Ecologia integral

Austeridade responsável e conversão ecológica

A pobreza e a austeridade são virtudes cristãs que somos chamados a viver. Nestes dias de preocupação com o declínio da biodiversidade, podemos afirmar que ambas as virtudes são sinais de responsabilidade social.

Cristina Casanovas Queralt-10 de novembro de 2024-Tempo de leitura: 5 acta
Austeridade

(Unsplash / Jon Tyson)

Nós, leigos mais ou menos abastados, esquecemo-nos por vezes que a pobreza e a austeridade são virtudes cristãs que somos chamados a viver. Nestes dias de preocupação com o grave declínio da biodiversidade e com as alterações climáticas, podemos afirmar que ambas as virtudes são sinais de responsabilidade social e de cuidado com as pessoas e com o ambiente.

Neste artigo, lançamos luz e mostramos o impacto social e ambiental de um simples ato de austeridade na nossa vida quotidiana, com base nos Evangelhos e na Doutrina Social da Igreja.

Pobreza e austeridade: para além do material

A pobreza pode ser entendida a partir de diferentes perspectivas. Inicialmente, pensamos nela como uma situação em que as necessidades físicas e psicológicas básicas de uma pessoa não podem ser satisfeitas, mas a Real Academia Espanhola (RAE) oferece uma outra definição quando descreve a pobreza voluntária dos religiosos como a renúncia a tudo o que se possui e ao que o amor-próprio considera necessário. No Evangelho (Lucas 12, 34), o Senhor diz aos primeiros cristãos: "Onde estiver o teu tesouro, aí estará também o teu coração" ou em Mateus 19, 24 "É mais fácil um camelo passar pelo fundo de uma agulha do que um rico entrar no Reino dos Céus". Isto mostra-nos que a pobreza tem também profundas conotações morais e espirituais. "Bem-aventurados os pobres de coração, porque deles é o Reino dos Céus" (Mateus 5,3).

Para um cristão, viver a pobreza não significa estar mal vestido ou mal arranjado, significa ser austero. A austeridade não é algo rígido e invariável, mas uma questão de vida interior, algo que cada um deve julgar em cada momento. É essencial sermos honestos com a nossa consciência e compreendermos que o facto de sermos leigos não nos dispensa de viver a austeridade. 

Muitos santos trataram destas questões, mas eles destacam-se pela sua visão pragmática: Santa Teresa de Jesus dizia que "o dinheiro é o esterco do diabo, mas dá muito bom estrume" e Santa Teresa de Jesus dizia que "o dinheiro é o esterco do diabo, mas dá muito bom estrume" e Santa Teresa de Jesus dizia que "o dinheiro é o esterco do diabo. Josemaría Escrivá De Balaguer fala de "materialismo cristão" como a maneira mais eficaz de utilizar este bom "estrume" para a glória de Deus. Esta dualidade exige uma retidão de consciência para discernir quando usamos os bens materiais por apego (estrume) ou como utilidade (adubo) para a vida humana.

Os bens materiais no Evangelho

O Evangelho dá-nos uma perspetiva clara dos bens materiais e do seu impacto na nossa vida espiritual, em função da forma como os utilizamos. Jesus alerta-nos para o perigo do apego às riquezas, como se vê no episódio do jovem rico (Mt 19,21-22). Este jovem, apesar de cumprir os mandamentos, não conseguiu desprender-se dos seus bens para seguir Jesus, mostrando como os bens materiais podem prender-nos e afastar-nos de uma vida plena em Deus.

O apego desordenado aos bens materiais pode levar à cegueira espiritual e ao endurecimento do coração, como refere 1 João 3:17. Neste versículo, o apóstolo recorda-nos que o verdadeiro amor de Deus se manifesta na nossa capacidade de partilhar com os necessitados.

Basta fazer uma pequena reflexão para perceber que, sem nos apercebermos, criamos necessidades para nós próprios: ver um episódio da nossa série preferida, ir às compras, comprar roupa nova em cada estação, mudar de telemóvel, a decoração da nossa casa, mudar de carro, de casaco, ... cada um pode acrescentar aquilo que o prende de acordo com a sua consciência e que, se não tivermos, nos preocupa porque associámos a nossa felicidade a essas necessidades. Esta escravidão, para além de nos afastar de Deus, tem um impacto na sociedade que nos deve levar a uma reflexão profunda e pertinente sobre a pobreza cristã e o seu impacto social. A seguir, aprofundamos esta questão.

Austeridade, para além de si próprio

As mensagens de Bento XVI e do Papa Francisco convidam-nos a refletir sobre a forma como as nossas acções e estilos de vida afectam os outros. Bento XVI, no Dia Mundial da Paz de 2009, sublinhou a crescente desigualdade entre ricos e pobres, mesmo nas nações mais desenvolvidas, e o facto de isso constituir uma ameaça para a paz mundial. Por outro lado, o Papa Francisco, nas suas encíclicas "Laudato si'" e "Fratelli Tutti", chama-nos a uma responsabilidade social mais consciente. No parágrafo 57 da "Laudato si'", sublinha que o consumismo excessivo pode levar à violência e à destruição e que as nossas decisões de compra têm um impacto moral e, citando Bento XVI, afirma que "fazer compras é sempre um ato moral, e não apenas económico". Em "Fratelli Tutti", alerta também para a possibilidade de futuras guerras causadas pelo esgotamento dos recursos devido ao consumismo.

Estas mensagens convidam-nos a refletir sobre como podemos viver de forma mais simples e solidária, tendo em conta que os recursos são limitados e devem ser para nosso uso, para uso dos outros e para as gerações futuras. Por isso, devemos valorizar a nossa capacidade de reutilizar e reduzir o consumo desnecessário como formas de amar o próximo e o planeta que nos foi confiado. Ver como amamos o nosso próximo, realizando tudo o que o Papa Francisco nos ensina nestas duas encíclicas, é a conversão ecológica que ele nos convida a fazer.

Impacto no consumo

Alguns exemplos do impacto do nosso consumo no planeta:

  1. A indústria da moda rápida produz 150 mil milhões de novas peças de vestuário todos os anos, ultrapassando largamente a procura dos consumidores.. 85 % de resíduos têxteis acabam em aterros, principalmente em África e na Ásia, poluindo a água e o solo. Optar por roupas em segunda mão, trocar de roupa com amigos ou escolher marcas éticas pode reduzir significativamente este impacto.
  2. Em 2022, foram produzidos 62 milhões de toneladas de resíduos electrónicos a nível mundial, dos quais apenas 22,3% foram devidamente reciclados.. A maioria acaba em países como o Gana, a Nigéria e a Índia, onde se tenta reutilizá-los, mas de forma inadequada, expondo os trabalhadores ao chumbo, ao cádmio e ao mercúrio e causando poluição do ar, da água e do solo. Prolongar a vida útil dos nossos aparelhos e reciclá-los corretamente quando já não são necessários é uma prática responsável que pode reduzir a poluição e os resíduos.
  3. Todos os anos, são desperdiçados em Espanha cerca de 1 214,76 milhões de quilos de alimentos (Relatório sobre o desperdício alimentar em Espanha 2023), contribuindo para 121 e 242 milhões de metros cúbicos de emissões de metano dos aterros sanitários. O facto de a matéria orgânica se decompor não é apenas uma grande falta de caridade para com muitos dos nossos irmãos e irmãs na Terra que não têm o suficiente para comer no dia a dia. Planear as nossas compras, consumir produtos locais e sazonais e reduzir o desperdício alimentar são práticas que reflectem uma vida mais responsável.

Como se estes exemplos não bastassem para perceber a relação entre a austeridade e a nossa responsabilidade social, na "Laudato si'" (parágrafo 211) o Papa Francisco alerta-nos para o impacto social do nosso consumo e diz-nos: "o facto de reutilizar algo em vez de o deitar fora rapidamente, com base em motivações profundas, pode ser um ato de amor que exprime a nossa própria dignidade"..

Por isso, não hesitemos em fazer um esforço para reciclar, para reutilizar, para adiar uma compra... Tudo isto são actos de amor ao próximo no século XXI, e eu acrescentaria que não se trata de uma questão de "outros", nem de esquerda nem de direita, nem de hippies nem de ecologistas, estamos a falar de amor ao próximo e, neste aspeto, nós, cristãos, devemos sempre tomar a iniciativa como bons seguidores de Jesus Cristo. A pergunta que São Francisco fez a si próprio pode ajudar-nos a examinarmo-nos a nós próprios, Será que preciso de poucas coisas, e as poucas coisas de que preciso, preciso de muito pouco?

O autorCristina Casanovas Queralt

Biólogo, pós-graduado em Gestão Sustentável e Agenda 2030 pela ESADE, com vasta experiência na gestão de serviços ambientais no sector privado.

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