Na altura do seminário, preocupava-nos a falta de vocações sacerdotais. Hoje, atrevo-me a apontar a má interpretação de um dos termos propostos pela doutrina cristã, o da "paternidade responsável", como responsável por esta crise. A Catecismo utiliza-o no contexto da regulação da procriação e afirma sabiamente que, "por razões justificáveis, os cônjuges podem querer espaçar o nascimento dos seus filhos. Neste caso, devem certificar-se de que o seu desejo não nasce do egoísmo, mas está de acordo com a justa generosidade de uma paternidade responsável".
Todos sabemos que há razões que se justificam, o problema é que muitas vezes justificamos as nossas razões tentando restringir o plano de Deus à lógica humana, e a lógica humana é sempre tão limitada!
Lógica humana e planos divinos
A lógica humana da São JoséPor exemplo, foi esmagador: "A criança que Maria carrega não é minha, não quero denunciá-la. Não quero denunciá-la, o melhor é renegá-la em segredo", pensou. Foi preciso que um anjo lhe aparecesse em sonho para que ele compreendesse a lógica divina. E o que foi o "faça-se" de Maria senão um exemplo de maternidade irresponsável? Uma rapariga hebraica nas suas circunstâncias estava literalmente a jogar a sua vida fora. A coisa responsável a fazer, certamente, teria sido recusar o convite do anjo e pedir-lhe que encontrasse uma mãe melhor. Além disso, tanto ela como o Filho do Altíssimo, possivelmente concebido, estariam em perigo de vida. Como é que alguém com dois dedos na boca poderia permitir isso?
Foi o Espírito Santo, de que Maria gozava em plenitude, e não as razões mais do que justificadas, que a fez deixar a lógica mundana e abrir-se à novidade do Deus das surpresas. Parece-me normal que quem não vive com este espírito se feche à vida; o problema é quando este mundanismo entra na Igreja. A mundanidade, sublinhou o Papa Francisco, é de facto "o pior dos males que a podem afetar".
Quantas vezes nós, casais cristãos, nos deixámos levar pelo ambiente, entendendo a paternidade como uma fonte de dificuldades e de problemas e não como, nas palavras do Papa, "a abertura de um novo horizonte de criatividade e de felicidade"! Quantas vezes os confessores e os diretores espirituais caíram também neste medo da vida que se abre, privando os casais da oportunidade de viverem a felicidade que nasce da resposta generosa a Deus a partir da vocação que lhes é própria!
Paternalismo clerical e paternidade responsável
Há muito paternalismo clerical por detrás de alguns conselhos em nome da "paternidade responsável", como se a vocação matrimonial fosse de categoria inferior, destinada aos mais fracos na fé, e não bebesse do mesmo apelo à santidade que as restantes vocações. Ou já ouviram falar de sacerdócio responsável, ou de vida contemplativa responsável? Imaginem uma advertência aos missionários para que sejam responsáveis? Teriam de ir todos para casa!
Aqueles que, sem dúvida com boa vontade, encorajaram os casamentos cristãos, de acordo com o pensamento liberal atual, a não se complicarem demasiado com os filhos e a limitarem o seu número, tiraram esse ponto de irresponsabilidade de que a vida cristã precisa. É preciso ser irresponsável para renunciar a uma carreira profissional, estudar seis anos e renunciar a criar uma família para se tornar um padre que trabalha 24 horas por dia, 7 dias por semana e ganha o salário mínimo. É preciso ser irresponsável para se fechar para sempre entre quatro paredes com a ideia de passar o dia a rezar a um Deus que nem sempre responde, a viver com companheiros que não escolhemos e a obedecer a um superior num convento de clausura. É preciso ser irresponsável para ir para um país que não é o nosso, por vezes para os lugares mais perigosos do planeta, para viver entre os pobres e evangelizá-los como missionário.
Quando nos queixamos da falta de jovens dispostos a tomar a decisão irresponsável de ir estudar para um seminário (por vezes durante vários anos, sem qualquer certeza de que acabarão por ser ordenados), olhemos para o tipo de responsabilidade que é vivida e transmitida nos lares cristãos. Talvez tenhamos ido longe demais na prescrição de uma paternidade responsável. Um termo que, mal discernido, se tornou uma verdadeira vasectomia da vida cristã, cuja sombra de esterilidade assola atualmente a Igreja ocidental.
Jornalista. Licenciado em Ciências da Comunicação e Bacharel em Ciências Religiosas. Trabalha na Delegação Diocesana dos Meios de Comunicação Social em Málaga. Os seus numerosos "fios" no Twitter sobre a fé e a vida diária são muito populares.