Para muitos casais, a infertilidade é uma provação difícil, um fardo doloroso que põe em causa o sonho de constituir família. No entanto, o livro de Sabedoria oferece uma mensagem profundamente consoladora para aqueles que, apesar de não poderem conceber, levam uma vida virtuosa e aceitam a vontade de Deus.
Um texto de Agustín Giménez González, diretor do Departamento de Sagrada Escritura da Universidade de San Dámaso, explica muito bem esta ideia, que resumimos a seguir (Cfr: Agustín Giménez, Sabedoriap 74-82, BAC, 2021).
A alegria da fidelidade
O livro do Sabedoria dá-nos palavras de encorajamento: "Bem-aventurada a mulher estéril e irrepreensível, cuja cama não conheceu a infidelidade: ela obterá o seu fruto no dia do juízo" (Sb 3,13). A esterilidade, longe de ser uma maldição, é uma oportunidade para demonstrar fidelidade e amor sincero, valores que Deus abençoa abundantemente.
No entanto, a recompensa divina para aqueles que são fiéis a Deus apesar de não poderem gerar estende-se também ao homem e não apenas à mulher: "Bem-aventurado o eunuco em cujas mãos não há pecado, nem teve maus pensamentos contra o Senhor: pela sua fidelidade, receberá um favor especial e uma herança invejável no templo do Senhor" (Sb 3,14). O eunuco é o equivalente masculino da mulher estéril. O versículo citado assinala a tentação de culpar Deus pela infertilidade, o que é humanamente lógico, mas profundamente injusto para o criador.
É verdade que a infrutuosidade é difícil de aceitar e tenta o homem a revoltar-se contra Deus. No entanto, a promessa de Deus para aqueles que aceitam com alegria a sua vontade é prometedora. O profeta Isaías descreve-a da seguinte forma: "Aos eunucos que guardam os meus sábados, que escolhem fazer a minha vontade e guardar a minha aliança, darei na minha casa e dentro dos meus muros um memorial e um nome melhor do que filhos e filhas, um nome eterno que não será cortado" (Is 56,35).
Culpar Deus
O professor Giménez explica que o livro da sabedoria "sublinha também que não se deve ter maus pensamentos 'contra o Senhor', porque, quando se tem defeitos físicos, é fácil culpar Deus e, interiormente, renegá-lo e pensar que ele foi mau ou injusto por o ter permitido. Tais pensamentos afastam-nos de Deus, carregam o veneno da serpente que acusa Deus de ser inimigo do homem e estragam o maravilhoso prémio destinado aos eunucos. Estes, graças à sua fidelidade, receberão um favor especial (...): "uma herança invejável no templo do Senhor". É surpreendente que o eunuco tenha um lugar especial precisamente no templo de Deus, pois a lei de Moisés exclui explicitamente os eunucos (e outros homens defeituosos) do serviço sacerdotal no templo: "Não se pode aproximar para oferecer os holocaustos em honra do Senhor. [Não pode furar o véu nem aproximar-se do altar, porque tem um defeito e profanaria o meu santuário" (Lv 21,21.23). Salomão ensina que tudo aquilo de que se é privado nesta vida, será recebido em abundância na outra".
Esta promessa é um convite a confiar que Deus reserva tesouros de graça para aqueles que perseveram na fé. A ausência de filhos não é o fim da felicidade; a verdadeira herança nesta vida encontra-se no amor que se semeia e na virtude com que se vive; na outra vida, a herança será transbordante.
Auto-culpa
Os pais que não podem ter filhos sofrem muitas vezes da dor de não procriar. A esta dor natural junta-se por vezes uma dor mais subtil e nociva, pensando que se trata de um castigo divino, ou da causa de um pecado passado... Mas nada poderia estar mais longe da verdade.
Como salientou o Professor Giménez numa conferência, "Deus não é assim. Deus permite tudo para o nosso bem. E como diz o livro do Sabedoria É uma grande bênção do céu ser infértil, quando vivida com confiança e amor ao Senhor, pois a recompensa eterna será imensa. Por isso, não se deve culpar ninguém por estas situações, muito menos a si próprio. Devemos abraçar a situação, a cruz, com fé, amor e esperança, oferecendo a nossa própria dor pela salvação do mundo e olhando para o céu, onde a recompensa será infinita.
Um legado eterno: a virtude sobre a descendência
Ao longo da história, muitas culturas associaram a descendência à continuidade e à sobrevivência ao longo do tempo. Mas a Bíblia oferece-nos uma visão diferente: "É melhor não ter filhos e ser virtuosoPorque a memória da virtude é imortal: é reconhecida por Deus e pelos homens" (Sb 4,1). Assim, a verdadeira fecundidade que deixamos neste mundo não se mede em filhos, mas no bem que fazemos e na vida reta que levamos.
As Escrituras não negam a dor daqueles que desejam ser pais e não podem. Mas também nos assegura que Deus vê para além das nossas limitações e transforma cada situação numa ocasião de graça.
O versículo que se segue ao anterior exalta o valor da virtude: "Quando está presente, imitam-na; quando está ausente, desejam-na; e na eternidade triunfa e usa a coroa, vitoriosa na luta pelos troféus incorruptíveis" (Sb 4,2). Quando alguém vive virtuosamente, os outros notam-no e querem seguir o seu exemplo. Mas quando ele falta, a sua ausência é sentida e faz falta, porque as pessoas santas trazem luz e direção à vida. No fim, a virtude não é passageira, mas transcende; na eternidade é recompensada e reconhecida com uma coroa.