Espanha

Os bispos espanhóis ao Povo de Deus: "pedir perdão e perdoar é o primeiro passo para curar as feridas".

Maria José Atienza-24 de novembro de 2023-Tempo de leitura: 6 acta
abuso

A 123ª Assembleia Plenária dos bispos espanhóis publicou uma carta, dirigida a todo o povo de Deus, sobre os abusos sexuais na Igreja.

Sob o título "Enviados para acolher, curar e reconstruir", os bispos reiteram o seu pedido de perdão às vítimas e comprometem-se "a ser transparentes neste processo e a prestar contas às vítimas, à Igreja e a Deus", referindo-se à implementação de um plano de ação. reparação integral.

Texto integral da carta "Enviado para acolher, curar e reconstruir".

Vós sois a luz do mundo (Mt 5,14). Ao povo de Deus e à sociedade espanhola, perante o drama dos abusos, os bispos da Assembleia Plenária, conscientes de terem sido enviados para acolher e curar as vítimas deste flagelo social, oferecem humildemente as seguintes considerações.

1. luto, vergonha e pedido de perdão.

O abuso de menores encheu-nos de tristeza. Como noutras ocasiões, queremos exprimir de forma inequívoca a dor, a vergonha e a tristeza que nos causa esta realidade que trai a mensagem do Evangelho. Não pretendemos, de modo algum, procurar desculpas ou justificações para fugir a qualquer responsabilidade que nos possa corresponder enquanto Igreja.

Ao mesmo tempo, reiteramos o nosso sincero pedido de perdão a todos aqueles que sofreram por causa destas acções execráveis, especialmente às vítimas e às suas famílias. Pedimos também perdão a Deus, ao qual, como cristãos, não temos sido fiéis. O sofrimento foi causado não só pelos abusos, mas também pela forma como, por vezes, foram tratados. Não há palavras suficientes para expressar o quanto lamentamos a dor das vítimas, bem como a traição cometida por alguns membros das nossas comunidades. Estes actos, que não são apenas pecados mas também crimes, são incompatíveis com os valores fundamentais da nossa fé em Cristo, pois contradizem o amor, a compaixão e o respeito que Ele nos ensina e nos dá força para viver. São também um apelo a uma profunda conversão pessoal e comunitária.

Acima de qualquer outra consideração, comprometemo-nos a ser transparentes neste processo e a prestar contas às vítimas, à Igreja e a Deus. Os nossos irmãos, padres, religiosos e leigos, traindo a confiança que tinham recebido e a missão que lhes tinha sido confiada, abusaram das pessoas, menores ou vulneráveis, que lhes tinham sido confiadas para a sua proteção, educação ou cuidado.

2. A ação da Igreja: o cuidado das vítimas.

Muitos de nós já conhecemos as vítimas destes abusos. Conhecemos o seu rosto, a sua história, o seu nome. Queremos assumir a sua dor encarnada. Pedimos-lhes perdão, fazemo-lo agora e fá-lo-emos sempre. Pedir perdão é reconhecer os nossos limites, a nossa pobreza, a nossa fraqueza, a nossa falta de coragem. Sabemos que o dano e a dor causados são indeléveis, mas pedir perdão e perdoar é o primeiro passo para curar as feridas.

Em primeiro lugar e acima de tudo, podemos assegurar-vos que continuamos empenhados em tomar medidas concretas e eficazes para prevenir futuros abusos na nossa Igreja, que iniciámos em 2001. Estamos constantemente, e já há algum tempo, a rever todos os nossos protocolos de segurança e formação, bem como a trabalhar em estreita colaboração com as autoridades civis para garantir que os responsáveis por estes crimes sejam levados à justiça.

- Acolhimento e reparação. - Em relação às vítimas, para o seu acolhimento e acompanhamento, foram criados gabinetes de proteção de menores em todas as dioceses e instituições religiosas e foram realizados estudos para compreender a dimensão do problema. Encorajamos qualquer pessoa que tenha sofrido abusos a dirigir-se a estes gabinetes para iniciar processos de reparação e cura. Estamos prontos a ouvir, a apoiar, a reparar e a oferecer a ajuda de que necessitam para sarar. Todos os gabinetes de proteção da criança estão abertos para ouvir e acolher essa dor.

Prevenção e formação. - Com o encorajamento do Papa Francisco, foram dados os passos necessários em três direcções. Nesta Conferência Episcopal, o serviço de assessoria aos gabinetes diocesanos, já em pleno funcionamento, realizou numerosos encontros de formação para estabelecer um trabalho conjunto que permita um acompanhamento eficaz das vítimas. Em relação ao resto do Povo de Deus, a Conferência Episcopal, as dioceses e as congregações elaboraram e promulgaram protocolos de prevenção e deteção de abusos, e iniciaram processos de formação para todos aqueles que na Igreja trabalham com menores, para que possam ajudar a prevenir este flagelo social. No domínio jurídico, tanto o motu proprio Vos estis lux mundi como o Vade-mécum sobre questões processuais em matéria de abuso sexual, promulgadas pela Santa Sé, foram acompanhadas em Espanha pela Instrução sobre abuso sexualaprovado por esta Conferência Episcopal em abril passado.

- Relatórios e acções. - A rápida avaliação dos abusos, essencial para uma ação imediata, deve conduzir imediatamente à denúncia nos âmbitos canónico, civil e penal. Inicia-se assim a ação judicial, indispensável no caminho da reparação.

Note-se que, no contexto jurídico, a determinação de se um ato constitui um crime de abuso e de quem é responsável por esse ato criminoso é da competência da autoridade judicial, bem como as medidas legais que podem ser tomadas em consequência.

No entanto, a consciência, que "é o núcleo e o tabernáculo mais secreto do homem, onde ele se senta a sós com Deus" (GS 16), chama-nos a reconhecer os actos intrinsecamente maus que violam a lei de Deus, mesmo que não possam ser apreciados pela justiça humana, e leva-nos à urgência de os reparar.

3. É um problema da Igreja e da sociedade.

Estamos igualmente conscientes do impacto que estas acções têm na perceção que o público tem da Igreja. Os bispos de Espanha consideram que os casos de abuso são assuntos muito sérios que devem ser tratados dentro do quadro legal. Infelizmente, afectam todos os sectores da sociedade. A grande maioria dos abusadores são membros da família ou pessoas próximas da vítima.

No entanto, numa questão de tão grande alcance, centrarmo-nos apenas na Igreja é desfocar o problema. As recomendações e medidas a tomar não devem ser dirigidas apenas a nós, mas a toda a sociedade.

Acreditamos que a forma de curar este flagelo na Igreja e na sociedade é trabalharmos em conjunto para construir ambientes justos, seguros e compassivos, onde cada pessoa é amada, valorizada e respeitada.

Agora, reunidos em assembleia plenária, nós, bispos, valorizámos particularmente o testemunho recolhido junto das vítimas, que nos permite colocá-las no centro.

Durante este ano, quatro relatórios sobre abusos sexuais contra menores e pessoas vulneráveis na Igreja foram publicados por diferentes organizações e meios de comunicação social. A Conferência Episcopal Espanhola, com base no trabalho realizado pelos Gabinetes de Proteção de Menores, elaborou o seu próprio relatório, "Para fazer luz", com 728 testemunhos recolhidos desde os anos 40 até aos dias de hoje. Mas nós insistimos que o importante são as pessoas e não os números.

4. Não são apenas palavras: o plano global de reparação.

Estamos conscientes de que as palavras não são suficientes. A nossa ação continua. Nesta mesma Assembleia Plenária, trabalhámos no primeiro esboço do plano de reparação integral para as vítimas de abusos, que tem três linhas de ação que já estamos a desenvolver e que vamos promover com todas as nossas forças:

- atenção às vítimas através de todos os canais legais e eclesiásticos,

- reparação integral, na medida do possível, dos danos causados

- e formação para a prevenção de tais abusos no futuro.

Tomámos a decisão de continuar a trabalhar neste plano, de aprovar o seu itinerário após as revisões necessárias e de o ratificar na próxima Assembleia Plenária.

5. O valioso serviço do Povo de Deus.

Leigos, missionários, consagrados, diáconos, sacerdotes e bispos, para além das nossas limitações e fragilidades, entregamo-nos todos os dias, ajudando, acompanhando, consolando e cumprindo uma missão muito difícil e nem sempre reconhecida no nosso tempo.

Não é correto atribuir a todos o mal causado por alguns. Estamos conscientes de que este caminho de reparação é indispensável e, ao mesmo tempo, acreditamos que ele pode também ajudar a curar a ferida infligida ao Povo de Deus. Devemos também recordar todos aqueles que, entre nós, nos orgulham da nossa fé: os sacerdotes que levam Jesus a todos os corações; os consagrados que se dedicam à educação e à assistência; as mulheres consagradas que cuidam dos mais pobres e necessitados com toda a sua vida; os missionários que, em todos os países do mundo, tornam visível o Evangelho; os leigos que se entregam como catequistas ou voluntários; os monges e as monjas que nos apoiam com a sua oração e todos aqueles que vivem a sua vida cristã no meio das preocupações quotidianas.

6. Esperança.

O nosso empenhamento na erradicação dos abusos sexuais é também um serviço à sociedade em que vivemos. Oferecemos humildemente a nossa triste e dolorosa experiência para ajudar qualquer outra instituição a lutar contra este flagelo.

Queremos olhar para o futuro com esperança. Mais uma vez, reafirmamos que a nossa luta contra todos os tipos de abusos deve continuar sem tréguas. E, ao mesmo tempo, queremos manifestar a nossa profunda gratidão e apreço aos sacerdotes e às pessoas consagradas da nossa Igreja, encorajando-os a viver com entusiasmo e esperança o tesouro do ministério que lhes foi confiado (cf. 2 Cor 4, 7). Aproveitamos esta ocasião para apelar aos fiéis católicos para que os acompanhem, encorajem e apoiem na sua dedicação quotidiana.

Juntamente com o Povo de Deus, voltamo-nos para Cristo, fundamento de toda a esperança, que nos prometeu estar connosco até ao fim do mundo (cf. Mt 28, 20). Que Ele, o bom pastor, nos ajude a ultrapassar as trevas, a percorrer o caminho da cura, da reconciliação e da renovação, acompanhados pelo amor materno de Maria.

Pedimos as vossas orações pelas vítimas e suas famílias, bem como por todos os membros da nossa Igreja.

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