Agora, de mãos dadas com Maria, começamos a viagem do nosso Via lucis.
1ª Estação: Cristo está vivo: ele ressuscitou!
Se olharmos para o relato do Evangelista Marcos, vemos como ele nos apresenta, desde o dia-a-dia, até ao grande evento que hoje comemoramos. Diz ele:
"Depois do sábado Maria Madalena, Maria de Tiago e Salomé comprou especiarias para ir embalsamar Jesus. E muito cedo no primeiro dia da semana, ao nascer do sol, foram para o túmulo. E disseram um ao outro: "Quem irá rolar a pedra da entrada do túmulo? E quando olharam, viram que a pedra estava rolada, e que era muito grande..." (Mc 16:1-4).
Que chave simples e importante para a vida espiritual: reconhecer o poder da graça para além dos nossos limites. Quando o coração nos leva a agir em nome de Cristo, por amor a Ele, não tenhamos medo, a Sua graça vai à nossa frente e ajuda-nos.
2ª Estação: Jesus aparece a Maria Madalena
São João (20:10-18) relata que Maria estava ali, "no túmulo, a chorar". E chorou e chorou de novo, e de novo olhou para o túmulo. Depois viu dois anjos vestidos de branco, que lhe disseram: "Mulher, porque estás a chorar? -Porque eles levaram o meu Senhor, e eu não sei onde o puseram.
Quando ela disse isto, voltou para trás e viu Jesus ali parado, mas não o reconheceu, e Jesus perguntou-lhe: "Mulher, porque estás a chorar? Quem procuras? Ela pensou que ele era o jardineiro, e disse-lhe: "Senhor, se o levaste, diz-me onde o puseste, e eu próprio irei buscá-lo. Então Jesus chamava-a pelo nomeMaria! Ela aproximou-se e exclamou: "Mestre!
Porque não te vemos a ti, Senhor? Chama cada um de nós pelo nome. Estou convencido de que é possível ouvir este apelo directo, pessoal e intransmissível, mas para o fazer é necessário "ter as razões da vida limpas de todas as escórias", como diz Fernando Rielo no seu poema Mundos virgensPara o fazer, tenho de libertar o meu coração monótono que me impede de ouvir bem, de parar de lamentar a tua ausência, de parar de chorar porque não sei onde te puseram, porque as lágrimas desfocam a minha visão... e sobretudo, porque estás aqui!
3ª Estação: Jesus aparece às mulheres
Mateus (28:8-10) conta como os anjos anunciam às mulheres que Cristo ressuscitou, e elas correm para fora do túmulo e, temerosamente mas com grande alegria, correm para levar a notícia aos discípulos. Jesus conhece-os e cumprimenta-os. Caíram aos seus pés e adoraram-no.
Ali estão os anjos do túmulo de Jerusalém, unindo a sua voz aos anjos da noite de Belém. Essa proclamação assume plenitude: de "Alegrai-vos, um Salvador vos nasceu" (Lc 2,10), hoje é "Alegrai-vos, eis o Salvador"...; "Por que procurais os vivos entre os mortos? Ele não está aqui; ele ressuscitou" (Lc 24, 5). Essa proclamação de "paz aos homens de boa vontade" (Lc 2, 14), ressoará novamente nos lábios do nosso Senhor ressuscitado quando ele aparecer aos seus e lhes disser: "A paz esteja convosco" (Jo 20, 19).
Estamos cheios de uma alegria indescritível porque a promessa foi cumprida; o nosso Deus venceu a morte, o mal não tem poder sobre o Amor. "A morte foi engolida pela vitória; onde está a tua vitória, ó morte? onde está o teu aguilhão, ó morte?" (I Cor 15,55).
A sua ressurreição é um prelúdio da nossa; a sua presença ressuscitada que irrompe no nosso tempo, transcendendo-o, coloca-nos numa nova forma de viver com Ele, dá sentido, novo conteúdo à existência, é um claro apelo para que a nossa vida, a sua vida e a minha, surja das garras da morte, passe "da morte para a vida". É a esperança certa de que este destino também nos espera.
4ª Estação: Soldados guardam o túmulo de Cristo
Mas mesmo o momento mais sublime da história é assolado pelo mal e pela mentira (Mt 28,11-15). Os soldados deixam-se comprar; eles que poderiam ter sido, juntamente com as mulheres, as primeiras testemunhas da ressurreição, preferem mentir em troca de uma boa soma de dinheiro e dizem que os seus discípulos o roubaram à noite.
Quão grande é a teimosia humana! A pouca fé, a arrogância de que já falamos, que nos impede de aceitar o que não aceitamos com a nossa pequena e pobre razão: é-nos difícil aceitar o poder de Deus e como, se o permitirmos, Ele nos conduz da morte à vida, Ele traz-nos de volta à vida. Queremos governar a nossa própria história, mesmo que muitas vezes nem sequer estejamos cientes dela. Mas o poder é só de Deus. O seu signo é autoridade sobre a vida e a morte. A nossa é a dependência, a criaturalidade. Ele pode dar vida a Si próprio; só Ele nos dá vida a nós.
Neste contexto pareço intuir o significado de um provérbio de Fernando Rielo: "Todas as manhãs acordamos em ressurreição / pela morte. / Se o compreendermos... / não ultrapassaremos o nosso espanto".
A grande tentação do ser humano é a autonomiaA resposta clara dos santos, portanto, é a consagração. Consagrar-se é mergulhar totalmente na dependência de "outro", renunciando definitivamente à autonomia que tanto nos seduz (Luzbel, Eva, Adão...). Esta é uma combinação maravilhosa de morte para si próprio e a ressurreição, que é vida n'Ele.
Temos de implorar um coração limpo e uma razão formada pela fé para reconhecer a verdade e nunca ceder ao engano, à manipulação para os próprios interesses, em suma, a uma falsa autonomia.
5ª Estação: Pedro e João a contemplar o túmulo vazio
Uma história que é particularmente terna para mim é quando Pedro e João vão ao túmulo (Jo 20,3-10). É fácil imaginar como os seus corações bateriam e que pensamentos passariam pela sua mente. Ambos estavam a correr juntos, mas João correu à frente de Pedro e chegou primeiro ao túmulo. Dobrou-se e viu as ligaduras no chão; mas não entrou. Quando Pedro chegou, eles entraram, viram e acreditaram.
Muitas explicações podem ser dadas para este episódio; para mim, ele é representativo de a virtude da honra. O imenso choque que sentem não impede João de reconhecer a primazia a quem foi dado, ainda que Pedro, sendo mais velho que ele, tenha corrido menos e chegado mais tarde ao túmulo. Que lição na forma como nos devemos tratar uns aos outros! Em primeiro lugar aos nossos superiores, dando-lhes sempre a honra e a consideração que lhes é devida; e também sabendo cuidar de cada irmão e irmã nas suas próprias características, nos seus próprios tempos. Esta forma de proceder não vem da carne e do sangue, mas da acção do Cristo ressuscitado em mim.
6ª Estação: Jesus no Cenáculo mostra as suas feridas aos Apóstolos
(Lc 24,36-43) "Falavam destas coisas, quando ele estava no meio delas e lhes disse: 'A paz esteja convosco. Ficaram assustados e assustados, e pensaram ter visto um espírito. Mas ele disse-lhes: "Por que estais perturbados, e por que surgem dúvidas nos vossos corações?
Olha para as minhas mãos e para os meus pés; sou eu mesmo; porque é que ainda duvidas?" Quanta ternura e quanta pressa de amor com essas palavras! Olha, toca nas minhas feridas... que outra prova te posso dar do meu amor, da minha permanência a teu lado em cada momento e para sempre!... que mais queres?
"Estarei sempre convosco". (Mt 28,20). Estou sempre convosco. Eu sou a ressurreição e a vida. Não há mais espaço para o medo, a desilusão, a solidão, o mal-estar. A minha presença está assegurada; este é o significado das minhas aparências, da forma como me mostro a vós, a vós: não vos perturbeis, eu sou eu mesmo!
7ª Estação: No caminho para Emaús
(Lc 24, 13-32) Todos nos lembramos bem da história daqueles dois que iam de Jerusalém para uma aldeia chamada Emaús, entristecidos, falando um com o outro sobre tudo o que tinha acontecido.
O caminho para Emaús é o caminho das esperanças perdidas, da desilusão, do sentimento de abandono, o caminho daqueles que pensam que é melhor deixar tudo para trás, deixar a cidade onde foram enterrados os últimos sonhos da juventude... Quantas vezes somos tentados a seguir por este caminho!
E é aí que Cristo se torna aquele que me encontra, não como o Mestre cheio de glória que de repente desvenda o mistério do que aconteceu, mas como outro viajante, um companheiro que caminha ao meu lado e passo a passo me conta os factos, iluminando a verdade, a razão do que está a acontecer para que, finalmente, ele possa dar-se a conhecer no partir do pão, na sua Eucaristia, e fazer com que os meus olhos se abram e o meu coração arda. Mas para que esse momento chegue, temos de caminhar com ele, deixar-nos acompanhar, acreditar, esperar e ouvir... ouvir muito...
Uma vez confirmada a sua presença, mesmo que desapareça novamente da nossa vista, deixa-nos num estado de alegria e força suficientes para regressar à cidade de outrora, à cidade de sempre, mas com os olhos abertos do amor renovado, redimido, ressuscitado; torna-nos capazes de reler a nossa própria história e recuperá-la para testemunhá-la, para lhe dar glória.
A experiência desta presença do Cristo Ressuscitado é a plenitude do tempo aberto à eternidade, nesta vida. Na vida eterna, é um estado beatificante. "Disseram um ao outro: "Não ardia em nós o nosso coração quando ele nos falou na estrada e nos explicou as escrituras?
8ª Estação: Jesus dá aos apóstolos o poder de perdoar pecados.
(Jo 20,19-23) Jesus disse-lhes novamente: "A paz esteja convosco. Assim como o Pai me enviou, também eu vos envio a vós. Quando disse isto, soprou sobre eles e disse-lhes: "Recebam o Espírito Santo". Cujos pecados que perdoas, são perdoados; cujos pecados reténs, são retidos".
Um dos maiores dons do cristianismo é perdão. Jesus praticou-a ao longo da sua vida, e é a sua primeira palavra na cruz: "Pai, perdoa-lhes". Agora ele transmite este poder aos seus, conferindo-lhes o carácter sacramental de perdoar pecados, algo que, como sabemos, só Deus pode fazer. É por isso que, quando no episódio da cura do paralítico ele lhe diz: "Filho, os teus pecados são-te perdoados", alguns dos escribas pensaram entre si: "Como é que este homem fala assim? Quem pode perdoar pecados senão só Deus" (Mc 2:5-7).
Agora, dar aos apóstolos este poder como um meio ordinário de cura, pode haver maior compaixão? E todos nós, de alguma forma, participamos neste traço divino quando exercitamos o perdão. Um fruto da ressurreição de Cristo deve estar em mim, em nós, a total prontidão para perdoar. Qualquer rancor, preconceito, desconfiança, que mancha a figura do meu irmão, deve ser purificado no meu coração. Isto só é possível através do trabalho de graça, e temos graça suficiente para isso.
9ª Estação: Jesus fortalece a fé de Tomé
(Jo 20, 26-29) Esta forma de perdoar, esta forma de proceder de Jesus Cristo, é mostrada mais uma vez na sua aparição a Tomé. "Jesus apareceu no meio deles quando as portas estavam fechadas, e disse: 'A paz esteja convosco. Então ele disse a Tomás: 'Chega aqui o teu dedo e vê as minhas mãos, e põe a tua mão no meu lado; e não sejas descrente, mas crente. Tomé respondeu-lhe: 'Meu Senhor e meu Deus'. Jesus disse-lhe: "Porque me viste, acreditaste". Bem-aventurados os que não viram e ainda não acreditaram".
Abençoado, sim, porque pode haver alguém mais livre e mais feliz do que aquele que apostou tudo em Cristo, em plenitude e sem reservas, na verdade, e vive com total confiança na Providência do Pai? Aqueles de nós que ainda não chegaram a esse santo e abençoado despojamento, ainda são assaltados pelo desejo, pelo medo, pela sombra da dúvida.
Sim, aqueles que acreditam sem ver são felizes.
10ª Estação: O Jesus Ressuscitado no Lago da Galileia
(Jo 21, 1-7) Depois disto, Jesus manifestou-se novamente aos discípulos na margem do Mar de Tiberíades. Lembramo-nos bem deste episódio. Jesus disse-lhes: "Rapazes, não têm peixe? Disseram-lhe: "Não". Responderam-lhe: "Não". Ele disse-lhes: 'Lancem a rede no lado direito do barco, e encontrarão alguma. Assim, lançaram-no, e já não o podiam arrastar devido à abundância de peixe. O discípulo a quem Jesus amava disse então a Pedro: "É o Senhor". Depois Peter vestiu-se, pois estava nu, e atirou-se ao mar.
Fernando Rielo, aplicando esta passagem evangélica à vocação, disse que a vocação requer dois elementos: que haja apóstolos que se proponham a pescar e que Cristo esteja presente, como em Tiberíades, para dirigir essa pesca. Podemos estar muito ocupados mesmo nas coisas mais sagradas, dedicando esforço, tempo, criatividade, todas as nossas energias; mas a bênção e a fecundidade não está sujeita à nossa própria capacidade, engenho ou profissionalismo, vem de sabermos que somos enviados por Cristo, humildes instrumentos da sua graça. Aquele que disse a São Pedro: "Vou fazer de si um pescador de homens, Ele enviar-nos-á o Espírito Santo para nos mostrar a forma correcta de agir em qualquer momento, onde devemos lançar as nossas redes.
11ª Estação: Jesus confirma Pedro apaixonado
(Jo 21, 15-19) "Quando comeram, Jesus disse a Simão Pedro: "Simão, Simão de João, tu amas-me mais do que estes?
Uma pergunta que nos faz lembrar o "Vêem que eu faço tudo novo? O Cristo ressuscitado restaura o amor de Pedro. Não há n'Ele nenhuma palavra de recriminação, nem sequer uma palavra de aviso para o futuro, esse "eu avisei-vos" humano com o qual atiramos coisas de volta à cara um do outro. Não. Deus não age assim. Ele restaura, ele levanta-se, porque a sua justiça é severa para com os ímpios que conscientemente, arrogantemente, se lhe opõem, mas infinitamente misericordioso para com os fracos, os necessitados. Ele, que passou a sua vida a curar-nos, também o faz agora, agora ressuscitado, restaurando com a sua tripla pergunta "Pedro, amas-me?", a tripla negação que tinha ferido o coração do pobre Pedro com a dor mais profunda. E com a restauração, a passagem para outra forma de amor, a verdadeira, que vai além do sentimento, do afecto e das boas intenções, para o amor que - a imagem do amor divino - é doação de si mesmo, uma missão co-redentora: "Alimentar as minhas ovelhas".
12ª Estação: Jesus confia a sua missão aos apóstolos.
(Mt 28,16-20)E aqui está a missão: "Todo o poder no céu e na terra foi-me dado. Ide, pois, fazer discípulos de todas as nações, baptizando-os em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo, e ensinando-os a observar tudo o que vos tenho mandado. E eis que estou sempre convosco, mesmo até ao fim dos tempos".
Ir e pregar o que viram e ouviram, o que o vosso coração vive, para que todos os povos possam tornar-se meus discípulos. Este é o tempo da missão, do imperativo apostólico para que a alegria do Evangelho possa chegar a todos os cantos da terra e do coração humano.
Estamos a finalizar o nosso via lucis, culminando em duas estações nas quais somos convidados a meditar nas correspondentes festas litúrgicas: Ascensão e Pentecostes.
13ª Estação: Jesus ascende ao céu
(Actos 1:9-11) E quando ele disse isto, foi levantado diante deles, e uma nuvem escondeu-o dos seus olhos.
14ª Estação: A vinda do Espírito Santo no Pentecostes
(Actos 2:1-4) "Quando chegou o dia de Pentecostes, estavam todos juntos no mesmo lugar. De repente, veio do céu um som como o de um vento forte [...] e todos eles foram cheios do Espírito Santo".
Até lá, caminhemos alegremente por este caminho de luz que a Páscoa começou, retomando estes ensinamentos que descrevi brevemente e tantos outros que o próprio Cristo colocará nos nossos corações enquanto nos acompanha ao longo do caminho da vida.
Director do Gabinete para as Causas dos Santos da Conferência Episcopal Espanhola