A grande escola do sofrimento

Custa-nos aceitar que o sofrimento faz parte do tecido da vida e que nenhum ser humano está isento, nem mesmo os mais nobres e bons.

14 de setembro de 2024-Tempo de leitura: 6 acta
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Porque é que os bons e os inocentes sofrem? Porque é que as tragédias, os terramotos, as inundações, os incêndios, as tempestades, as pandemias ou qualquer sofrimento global são tão mal direcionados? Porque é que não selecionam melhor as suas vítimas para atingir aqueles que realmente "merecem" ou que foram os seus causadores?

Que estranha convivência entre justiça e injustiça, entre presas e predadores, entre forças poderosas e vítimas frágeis! Mas também, que estranha presença de pessoas inertes, inapetentes, indiferentes, apáticas e silenciosas que vêem os desfiles de dor à sua frente e se escondem ou se desculpam em vez de ajudar a transformar essas tristes realidades. 

Não gostamos de falar da dor humana, mas não a podemos evitar. Tememo-la, fugimos dela, lutamos supostamente para a evitar ou atenuar. Só em Estados Unidos da América Gastamos quase 18 biliões de dólares por ano em analgésicos e medicamentos para a dor, e outros 18 biliões em antidepressivos em todo o mundo. Isso causa-nos desolação, crise existencial, sentimento de injustiça, amargura, revolta, ressentimento, e até lutamos com Deus e com a vida por nos fazer alvo do "imerecido". É por isso que travamos uma guerra fria contra ele. 

Temos dificuldade em aceitar que o sofrimento faz parte do tecido da vida e que nenhum ser humano está isento, nem mesmo os mais nobres e bons. Toda a natureza o experimenta, e faz parte das lutas diárias pela sobrevivência. A primeira linguagem de um recém-nascido é o choro, e é também a mais reconhecida expressão de despedida. Como diz o Eclesiastes 3, "há um dia para chorar e um dia para rir". Por outras palavras, por cada dia de alegria, espera-se um dia de tristeza. 

Como seria diferente aprender a viver sóbria e sabiamente com o sofrimento, sem necessariamente abandonar os esforços legítimos para eventualmente o erradicar! Como diz Tiago 1,2-4: "Considerai-vos afortunados, irmãos, quando passais por toda a espécie de provações. Essas provações desenvolvem a capacidade de suportar, e a capacidade de suportar deve tornar-se perfeita, se quisermos ser perfeitos, completos, sem faltar em nada.".

O sofrimento tem o seu programa, o seu objetivo e o seu fim. Na realidade, temos de compreender que, embora todos tenhamos sofrido por razões diferentes, só há dois tipos de sofrimento: o que destrói e o que constrói. Em 2 Coríntios 7, 10 São Paulo, o grande teólogo do sofrimento, diz-nos: "A dor que vem de Deus leva ao arrependimento e realiza uma obra de salvação que não se perderá. Pelo contrário, a tristeza que inspira o mundo causa a morte".

Nos ensinamentos de S. Paulo, ele exorta constantemente a viver um sofrimento que edifica, encontrando benefícios misteriosos. Entre eles, o seu dom de espiritualizar a vida e de experimentar o conforto de Deus. As provações obrigam-nos a sair das superficialidades e a aprofundar a nossa introspeção. O sofrimento humano é o grande purificador das consciências e das intenções, e é o domínio onde o amor é posto à prova. Embora o sofrimento pareça parar e paralisar-nos, na realidade o seu maior objetivo é fazer-nos passar de uma realidade inacabada ou imperfeita para uma realidade mais significativa. Cabe-nos a nós aceitar o desafio com coragem e fé até encontrarmos os seus objectivos sobrenaturais.

Pior do que sofrer seria sofrer em vão

O sofrimento vivido através de provações ou feridas deixa marcas ou recompensas, pois essa prova pode servir de trampolim para uma vida cheia de infortúnios, más decisões ou desequilíbrios emocionais, ou para uma nova vida reorganizada, melhor hierarquizada e transformada. 

Cada provação é uma paragem na vida. Já não podemos continuar a viver em piloto automático, porque agora a estrada segura foi interceptada e, de repente, divide-se em dois caminhos incertos. Não há sinais de trânsito específicos nem placas de sinalização claras: resta-nos discernir ou adivinhar. Se escolhermos mal, haverá mais dor, perda, desgaste, doença, escravatura ou, em casos extremos, um desejo de morte.

Mas se escolhermos bem, fazemos um balanço das reservas de bens, de saúde, de recursos emocionais e espirituais. Conscientes desses recursos ao nosso alcance, reposicionamo-nos, optamos por mudanças positivas que nos aproximam das conclusões vitoriosas e das bênçãos escondidas. É este caminho que conduz às mudanças necessárias, à revitalização e à reintrodução na normalidade, numa tentativa ativa de minimizar as perdas e maximizar os ganhos. 

Os tempos difíceis são tempos para enfrentar o imprevisível.

Não podemos continuar desatentos, apáticos ou indiferentes. Devemos agora dedicar-nos a polir as velhas virtudes e a manifestar os novos dons adquiridos, pois o esforço é duplo quando a tenacidade, a coragem, o discernimento, a resiliência, a paciência e a perseverança devem ser acrescentados a cada atividade. A tarefa é salvarmo-nos de danos físicos e psicológicos, e ainda ter a força e a vontade de salvar os outros na nossa órbita pessoal.

Pode aceitar muita coisa sem ter de compreender tudo

Os seres humanos podem demonstrar uma extraordinária capacidade de resiliência perante as mais cruéis adversidades. Muitas das experiências da vida não fazem sentido lógico ou não têm uma explicação razoável na altura. É por isso que não podemos estar sempre com tanta pressa: com calma, podemos decompor, analisar, medir e pesar com mais exatidão.

Temos que nos aliar ao tempo para permitir que ele tire as suas conclusões sem as nossas interrupções bruscas ou precipitadas. No final deste processo, aperceber-nos-emos de que tudo foi orientado para um objetivo maior que reclamou o seu tempo nos nossos calendários e esquemas, e que pode não ter em conta as preferências individuais ou as vontades superiores. 

No rescaldo de cada tragédia, imagens icónicas serão imortalizadas e permanecerão nas nossas memórias durante anos. Serão difíceis de esquecer. A questão é saber se nos lembraremos com a mesma facilidade das grandes e valiosas lições que devemos gravar em cada imagem ou acontecimento que vivemos. Vamos enumerar algumas das que devem ficar tatuadas na nossa alma. 

Podemos aprender

- Que ainda há muitas pessoas boas no mundo. Os bons não são apenas os santos, os sãos e virtuosos, mas também aqueles que tencionam tomar a dianteira na calamidade que se aproxima e investir os seus melhores esforços para se ajudarem a si próprios e aos outros, mesmo sem esperar uma recompensa justa. 

- Que o ser humano não se transforma facilmente com discursos, exortações, resoluções, mas com novas virtudes que transformam os seus paradigmas internos e a sua essência. É do manancial das virtudes que brotam as grandes ideias, os nobres projectos, os melhores comportamentos suportados pelas mais sublimes intenções. 

- Essas provações despertam a nostalgia para começarmos a amar mais o que abandonámos, desperdiçámos ou esbanjámos por sermos ingratos ou maus guardiões do que tínhamos como garantido. 

- Esse confinamento físico silencia o burburinho do mundo para que as vozes do interior possam falar, vozes que tantas vezes tentaram avisar-nos a tempo, mas estávamos tão distraídos e ofuscados que não as ouvimos. 

- Que o coração é oxigenado com amor e não há substituto. 

- Que pudéssemos viver com menos dinheiro, menos diversão, menos ódio, menos divisão, menos guerra, crime, egoísmo, violência; com menos sentimento de acumulação ou de merecimento. 

- Mas não podemos viver sem mais ligações emocionais, sem mais fé, sem mais esperança, sem mais resiliência, objetivo comum, colaboração e esforço comunitário.

- Podemos descobrir que os melhores antídotos para o sofrimento são o perdão, a reconciliação, a reorientação e a redefinição, a fim de passarmos da angústia e da amargura para a paz. E a paz é a ponte para a saúde emocional e a felicidade.

- E, acima de tudo, podemos chegar à conclusão unânime de que não podemos viver sem Deus, sem a oração, sem as nossas buscas e encontros espirituais. 

Compreendemos que a nossa vida antes da provação era metade saudável e metade insensata. Perdemos muito tempo a tentar alimentar um coração insaciável que, ao perseguir o supérfluo e o temporário, se esqueceu de procurar a soberania da verdade. Podemos agora apreciar que a coisa mais urgente na vida é viverAcima de tudo, com qualidade de vida, nem que seja só por mais uns dias.

Esta é a grande luta antropológica e psicológica que travamos todos os dias, consciente ou inconscientemente. E tal como lutamos pelo direito ao último suspiro, porque não lutar mais pelo direito de cada criatura ao primeiro batimento cardíaco? 

As provações não são castigos de Deus, mas confianças de Deus. 

Com o sofrimento, Deus confia-nos momentos agudos, porque conhece as nossas reservas, forças e dons que podemos ativar na correria da vida. É um convite a conhecer uma nova definição de milagre: é tão milagroso amar a vida mesmo no meio da dor como ser libertado do sofrimento. 

Conservemos, pois, a quietude, que é o distintivo e o bilhete de identidade dos sãos e dos santos. A quietude pode ser um movimento anónimo ou invisível, pois enquanto estamos fisicamente parados, tudo o que sempre se quis manifestar é mobilizado. Quantas vezes tentamos evitar a dor, mas que dom único ela tem para transformar velhas identidades e esculpir novas essências! Esquecemo-nos que a natureza é mãe, que concebe e corrige, por vezes com paciência e doçura, e por vezes com dureza quando respondemos com rebeldia desafiadora? 

Temos de adquirir o dom de atribuir um objetivo a todas as experiências da vida, para as transformar em lições valiosas ou em bênçãos escondidas. 

Não desperdicemos mais lágrimas e sacrifícios. Comecemos a consagrar tudo aos desígnios sobrenaturais de Deus, pois o desígnio é o mais eficaz calmante e mitigador de toda a dor e sofrimento. Deixemos, pois, que o silêncio nos fale e que os corações humanos comecem a respirar sem máscaras. O convite é para que todos nós aprendamos finalmente a sofrer para aprender a viver! E lembremo-nos de que, afinal, há uma esperança maior.

O autorMartha Reyes

Doutoramento em Psicologia Clínica.

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