Ecologia integral

Manuel SerranoOs cuidados paliativos são uma manifestação de humanidade".

Manuel Serrano Martínez, Diretor Médico do Hospital Laguna para os cuidados paliativos, fala nesta entrevista sobre a importância do acompanhamento, o trabalho humanitário do médico e a vocação universal para cuidar.

Paloma López Campos-16 de fevereiro de 2024-Tempo de leitura: 7 acta
Manuel Serrano

Manuel Serrano Martinez, Diretor Médico do Hospital de Cuidados Laguna

Manuel Serrano é o Diretor Médico do Hospital Laguna Careum centro de saúde orientado para os cuidados paliativos em Madrid (Espanha). O Dr. Serrano escreve artigos, livros e dá palestras, mas acima de tudo, o que caracteriza o seu trabalho é "cuidar das pessoas".

Convencido de que os cuidados paliativos "são uma atividade fundamental para um médico", e dada a importância atribuída aos cuidados paliativos pelo Papa FranciscoO Dr. Serrano fala sobre eles com a Omnes nesta entrevista.

Quando um doente está em cuidados paliativos, o médico sabe que a sua missão já não é curar, mas cuidar. Como é que o seu trabalho muda?

- Nós, profissionais de saúde, sabemos que o que nos deve caraterizar acima de tudo é cuidar das pessoas. Curar nem sempre é possível, mas cuidar, confortar e acompanhar é sempre possível. Quando as pessoas adoecem, mesmo que seja de uma doença trivial, preferem ter ao seu lado um médico que esteja atento às suas necessidades, à sua forma de viver o que lhes está a acontecer, que se adapte com empatia e compaixão à sua dor, ao seu sofrimento. Têm primeiro necessidade de ser tranquilizadas, pelo menos com um olhar, depois de se sentirem compreendidas e, por fim, de que lhes seja proposto o tratamento que as vai curar ou aliviar, e de que lhes seja oferecida a preocupação com o resultado do seu tratamento.

Em suma, o médico torna-se um amigo sincero que se ocupa de um aspeto fundamental da vida: a saúde, que muitas vezes pode ser recuperada, outras vezes não, mas que pode sempre ser aliviada, acompanhada e confortada. E ter consciência disso e vivê-lo desta forma, acreditem, é um privilégio.

Há quem pense que os cuidados paliativos são uma espécie de "jogo de Deus", uma vez que prolongam a vida do doente desnecessariamente. Pode esclarecer o que são os cuidados paliativos para que não se caia nessa interpretação errada?

- Isto não tem nada a ver com a realidade. Os cuidados paliativos são uma atividade fundamental para um médico. De facto, são sempre possíveis, em todas as circunstâncias de doença. Aproximam o médico dos seus semelhantes, e nele se desenvolve uma atividade que é fruto do amor entre as pessoas, do desejo de ajudar os outros porque são meus iguais, por causa da dignidade humana que nos une. Nada está mais longe de fazer de Deus. São de tal forma uma relação humana que não consigo imaginar outra mais digna desse nome.

Por outro lado, os cuidados paliativos não prolongam a vida, mas facilitam-na num momento em que a ameaça do fim se aproxima e permitem esperar esse fim, que é a morte, com uma atitude mais calma e mais esperançosa. Porque não nos limitamos a tratar a dor, a inquietação, a imobilidade e a fraqueza, mas também resolvemos, na medida do possível, os problemas do doente com as formalidades sociais ou familiares, actuamos na esfera psicológica, o que facilita uma tomada de consciência mais ou menos aceite do que lhe está a acontecer, e tratamos também daquilo que é uma parte inseparável da doença terminal, o acompanhamento da inquietação espiritual.

Como médico, quando é que se toma a decisão de passar da tentativa de curar um doente para o internar em cuidados paliativos? Como é que se evita o excesso de indulgência terapêutica?

- O tratamento sensato das doenças, especialmente as de natureza maligna, que implicam um risco implícito para a vida, deve ser implementado enquanto a doença está sob controlo, sem evidência de extensão da doença e sem evolução progressiva. Verifica-se, por vezes, que tudo o que está a ser feito ou que poderia ser feito envolve um risco maior do que o bem que se pretende fazer, devido aos efeitos secundários ou ao risco de doenças que decorrem da debilidade que o tratamento muitas vezes provoca.

A obstinação na aplicação de tratamentos, na esperança de que um deles possa dar provas de uma determinada ação, conduz a acções fora de qualquer evidência científica e equivale, portanto, à aplicação de tratamentos não inofensivos que causam sofrimento e oferecem enganosamente uma esperança longe de toda a razão.

Quando uma doença maligna ou terminal atinge um determinado grau, devemos saber que o que é urgente é proporcionar o maior conforto e bem-estar possível ao doente e, dentro dos limites da relação humana, ajudá-lo a compreender que já foi feito tudo o que era humanamente possível. É o momento de aplicar os cuidados paliativos ou de conforto.

Como é que podemos olhar para os doentes como pessoas, sem os reduzir à sua doença?

- A primeira coisa que se ensina na escola de medicina é que não existem doenças, apenas pessoas doentes. Não são as doenças em si que têm tratamento, mas sim as pessoas que sofrem delas e, embora tendam a ser aplicados de forma protocolar, devem existir variações derivadas das características pessoais e biológicas do doente que o vai receber. Isto é muito importante.

A atitude mais recente é fazer uma medicina centrada na pessoa, não olhar para a doença de uma forma impessoal. Situações semelhantes em pessoas diferentes requerem abordagens terapêuticas diferentes.

Por outro lado, as circunstâncias da vida, a forma como a doença se repercutiu nas suas vidas, exige-nos conhecer as particularidades individuais que acabam por transformar uma única doença num número indefinido de doenças diferentes.

De um ponto de vista pessoal, psicológico e espiritual, pedem-nos que as tratemos de forma diferente. A vida das pessoas é sempre diferente, e a forma como as tratamos é sempre diferente. Esta atitude conduz à personalização da relação terapêutica entre o médico e o doente, que se torna assim único.

O Papa Francisco fala da importância de acompanhar não só o doente mas também a família. Como é que isso se consegue através dos cuidados paliativos?

- O Papa disse algumas coisas muito motivadoras sobre os cuidados paliativos para os profissionais de saúde, como por exemplo que estes cuidados têm um papel decisivo e que garantem não só o tratamento médico mas também um acompanhamento humano e próximo, porque proporcionam uma companhia cheia de compaixão e ternura. O simples facto de segurar a mão do doente faz com que este sinta a simpatia da pessoa que o acompanha, e o olhar pode trazer um conforto que de outra forma seria mais difícil de alcançar.

O Papa também insistiu que as famílias não podem ser deixadas sozinhas em situações em que um ente querido está nos seus últimos dias. Nestas circunstâncias, gera-se demasiado sofrimento familiar. Nos cuidados paliativos, a nossa prioridade é atender às necessidades da família, ajudá-la e acompanhá-la na sua dor.

Há quem defenda que, dada a difícil situação económica de alguns países, a eutanásia é uma forma de poupar recursos. Qual é a sua opinião sobre este assunto?

- Penso que há muitos argumentos falsos com os quais se manipula a opinião pública. Nenhum dos países que implementaram leis que permitem a eutanásia são países pobres ou com recursos de saúde escassos. A Bélgica, a Holanda, o Canadá, alguns estados americanos, etc., não são exemplos de países que precisam de poupar recursos. O tratamento paliativo das doenças malignas ou de outras doenças condenadas à morte não é, em caso algum, oneroso; basta a decisão de organizar os cuidados de saúde para os tratar e aliviar, em vez de uma tecnificação excessiva e por vezes inútil, que encarece consideravelmente os cuidados de saúde. 

Alguns países estão decididos a fazer aprovar leis a favor da eutanásia, sem fazer nada de eficaz para promover a organização dos cuidados paliativos. Por outro lado, nalguns países que legislaram a favor do suicídio assistido e que facilitaram a proliferação de empresas de suicídio assistido, como a Suíça, não permitem a eutanásia. 

A manipulação intencional é a forma como a lei que regula a eutanásia se impôs em muitos países, incluindo o nosso. Há palavras que se instalaram como slogans na sociedade, como a morte digna, por exemplo, sem se perceber que tirar a vida é tirar a dignidade, e que acompanhar na doença é acompanhar alguém semelhante a nós, tão digno como nós, até ao seu último destino.

É preciso ser católico para apoiar os cuidados paliativos?

- De modo algum. Eu diria que cuidar e acompanhar é uma vocação universal. Os cuidados paliativos são uma manifestação de humanidade no seu extremo. Quero dizer que a verdadeira humanidade reconhece a dignidade do ser humano como possuidor de uma qualidade imaterial que o torna idêntico a nós até à morte natural. Por isso, sentimos a necessidade de cuidar e aliviar o sofrimento dos nossos semelhantes como gostaríamos que cuidassem de nós.

Para isso é necessário reconhecer que o ser humano tem uma transcendência que ultrapassa o puramente material e carnal, e que está destinado a ter um sentido na vida. É isto, que é uma manifestação da humanidade como um todo, que o cristianismo defende ao dar ao homem a exaltação que faz dele um filho de Deus e um ente que brota da imagem e semelhança de Deus.

Por isso, os cristãos, e mais ainda os católicos, que têm a carnalidade da semelhança com Cristo e a vida terrena associada a nós como um caminho para a vida eterna, têm ainda mais razões para desenvolver os cuidados paliativos como um caminho de caridade e compaixão fraterna.

Podemos falar de cuidados paliativos de uma forma luminosa, sem nos deixarmos levar pelo medo da morte e da doença? Qual acha que deve ser a perspetiva?

- Claro que sim. Na vida, temos sempre ocasiões para estender a mão e sentir esperança. Há pessoas que talvez na sua vida não tenham prestado atenção ou não tenham pensado no fim que está a chegar para todos nós.

No mundo atual, as pessoas não querem falar de sofrimento ou de morte, são afastadas das conversas e não lhes é dada atenção, tornaram-se tabu. Quando a dor se torna demasiado forte, os cuidados paliativos trazem a serenidade suficiente para repensar tudo o que, talvez inconscientemente, sempre foi esperado.

A morte precoce só é desejada por aqueles que sofrem em desespero de alívio, por aqueles que estão sós ou que não são bem tratados, por aqueles para quem a existência se tornou um fardo. Mas constatei muitas vezes que um tratamento que proporcione alívio destas situações, acompanhamento, afeto e ternura, faz com que mudem e recuperem a esperança de viver em paz. 

O homem não pode, em circunstância alguma, fazer-se senhor da vida. Lamento por aqueles que defendem a eutanásia, mas não há nenhuma razão nobre para decidir quando uma vida vale a pena ser vivida ou quando uma vida já não tem a dignidade que a sustenta na existência. O reconhecimento da dignidade depende precisamente de quem cuida dela.

O fim da vida pode ser encarado com esperança. Qualquer circunstância vivida pode ajudar-nos a perceber que a vida tem sentido, que vai a algum lado. Para evitar experiências que podem levar à ansiedade, à angústia e a um maior sofrimento espiritual, os cuidados paliativos têm um papel indispensável a desempenhar no tratamento e nos cuidados de todas as pessoas com doenças que conduzem a um fim lento.

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