O que é que a Internet está a fazer às nossas mentes?

Temos de adotar um estilo de vida em que cultivemos todas as nossas capacidades e cresçamos como seres humanos. Este é um dos maiores desafios sociais que enfrentamos nesta era da Internet.

3 de novembro de 2024-Tempo de leitura: 4 acta
Internet

(Unsplash / Onur Binay)

Nicholas Carr, no seu livro de 2010 "Superficial, what is the internet doing to our minds?" analisa a forma como o advento da Internet afectou a nossa forma de pensar. Uma das conclusões a que este autor chega é que, tal como o título sugestivo do livro indica, a Internet tornou-nos mais superficiais.

Na sua reflexão, Nicholas Carr lamenta ter perdido a capacidade de concentração. A sua mente costumava ser como uma picareta que concentrava toda a sua energia na ponta para abrir caminho através da terra. Agora, tornou-se uma bola de aço que, quando atinge a terra, dispersa toda a energia numa miríade de pontos e é incapaz de abrir uma vala. Apenas consegue amolgar o solo.

Internet e capacidade de atenção

O facto é que, por muito que nos digam e até valorizem positivamente, as pessoas não são multitarefas. Não podemos ocupar-nos de várias frentes ao mesmo tempo. Só podemos concentrar a nossa capacidade numa. O resto das acções que realizamos nesse momento, fá-lo-emos automaticamente. Na realidade, quando dizemos que fazemos várias operações ao mesmo tempo - o que definimos como multitarefa - tudo o que estamos a fazer é dirigir a nossa atenção de uma tarefa para outra alternadamente, gastando muita energia em cada mudança. Com a agravante de que, como muitos autores descrevem, esta forma de utilizar a nossa mente torna-a mais frágil e dispersa.

É por isso que o aparecimento da Internet afectou a nossa capacidade de atenção. Analisando a sua própria experiência, Nicholas Carr comentou que a vida na Internet alterou a forma como o seu cérebro procurava informação, mesmo quando estava "offline", quando não estava na Internet e tentava, por exemplo, simplesmente ler um livro. Descobriu que a sua capacidade de se concentrar e refletir diminuiu porque agora ansiava por um fluxo constante de estímulos.

De facto, todos nós já experimentámos a forma como a leitura de textos na Web nos leva constantemente a atender às chamadas de atenção das notícias ligadas. Saltamos de uma notícia para outra, sem as terminar. Ficamos dispersos. É por isso que, muitas vezes, começamos a ler um artigo, mas acabamos por navegar na Internet durante muito tempo antes de acabarmos de ler o que era a nossa primeira intenção.

Nicolas Carr resume tudo numa frase significativa: "No passado, eu era um mergulhador num mar de palavras. Agora deslizo pela superfície como um tipo num jet ski. Estou certo de que muitos de nós nos vemos reflectidos nesta afirmação.

O advento do smartphone

Esta situação só se multiplicou desde o ano de publicação deste livro. O ano de 2010 é o ano da chegada maciça do smartphone aos nossos bolsos. A partir desse momento, com a última geração de telemóveis, passámos a ter a Internet constantemente na ponta dos dedos. Desde o nosso bolso até à nossa mesa de cabeceira. Desde então, temos podido navegar nesse sexto continente, como lhe chamei Bento XVIA nova tecnologia é muito mais fácil do que antes, quando precisávamos de um computador para nos ligarmos à rede.

A chegada do smartphone às nossas vidas foi uma mudança revolucionária. Está verdadeiramente a mudar as nossas mentes e está a ter consequências que mal conseguimos vislumbrar. Talvez a mais dramática seja o impacto que está a ter na saúde mental dos nossos jovens.

Jonathan Haidt, autor do livro "A Geração Ansiosa"., analisa o impacto que este dispositivo teve nos jovens. Estudando as estatísticas, confirma o aumento exponencial dos suicídios e dos problemas de saúde mental entre os jovens nos últimos anos. Aponta precisamente 2010, o ano em que o telemóvel com Internet foi massivamente incorporado, como o momento em que esta estatística disparou.

O telemóvel com acesso à Internet teve um grande impacto em todos nós. Moldou as nossas mentes e as nossas vidas. A começar pelo facto mais simples. A imensa quantidade de tempo gasto, que nos retirou tempo para socializar. Mas também nos tirou o tempo de sono a todos, sobretudo aos mais novos. A acessibilidade do smartphone, presente na mesa de cabeceira quando nos deitamos, as séries da plataforma, que consumimos compulsivamente, em capítulos curtos, uns atrás dos outros, perturbam seriamente o sono. Esta diminuição do sono é um dos factores que mais tem contribuído para o tsunami de doenças mentais nos adolescentes. 

Não podemos esquecer que as redes sociais, e a Internet em geral, foram concebidas para serem viciantes. Dispõem de um processo comportamental perfeitamente estudado para nos viciar e manter o mais tempo possível. Equipas de psicólogos, especialistas em marketing, dinheiro em abundância estão do outro lado do ecrã à procura de formas de gerar essa dependência e fazer com que precisemos de estar constantemente ligados. E por uma razão simples. Nada é gratuito na Internet. Nós próprios, o nosso tempo, a nossa informação é o pagamento que sustenta o negócio. 

A par das inúmeras possibilidades que esta rede de redes nos oferece, é cada vez mais evidente a necessidade de aprender a gerir a sua utilização, se não quisermos naufragar ao navegar nas suas tempestuosas águas virtuais. É necessário adotar algumas regras de convivência entre todos nós. É preciso cultivar uma ascese no seu uso que nos torne verdadeiramente livres e senhores da situação, e não o contrário. Precisamos, em suma, de adotar um estilo de vida em que cultivemos todas as nossas capacidades e que nos faça crescer como seres humanos.

Este é um dos maiores desafios sociais que enfrentamos no nosso tempo. Penso que vale a pena prestar-lhe atenção. E não será fácil, porque há um grande negócio construído em torno da Internet, das redes sociais, das plataformas e dos telemóveis, que moverá as suas alavancas para travar qualquer iniciativa que considere ir contra o seu negócio. Foi o que aconteceu com o recente cancelamento da META (Facebook) das contas da prestigiada educadora Catherine l'Ecuyer, apenas por ter ousado propor uma abordagem educativa em que a utilização da tecnologia é racionalizada.

Parafraseando o ditado que diz que a tecnologia foi feita para o homem e não o homem para a tecnologia. É altura de acordar do sonho e de perceber o que está em jogo.

O autorJavier Segura

Delegado docente na Diocese de Getafe desde o ano académico de 2010-2011, realizou anteriormente este serviço no Arcebispado de Pamplona e Tudela durante sete anos (2003-2009). Actualmente combina este trabalho com a sua dedicação à pastoral juvenil, dirigindo a Associação Pública da Fiel 'Milicia de Santa María' e a associação educativa 'VEN Y VERÁS'. EDUCACIÓN', da qual é presidente.

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