O Papa Francisco, já conhecido como o Papa da misericórdia, emitiu recentemente uma lei reformando o processo canónico a ser seguido nos casos de nulidade matrimonial. Este novo regulamento está contido, para a Igreja Latina, no motu proprio Mitis Iudex Dominus Iesusque entrou em vigor a 8 de Dezembro, a festa da Imaculada Conceição de Maria e o início do Ano da Misericórdia.
A coincidência de datas não é coincidência; pelo contrário, é muito significativo que este novo regulamento, muito caro ao Papa, tenha nascido no contexto da convocação do Jubileu Extraordinário da Misericórdia e de uma celebração mariana.
É evidente para ninguém que o Tribunal Eclesiástico, onde as causas da declaração de nulidade do casamento canónico devem ser processadas, deve ser um lugar de acolhimento materno e misericordioso para os irmãos e irmãs que sofreram a dor de um casamento fracassado.
Por esta razão, a nova lei nasce sem dúvida com uma forte vocação de serviço pastoral em favor dos fiéis que passam por estas dificuldades e também das suas famílias, que sofrem com elas. Isto pode ser deduzido da reflexão feita pelos bispos no recente Sínodo Extraordinário sobre a família, convocado pelo Papa em Outubro de 2014, onde se levantaram vozes fortes e claras para que o processo de declaração de nulidade fosse "mais rápido e mais acessível". para todos os fiéis.
Neste sentido, o relatório final da subsequente Assembleia Geral Ordinária do Sínodo, realizada em Outubro de 2015, inclui a obrigação dos pastores de informar os fiéis que tenham tido uma experiência de casamento falhada sobre a possibilidade de iniciar o processo de declaração de nulidade, com especial preocupação para aqueles que já tenham entrado numa nova união ou numa nova coabitação. Desta forma, podemos dizer que o Sínodo quis facilitar o acesso dos fiéis à justiça eclesiástica.
O principal desafio é, portanto, encurtar a distância entre a justiça da Igreja e os fiéis que dela necessitam. A caridade também exige uma velocidade razoável, porque a justiça lenta não é justiça, é injusta, pois gera nos fiéis um sentimento de abandono e desespero que os afasta da Igreja e os leva a tomar caminhos nem sempre desejados, muito menos procurados.
É óbvio que nem todos os casamentos fracassados escondem um casamento nulo, mas em qualquer caso os fiéis têm o direito de ter a Igreja a pronunciar-se sobre a sua validade e a dar paz às suas consciências. Daí a reforma salientar a necessidade de informação sobre a possibilidade de iniciar uma causa para que a declaração da nulidade do seu casamento chegue a todos os fiéis; para que se sintam apoiados e acompanhados; para que a dificuldade do processo seja atenuada pela simplificação das formalidades e por uma maior preparação dos operadores do tribunal, com mais espaço para os leigos; e, finalmente, para que os meios financeiros de cada pessoa não sejam um obstáculo.
É evidente que existe o risco de o público confundir acelerar o processo com apressá-lo, ou encurtar o processo com favorecer a anulação dos casamentos. Isto precisa de ser bem explicado. Deve também ficar claro que deve ser feita uma distinção entre o que a Igreja faz, que é declarar um casamento nulo e nulo se o juiz estabelecer, com certeza moral, a inexistência do vínculo, e o que a Igreja não faz, que é anular um casamento válido.
É evidente neste sentido que a declaração de nulidade de um casamento nunca pode ser entendida como uma faculdade, ou seja, como uma decisão que depende da vontade da autoridade eclesiástica. A declaração de nulidade consiste, como o seu próprio nome indica, em declarar o facto de nulidade, se esta ocorreu, e não em constituí-la. Precisamente para silenciar interpretações erradas sobre o assunto, que já tinham surgido durante a celebração do referido Sínodo extraordinário sobre a família, o Papa declarou claramente no final da assembleia que nenhuma intervenção do Sínodo tinha posto em causa as verdades reveladas sobre o casamento: indissolubilidade, unidade, fidelidade e abertura à vida.
A reforma é certamente de longo alcance, jurídica e pastoral, e é seguro dizer que não tem precedentes, mas é preciso afirmar sem hesitação que o objectivo do processo canónico permanece o mesmo - a salvação das almas e a salvaguarda da unidade na fé e na disciplina no que respeita ao casamento - e que os princípios subjacentes não mudaram, nem tem a intenção de procurar a justiça e a verdade.
Esperamos, portanto, que um dos primeiros frutos desta reforma processual seja que os fiéis venham a conhecer e, portanto, a confiar na justiça da Igreja, e que a Igreja, por sua vez, tome consciência de que a administração da justiça é um verdadeiro instrumento pastoral que Deus colocou nas suas mãos e que, portanto, não pode ser reduzida a estruturas burocráticas complicadas e inacessíveis, mas que deve chegar e estar ao alcance de todos os fiéis.
Reitor da Pontifícia Universidade de Salamanca