A história e a literatura registam grandes amizades a nível humano.
Uma das mais conhecidas é a de David e Jónatas. Esta amizade cativante, provavelmente o melhor exemplo de amizade no Antigo Testamento, foi confrontada por Saul, o pai de Jónatas, que invejava David ao ponto de ordenar o seu assassínio, de modo que David teve de fugir da corte. Quando soube disso, Jónatas - o filho mais velho e herdeiro de Saul - ficou do lado do seu amigo David.
Saul, rejeitado por Deus e morto no campo de batalha contra os filisteus, perdeu o trono, que passou para David, o novo rei.
Outra amizade famosa é a de Pílades e Orestes. Clitemnestra, esposa infiel de AgamémnonEnviou o seu filho Orestes - para que não testemunhasse a sua infidelidade - aos cuidados do rei Strophios de Phocis. Orestes cresceu ali em amizade com Pílades, o filho do rei. No regresso de Tróia, Agamémnon foi morto por Egisto, o amante da sua mulher.
Orestes, com a ajuda de Pílades, matou Clitemnestra e Egisto, após o que os dois navegaram até às fronteiras da Cítia. Ao chegar ao país de Tauros, Orestes caiu na sua loucura habitual e ficou estendido no chão; Pílades limpou-lhe a espuma e cuidou do seu corpo.
Cada um ofereceu-se para salvar a vida do outro. No final, ambos foram salvos, e Orestes reinou em Micenas e Pílades em Electra.
Outras amizades estreitas foram estabelecidas entre Roland e Oliveros e entre Amis e Amilis no tempo de Carlos Magno.
Mais perto de nós, Ratzinger deixou-nos uma visão luminosa da fé, como forma superior de amor, em muitas das suas obras, entre as quais o Introdução ao Cristianismo. E eu gostaria de recordar aqui algumas dessas ideias que não perderam a sua actualidade.
Na solidão de chumbo de um mundo órfão de Deus, no seu tédio interior, a procura do divino ressurgiu. Contra o êxtase sombrio e devastador da droga, dos ritmos sufocantes, do ruído e da embriaguez, há a luz diáfana e a descoberta admirável do sol de Deus.
O futuro constrói-se onde as pessoas se encontram com convicções capazes de moldar a vida. E o bom futuro cresce onde essas convicções provêm da verdade e conduzem a ela.
Há, no entanto, alguns escândalos para a vida de fé actual:
-A distância entre o visível (o que nos rodeia, a realidade palpável) e o invisível (Deus, a fé).
- A distância entre o progresso (o que conduz ao futuro) e a tradição (a fé como algo do passado, mesmo na roupagem do religioso).
Todo o ser humano tem de tomar posição, de alguma forma, no domínio das decisões fundamentais, e isso só pode ser feito sob a forma da fé. Há um domínio em que não há outra resposta senão a da fé, que ninguém pode evitar. Todo o ser humano tem de acreditar de alguma forma.
Mas o que é a fé em si?
A fé é uma forma de nos situarmos perante a realidade.
O homem não vive apenas do pão do viável; vive da palavra, do amor, do sentido. O sentido é o pão de que o homem se alimenta no seu íntimo. Órfão de palavras, de sentido e de amor, ele cai na "a vida já não vale a pena ser vivida", mesmo que se viva com um conforto extraordinário.
Acreditar em Cristo "significa confiar-se ao sentido, que me sustenta a mim e ao mundo, considerado como a base firme sobre a qual me posso apoiar sem medo".
Por isso, não se pode negar que a fé cristã constitui uma dupla afronta à atitude dominante no mundo de hoje... O primado do invisível sobre o visível e do receber sobre o fazer, vai no sentido completamente oposto ao da situação actual.
Mas a fé não significa colocar-se cegamente nas mãos do irracional. Pelo contrário, significa aproximar-se do "logos", da ratio, do sentido e, portanto, da própria verdade.
A fé cristã é muito mais do que uma escolha a favor do fundamento espiritual do mundo. A sua declaração fundamental não diz "eu acredito em algo", mas sim "eu acredito em algo". "Eu acredito em ti", no carácter imediato e vigoroso da sua união... com o Pai, em Jesus, a testemunha de Deus, através da qual o intangível se torna tangível e o distante se torna próximo; não é uma testemunha pura e simples... é a presença do eterno neste mundo. Na sua vida, na entrega sem reservas do seu ser aos homens, o sentido do mundo torna-se presente.
"És mesmo...?". A honestidade do pensamento obriga-nos a colocar-nos estas questões, mesmo que o divino se manifeste a muito poucos de forma evidente.