Durante muitos anos, a humanidade lançou-se na conquista do espaço exterior. A corrida tecnológica levou, durante algum tempo, a viajar até à Lua, a colocar satélites em órbita, a tentar comunicar com formas de vida supostamente inteligentes em qualquer canto do Universo. O cosmos, que tinha fascinado o homem desde os primórdios da humanidade, quando este olhava para o céu, foi apresentado como o próximo continente a conquistar, tal como o novo mundo americano tinha sido no seu tempo. A Terra tinha-se tornado demasiado pequena para nós. O homem precisava de continuar a dar passos, por mais pequenos que fossem, que constituíssem um grande passo para a humanidade. Neil Armstrong "dixit".
Mas, mais do que o espaço exterior, precisamos hoje de conquistar o espaço interior. Um espaço mais fascinante do que todo o universo criado. Um espaço que permanece inexplorado e desconhecido em muitos dos seus cantos. Um espaço que nos abre a grandes questões e a grandes encontros. Um espaço no qual, em última análise, podemos encontrar-nos a nós próprios e aos outros. Porque o contacto com os outros faz-se através do corpo, mas faz-se na alma, no interior do nosso ser. Um espaço que, bem o sabemos, é o lugar sagrado onde Deus se encontra, onde nos encontramos com o Deus vivo e vivificante.
Um estilo de vida lento
Pela sua interioridade (o homem) é superior a todo o universo; a essa interioridade profunda regressa quando entra no seu coração, onde o espera Deus, o perscrutador dos corações, e onde decide pessoalmente o seu próprio destino" ("...").Gaudium et spes", 14).
Embora vivamos num tempo de especial ruído e dificuldade para a vida interior, é preciso reconhecer que a dificuldade de entrar em si mesmo e estabelecer esse diálogo íntimo com Deus sempre esteve no homem. É um trabalho que cada um tem de realizar no seu processo de amadurecimento e alargamento como pessoa. Quanto mais profundo se é, quanto mais vida interior se tem, mais quotas de personalidade se atingem. Inversamente, quanto mais superficiais e menos introspectivos formos, mais estaremos à mercê dos sentimentos, dos movimentos exteriores e da manipulação.
Mas se esta luta para entrar dentro de si próprio foi uma constante na história da espiritualidade, hoje sentimos que esta exigência do mundo exterior aumentou exponencialmente. E apercebemo-nos de que existe uma dificuldade especial, quase constitutiva da nossa sociedade e da nossa cultura, para viver a partir de dentro. Estamos conscientes, e até o experimentámos na nossa própria carne, da força que as exigências externas ganharam, sobretudo através da tecnologia, e que nos está a levar progressivamente a perder a nossa capacidade de interioridade.
Sem dúvida que viver no meio do mundo, querendo ser sal e luz na nossa sociedade, tem como contraponto o facto de participarmos intensamente nas suas lutas e dificuldades. Mas este é precisamente um dos aspectos em que a nossa vida deve ser profeticamente contra-cultural. Hoje, um estilo de vida diferente, mais "lento" do que "rápido", é possível e necessário, e o mundo exige-o. (alguns promovem atualmente o conceito de "slow food" em oposição ao de "fast food"), mais "in" do que "out", mais humano do que tecnológico. Mais quietude, mais interioridade, mais humanidade.
Uma verdadeira revolução
Nós, cristãos, somos chamados a ser os guardiães dessa interioridade. Pessoas que alertam para as alterações climáticas que podem arruinar o nosso coração. Cultivadores desses espaços verdes da alma que oxigenam o indivíduo e a sociedade no seu conjunto. Mestres dessa espiritualidade de que os nossos irmãos e irmãs têm fome e que, para além das árvores que abraçamos, se preenche quando sentimos na alma o abraço do próprio Cristo na Cruz e na Eucaristia.
As nossas vidas serão autênticos espaços verdes da alma na nossa sociedade e na Igreja se cultivarmos com especial cuidado esta vida interior e não nos deixarmos arrastar pelo turbilhão desta sociedade. E talvez o valor especial que pode ter para os nossos contemporâneos é que, sendo homens como eles, com as suas mesmas preocupações, com as suas mesmas lutas, podemos abrir-lhes caminhos realistas de vida interior e de intimidade com o Senhor.
O problema para este cultivo da vida interior é que, em vez de sermos habitados, encontramo-nos muitas vezes ocupados, como comentava D. Mikel Garciandía, bispo de Palência. Ocupados com mil coisas, muitas delas muito santas, mas que não nascem do nosso ser, mas são puro fazer. Este tipo de ação, como bem sabemos porque o sofremos, desgasta-nos e pode até quebrar-nos. Em vez de sermos habitados, ficamos preocupados com as circunstâncias e as situações que se abatem sobre nós e tomam conta da nossa vida. A confiança corajosa em Deus e na sua Providência amorosa já não nos habita. Muitas vezes, não nos encontramos habitados, mas ocupados, ou seja, "agachados"., porque a nossa alma não é a casa deles e não lhes pertence por direito - por causa dos demónios que a assaltam e se apoderam dela, e é preciso que um mais forte venha e os expulse da sua morada.
Os cinco ocupantes
Penso que nós, cristãos, devemos fazer um despejo e expulsar os ocupantes da alma que se instalaram sem que, por vezes, nos apercebêssemos. Temos de recuperar o que é nosso, conquistar o espaço interior da nossa casa. Eis uma lista simples dos ocupantes da alma que descobri na minha própria casa.
Ruído. Há ruído na rua, nas casas, em todo o lado... E há ruído na alma. Um ruído que vem sob a forma dos media, de vídeos de YouTubeDe mensagens de WhatsApp, de likes nas redes sociais. Um ruído que está em todo o lado e que se insinua nas nossas almas. Um ruído que nos impede de ouvir os lamentos dos homens e as suas necessidades, que não nos deixa ouvir os lamentos da nossa própria alma. Um ruído que nos impede de escutar Deus.
O ruído é o primeiro ocupante da nossa alma. Ruído de sons, mas também ruído visual com imagens que se aproximam de nós a uma velocidade vertiginosa. Ou o ruído publicitário, que se insinua nos nossos gostos e preferências por meio de algoritmos. Ruído que atordoa e entorpece a nossa alma e os nossos sentidos. Ruído que não nos deixa espaço para o pensamento criativo e inspirado.
O ruído é o primeiro ocupante da nossa alma que temos de expulsar com uma ordem judicial que nos imponha um silêncio amoroso.
2 - Ativismo. O segundo agachamento é o ativismo. Um dos mais frequentes no mundo atual. Quando a ocupação, o fazer, toma conta da alma, é impossível ser habitado. Estamos ocupados, mas não habitados.
O fazer que nasce do ser e é uma consequência da nossa identidade faz-nos crescer, constrói-nos. Torna-se um dom. Mas o fazer que nasce do desejo de ter sucesso, de alcançar, de uma simples maquinaria que não podemos parar, destrói-nos. É o fazer que nos desfaz. É a manteiga espalhada em demasiado pão. É a vida esticada como uma pastilha elástica. É o não chegar lá, que a vida não me dá, que acaba por ser um fazer que no fundo é uma forma de preencher um vazio. O vazio de uma casa, a nossa alma, que não está habitada.
O segundo ocupante da alma está connosco há muito tempo e o despejo não é fácil. Ele reclama os seus direitos. Ele dirá ao juiz que esta casa é dele. Que temos de fazer, fazer, fazer bem aos outros, que o mundo precisa de nós, que as pessoas precisam de nós. Que precisamos de nos sentir úteis... Só uma vida de fé profunda, que nos faça viver a partir da espiritualidade de Nazaré, poderá expulsar este invasor não redimido.
3 - A superficialidade. O terceiro ocupante da nossa alma é a superficialidade. A cultura do divertimento, a cultura das reivindicações constantes, a cultura da falta de pensamento profundo e rigoroso... Tudo nos convida à superficialidade, a viver na nossa pele, nos nossos sentimentos. Somos todos governados por estímulos que nos chegam do exterior e nos tornam muito manejáveis e vulneráveis. Vivemos, se não no exterior, pelo menos à superfície de nós próprios.
Isto pode acontecer também a nós cristãos. Que nos contentemos com uma vida interior superficial, de momentos, de experiências... Mas que não vivamos a partir da união autenticamente mística com Deus a que somos chamados. Não desprezemos este terceiro ocupante e entremos no mato.
4 - A curiosidade, a mudança, a novidade, o snobismo, a tirania da moda. A quarta ocupação da alma está intimamente relacionada com a anterior. A nossa sociedade cai facilmente na armadilha de viver numa montanha russa permanente. Estamos tão obcecados com experiências ao máximo que, no final, não sentimos nada. É o excesso de estimulação de que as crianças sofrem e que todos nós experimentamos. Aborrecemo-nos com o quotidiano. Fugimos da rotina. E é por isso que precisamos constantemente de experimentar novas experiências. Não estamos no agora... que é o único lugar e tempo que podemos habitar. Somos turistas que espreitam uma ou outra experiência. Nunca estamos em casa.
Narcisismo-auto-referencialidade. O último ocupante da nossa casa somos nós próprios! Mais uma vez, esta é uma das caraterísticas da nossa sociedade do "selfie" e do "like". Acontece quando nos tornamos o centro do mundo e, como um narciso, temos de nos olhar no novo lago que é agora a fotografia do telemóvel e sentir o apreço e o aplauso dos outros nos "likes" que nos dão. Então, também nós nos afogamos num egocentrismo estéril. Não encontramos Deus, nem encontramos os nossos irmãos e irmãs. Encontramo-nos apenas a nós próprios. Mas encontramo-nos realmente perdidos. A nossa falsa imagem, a nossa máscara, as nossas frustrações ocuparam o lugar onde deveríamos viver.
Ele é o invasor mais difícil de expulsar, mas o mais necessário. O esquecimento de Maria na Visitação é a nossa melhor ajuda para o fazer.
Escusado será dizer que a batalha para despejar os ocupantes vai ser dura. Dir-se-ia que a própria legislação os protege e que eles vão alegar que têm o direito de lá ficar. Porque há de facto o risco de se tornarem uma cultura, um hábito, um modo de vida e de ficarem a viver na nossa alma.
É por isso que o despejo tem de começar o mais rapidamente possível.
Delegado docente na Diocese de Getafe desde o ano académico de 2010-2011, realizou anteriormente este serviço no Arcebispado de Pamplona e Tudela durante sete anos (2003-2009). Actualmente combina este trabalho com a sua dedicação à pastoral juvenil, dirigindo a Associação Pública da Fiel 'Milicia de Santa María' e a associação educativa 'VEN Y VERÁS'. EDUCACIÓN', da qual é presidente.