariedade".

Estes princípios devem ser tidos em conta nas questões que afectam a liberdade religiosa e a liberdade de consciência dos indivíduos. O Estado pode regular o exercício da liberdade religiosa, para que esta possa ser exercida com respeito por outras liberdades e favorecer a coexistência social. Este regulamento pode justificar a proibição de certas práticas religiosas, não porque sejam religiosas, mas porque são contrárias ao respeito, dignidade ou integridade das pessoas, ou porque põem em perigo um dos direitos fundamentais. Da mesma forma que o Estado não pode ser parcial em matéria religiosa, nem pode tornar-se promotor de valores ou ideologias contrárias às crenças de uma parte da sociedade. A neutralidade exigida em matéria religiosa estende-se às escolhas morais debatidas na sociedade. Quando as autoridades utilizam os meios à sua disposição para divulgar uma determinada concepção do ser humano ou da vida, estão a exagerar as suas funções.

V. OBJECÇÃO DE CONSCIÊNCIA

"O cidadão tem a obrigação consciente de não seguir as prescrições das autoridades civis quando estes preceitos são contrários às exigências da ordem moral, aos direitos fundamentais das pessoas ou aos ensinamentos do Evangelho". A objecção consciente implica que uma pessoa coloca os ditames da sua própria consciência perante o que é ordenado ou permitido por lei. Isto não justifica qualquer desobediência às regras promulgadas pelas autoridades legítimas. Deve ser exercida em relação àqueles que atacam directamente elementos essenciais da própria religião ou que são "contrários à lei natural na medida em que minam os próprios fundamentos da dignidade humana e de uma coexistência baseada na justiça".

Além de ser um dever moral, é também um "direito fundamental e inviolável de toda a pessoa, essencial para o bem comum da sociedade como um todo", que o Estado é obrigado a reconhecer, respeitar e valorizar positivamente na legislação. que o Estado é obrigado a reconhecer, respeitar e valorizar positivamente na legislação. Não é uma concessão de poder, mas um direito pré-político, uma consequência directa do reconhecimento da liberdade de religião, pensamento e consciência. Por conseguinte, o Estado não deve restringi-lo ou minimizá-lo sob o pretexto de garantir o acesso das pessoas a certas práticas legalmente reconhecidas, e apresentá-lo como um ataque aos "direitos" de outros. Uma regulamentação justa da objecção de consciência exige uma garantia de que aqueles que recorrem à objecção de consciência não serão sujeitos a discriminação social ou laboral. A criação de um registo de objectores a determinados actos permitidos por lei viola o direito de cada cidadão a não ser obrigado a declarar as suas próprias convicções religiosas ou ideológicas. Em qualquer caso, sempre que tal exigência seja legalmente exigida, "os trabalhadores da saúde não devem hesitar em solicitá-la (objecção de consciência) como um direito próprio e como uma contribuição específica para o bem comum".

No cumprimento deste dever moral, o cristão "não deve colaborar, mesmo formalmente, naquelas práticas que, embora permitidas pelo direito civil, contrastam com a lei de Deus". Uma vez que o direito à vida tem um carácter absoluto e ninguém pode decidir por si próprio sobre a vida de outro ser humano ou sobre a sua própria vida, "face às leis que legitimam o eutanásia ou suicídio assistido, qualquer cooperação imediata formal ou material deve ser sempre negada" . Isto "ocorre quando a acção realizada, pela sua própria natureza ou pela configuração que assume num contexto específico, é qualificada como colaboração directa num acto contra a vida humana inocente ou como participação na intenção imoral do agente principal". Esta cooperação torna a pessoa que a realiza co-responsável e não pode ser justificada invocando o respeito pela liberdade e "direitos" dos outros, nem com base no facto de estarem previstos e autorizados pelo direito civil.

Por conseguinte, os católicos são absolutamente obrigados a opor-se às acções que, sendo aprovadas por lei, têm como consequência a eliminação de uma vida humana no seu início ou no seu fim: "O aborto e o aborto são as únicas formas de evitar a morte de um ser humano". eutanásia são crimes que nenhuma lei humana pode pretender legitimar. Tais leis não só não criam qualquer obrigação de consciência, como, pelo contrário, estabelecem uma obrigação grave e precisa de se lhes opor através de uma objecção de consciência" . Embora nem todas as formas de colaboração contribuam da mesma forma para a realização destes actos moralmente errados, as acções que possam levar a pensar que estão a ser toleradas devem ser evitadas na medida do possível.

Hoje em dia, os católicos que têm responsabilidades nas instituições estatais são frequentemente confrontados com conflitos de consciência quando confrontados com iniciativas legislativas que contradizem princípios morais básicos. Uma vez que o dever mais importante de uma sociedade é cuidar da pessoa humana, não podem promover positivamente leis que questionem o valor da vida humana, nem apoiar com o seu voto propostas que tenham sido apresentadas por outros. O seu dever como cristãos é "proteger o direito primário à vida desde a concepção até à terminação natural", e por isso têm o "dever preciso de proteger o direito primário à vida desde a concepção até à terminação natural". Têm, portanto, uma "obrigação precisa de se oporem a estas leis". Isto não os impede, quando não é possível revogar os que estão em vigor ou evitar a aprovação de outros, e quando a sua oposição pessoal absoluta é clara, de "oferecer licitamente o seu apoio a propostas destinadas a limitar os danos destas leis e assim diminuir os efeitos negativos no campo da cultura e da moralidade pública".

Embora as decisões morais pertençam a cada indivíduo, o direito à liberdade de consciência, por analogia, também pode ser atribuído às comunidades ou instituições criadas por membros da mesma religião para melhor viver a sua fé, proclamá-la ou servir a sociedade de acordo com as suas convicções. Têm um conjunto de valores e princípios que lhes conferem a sua própria identidade e inspiram as suas acções. Isto não significa que deixem de prestar um serviço à sociedade. A objecção de consciência institucional a leis que contradizem a sua ideologia é, portanto, legítima. O Estado tem o dever de reconhecer este direito. Se não o fizer, põe em risco a liberdade de religião e de consciência. É com prazer que constatamos que algumas instituições da sociedade civil que abordaram esta questão de outras perspectivas e se pronunciaram sobre ela, concordam connosco neste ponto.

As instituições católicas de saúde, que "constituem um sinal concreto da forma como a comunidade eclesial, seguindo o exemplo do Bom Samaritano, cuida dos doentes", são chamadas a exercer a sua missão "com respeito pelos valores fundamentais e pelos valores cristãos que constituem a sua identidade, abstendo-se de comportamentos que sejam claramente ilegais do ponto de vista moral". são chamados a exercer a sua missão "com respeito pelos valores fundamentais e pelos valores cristãos que constituem a sua identidade, abstendo-se de comportamentos que sejam claramente ilegais do ponto de vista moral". Por esta razão, não devem curvar-se perante as fortes pressões políticas e económicas que os levam a aceitar a prática do aborto ou da eutanásia. Também não é eticamente aceitável "colaborar com outras estruturas hospitalares a fim de orientar e dirigir pessoas que solicitem eutanásia". Tais escolhas não podem ser moralmente aceites ou apoiadas na sua realização concreta, mesmo que sejam legalmente possíveis". Isto equivaleria a uma colaboração com o mal.

Estamos actualmente a assistir à propagação de antropologias contrárias à visão cristã do homem, da sexualidade, do casamento e da família, o que resulta na normalização de certos comportamentos morais contrários às exigências da lei de Deus. Estas ideologias são frequentemente promovidas pelas autoridades públicas e a sua disseminação é imposta nos estabelecimentos de ensino por meio de leis de natureza coerciva. A sua imposição é considerada como um meio de prevenir crimes de ódio contra certos grupos ou indivíduos devido às suas características. O dever dos cristãos de respeitar a dignidade de cada ser humano, de o amar como um irmão e de o apoiar em todas as circunstâncias da sua vida, não implica a assunção de princípios antropológicos contrários à visão cristã do homem. Uma vez que a liberdade religiosa e de consciência é um direito fundamental, os católicos têm o dever de se oporem à imposição destas ideologias. Este dever deve ser exercido, em primeiro lugar, pelos pais que, como educadores primários dos seus filhos, têm o direito de os formar de acordo com as suas convicções religiosas e morais, e de escolher as instituições educativas que estejam de acordo com eles, cuja identidade deve ser garantida.

VI. A LIBERDADE CRISTÃ

A liberdade humana não é apenas uma "liberdade ameaçada", é também uma "liberdade ferida" por causa do pecado. Se o homem foi criado livre para poder procurar Deus e aderir a ele sem constrangimentos, o pecado levou-o à desobediência a Deus e provocou nele uma divisão interior. O ser humano experimenta constantemente que não faz o bem que quer, mas o mal que odeia (cf. Rm 7,15), e que vive sujeito às suas paixões e desejos. O pecado é para ele uma fonte de escravidão interior, porque o arrasta a fazer tudo o que leva à morte. A ideia de uma liberdade auto-suficiente ou de um homem que pela sua própria força é sempre capaz de fazer o bem e procurar a justiça não corresponde nem à sua própria experiência nem à história da humanidade. Para além desta impotência, os seres humanos também experimentam o que significa viver sem esperança porque o medo da morte, que é o horizonte último da sua existência, domina-os e também os impede de exercer a sua liberdade com todas as suas consequências. O pecado, que conduz à morte e nos impede de amar a Deus de todo o coração e de obedecer à sua vontade, feriu a liberdade humana.

"Se o Filho de Deus vos libertar, verdadeiramente sereis livres" (Jo 8,36). O conhecimento de Cristo abre-nos à plena e verdadeira liberdade: "Se permanecerdes na minha palavra, verdadeiramente sois meus discípulos; conhecereis a verdade, e a verdade vos fará livres" (Jo 8,32). O encontro com o Senhor é um acontecimento de graça que nos permite participar na gloriosa liberdade dos filhos de Deus (cf. Rm 8,21) e viver uma nova vida caracterizada pela fé, esperança e caridade.

O pecado é a recusa do homem em reconhecer Deus como Senhor, em glorificar e agradecer-Lhe. A fé, por outro lado, é a obediência a Deus. Se através do pecado o homem o rejeitou, através da fé ele vem a reconhecê-lo como seu Senhor. E é obedecendo-lhe que o homem se liberta da escravidão dos desejos que o pecado desperta nele. A fé dá frutos na esperança. A morte é o horizonte ameaçador da vida do homem. O medo da morte domina-o, ao ponto de tudo o que ele faz ser para se libertar dela. O drama do homem consiste no facto de que, apesar dos seus esforços, nunca será capaz de o conseguir sozinho. Na sua ressurreição, Cristo abriu um horizonte de vida para nós. Graças ao Mistério Pascal, o medo da morte que nos escraviza, desapareceu. Esta esperança dá ao crente a força para enfrentar as provações e os sofrimentos do tempo presente, sem perder a confiança em Deus e a alegria daqueles que se sentem unidos a Cristo. O amor é a expressão mais óbvia da liberdade cristã. O crente, que sabe que é amado e salvo por Deus, por amor a ele e com sentido de gratidão, faz a sua vontade, não por medo de castigo, mas impelido pela caridade que o Espírito Santo derramou no seu coração (cf. Rm 5,5).

Esta liberdade, que tem a sua origem em Cristo, dá força para superar as dificuldades que os crentes podem encontrar em agir em coerência com a sua fé. Os valores que estão a generalizar-se na nossa cultura e as leis que estão a ser aprovadas nas nossas sociedades ocidentais colocam os crentes perante difíceis problemas de consciência. Somos frequentemente confrontados com escolhas dolorosas, que exigem sacrifícios na vida profissional e mesmo na vida familiar. "É precisamente na obediência a Deus - a quem apenas se deve aquele medo que é o reconhecimento da Sua soberania absoluta - que nascem a força e a coragem para resistir às leis injustas dos homens". Quem não se deixa vencer pelo medo está a trilhar o caminho que conduz à verdadeira liberdade que só pode ser encontrada em Cristo.

Madrid, 25 de Março de 2022, Solenidade da Anunciação do Senhor


1. SEGUNDO CONSELHO VATICANO, Gaudium et spes, n. 4.
2. Compêndio da Doutrina Social da Igreja, n. 154: "Universalidade e indivisibilidade são os traços distintivos dos direitos humanos".
3. Ibid., n. 153.
4. Ibid.
5. Cf. também Compêndio da Doutrina Social da Igreja, n. 155.
6. Compêndio da Doutrina Social da Igreja, n. 155.
7. Ibid.
8. Ibid.
9. Cf. SEGUNDO CONSELHO VATICANO, Gaudium et spes, n. 27: "Tudo o que se opõe à vida, como o assassinato de qualquer tipo, o genocídio, o aborto, a eutanásia e até o suicídio voluntário... são reprovações que, ao corromperem a civilização humana, desonram mais aqueles que as praticam do que aqueles que sofrem injustiça e são totalmente contrários à honra devida ao Criador".
10. Cf. ibid., n. 26: "Tudo o que é necessário para uma vida verdadeiramente humana, como a alimentação, o vestuário, a habitação, o direito de escolher livremente um estado de vida... para agir de acordo com a regra de consciência correcta... e para a liberdade justa também em matéria religiosa, deve portanto ser tornado acessível ao homem".
11. Cf. FRANCISCO, Discurso à Federação Nacional de Colégios de Médicos e Cirurgiões Dentistas (20.IX.2019): L'Osservatore Romano (21.IX.2019), 8: "Pode-se e deve-se rejeitar a tentação - induzida também por alterações legislativas - de usar a medicina para apoiar a possível vontade de morte de um paciente, fornecendo ajuda ao suicídio ou causando directamente a sua morte por eutanásia. Estas são formas precipitadas de lidar com opções que não são, como poderia parecer, uma expressão da liberdade da pessoa, quando incluem o despedimento da pessoa doente como uma possibilidade, ou falsa compaixão face a um pedido para ser ajudado a antecipar a morte".
12. CONFERÊNCIA ESPANHOL EPISCOPAL, "A verdade libertar-vos-á" (Jo 8, 32), (20.II.1990).
13. CONGREGAÇÃO PARA A DOUTRINA DA FÉ, Bónus Samaritano, n. 9.
14. Catecismo da Igreja Católica, n. 1731.
15. SAINT IRENEUS OF LYON, Adversus haereses, 4, 4, 3: PG 7, 983: "O homem foi criado livre e mestre das suas acções".
16. CONSELHO VATICANO II, Gaudium et spes, n. 17.
17. Ibid.
18. Catecismo da Igreja Católica, n. 1738.
19. CONSELHO VATICANO II, Gaudium et spes, n. 17.
20. Catecismo da Igreja Católica, n. 1738; cf. VATICAN COUNCIL II, Dignitatis humanae, n. 2.
21. Cf. Catecismo da Igreja Católica, n. 1738.
22. VATICAN COUNCIL II, Dignitatis humanae, nn. 2-3.
23. Cf. FRANCISCO, Discurso no encontro com o povo marroquino, as autoridades, a sociedade civil e o corpo diplomático (30.III.2019): "A liberdade de consciência e a liberdade religiosa - que não se limita apenas à liberdade de culto, mas a permitir que todos vivam de acordo com as suas próprias convicções religiosas - estão inseparavelmente ligadas à dignidade humana".
Cf. BENEDICT XVI, Mensagem para o Dia Mundial da Paz, Liberdade Religiosa, o Caminho da Paz (1.I.2011), n. 3.
Cf. SEGUNDO CONSELHO VATICANO, Dignitatis humanae, n. 7.
26. VATICAN COUNCIL II, Dignitatis humanae, n. 6.
Ibid., n. 7.
28. Catecismo da Igreja Católica, n. 1782.
29. Cf. ST JOHN PAULO II, Veritatis splendor, nn. 57-61.
30. CONSELHO VATICANO II, Gaudium et Spes, n. 16; cf. Catecismo da Igreja Católica, n. 1776.
31. ST JOÃO PAULO II, Veritatis splendor, n. 60.
32. Cf. Catecismo da Igreja Católica, n. 1790: "A pessoa humana deve obedecer sempre ao juízo certo da sua consciência. Se agisse deliberadamente contra este último, condenar-se-ia a si próprio". Cf. também ST JOÃO PAULO II, Veritatis splendor, n. 60: "O juízo de consciência tem um carácter imperativo: o homem deve agir em conformidade com este juízo".
33. CONSELHO VATICANO II, Gaudium et spes, n. 16; cf. Catecismo da Igreja Católica, n. 1776.
34. Catecismo da Igreja Católica, n. 1778.
35. Ibid., n. 1780: "A dignidade da pessoa humana implica e exige a rectidão da consciência moral".
36. CONSELHO VATICANO II, Gaudium et spes, n. 16.
37. Cf. ST JOHN PAULO II, Veritatis splendor, n. 62.
38. Compêndio da Doutrina Social da Igreja, n. 384.
39. Cf. FRANCISCO, Mensagem aos participantes na conferência internacional "Direitos Humanos no mundo contemporâneo: conquistas, omissões, negações" (10.XII.2018).
40. Compêndio da Doutrina Social da Igreja, n. 351.
41. Cf. CONFERÊNCIA ESPANHOL EPISCOPAL, Orientaciones morales ante la situación actual de España (23.XI.2006), n. 62: "A vida religiosa dos cidadãos não é da competência dos governos. As autoridades civis não podem ser intervencionistas ou beligerantes em matéria religiosa (...) A sua tarefa é favorecer o exercício da liberdade religiosa".
42. Catecismo da Igreja Católica, n. 2242.
43. CONGREGAÇÃO PARA A DOUTRINA DA FÉ, Bónus Samaritano, n. 9.
44. Ibid.
45. Cf. entrevista com o Papa Francisco em La Croix (30.VI.2016): "O Estado deve respeitar as consciências. Em qualquer estrutura jurídica, a objecção de consciência deve estar presente, porque é um direito humano".
46. Cf. ST JOÃO PAULO II, Evangelium vitae, n. 74: "Aqueles que recorrem à objecção de consciência devem estar a salvo não só das sanções penais, mas também de qualquer dano legal, disciplinar, económico e profissional".
47. CONGREGAÇÃO PARA A DOUTRINA DA FÉ, Bónus Samaritano, n. 9. Cf. FRANCISCO, Discurso aos participantes num congresso organizado pela Sociedade Italiana de Farmácia Hospitalar (14.X.2021): L'Osservatore Romano 2739 (22.X.2021), 7: "Estás sempre ao serviço da vida humana. E isto pode implicar, em alguns casos, objecção de consciência, o que não é deslealdade, mas, pelo contrário, fidelidade à sua profissão, se esta for validamente motivada".
48. Compêndio da Doutrina Social da Igreja, n. 399.
49. CONGREGAÇÃO PARA A DOUTRINA DA FÉ, Bónus Samaritano, n. 9.
50. ST JOÃO PAULO II, Evangelium vitae, n. 74.
51. O pecado é um acto pessoal pelo qual cada um é responsável, mas podemos ter uma responsabilidade pelos pecados cometidos por outros quando cooperamos com eles "participando directa e voluntariamente, ordenando, aconselhando, aconselhando, louvando, ou aprovando-os, não os revelando ou não os impedindo quando somos obrigados a fazê-lo". Catecismo da Igreja Católica, n. 1868.
52. Cf. CONGREGAÇÃO PARA A DOUTRINA DA FÉ, Bónus Samaritano, n. 9: "Não há direito ao suicídio ou à eutanásia: a lei existe para proteger a vida e a coexistência humana, não para causar a morte".
53. Papa João Paulo II, Evangelium vitae, n. 73. Cf. FRANCIS, Discurso aos participantes no congresso comemorativo da Associação dos Médicos Católicos Italianos por ocasião do 70º aniversário da sua fundação (15.XI.2014): "A fidelidade ao Evangelho da vida e ao respeito pela vida como dom de Deus requer, por vezes, escolhas corajosas e contra-correntes que, em circunstâncias especiais, podem levar à objecção de consciência".

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