Hoje, estamos a assistir a uma mudança no rosto tradicional da família nos países de tradição cristã. Especialmente no Ocidente, está a mudar por saltos e limites. As relações pré-matrimoniais parecem óbvias para alguns e o divórcio tornou-se quase normal, muitas vezes como consequência de infidelidade conjugal. A isto há que acrescentar as ideias de género e os chamados casamentos homossexuais. O que não mudou é o coração do ser humano em cujas profundidades bate o desejo de formar uma família e, se possível, uma família estável.
Nesta situação, de uma viragem copernicana na forma de compreender o casamento e a família, bem como na forma de abordar a sua preparação, mais frequentemente no meio de uma anterior relação de coabitação, existem apenas duas atitudes possíveis: resignação, levando ao pessimismo unilateral, ou adoptando o espírito do Concílio Vaticano II, que nestes assuntos assume a forma de: a) acolhimento, e b) reorientação para Cristo Salvador.
Assim, em Gaudium et Spes (GS), nn. 47-52, encontramos uma abordagem mais personalista do casamento e da família, em continuidade com a tradição anterior. Mais tarde, São João Paulo II, na sua Catequese sobre o amor humano e na Exortação Apostólica Familiaris Consortioabriu novas perspectivas sobre os problemas actuais. Além disso, os dois sínodos sobre a família convocados pelo Papa Francisco em 2015 e 2018 são mais uma manifestação do seu interesse em tudo o que diz respeito ao casamento e à família.
Voltando ao tema em questão, como é a experiência de preparar os noivos para o casamento, considerando que a maioria deles (7 em cada 10 casais) já vivem juntos numa união estável, por vezes a longo prazo, de facto? Começamos com um exemplo que nos pode ajudar a situar-nos perante o problema, que é um desafio e um desafio para a Igreja no século XXI.
Álvaro e Cinthia vieram à paróquia da Natividade, em Navacerrada, para pedir uma data para se casarem em Setembro próximo. Depois de fixar a data e explicar as suas motivações para se casarem na Igreja, marcamos um outro dia, durante o qual pudemos discutir e aprofundar a sua história pessoal e o seu plano para a sua vida de casados. Querem fazer connosco o curso de pré-casamento para ajudar o padre a conhecê-los melhor. Neste diálogo, levantou-se a questão sobre o sacramento da confirmação, que ela recebeu e ele ainda não recebeu. Perguntou-me se se podia preparar para receber o sacramento da confirmação antes do casamento.
Reunimo-nos por um segundo dia, durante o qual acordámos uma série de reuniões e leituras como material básico para preparar a sua confirmação. E, no contexto deste último diálogo, perguntei ao noivo: "Porque decidiram viver juntos, e que 'prós' e 'contras' encontraram?". Ele respondeu-me: "A experiência de viver juntos ajudou-nos a conhecermo-nos melhor na nossa vida quotidiana juntos, mas apercebemo-nos que, como crentes, havia algo que não estávamos a fazer bem.Ele continua, "chegou o momento de nos casarmos"..
Continuámos a conversa com a minha pergunta: "Quer ter filhos?". A resposta: "Sim, de facto, foi um factor muito importante na nossa decisão de nos casarmos".. O padre continua: "Recomendaria aos seus amigos que 'tentassem antes de se casarem'?"o noivo: "Sim, pela oportunidade de nos conhecermos melhor; e não, de um ponto de vista moral, estamos cientes de que pusemos a carroça à frente dos cavalos..
Todas as dimensões
Consideramos esta entrevista, conduzida com o noivo nos nove meses anteriores ao casamento, muito relevante e esclarecedora. Por um lado, faz um juízo avaliativo da experiência de coabitação como algo "necessário", embora não a valorize positivamente de um ponto de vista moral. Na verdade, esta seria a única razão para não o recomendar. Por outro lado, reconhecem ter ligado o seu desejo de ter filhos à decisão de casar.
Esta última está a tornar-se cada vez mais comum: depois de viverem juntos, por vezes durante muito tempo, à medida que os anos passam e a idade fértil da mulher se torna mais curta, vêm à Igreja para pedir para casar. Alguns, poucos, fazem-no quando já está grávida ou com uma criança já nascida, para ser baptizada. Celebrar um casamento com um baptismo é algo com que nós padres temos de contar e é bom saber como nos aproximarmos dele. Um "dois por um" vende-se bem no campo pastoral e é sempre uma forma de evangelização.
Como uma anedota: numa ocasião tivemos de celebrar um casamento com um baptizado (como digo, algo bastante comum hoje em dia), em que os noivos tinham convidado a família "apenas para o baptizado", sem qualquer menção ao casamento. Houve uma surpresa geral, especialmente do seu pai, quando no início da celebração o padre anunciou que tinham vindo ao casamento dos seus filhos e ao baptizado do seu neto. Os lenços começaram a sair dos bolsos da nave da igreja.
Casar, e fazê-lo na Igreja, é um passo definitivo que muda a vida destes noivos e os coloca num nível existencial diferente, podendo contar com a graça de Deus na sua vida conjugal e educando os seus filhos na fé católica. Também lhes garante o estatuto social e jurídico necessário para o desenvolvimento da sua vida familiar na sociedade. O casamento, mesmo que haja apenas quatro convidados, continua a ser uma celebração pública, devido ao significado indubitavelmente social do casamento. Isto é algo que não devemos esquecer quando nos preparamos para o casamento na Igreja.
Este é um desafio pastoral, através do qual se torna claro que, tal como na preparação para o casamento, todas as dimensões da pessoa entram em jogo: intelectual, afectiva e espiritual. Todos aqueles que vêm casar na Igreja requerem um acompanhamento específico para os ajudar a discernir bem a sua vocação, bem como a idoneidade da pessoa que escolheram para casar. Não há crise da família; há uma crise do ser humano, e é por isso que devemos salientar este discernimento prévio, que é tão necessário.
Acompanhamento personalizado
Estamos a abordar a importância de um bom acompanhamento pastoral por parte do sacerdote e outros agentes envolvidos (leigos competentes e bem formados, casais com uma vida de fé comprometida), que pode facilitar o acesso dos noivos ao casamento com pleno conhecimento do que fazem e em plena liberdade, bem como ajudá-los a encontrar Deus frutuosamente num momento tão decisivo das suas vidas.
Papa Francisco, em Amoris Laetitia (n. 297), recorda-nos que "É uma questão de integrar todos, ajudando todos a participar na comunhão eclesial, para que se sintam objecto de uma misericórdia 'imerecida, incondicional e livre'". Esta indicação de que o Papa se refere a pessoas em situações ditas irregulares é estendida por analogia aos noivos que vivem juntos antes de se casarem. A maioria deles liga a sua decisão de casar na Igreja ao momento de ter filhos. Não é difícil para eles aceitarem viver juntos sem estarem casados como habitualmente, mas não podem conceber que tenham filhos fora do casamento. É por isso que é tão importante que nós pastores saibamos acolher casais que vêm pedir o baptismo de uma criança sem estarem casados, porque muitas vezes, durante ou após a preparação deste baptismo, surge a oportunidade para estes pais considerarem o casamento.
Desta forma, a preparação para qualquer sacramento, mas especialmente para o casamento, é apresentada como uma oportunidade dentro da Igreja para anunciar aos noivos a Boa Nova de Jesus Cristo, que também nasceu numa família, santificada nela e transformada num modelo de vida familiar para toda a humanidade. Uma tal oportunidade requer saber acolher, acompanhar e integrar.
– Anfitrião Implica fazer com que os noivos que vêm para casar na Igreja vejam que não estão sozinhos. Ao escolherem o casamento canónico estão, mesmo sem o saber, a responder ao plano de Deus para as suas vidas. É tarefa do padre que os recebe e, quando apropriado, os acompanha, fazê-los ver esta grande verdade: que o casamento é uma vocação e como tal exige uma resposta da sua parte. E, hoje mais do que nunca, é necessária uma explicação clara e completa para os noivos do que é o casamento cristão como instituição natural desejada por Deus, orientada para o bem dos cônjuges e aberta à vida, a fim de formar uma família.
O que é óbvio porque é evidente não deve ser deixado por explicar, especialmente nos tempos actuais, quando o mais básico, tal como a complementaridade entre homem e mulher, precisa de ser explicado.
Aconteceu a todos nós, ao falar com os noivos, que na primeira entrevista, ele ou ela estava reticente quanto à conveniência do casamento na Igreja (fizeram-no mais para os outros do que para si próprios), porque pensavam que para casar era necessário, por exemplo, ir à missa todos os domingos ou ir à confissão de vez em quando. E ficaram surpreendidos quando lhes foi explicado que o que a Igreja exige, para poder celebrar um casamento canónico, é querer o que a Igreja quer. Nem mais, nem menos.
A Igreja quer que o casamento seja a união de um com outro, para a vida e aberto à procriação e educação das crianças. O que quer que exceda isto não pode ser exigido aos noivos para que possam casar. Nem pode ser-lhes exigido nada menos do que isso. Um casal que expressa expressa e positivamente a sua relutância em ter filhos (o que é diferente de querer adiar ter filhos) deve ser aconselhado a esperar e, em alguns casos, desencorajado de entrar em tal casamento. Pois poderiam ser levados de livre vontade a entrar num casamento que é nulo por exclusão de um dos dois objectivos do casamento (neste caso, o da geração e educação dos filhos). Trata-se de os pastores que acompanham os noivos manterem uma posição de equilíbrio que garanta o seu direito ao casamento e os ajude a discernir sobre o casamento que estão prestes a celebrar, sabendo que a liberdade interna e externa é decisiva para a sua validade.
Logicamente, este diálogo com os noivos deve ter lugar num ambiente de confiança e proximidade, capaz de suscitar entre os noivos e o padre um diálogo franco sobre o modo de ser de cada um, os seus hobbies, virtudes e defeitos dominantes, a sua vida de fé. Se ele ou ela, ou ambos, me disserem que não têm uma vida de fé, encorajá-los-ei a ter uma; a assistir à adoração, à missa dominical ou a um retiro. Todos nós tivemos experiências muito boas a este respeito. Mas insisto que não podemos ligar o grau de fé vivido com a validade do seu casamento, embora possamos ajudar a garantir que esta preparação favorece o seu encontro com Deus e com a Igreja... Pouco a pouco, conduzindo os noivos como se estivessem num plano inclinado.
- Acompanhar: é a fase mais importante da preparação do casamento, porque requer tempo para ser dedicado aos noivos. Não devemos considerar o curso pré-casamento e o dossier como preparação suficiente. Ambos têm de ser o culminar da preparação anterior com os noivos. Na minha paróquia - como vi nas três paróquias a que assisti - este acompanhamento é feito pelo pároco ou pelo vigário sacerdote. E agora surge a questão fundamental: Quanto tempo é que esta preparação tem de durar?
Recentemente, os materiais foram apresentados Juntos no caminho, +Q2O objectivo é de acompanhar os noivos no seu discernimento vocacional durante dois anos. Isto deve levar-nos a pensar se a preparação que actualmente damos nas paróquias é realmente necessária e se é suficiente em termos de tempo e conteúdo. É verdade que nos concentramos em explicar o casamento-sacramento e o que ele implica, mas não prestamos tanta atenção à importância de os noivos discernirem a sua vocação e a sua correspondente e recíproca aptidão para ela. Uma coisa é estar apaixonado, e outra bem diferente é que esse amor encontre o canal certo para se desenvolver e crescer.
Como aspectos, que não devem ser deixados para discussão com os noivos:
a) Primeiro, a biografia dos noivos e as vicissitudes pelas quais passaram antes de se conhecerem, durante o noivado e nos meses que antecederam o casamento.
b) A segunda é conhecer melhor os noivos (pode-se ver como reagem a certas questões ou mesmo ao seu estado de espírito em comparação com a última entrevista). Neste sentido, aconteceu-nos que, "uma semana antes do casamento", a noiva nos explica que sofre de depressão severa que a torna incapaz de levar uma vida normal em certos momentos, impedindo-a mesmo de ir trabalhar. Este é um facto que não tinha vindo à luz em reuniões anteriores e que veio à luz apenas alguns dias antes do casamento.
O impacto que estas questões podem ter no consentimento a dar e a dar exige grande atenção por parte do pastor para ajudar os noivos a discernir e avaliar o casamento que estão a celebrar e a idoneidade da pessoa e o momento em que o estão a celebrar. Não é tanto o "o quê", obviamente importante, mas o "quando" e "com quem" que deve orientar o pastor de almas na difícil tarefa de ajudar a discernir. Seria uma questão de provocar os noivos a fazer a grande pergunta: o nosso casamento é viável, e tem a perspectiva de prosperar e ser sustentado ao longo do tempo? Em relação a este aspecto, a pergunta que aparece no ficheiro pré-matrimonial da diocese de Madrid sobre "se teve dúvidas sobre o sucesso do seu casamento" faz todo o sentido; saber como dirigir esta pergunta e a resposta que obtemos não deixa pouca luz sobre o sacramento que eles vão celebrar e as condições em que o vão celebrar. Dá pistas a eles e ao padre.
c) e d) em terceiro e quarto lugar, vamos concentrar-nos na preparação para o sacramento (o dia do casamento) e ajudar os noivos a reconciliarem-se com Deus através do sacramento da confissão. É de notar que alguns deles não se confessam há muito tempo, pelo que nestes momentos antes do casamento estão num momento ideal para experimentar a misericórdia de Deus nas suas vidas. O acompanhamento do padre, tanto antes como durante a confissão, respeitando o ritmo e o grau de fé do penitente, é essencial.
2.- Discernir e Integrar: Somos a favor de colocar nesta fase de integração na comunidade eclesial os "grupos de noivos", que estão a ser formados em muitas paróquias, o curso pré-matrimonial e a conclusão do dossier. O primeiro, porque é o momento em que o casal noivo que temos vindo a preparar individualmente se integra com outros casais como eles e também diferente deles em idade, circunstâncias, cultura, etc., um momento de grande riqueza para todos, incluindo o padre. Assim, quando chegam ao curso pré-matrimonial, já discerniram a sua vocação e estão integrados na comunidade eclesial que os acolheu, capaz de desenvolver uma grande abertura e disponibilidade em relação às informações e experiências que lhes continuarão a ser comunicadas. De facto, alguns deles disseram-nos no inquérito que fizemos no final do Cursillo que nunca antes tinham experimentado a maternidade da Igreja como fizeram no grupo de casais e no Cursillo pré-matrimonial.
Os grupos de noivos, como os de casais casados, requerem pelo menos acompanhamento e regularidade mensais, para que haja tempo para a oração, alguma formação e tempo para a partilha: esta última é talvez a mais enriquecedora.
O essencial para transmitir e comunicar
Quanto ao conteúdo e duração dos seminários, existem tantas formas como paróquias. Mas acreditamos que é importante que nunca lhe falte:
-Tratamento uniforme e sistemático dos aspectos fundamentais do casamento. O seu carácter de instituição natural querida por Deus e pela Igreja, o sacramento do casamento, as suas propriedades e objectivos, as dificuldades que podem surgir e como resolvê-las, sexualidade e comunicação no casal, métodos de planeamento natural do nascimento e, muito importante, como acompanhar os cônjuges que não puderam ter filhos. A nova naprotecnologia e a adopção tradicional são realidades que devem ser conhecidas e oferecidas aos cônjuges.
-duração deve ser suficiente para poder fornecer o conteúdo certo. Nem mais, nem menos. É evidente, contudo, que os cursos de vários dias, ao longo de quatro ou cinco semanas, são uma forma ideal de conhecer melhor o casal noivo e de ver a sua evolução ao longo do tempo; se soubermos olhar para eles, podemos ver como estão a fazer e o que precisam. A opinião da Igreja é muito importante neste momento de preparação do casamento.
-o ficheiro matrimonial: Cabe a cada padre decidir o fruto deste encontro com os noivos e com as testemunhas do casamento. Se aproveitarmos as questões que compõem o encontro como uma oportunidade para dialogar com eles sobre os temas fundamentais do casamento, estaremos a torná-lo um momento maravilhoso de transparência e sinceridade para os noivos.
Em suma, a Igreja é chamada a fazer, através do magistério dos Papas e com a ajuda de pastores, bispos, sacerdotes e os leigos mais empenhados, uma proclamação de vida e verdade aos jovens noivos e casados, permitindo-lhes ver para além das contingências materiais, a fim de desfrutar e saborear as realidades do céu que lhes chegarão de uma forma admirável através do seu casamento. Encorajando-os a participar e permitindo-lhes compreender que "independentemente da firmeza de propósito daqueles que se envolvem em relações sexuais prematuras, eles não garantem que a sinceridade e fidelidade da relação interpessoal entre um homem e uma mulher será assegurada, e sobretudo protegida, contra os caprichos das paixões". (Congregação para a Doutrina da Fé, Pessoa humana). A união carnal só é legítima quando se estabelece uma comunidade de vida definitiva entre o homem e a mulher. O amor humano não tolera "prova". Exige uma doação total e definitiva de pessoas umas às outras (Familiaris Consortio, 80 y Catecismo da Igreja Católica, 2391).
Chamado à santidade
Seria uma incongruência para os pastores não deixar claro ao casal noivo a vocação universal à santidade que está subjacente ao casamento. GS 48 recorda-nos isto com estas palavras: "Imbuídos do espírito de Cristo, que satura toda a sua vida com fé, esperança e caridade, eles (os esposos) atingem cada vez mais a sua própria perfeição e a sua santificação mútua".. E o GS 49.2 aponta: "Para cumprir com constância as obrigações desta vocação cristã, é necessária uma virtude distinta; portanto, os esposos, fortalecidos pela graça para uma vida de santidade, cultivarão firmeza no amor, magnanimidade de coração e espírito de sacrifício, pedindo-lhes assiduamente em oração"..
Tendo em conta os "tempos difíceis" em que vivemos, é essencial criar plataformas familiares onde todos os organismos educativos estejam presentes: escolas, universidades como centros de conhecimento, paróquias como autênticos areópagos de fé, movimentos eclesiais, agentes de pastoral familiar, Centros de Orientação Familiar (COF), serviços de mediação familiar, fóruns católicos na Internet e qualquer pessoa com o interesse e formação adequados, a fim de "trazer casamentos cristãos para o mundo. Devemos isso ao mundo, à Igreja e às gerações futuras....
Não há tarefa melhor, não há desafio maior!
Pároco, juiz eclesiástico e doutor em direito