"Existe uma ligação secreta entre a lentidão e a memória, entre a velocidade e o esquecimento". Esta frase do célebre dramaturgo checo Milan Kundera, recentemente falecido em Paris, tem-me marcado nas últimas semanas. Li-a no ensaio "Remaining" do político francês François-Xavier Bellamy, no qual ele analisa o mundo acelerado em que vivemos e as consequências que esse ritmo acelerado tem para as nossas vidas.
E senti-me desafiado.
Vivemos num mundo em constante aceleração, em permanente movimento. Todos nós sofremos desta cultura da pressa que nos leva a ir de um sítio para outro, sem perder tempo. Como narrou Michael Ende em "Momo", "Momo"., Parece que somos apanhados pelos homens cinzentos que nos roubam o tempo que julgamos estar a tentar poupar. A mudança é uma constante no nosso mundo. Nada permanece. Só o que muda parece válido, mesmo que a sua única virtude seja simplesmente o facto de ser novo. O progresso, o avanço, tornou-se um objetivo em si mesmo, mesmo que não saibamos bem onde esse caminho nos leva. O importante é avançar, seja para onde for.
Consequentemente, desenvolvemos uma espécie de vergonha do nosso passado. Revimo-lo e isso levou-nos a descartar tudo o que não se conforma com a nossa forma atual de ver a realidade. É este o revisionismo imposto pela cultura woke., que nos está a afastar das nossas próprias raízes e da nossa própria história.
Caímos assim na armadilha da velocidade vertiginosa que nos leva ao esquecimento. Uma armadilha que se tornou uma cultura e uma proposta política. E assim temos o fast food, o "fast food"., mais eficaz do que um guisado em lume brando, uma política de marketing e de slogans em vez de uma gestão a longo prazo, uma vida mais divertida e superficial, menos densa e profunda.
Nós, cristãos, vivemos neste mundo e sentimo-nos interpelados por este tsunami cultural. As ondas estão a agitar-nos e tudo parece dizer-nos que vivemos precisamente no passado e que, consequentemente, não há lugar para nós na sociedade do futuro. Assim, a única forma de sobreviver parece ser juntarmo-nos a esta onda, surfar por cima dela, e não tentarmos ser ondas no meio da ondulação.
E, no entanto, a realidade é que, como dizia Chesterton, "todas as épocas e todas as culturas são salvas por um pequeno punhado de homens que têm a coragem de ser irrealistas". Não é seguindo a moda que daremos luz ao mundo, mas ancorando-nos naquilo que permanece, permanecendo nós próprios.
O mundo de hoje precisa de homens e mulheres que tragam sabedoria, conhecimento profundo do coração humano, que possam orientar as suas vidas. No meio das areias sempre movediças do deserto, o viajante encontra o seu destino olhando para as rochas que permanecem como referência. Aconteceu-me muitas vezes que, em conversas com jovens que conheceram a fé numa idade precoce e depois se afastaram dela, me agradeceram por ter ficado, mesmo quando estavam a tropeçar na vida. Isso deu-lhes segurança, serviu-lhes de ponto de referência.
A nossa igreja precisa de homens e mulheres que vivam em casa e passem a vida à espera do filho que saiu de casa. Como o pai da parábola do filho pródigo, como a mãe da canção de Cesáreo Gabarain "Una madre no se cansa de esperar".. Homens e mulheres que permanecem e que são, portanto, um legado de memória.
A nossa religião é feita de memória agradecida. Vivemos o nosso ser a partir da memória transmitida de pai para filho do que Deus fez por nós. "Shema, Israel! Há uma ligação total entre "memória e identidade", como São João Paulo II intitulou um dos seus livros. Cultivar a memória, acalmar a alma, é essencial para evangelizar o nosso mundo.
Hoje, mais do que nunca, precisamos de homens sábios, capazes de ver a realidade com os olhos de Deus e que nos dêem as chaves do nosso caminho nestes tempos confusos. Homens que rasguem as aparências dos acontecimentos e nos revelem o verdadeiro significado do que nos está a acontecer. Homens moldados pela fé e que contemplam o mundo com o coração de Deus.
Precisamos de recuperar a sabedoria de Deus que permanece e que, precisamente porque permanece, nos permite avançar, porque serve de guia e de referência, de ponto de referência que indica o caminho. É preciso avançar sem medo, conduzir o barco da nossa vida para as profundezas - "Duc in altum!, com o olhar fixo num ponto de referência que não se move e que nos ajuda a discernir a direção que temos de tomar.
A estrela polar permanece sempre, fixa no céu, guiando os marinheiros.
Que nós, cristãos, sejamos a estrela na noite, a rocha no deserto, a casa permanente para os homens e mulheres do nosso tempo!
Delegado docente na Diocese de Getafe desde o ano académico de 2010-2011, realizou anteriormente este serviço no Arcebispado de Pamplona e Tudela durante sete anos (2003-2009). Actualmente combina este trabalho com a sua dedicação à pastoral juvenil, dirigindo a Associação Pública da Fiel 'Milicia de Santa María' e a associação educativa 'VEN Y VERÁS'. EDUCACIÓN', da qual é presidente.