Ecologia integral

O altruísmo e a cultura do cuidado: uma resposta à crise antropológica

Uma conferência na Universidade da Santa Cruz, de 6 a 8 de março, irá explorar a relevância do altruísmo e da cultura do cuidado. O Professor Francesco Russo explica alguns aspectos específicos nesta entrevista.

Giovanni Tridente-5 de fevereiro de 2025-Tempo de leitura: 3 acta
cuidados

@Dominik Lange, em Unsplash

No contexto de um mundo contemporâneo marcado em grande parte pelo individualismo e pela crise antropológica, a próxima proposta académica da Faculdade de Filosofia da Universidade Pontifícia da Santa Cruz - a sua XXV Congresso de Estudos-será dedicado ao altruísmo. 

Este ato, que se insere num projeto de investigação de três anos sobre a cultura do cuidado, visa explorar o papel do altruísmo na existência humana, para além das interpretações reducionistas que o associam a simples actos de caridade ou a cálculos utilitários.

O evento, que decorrerá de 6 a 8 de março, contará com contributos de filósofos, neurocientistas, médicos, sociólogos e economistas, e pretende inserir-se no contexto do desafio cultural e educativo a que o Papa Francisco se tem referido frequentemente, apelando a um profundo repensar da relação entre o indivíduo e a comunidade. Neste contexto, a OMNES entrevistou o Professor Francesco Russo, Professor de Antropologia da Cultura e da Sociedade e membro do comité organizador da conferência.

Porque é que este tema foi escolhido para o congresso?

- Porque a filosofia não é alheia ao seu contexto sócio-cultural e hoje todos concordam que vivemos numa sociedade doente de individualismo. É por isso que é importante refletir sobre o altruísmo para compreender o seu papel na existência humana.

A reflexão filosófica é necessária porque não pode ser reduzida a um gesto superficial de caridade, nem pode ser enquadrada no chamado "altruísmo efetivo", segundo uma visão que deriva basicamente do utilitarismo ou do egocentrismo na busca do mero bem-estar emocional. O altruísmo é o elo essencial entre o eu e o tu, e é uma caraterística humana essencial, envolvendo compaixão e empatia.  

Pode também explicar esta ligação mais ampla à chamada "cultura do cuidado" e como esta pode ser uma resposta à crise antropológica?

- A crise antropológica a que se refere foi apontada em 2009 por Bento XVI e recentemente sublinhada em várias ocasiões pelo Papa Francisco. Perante os problemas a enfrentar, não bastarão soluções políticas ou sociológicas ou económicas se não nos dermos conta de que está em jogo a identidade e a especificidade da pessoa humana. Em Veritatis GaudiumO Papa Francisco, no n.º 6, convidou os académicos, em particular as universidades e as faculdades eclesiásticas, a tomarem consciência de que "o que está a emergir diante dos nossos olhos hoje é 'um grande desafio cultural, espiritual e educativo que implicará longos processos de regeneração'".

Por esta razão, no projeto de investigação promovido pela Faculdade de Filosofia da Pontifícia Universidade da Santa Cruz, envolvemos 14 investigadores de dez instituições universitárias europeias e americanas para ajudar a refundar a cultura do cuidado, que constitui a vocação profunda da pessoa humana, como o próprio Papa Francisco recordou na sua Mensagem para o Dia Mundial da Paz de 2021: o cuidado do ser humano e o seu florescimento nas diferentes dimensões da existência (como, por exemplo, as relações, o ambiente, o bem comum, o património artístico, o sagrado). 

Será possível um diálogo entre a filosofia e as ciências humanas sobre estas questões?

- O diálogo não é apenas possível, mas indispensável. De facto, a conferência envolverá não só filósofos, mas também neurocientistas, médicos, sociólogos, pedagogos e economistas. Esta interdisciplinaridade reflecte-se não só nos discursos de abertura, mas também nas cerca de quarenta comunicações que serão apresentadas.

As ciências humanas, em particular a neurociência, estão a fazer progressos consideráveis, mas não captam a pessoa na sua integridade corpóreo-espiritual: não somos apenas um organismo biologicamente complexo governado por um cérebro altamente especializado. Caso contrário, a dor, a liberdade, a compaixão pelos outros, a dedicação aos outros, a própria procura da verdade sobre a nossa condição humana e o sentido das nossas acções ficariam sem explicação nem significado. O rigor da ciência e a visão holística da antropologia filosófica podem e devem confrontar-se e dialogar entre si. 

Mencionou a compaixão e a empatia - ainda há lugar para estes sentimentos na sociedade tecnologizada de hoje?

- Quanto à esfera sentimental, a omnipresença da tecnologia acentua a iliteracia, porque não nos ajuda a compreender, expressar e reconhecer os nossos próprios sentimentos e os dos outros. Por outro lado, a compaixão e a empatia não envolvem apenas o nível emocional, no sentido em que vão para além de um estado de espírito passageiro. Pelo contrário, são duas atitudes existenciais que implicam uma abertura do coração às necessidades dos outros, uma consciência da nossa relacionalidade constitutiva e uma vontade de procurar o bem dos outros.

Gostaria de sublinhar que, providencialmente, a conferência coincide com o Jubileu do Voluntariado; só nos apercebemos disso quando as datas foram fixadas e vimos nisso uma confirmação do que referi: o altruísmo é inerente à natureza humana, mesmo que a cultura individualista lhe esbata os traços e o alcance. 

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