O que podemos fazer depois de aprovada a lei da eutanásia? O Instituto de Currículo Principal da Universidade de Navarra realizou ontem a mesa redonda "Sobre a eutanásia: recuperar o sentido de dignidade, cuidado e autonomia". em que a questão foi abordada a partir dos campos da medicina, direito, opinião pública e filosofia.
Carlos Centeno, director do Serviço de Medicina Paliativa da Clínica Universidade de Navarra; Teresa Sádaba, professora de Comunicação; José María Torralba, professor de Ética; e Pilar Zambrano, professora de Filosofia do Direito foram os oradores desta mesa redonda, que foi moderada por Mercedes Pérez Díez del Corral, decano da Faculdade de Enfermagem.
A medicina actual apaga a ideia de que "é preciso morrer com dores".
O primeiro a tomar a palavra foi o Dr. Carlos CentenoEle centrou a sua apresentação na ideia de que com a boa medicina é possível morrer em paz e sem sofrimento. Para tal, descreveu os avanços e práticas médicas que estão actualmente a ser realizadas e que combatem a ideia de que "é preciso morrer com dores", e fê-lo através de vários exemplos reais de doentes com várias doenças e fases da doença. O médico quis principalmente realçar a diferença entre os cuidados paliativos e a eutanásia. Enquanto a primeira procura aliviar o sofrimento derivado da doença, a eutanásia persegue activamente o fim da vida.
Centeno centenou a sua apresentação em três consultórios médicos. A primeira: a utilização do morfinabem administrado como "bom medicamento que evita um sofrimento intenso para o doente". Uma prática que não se aplica apenas a pessoas próximas da morte, mas também a pessoas que, devido à sua doença, sofrem de um elevado nível de sofrimento. O sedação paliativa tem sido a segunda das práticas que ajuda a eliminar o sofrimento e não o doente, como a eutanásia. Sobre este ponto, Centeno recordou que a sedação paliativa visa aliviar o sofrimento e é aplicada em maior ou menor grau, dependendo das doenças. Finalmente, ele referiu-se a a adequação do esforço terapêuticoA aceitação é "decidir se um tratamento é demasiado para uma pessoa". Essa aceitação é estar consciente de que a doença atingiu um patamar é aceitar, de certa forma, a morte natural.
"A nova lei reconhece o direito a reclamar um benefício médico que consiste em matar".
O enfoque jurídico foi fornecido pelo Professor Pilar ZambranoZambrano começou por distinguir os conceitos de cuidados paliativos, a adequação do esforço terapêutico e a eutanásia. Zambrano declarou que é necessário "ser claro que a eutanásia é uma acção destinada a causar intencional e directamente a morte".
Zambrano também diferenciou entre duas concepções de descriminalização. A primeira é que "o Estado deve abster-se de intervir face a um direito individual". Pedimos uma omissão por parte do Estado e que não haja penalização, por exemplo, de uma multa no exercício do que eu considero ser um direito".
A segunda concepção, porém, "considera que este direito tem de ser convertido num direito de serviço, ou seja, que o Estado tem de fornecer os meios para o tornar possível". Esta é a concepção da lei recentemente aprovada sobre a eutanásia, que transforma a eutanásia activa num direito de serviço - que o governo tem de adquirir, encorajar e treinar nela. "Estamos perante uma lei que reconhece o direito de solicitar um serviço médico que consiste em matar", reconheceu Zambrano.
A questão que surge deste regulamento é óbvia: pode um cidadão opor-se activamente a esta lei? Uma questão complicada, como admitiu o professor de direito, que reconheceu que esta oposição seria diferente dependendo do papel de cada pessoa perante a lei: por exemplo, profissionais médicos, legisladores ou os próprios políticos.
Conhecer os "quadros de interpretação
Pela sua parte, a directora do ISEM e professora de comunicação, Teresa Sádaba Abordou os "quadros actuais de interpretação em que a opinião pública aborda a eutanásia" e que devem ser repensados, com o objectivo de criar um debate real e frutuoso sobre a eutanásia que conduza a uma reflexão sobre os pontos fundamentais em jogo. Os quadros de interpretação apontados por Sádaba são:
- Compaixão perante o sofrimento, especialmente mostrando compaixão em situações de fronteira. A compaixão é considerada acima de todas as outras. Compaixão não só pelo paciente mas também pelo prestador de cuidados ou pela família.
- O conceito de dignidade. Em que, segundo Sádaba, existe "uma confusão terminológica", pois aqueles que rejeitam a eutanásia apelam a uma dignidade intrínseca, enquanto aqueles que a defendem consideram a dignidade como uma adaptação a certas circunstâncias.
- A trivialização e normalização destas questões.
- A apresentação da Igreja como uma instituição dogmática ou ancestral, desprovida de razões inteligentes.
- A consideração da lei como uma conquista dos direitos individuais, sem limites.
- O argumento sobre o papel dos profissionais: a expiração do juramento ou estatísticas hipocráticas como argumento.
- Experiência de outros países, pro ou con
- O animalismo e a consideração ou igualização dos direitos dos animais e dos seres humanos.
- O mundo dos negócios que também existe na eutanásia.
- Avanços na ciência
Em conclusão, Teresa Sádaba sublinhou a importância de criar um banco de confiança quando se lida com este tipo de questões sob a perspectiva certa.
"Vamos construir uma sociedade orgulhosa de cuidar dos seus".
Finalmente, o filósofo tomou a palavra José María TorralbaO director do Instituto de Currículo Principal da Universidade de Navarra, que começou por salientar que "estamos perante um momento de mudança de visão do mundo. A sociedade perdeu o significado de conceitos como "cuidado", "autonomia" ou "sofrimento". Torralba apelou à necessidade de recuperar o significado destes conceitos através da educação e do debate público.
O professor de ética apelou a que o debate sobre a eutanásia não fosse encerrado, apesar de a lei ter sido aprovada, dado que é "uma lei que prejudica o bem comum e temos de trabalhar para mudar a lei. Estamos comovidos pela convicção de que existem verdades, tais como o valor da vida, que a sociedade não deve esquecer". Nesta linha, salientou que "a mensagem cristã deve lembrar-nos que a vida é um dom que recebemos, que os parâmetros de utilidade não são adequados para valorizar uma vida".
Também salientou que "em situações de sofrimento, a capacidade de amar e ser amado não desaparece, na verdade torna-se mais palpável".
Torralba referiu-se às duas formas de compreender a dignidade a que o Professor Zambrano tinha aludido: como um valor intrínseco ou como pura autodeterminação.
Torralba salientou que "devemos construir uma sociedade em que ninguém tenha de se perguntar se existe demasiado, porque as leis criam cultura e vice-versa". A cultura, através dos media, da educação, as artes "devem criar uma sociedade orgulhosa de cuidar dos seus", concluiu.