Faltam apenas alguns meses para o 60º aniversário do encerramento do Concílio Vaticano II. Este grande Concílio do século XX, o primeiro verdadeiramente universal, foi decisivo para a Igreja atual e é um ponto de referência constante no Magistério dos últimos Papas.
Omnes discutiu estas questões com o Cardeal Agostino Marchetto, considerado um dos maiores especialistas no Concílio Vaticano II.
Agostino Marchetto, natural de Vicenza, foi ordenado sacerdote em 1964. Desde muito jovem, ingressou na carreira diplomática do Vaticano e trabalhou nas representações da Santa Sé na Zâmbia, Cuba, Argélia, Portugal e Moçambique.
Foi núncio em países como Madagáscar e Mauritânia, Tanzânia ou da Bielorrússia, e de 2001 a 2010 foi Secretário do Conselho Pontifício para a Pastoral dos Migrantes e Itinerantes. Foi criado cardeal pelo Papa Francisco em 2023.
Como explicar o Concílio Vaticano II, sobretudo às gerações mais jovens?
- Quando o Papa João XXIII chegou à Sé de Pedro, convocou uma Conselho após as tentativas infrutíferas dos outros papas, porque pensavam que não havia oportunidade ou que a situação ainda não estava suficientemente madura. É claro que ele queria um Concílio que pudesse responder ao mundo o que é a Igreja e, ao mesmo tempo, o que a Igreja pode fazer pelo mundo.
Estas foram as duas grandes questões fundamentais colocadas por Paulo VI: "Igreja, o que dizes de ti mesma e o que dizes ao mundo de hoje", num mundo mudado, num mundo novo em que nos encontramos, com uma crise já presente.
A situação não estava totalmente calma quando o Papa João XXIII convocou o Concílio Vaticano II. Paulo VI tinha também o desejo de responder à evangelização e à promoção humana integral do mundo atual.
Para além disso, João XXIII tinha uma grande experiência entre o Oriente e o Ocidente, tinha a capacidade e a formação histórica e conciliar, bem como a propensão e a capacidade para convocar e orientar o Concílio Vaticano II durante o tempo que lhe foi possível devido à sua idade.
Na altura, era jovem.
- Eu estava ainda no seminário. Escutei e talvez também me tenha surpreendido a coragem da Igreja nesta nova realidade e este desejo de enfrentar o mundo de hoje, pelo que segui tudo com grande interesse.
Eu sou de Vicenza e, no seminário, tínhamos um professor que, quando vinha de Roma, trazia todas as publicações, sobretudo em francês, relativas ao Concílio, e tinha a amabilidade de as deixar para nós consultarmos.
Confesso que nessa altura, através das publicações, senti todo este nascimento que estava a acontecer para o bem da Igreja e do mundo e para ser fiel à mensagem da evangelização.
O Concílio Vaticano II não quis ser dogmático mas pastoral, o que é que isso significa?
-Tomemos "com calma" esta afirmação de que "não queria ser dogmático mas pastoral", pois não há pastoral se não houver uma realidade dogmática e doutrinal que a sustente, certo? Este é o meu pensamento.
Evidentemente que aqueles que dizem "queremos algo dogmático e não pastoral" estão a esquecer-se do que vemos na constituição da Igreja. Vejamos quanto dogma existe aí, no sentido de verdade teológica, do que é a tradição da Igreja, a palavra de Deus e todas as outras realidades que compõem o mistério da Igreja.
Por isso, não podemos fazer estas distinções como alguns fazem, porque se o fizermos, fazemos uma divisão e deixamos de nos encontrar.
Esta é a grande questão: temos de pensar no Vaticano II como uma base de dogma, no sentido da tradição e do desenvolvimento harmonioso da unidade da Igreja una e súdita, como eu estava a dizer Bento XVImas que é o pensamento de todos os papas conciliares, desde o Papa João XXIII até ao nosso Papa Francisco.
Uma pessoa que afirma não acreditar nos últimos papas, nem no papa atual, já não pertence à Igreja.
– É claro, como diz e muito bem.
Será que o mesmo se aplica àqueles que não acreditam no Concílio Vaticano II?
- De facto, penso que é a mesma coisa, agora nesta situação da última crise cismática que enfrentámos recentemente, há duas dificuldades em reconhecer a catolicidade deste arcebispo, a saber: em primeiro lugar, que ele não aceita o atual Papa; em segundo lugar, que ele nem sequer aceita o Concílio Vaticano II.
Portanto, se estas duas dimensões não forem aceites, a pessoa que se exprime desta forma - embora sempre com o desejo de ajudar, de acolher, de caminhar junto, de dialogar - se estas duas realidades não forem aceites, coloca-se fora da Igreja Católica.
Não é a Igreja Católica que os expulsa - também pode haver um tribunal, pode haver uma sentença, etc., e isso é outra questão - mas é a pessoa que se colocou fora da Igreja Católica.
Então, pode haver auto-exclusão mesmo que a Igreja não se pronuncie?
– Isto aplica-se perfeitamente a uma pessoa que não aceita o Papa e quando não aceita o Concílio Vaticano II, porque estes são dois elementos que caracterizam o cisma em relação à Igreja Católica.
No caso de Mons. Carlo Maria Viganó Parece que a excomunhão ocorreu porque há seguidores que podem acreditar que ele é católico e, por isso, a Igreja deixa claro que ele não o é. Mas, na realidade, ele ter-se-ia auto-excluído muito antes?
- Perdão, um bispo católico que é ordenado por outro bispo que está excluído da comunhão católica, acha que pode continuar a ser chamado católico?
Para além do caso Viganó, há pessoas que questionam o Vaticano II. Até que ponto se pode dizer que essas pessoas ainda são católicas?
– Se houver vontade de um verdadeiro diálogo com a Igreja Católica, podemos ainda esperar que ela encontre a possibilidade de clarificar a sua posição e de compreender a posição da Igreja Católica. Mas se se trata de uma questão de princípio, tem de clarificar a sua posição.
Poder-se-á dizer que esta pessoa é cristã, mas não católica?
- O senhor deputado faz uma distinção que me parece normal. Mas gostaria de acrescentar que ser católico hoje em dia é uma forma extraordinária de contribuir para a unidade dos cristãos.