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A diplomacia do Vaticano na guerra ucraniana

A mediação do Vaticano na guerra ucraniana é complexa, mas é possível distinguir três níveis: a via diplomática clássica; a acção e o seguimento pessoal do Santo Padre; e o impulso para a ajuda humanitária.

Andrea Gagliarducci-12 de Setembro de 2022-Tempo de leitura: 4 acta

Texto original do artigo em espanhol aqui

A notícia de que a Federação Russa estaria disposta a aceitar a mediação da Santa Sé no conflito ucraniano foi comunicada pela primeira vez em 13 de Junho passado por Alexei Paramonov, director do primeiro departamento europeu do Ministério dos Negócios Estrangeiros russo, em declarações à agência governamental Ria Novosti. Mas que a situação era mais complexa do que o pensamento mais optimista dos meios de comunicação social é testemunhado pelo facto de, após essa abertura, durante quinze dias não ter havido mais notícias. O que é que a diplomacia da Santa Sé está a fazer pela Ucrânia? Há três níveis de actividade, de várias maneiras foram abertos três canais diplomáticos, todos com a esperança de serem eficazes.

O canal diplomático

O primeiro canal é o diplomático. Certamente as declarações para Ria Novosi foram uma notável mudança de direcção, uma "pequena janela" que o Papa Francisco tinha dito procurar numa entrevista com o diário italiano Corriere della Sera Em resumo, Paromonov declarou que a Santa Sé não só declarou repetidamente a sua disponibilidade para mediar, mas que "estas declarações foram confirmadas na prática". A Rússia mantém com a Santa Sé "um diálogo aberto e confiante sobre uma série de questões, principalmente relacionadas com a situação humanitária na Ucrânia", declarou. Esta última junta a mediação principalmente ao aspecto humanitário, e deixa claro que a Rússia não quer mudar a sua posição uma vez por semana. Assim, o diálogo é complexo. 

A Santa Sé apercebe-se disso. A actividade diplomática e o intercâmbio de informação são intensos. O Arcebispo Paul Richard Gallagher, Ministro das Relações com os Estados do Vaticano, esteve na Ucrânia de 18 a 21 de Maio, numa viagem que lhe permitiu não só encontrar-se com os líderes do Estado ucraniano, mas também experimentar de perto a situação de guerra, visitando as cidades devastadas de Bucha e Vorzel. 

Não foi por acaso, portanto, que imediatamente após a nota divulgada por Ria NovostiO Arcebispo Gallagher falou claramente sobre o que é aceitável e o que não está na situação na Ucrânia. Assim, a 14 de Junho, no contexto de um colóquio sobre migração realizado na Pontifícia Universidade Gregoriana, declarou que se deve "resistir à tentação de aceitar compromissos sobre a integridade territorial da Ucrânia". O Arcebispo Gallagher tinha repetido a mesma ideia de Kiev a 20 de Maio, quando disse que a Santa Sé "defende a integridade territorial da Ucrânia".

 O seguimento do Papa

Esta é a posição da Santa Sé a nível diplomático. Depois há o segundo canal, o do Papa Francisco. A diplomacia do Papa Francisco parece trabalhar numa via paralela, e envolve-o pessoalmente. Quando a guerra eclodiu, o próprio Papa quis visitar a Embaixada da Federação Russa, num gesto sem precedentes (chefes de Estado convocam embaixadores, e não o contrário). Não foi acompanhada por uma iniciativa semelhante em relação à Embaixada ucraniana. Enviou então o Cardeal Konrad Krajewski, amante do Papa, e Michael Czerny, prefeito do Dicastério para o Serviço de Desenvolvimento Humano Integral, para verem por si próprios a situação, coordenarem a ajuda humanitária e serem o braço do Papa. 

Além disso, o Papa não deixou de dar a conhecer a sua opinião sobre o assunto. Numa conversa com os editores de revistas jesuítas de todo o mundo, a 19 de Maio, o Papa Francisco tinha relatado que um chefe de Estado "pouco falador mas muito sábio", com quem se tinha encontrado em Janeiro, tinha expressado a sua preocupação acerca da atitude da OTAN, explicando que "eles estão a ladrar às portas da Rússia e não compreendem que os russos são imperiais por natureza e não permitem que nenhuma potência estrangeira se aproxime deles". O Papa acrescentou também que queria "evitar reduzir a situação complexa aos bons e maus da fita". 

Informação em primeira mão

Então, qual é a chave diplomática do Papa Francisco? Talvez ele simplesmente não tenha uma, porque está a olhar principalmente para a ajuda humanitária. O Papa Francisco pediu aos editores das revistas jesuítas para estudarem geopolítica, pois essa é a sua tarefa, mas ao mesmo tempo para se lembrarem de realçar o 'drama humano' da guerra.

Para dar ao Papa uma melhor compreensão da situação, o Padre Alexander, um amigo argentino do Papa, organizou um encontro em Santa Marta com dois dos seus amigos, Yevhen Yakushev, de Mariupol, e Denys Kolyada, um consultor de diálogo com organizações religiosas, que tinha trazido consigo Myroslav Marynovych, um amigo pessoal.

A reunião teve lugar a 8 de Junho e durou 45 minutos. Marynovych disse que "falámos do facto de a Rússia utilizar tanto armas como informação falsa", de tal forma que a Ucrânia, mesmo no Vaticano, foi vista principalmente através dos olhos russos, e que era injusto olhar para aqueles atacados "através do prisma da informação de propaganda do agressor". De facto, Marynovych pediu ao Papa para "desenvolver a sua própria política ucraniana, uma política não derivada da política russa". 

Estas palavras precisam de ser lidas muito, muito cuidadosamente, pois referem-se mais pessoalmente ao Papa do que à diplomacia da Santa Sé, dando origem a uma espécie de "diplomacia a duas velocidades" em relação à Ucrânia.

O campo humanitário

Finalmente, existe o terceiro canal, que é o canal humanitário. Já mencionámos os dois cardeais enviados pelo Papa Francisco. Depois há o extraordinário empenho lançado na área. No dia 22 de Junho, falando na reunião das Obras de Ajuda às Igrejas Orientais, o Arcebispo Maior Sviatoslav Shevchuk, chefe da Igreja Católica Grega Ucraniana, detalhou o empenho da Cáritas e das paróquias católicas, que são os locais onde as pessoas tradicionalmente vão em busca de ajuda.

A Ucrânia está dividida em três zonas: a zona de conflito, onde são prestados os primeiros socorros; a zona que faz fronteira com os locais de combate e que é o primeiro ponto de acolhimento dos refugiados que fogem tanto do leste como do oeste (há 6 milhões de emigrantes e 8 milhões de pessoas deslocadas); e a zona relativamente calma da Ucrânia ocidental, de onde é organizada a ajuda.

Uma nova moeda do Vaticano

A última iniciativa de apoio é uma moeda especialmente cunhada da Casa da Moeda do Vaticano, cujas receitas irão precisamente para financiar a ajuda à Ucrânia. A primeira tiragem de 3.000 esgotou imediatamente e outras 2.000 estão a ser cunhadas. Isto mostra claramente que não só a atenção se concentra na Ucrânia, mas também que existe uma vontade de fazer algo. 

O futuro dir-nos-á se estas três vias da diplomacia do Vaticano conduzem a resultados específicos. O Papa fez saber que quer ir a Moscovo e depois a Kiev. No entanto, seria bom que os seus apelos fossem ouvidos pela primeira vez.

O autorAndrea Gagliarducci

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