Antes de escrever estas linhas, perguntei à protagonista se me autorizava e ela disse que sim. Pensou um pouco e pareceu-lhe bem. Chama-se Dominga, tem 16 anos e adora fazer coreografias no Tik Tok, algo que a mãe via como muito distante, porque quando a filha nasceu, esta rede social não existia e porque Dominga teve de fazer muita terapia para andar. "Domi", como lhe chamam os seus quatro irmãos, é a única filha mulher. A gravidez da mãe foi normal e, quando Dominga nasceu, lançou aos pais um olhar sustentado, quase intimidante. "Esta rapariga vai dar-nos trabalho!", diziam em tom de brincadeira quando a família festejava a sua chegada, embora não soubessem que essa frase seria inteiramente verdadeira. No seu primeiro aniversário, Domi era uma criança saudável, mas já tinha ido a mais de seis especialistas. O que aparentemente parecia ser sinónimo de "filha sossegada" começou a preocupar o médico de família. Comia pouco, dormia mal e não atingia os marcos de desenvolvimento. A história é longa e tenho de a resumir. Vou dar-vos uma spoilerA Dominga tem uma deficiência intelectual que a faz ver o mundo de forma diferente dos seus irmãos e algumas coisas são mais difíceis de compreender para ela. Há também outros aspectos da vida quotidiana que não são fáceis para ela, como abotoar uma camisa ao pescoço ou calcular o troco do pão quando faz compras numa mercearia.
Para a mãe dela, que sou eu, também há coisas que foram difíceis para ela. Ter uma filha diferente faz-nos explorar lugares muito inesperados e também reformular o filme que tínhamos feito para a nossa vida. As "conquistas" que não se concretizaram, as fotografias que não se penduram na parede (porque são simplesmente coisas que não vão acontecer) e as perguntas sobre o futuro que tivemos de nos fazer antecipadamente. O luto existe, é muito saudável e até libertador assumi-lo. A Dominga também me ensinou coisas tão profundas como divertidas. Ela tem uma grande fé e, depois da comunhão, recolhe-se de uma forma que me impressiona. É uma olímpica a pedir coisas a Deus; ela queria mais um filho para a família e lá estava eu a ter o meu quinto filho aos 42 anos, quando já me tinha esquecido que a Peppa Pig e os coletes salva-vidas para nadar existiam. Quando a vejo a rezar, penso "O que é que ele está a pedir, que assustador! Os seus pedidos também são por vezes invulgares, como um iPhone 13 ou que a deixemos ter um piercing. Mas se pensarmos bem, Dominga é a mais sábia... trata Deus como um pai, com afeto e proximidade. E espero que, como até agora, segurando a minha mão, eu possa continuar a guiá-la num mundo com obstáculos, mesmo se é ela que me mostra o caminho para ver o rosto de Jesus com tanta clareza e paz.
Jornalista chileno.