A pena de morte e a dignidade humana

10 de Agosto de 2018-Tempo de leitura: 5 acta

"A Igreja ensina, à luz do Evangelho, que "a pena de morte é inadmissível porque viola a inviolabilidade e a dignidade da pessoa". Esta afirmação pode ser lida na nova edição do Catecismo da Igreja Católica (n. 2267), tornado público nos dias de hoje.

Dentro de um texto mais amplo, esta nova redacção é também acompanhada nestes dias por uma carta da Congregação para a Doutrina da Fé e por um artigo de D. Javier Solana. Osservatore Romano.

É um fruto do desenvolvimento doutrinário que teve lugar nas últimas décadas no que diz respeito à tomada de consciência do dignidade fundamental da pessoa humanaA pessoa humana, sendo criada à imagem de Deus; e consequentemente, um aprofundamento do respeito devido a toda a vida humana.

Especificamente, São João Paulo II afirmou em 1999 que, nesta perspectiva renovada, a pena de morte equivale a uma negação da dignidade humana e priva a possibilidade de redenção ou emenda; é, portanto, uma pena "cruel e desnecessária". O Magistério segue agora a mesma linha.

Durante muito tempo, a pena de morte foi admitida com base na tutela ou legítima defesa da sociedade. Na sua primeira edição de 1992, o Catecismo da Igreja Católica previa a pena de morte no quadro de "castigos proporcionais" à extrema gravidade de certos crimes. Ao mesmo tempo, limitou o recurso à pena de morte aos casos em que os meios sem sangue não são suficientes para defender vidas humanas contra o agressor, "porque correspondem melhor às condições concretas do bem comum e estão mais em conformidade com a dignidade da pessoa humana".

Na sua edição típica ou oficial de 1997, o Catecismo avançou este argumento com a condição de que era "o único caminho possível". Acrescentou que hoje em dia o Estado tem mais possibilidades de processar o crime eficazmente, sem privar o criminoso da possibilidade de redenção; de modo que os casos em que a pena de morte é necessária, se ocorrerem, isso raramente acontece.

Estamos agora a testemunhar mais um passo no desenvolvimento doutrinal sobre esta questão, ao ponto de declarar que a Igreja considera hoje a pena de morte como em frente à dignidade humana e, por conseguinte, inadmissível.

A Carta da Congregação para a Doutrina da Fé aponta os três importantes argumentos sobre os quais a nova redacção do Catecismo se baseia: 1) a dignidade humana fundamental, precisamente porque está ligada à imagem de Deus que o homem possui no seu ser, "não se perde mesmo depois de terem sido cometidos crimes muito graves"; 2) as sanções penais "devem visar sobretudo a reabilitação e a reintegração social do criminoso"; 3) "foram criados sistemas de detenção mais eficazes, que garantem a necessária defesa dos cidadãos".

O Catecismo conclui agora: em relação à pena de morte: "a Igreja (...) compromete-se com determinação à sua abolição em todo o mundo".

Três aspectos sobre os quais vale a pena reflectir.

  1. Antes de mais, é de notar que se trata do dignidade fundamental Não depende da opinião ou decisão de alguns ou muitos, e nunca se perde, mesmo no caso de um grande criminoso. Portanto, cada pessoa tem valor por si só (não pode ser tratado como um mero meio ou "objecto") e merece respeito por si só (não porque uma lei o diga), desde o primeiro momento da concepção até à morte natural.

Qual é a base para este "valor absoluto" da pessoa humana? Desde os tempos antigos, as pessoas distinguem-se dos outros seres do universo pelo seu espírito, a sua "alma espiritual". É também devido à sua relação especial com a divindade. A Bíblia confirma que o homem é criado à imagem e semelhança de Deus. E o cristianismo deixa claro que cada pessoa é chamada a receber uma parte da filiação divina em Cristo. Aqueles que não reconhecem a existência de um Ser Supremo têm mais dificuldade em estabelecer a dignidade humana. E a experiência histórica mostra que não é uma boa experiência deixar alguns ou muitos decidir se alguém tem ou não dignidade humana.

Outra coisa é a dignidade moral, que alguém pode perder, ou diminuir, se fizer algo indigno de uma pessoa. Ao nível da dignidade fundamental, não há pessoas indignas. No plano moral, há pessoas que se tornam indignas ao espezinharem a dignidade dos outros. A dignidade moral cresce sempre que uma pessoa age bem: dando o melhor de si mesmo, amando, fazendo da sua vida um presente para os outros.

  1. Em segundo lugar, alguns podem achar o adjectivo "excessivo" excessivo. inadmissívelque o Papa Francisco utiliza e que reflecte a nova redacção do Catecismo. A referência é retirada do seu discurso por ocasião do 25º aniversário do Catecismo da Igreja Católica. O contexto deste discurso poderia ser explicado da seguinte forma: hoje chegamos a uma reflexão renovada à luz do EvangelhoO Evangelho ajuda-nos a compreender melhor a ordem da Criação que o Filho de Deus assumiu, purificou e levou à plenitude, contemplando as atitudes de Jesus para com as pessoas: a sua misericórdia e paciência para com os pecadores. O Evangelho ajuda-nos a compreender melhor a ordem da Criação que o Filho de Deus assumiu, purificou e levou à plenitude, contemplando as atitudes de Jesus para com as pessoas: a sua misericórdia e a sua paciência para com os pecadores, aos quais ele dá sempre a possibilidade de conversão. E assim, após este processo de discernimento, incluindo o discernimento doutrinal, a Igreja ensina hoje que a pena de morte é inadmissível. porque concluiu que é contrário à dignidade fundamental de cada pessoa, que nunca se perde mesmo que seja cometido um grande crime.

A carta da Congregação da Fé assinala que o dever da autoridade pública de defender a vida dos cidadãos continua de pé (cf. os pontos anteriores do Catecismo nn. 2265 e 2266), tendo também em conta as circunstâncias actuais (o novo entendimento das sanções penais e a melhoria da eficácia da defesa) como a redacção actualizada do n. 2267 assinala.

Ao mesmo tempo, a nova redacção é apresentada como um "impulso para um compromisso firme" de pôr em prática os meios, incluindo o diálogo com as autoridades políticas, para reconhecer "a dignidade de cada vida humana" e, eventualmente, eliminar a instituição legal da pena de morte onde esta ainda está em vigor.

  1. Rino Fisichella - presidente do Conselho Pontifício para a Nova Evangelização - no seu artigo publicado no Osservatore Romano (2-VIII-2018), que estamos perante "um passo decisivo para a promoção da dignidade de cada pessoa". É, na sua opinião, um verdadeiro progresso - um desenvolvimento harmonioso em continuidade - na compreensão da doutrina sobre o assunto, "que amadureceu ao ponto de nos fazer compreender a insustentabilidade da pena de morte nos nossos dias".

Evocando o discurso de abertura de S. João XXIII no Concílio Vaticano II, o Arcebispo Fisichella escreve que o depósito da fé deve ser expresso de tal forma que possa ser compreendido em tempos e lugares diferentes. E a Igreja deve proclamar a fé de tal forma que leve todos os crentes a assumir a responsabilidade pela transformação do mundo na direcção do bem autêntico.

Este é, de facto, o caso. Ao apontar o papel do Catecismo da Igreja Católica, a Bula que o promulgou em 1992 observou que "deve ter em conta os esclarecimentos de doutrina que, ao longo do tempo, o Espírito Santo sugeriu à Igreja". E acrescentou: "Deve também ajudar a lançar a luz da fé sobre novas situações e sobre problemas que ainda não surgiram no passado" (Constante Apostólica. Fidei depositum, 3).

Na mesma linha, o Papa Francisco expressou-se no discurso citado pelo ponto do Catecismo cuja nova edição estamos a tratar: "Não basta, pois, encontrar uma nova linguagem para expressar a fé como sempre; é necessário e urgente que, face aos novos desafios e perspectivas que se abrem à humanidade, a Igreja seja capaz de expressar as novidades do Evangelho de Cristo que, embora estejam na Palavra de Deus, ainda não vieram à luz" (Francisco, Discurso por ocasião do 25º Aniversário do Catecismo da Igreja Católica, 11-X-2017: L'Osservatore Romano, 13-X-2017).

Não se trata, em suma, de uma questão de simples palavras, mas de fidelidade - a fidelidade autêntica é uma fidelidade dinâmica - à mensagem do Evangelho. Uma fidelidade que, com base na razão e portanto na ética, deseja transmitir e proclamar a doutrina cristã com base na contemplação da Pessoa, da vida e dos ensinamentos de Jesus Cristo.

O autorRamiro Pellitero

Licenciatura em Medicina e Cirurgia pela Universidade de Santiago de Compostela. Professor de Eclesiologia e Teologia Pastoral no Departamento de Teologia Sistemática da Universidade de Navarra.

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