O meu rebanho

Os seres humanos têm tendência para enquadrar as pessoas num molde que criámos com os nossos preconceitos. No entanto, isto limita a nossa capacidade de conhecer verdadeiramente os outros.

15 de Maio de 2023-Tempo de leitura: 3 acta
ovelhas

Bando

Os seres humanos são gregários por natureza. Precisamos de fazer parte de um grupo com o qual partilhamos algo: identidade, valores, interesses..... O problema é quando esses grupos se tornam prisões. ideológico que impedem o diálogo.

O exemplo mais claro disto pode ser encontrado no panorama político, onde os partidos exploram o "nós" contra todos os outros, promovendo um efeito centrífugo que conduziu ao actual clima de polarização.

Julgamos o adversário por ser o oposto, analisamos todos os gestos à procura de defeitos que reafirmem o porquê de não pertencermos ao outro grupo, enquanto tentamos minimizar as suas virtudes, por mais incómodas que sejam.

Homens versus mulheres, jovens versus idosos, conservadores versus progressistas, madridistas versus culés, crentes face a face com agnósticos... É preciso definir-se, é preciso filiar-se em que grupo se está e contra quem se está?

Informamo-nos nos meios de comunicação social e com comunicadores que concordam com o nosso ponto de vista, porque quando mudamos de marca sentimo-nos desconfortáveis.

Gostamos de compartimentos estanques, de encapsular as pessoas, porque isso simplifica as nossas relações. Se vais à missa, és de direita, homofóbico e toureiro; se usas rastas, és de extrema-esquerda, animalista e fumas marijuana; se és jovem, só te interessam as redes sociais, és a favor do aborto e não sabes o que é trabalhar; e se és mais velho, não sabes nada e só pensas em dinheiro. Os preconceitos facilitam-nos a vida porque nos poupam a pensar, mas a verdade é que não são verdadeiros. Não conhecemos uma pessoa até falarmos com ela, conhecemos a sua história, as suas circunstâncias, as suas motivações e os seus medos, e ficamos muitas vezes surpreendidos quando, depois de uma conversa com aquela pessoa de quem não gostávamos, descobrimos alguém com quem gostaríamos de passar mais tempo ou mesmo uma vida inteira, como me aconteceu com a pessoa que é agora a minha mulher.

No seu mensagem Por ocasião do Dia Mundial das Comunicações Sociais, que se celebra no próximo domingo, o Papa Francisco convida-nos a promover uma comunicação aberta e acolhedora, e encoraja-nos a praticar a escuta "que requer espera e paciência, bem como a recusa de fazer valer o nosso ponto de vista de forma preconceituosa (...) Isto leva o ouvinte a sintonizar-se com o mesmo comprimento de onda, a ponto de chegar a sentir o bater do coração do outro no seu próprio coração. Então, o milagre do encontro torna-se possível, permitindo-nos olhar uns para os outros com compaixão, respeitando as fragilidades de cada um, em vez de julgar por ouvir dizer e semear a discórdia e a divisão.

O maior perigo de nos colocarmos numa posição em que pensamos que os meus são os bons e os outros são os maus é quando não conseguimos ver os maus por dentro ou os bons por fora, porque isso nos desequilibra.

O mal é mais esperto do que qualquer um de nós, sabe passar de um lado para o outro e não tem qualquer pejo em mudar de lado à vontade. O fascista que justificava o extermínio de pessoas com síndrome de Down para o bem da raça ariana, agora fá-lo para a defesa das mulheres sob a bandeira do direito de decidir e do progressismo; o censor que decidia o que podia ou não ser dito publicamente para defender os valores dos regimes ditatoriais, agora faz o mesmo a favor da cultura woke; o pedófilo que se tornava padre para estar perto das crianças, agora torna-se treinador de futebol ou funda uma ONG; aquele que humilhava os homossexuais pelo simples facto de serem homossexuais, agora trata com desdém as famílias tradicionais; o senhor feudal que exercia os seus privilégios injustos sobre o povo, agora fá-lo como burguês republicano; a autarca corrupta de direita cede o seu lugar após as eleições a uma autarca corrupta de esquerda... E assim poderíamos continuar com uma lista infinita de males que não são específicos de um grupo ou de outro, mas da espécie humana.

Quando o bem ou o mal são relativizados consoante o lado em que se está, perdemos um dos maiores dons, talvez o maior, que Deus nos deu, o da liberdade, porque acabamos por aceitar o mal ou rejeitar o bem perante a pressão do rebanho.

Sejamos astutos como as serpentes, para não vermos os outros a preto e branco, mas na infinita gama de cores que é a nossa. Só assim seremos capazes de detectar o nosso mal e o bem dos outros, porque, na realidade, pertencemos todos ao mesmo grupo: o da grande família humana ferida, ainda que pelo mal, desde o início.

O autorAntonio Moreno

Jornalista. Licenciado em Ciências da Comunicação e Bacharel em Ciências Religiosas. Trabalha na Delegação Diocesana dos Meios de Comunicação Social em Málaga. Os seus numerosos "fios" no Twitter sobre a fé e a vida diária são muito populares.

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