A decisão de eliminar o estudo cronológico da História na LOMLOE tem sido chocante e tem suscitado críticas de historiadores e escritores. Como se pode estudar História sem ter em conta o fio condutor dos acontecimentos?
As críticas não demoraram muito tempo a aparecer e foram expressas em diferentes meios de comunicação social. De facto, um grupo de escritores promoveu um manifesto no qual tomam uma posição clara contra este modelo de ensino de história.
"Respondem a uma abordagem ideológica que transforma a história num magma, numa série de quadros desligados em que o tempo histórico não tem sentido e, consequentemente, os factos não são integrados num período específico, mas são ensinados fora do contexto.
Esta fórmula faz com que os estudantes caiam no presentismo e julguem o passado com critérios actuais, o que significa fertilizar o terreno para "a cultura do cancelamento": a impugnação de qualquer facto histórico, obra cultural ou personagem considerado contrário a certos valores identitários actuais".
Para além desta mudança de paradigma no estudo da história, porém, o tema da história está a ser minado em muitos outros aspectos.
Para começar, o número de horas de ensino é seriamente reduzido. Além disso, o estudo de períodos históricos anteriores ao século XIX é minimizado, deixando de lado acontecimentos históricos essenciais. E parte do programa centra-se mais em análises sociológicas, que não estão livres de abordagens ideológicas, do que em abordagens históricas.
Para não mencionar que alguns dos factos históricos estão tingidos com um grau de subjectividade que é na realidade uma posição partidária, como é o caso, por exemplo, quando se analisa a Segunda República Espanhola.
Tudo isto me fez lembrar, por associação de ideias, de algo que passou como anedótico na reforma educacional: o facto de o estudo dos numerais romanos ter sido suprimido.
A desculpa de que há demasiados conhecimentos no currículo e que o fardo tem de ser aliviado soa demasiado como uma desculpa.
A geração mais jovem já não será capaz de interpretar a maioria das inscrições. Para eles será como olhar para um hieróglifo egípcio, uma pilha de letras sem sentido. Mas o dano é muito maior e mais preocupante se acrescentarmos isto à perda geral do conceito histórico de que estamos a falar.
A história comum molda-nos como um povo, dá-nos identidade, ancora-nos numa comunidade. Faz-nos compreender quem somos como sociedade e como pessoas. Analisa o passado a fim de compreender o presente e de nos projectarmos num futuro melhor. Sempre ouvimos dizer que aqueles que não conhecem a história estão condenados a repeti-la.
Hoje existe uma mentalidade revolucionária no ar e entre as elites políticas e sociais. A revolução é sempre apresentada com a pretensão adâmica de que tudo começa hoje, com uma ruptura radical com o passado.
Em algumas ocasiões, tais como durante a Revolução Francesa, o calendário foi alterado. Já não era possível medir os anos ou meses com o calendário cristão. O nascimento de Cristo não poderia ser o centro da história.
Este sentimento revolucionário pode ser hoje vislumbrado de uma forma especial, embora de uma forma mais lenta, mais subtil, menos ruidosa. Estamos, certamente, num ponto de viragem. Mas é uma mudança que alguns querem fazer uma ruptura com o passado, para propor um novo paradigma ético e moral, político e económico. E romper com o passado, deixando as novas gerações sem raízes, desfocando os laços comunitários, faz parte do caminho que conduz ao grande reinício que pretendem. Dentro deste esquema revolucionário de mudança de paradigma, a educação é um elemento chave; é a ferramenta que impulsiona esta mudança.
A eliminação da história é essencial para este propósito de criação de uma nova ordem social. Eles precisam de uma nova geração de jovens sem história, sem passado, sem âncoras. Só assim, sem os laços com a terra que os enraíza, poderão seguir certos caminhos pessoais e colectivos que colidiriam com os princípios morais e sociais que os constituíam como povos e como indivíduos.
Mas todos nós sabemos o que acontece a uma árvore sem raízes. Não se aguenta. Enrola ao menor vento. E, por fim, morre. Este é o momento crucial em que vivemos.
Pensando em tudo isto, não posso deixar de recordar algumas palavras do papa polaco. Karol Wojtyla e a sua geração de compatriotas também tiveram de viver numa época em que um regime revolucionário queria mudar a sua identidade e estabelecer uma nova ordem social. Mas foi precisamente neste enraizamento na história e tradição que encontraram as chaves para enfrentar esse enorme desafio. Vale a pena reler estas palavras e tirar conclusões para o nosso tempo.
"Penso que nestas muitas formas de piedade popular está a resposta a uma pergunta que por vezes é feita sobre o significado da tradição, mesmo nas suas manifestações locais.
Basicamente, a resposta é simples: a afinação dos corações é uma grande força. Enraizar-se no que é antigo, forte, profundo e cativante ao mesmo tempo, dá uma energia interior extraordinária.
Se este enraizamento estiver também ligado a uma forte força de ideias, já não pode haver qualquer razão para temer pelo futuro da fé e das relações humanas dentro da nação.
No rico húmus da tradição, cultiva-se a cultura, que cimenta a coexistência dos cidadãos, dá-lhes a sensação de serem uma grande família e dá apoio e força às suas convicções.
A nossa grande tarefa, especialmente hoje, nesta época da chamada globalização, é cultivar tradições sólidas, fomentar uma harmonia ousada de imaginação e pensamento, uma visão aberta ao futuro e, ao mesmo tempo, um respeito afectuoso pelo passado.
É um passado que permanece nos corações humanos sob a expressão de palavras antigas, gestos antigos, memórias e costumes herdados de gerações passadas".
São João Paulo II, 'Levanta-te! Vá lá!