As coisas importantes são explicadas muitas vezes e de muitas maneiras. O que mais ajuda é sempre o exemplo, as acções em si, mas temos de reconhecer que uma boa história pode tornar uma lição inesquecível.
Comecemos pela história. Aconteceu no próprio dia da ressurreição de Jesus, com dois dos seguidores do Mestre que, desiludidos, regressaram a casa amaldiçoando o dia em que tinham posto o seu coração em Jesus. São Lucas conta a história em capítulo 24 do seu Evangelho.
Comecemos.
Reconheçamos os nossos pecados
Na Missa, como na vida, Jesus caminha sempre connosco, mas se somos capazes de o reconhecer é outra questão. Os discípulos de Emaús, desiludidos, não viram nada, nem sequer foram capazes de distinguir Jesus quando ele estava ao lado deles.
No nosso caso, temos tantas coisas no prato que, no início da Eucaristia, o padre deseja-nos que "... sejamos capazes de fazer o mesmo que o resto do mundo".o Senhor esteja convosco"E é-o de facto. Outra coisa é que, tal como Cléofas e o seu amigo, nós damo-nos conta disso. Jesus, que já está a caminhar ao lado deles, pergunta-lhes: "Que conversa é essa que estão a ter na estrada??". "Aquilo de que o coração está cheio, a boca fala", Jesus tinha dito no início do seu ministério. A pergunta não é, portanto, uma mera curiosidade. O Mestre que veio para "curar corações partidos". (Is 61,1) precisa que abramos o nosso coração para pôr mãos à obra. No Missa o momento paralelo a este é aquele em que somos encorajados a "Reconheçamos os nossos pecados". com o silêncio que se segue. Aí abrimos o nosso coração a Cristo, que virá mais tarde para sarar as feridas.
Escutar a Palavra de Deus
Os dois caminhantes de coração partido descarregaram toda a sua frustração no misterioso Companheiro que se interessou por eles: tudo o que correu mal, as preces não atendidas, as esperanças goradas, o trabalho inútil..... A par disso, a sua própria cobardia ao fugir e deixar o Mestre sozinho perante os seus inimigos e a forma como foi morto, em parte por sua causa. Às suas palavras, nós, na Eucaristia, acrescentamos: "Senhor, tende piedade, Cristo, tende piedade".
Abrir o coração, podemos começar a mudá-lo através da audição. A fé começa com o ouvido - "fides ex auditu". (Rm 10,17), e vão agora ouvir a melhor lição da Sagrada Escritura que jamais foi pronunciada na história da humanidade: "E, começando por Moisés e por todos os profetas, explicava-lhes o que de si mesmo constava em todas as Escrituras". (Lc 24) Na Missa dominical, fazemo-lo com a leitura de duas leituras, o salmo, o Evangelho e, finalmente, com a pregação da homilia. É um bloco intenso mas muito necessário, porque aí, como nesse dia, Jesus fala-nos verdadeiramente.
E ele falou mesmo! Começou por chamar-lhes "difícil de compreender". Essa viagem abriu-lhes os ouvidos, os olhos, o coração e encheu-os de fogo, sem que se apercebessem disso enquanto caminhavam. Assim é a oração, assim é a leitura da Palavra de Deus.
Petições
"Quando se aproximaram da aldeia para onde iam, Jesus fez um gesto para irem andando. Mas eles insistiram com ele: "Fica connosco.
Acreditem ou não, nesta altura ainda não sabiam quem era aquele que estava com eles, embora a força das suas palavras fosse tão grande e tivesse cativado tanto os seus corações que tiveram medo de voltar a estar sozinhos, de voltar ao "antigamente" e procuraram uma desculpa para lhe implorar que ficasse. E ele ficou.
Também nós, depois de escutarmos a sua Palavra, formulamos as nossas súplicas, "rezamos ao Senhor". Que ele fique e ilumine com a sua presença tantos lugares que, se ele não estivesse lá, nos assustariam: doenças, guerras, fome, injustiça, morte?
Ofertório
Finalmente, já mais calmos, sentados à mesa, passarão das palavras aos actos. Jesus sempre se preocupou mais com os actos do que com as palavras, embora, nesta ocasião, as palavras fossem muito necessárias. Agora vão partilhar a comida, que é tanto como partilhar a vida. Sentar-se à mesa de alguém era, para o povo judeu, uma forma de manifestar a intimidade com essa pessoa, a união da amizade, o desejo de ser um só. Um desejo irrealizável no caso de Deus e do homem. Até que Ele veio.
Em Missa vemos como o sacerdote começa a preparar a mesa do altar. É um ritual delicado, cheio de gestos simples mas significativos: desdobrar o corporal sobre o qual será colocado o Corpo de Cristo; preparar o cálice com o vinho, sinal da divindade de Jesus, com algumas gotas de água, sinal da nossa pobre humanidade; oferecê-lo ao Pai e rezar, inclinado, para que este sacrifício seja sinal da nossa pobre humanidade. "ser agradável na tua presença".. No final destes sinais, o padre lava as mãos para preparar o corpo e a alma para o que se segue. Nós já sabemos, Cleofas e o seu amigo não faziam ideia.
Consagração
"Entrou e ficou com eles. E, estando à mesa, tomou o pão e disse a bênção, depois partiu-o e deu-lho. Então os olhos dos discípulos abriram-se e reconheceram-no". (Lc 6).
As palavras que escolhe são as mesmas, a forma como as pronuncia, o gesto com que pega no pão e depois o parte. Já tinham visto isso noutros lugares. Reconheceram que era o mesmo que lhes tinha dito pela primeira vez na Última Ceia: "Toma e come, este é o meu corpo".
Os exegetas dizem que a narração da Última Ceia é a primeira coisa a ser escrita e que pequenos papiros com cópias das palavras e dos gestos de Jesus na noite da Última Ceia são os primeiros a ser escritos. quinta-feira santa circulou entre as primeiras comunidades cristãs. Ora, esses mesmos gestos e essas mesmas palavras foram repetidos por Ele mesmo, depois da sua ressurreição em Emaús, e são repetidos por Ele mesmo, através dos seus sacerdotes, todos os dias, no altar de todas as igrejas do mundo. Os discípulos reconheceram-no nesse momento. Que nunca nos habituemos ao mistério - assim se chama - da transubstanciação!
Comunhão
Espantados, os caminhantes não paravam de olhar para o Pão consagrado, reconhecendo a presença de Jesus no meio deles. Esta Presença será, a partir de agora, a que marca o ritmo da nossa vida espiritual, a que "fonte e cume da nossa vida cristã". (LG 11).
O ensinamento já estava semeado nos seus corações para eles e para toda a Igreja até ao fim dos tempos. A promessa de Jesus cumpriu-se: "Eu estarei sempre convosco, até à consumação dos séculos".(Mt 28,20). É por isso que Jesus já "tinha desaparecido da sua vista". (Lc 6), mas continua a estar verdadeira e substancialmente presente na Eucaristia.
Receber a Sagrada Comunhão é receber este Pão Consagrado que é verdadeiramente Jesus, como ele próprio disse no discurso do Pão da Vida: "O pão que eu darei é a minha carne para a vida do mundo". (Jo 6,51), "Quem come a minha carne e bebe o meu sangue tem a vida eterna, e eu ressuscitá-lo-ei no último dia". (Jo 6,54).
Os discípulos de Emaús olhavam para o Pão Consagrado e com que emoção o punham na boca! Jesus está agora "carne da sua carne", torna-se verdadeiramente um connosco para curar os nossos corações despedaçados, para nos dar a vida eterna, para nos "divinizar".
Ação de Graças
Agora, os dois - e todos nós - estão a tomar consciência do imenso amor de Cristo manifestado no Eucaristia. A presença de Jesus atrai-os para dentro de si e aí reconhecem o fogo do seu amor. No final da oração, comentam: "Não nos ardia o coração quando ele nos falava pelo caminho e nos explicava as Escrituras?". Finalmente, compreendem a obra que o Senhor está a fazer com eles.
Para nós, esses minutos de silêncio depois da comunhão são de ouro. São momentos para entrar nas profundezas do nosso coração, onde Ele está, e para entrar num diálogo de amor com aquele que sabemos que nos ama. Um diálogo que poderia muito bem ser assim: "Amo-te, agradeço-te, peço-te perdão, peço-te ajuda".
Regresso a casa
A palavra "Missa"vem do texto latino da Eucaristia. No final da celebração, o padre disse: "Ite, missa est. Ou seja: "Agora foste enviado". E tanta alegria não pode ser apenas para alguns. A descoberta do amor de Deus leva-nos a anunciá-lo aos outros, a começar pelos que nos são mais próximos. Cleofas e o seu amigo - tu e eu".Naquele momento, puseram-se a caminho e regressaram a Jerusalém. Ali encontraram os Onze e os outros reunidos [...] contaram-lhes o que lhes tinha acontecido no caminho e como o tinham reconhecido ao partir o pão". (Lc 6).
Da mesma forma, ao sairmos deste encontro com o Mestre, também nós podemos testemunhar todo o amor que Ele tem por nós e como ficou - escondido - para sempre na Eucaristia.
Pároco em San Sebastián de los Reyes (Madrid)