Sagrada Escritura

"Ele amou-os até ao fim" (Jo 13,1).

Josep Boira-7 de Abril de 2020-Tempo de leitura: 5 acta

O primeiro versículo do 13º capítulo do Evangelho de João forma um pórtico solene que nos introduz ao mistério da paixão, morte e ressurreição de Jesus, ou, no caso do quarto Evangelho, ao mistério da sua glorificação: "Antes da festa da Páscoa, quando Jesus soube que a sua hora tinha chegado deste mundo ao Pai, tendo amado os seus que estavam no mundo, amou-os até ao fim"..

Amor

O evangelista sublinha o amor de Jesus pelos seus: ele amou-os até este ponto, e agora está prestes a "completar" esse amor. Seguindo a divisão habitual do quarto Evangelho em duas partes (em suma: "livro de sinais", capítulos 1-12; e "livro de glória", capítulos 13-21), o verbo "amar" (ἀγαπάω), que aparece apenas algumas vezes na primeira parte, é muito abundante na segunda. Com esta palavra, o evangelista quer expressar a relação entre o Filho e o Pai, a do Filho aos seus discípulos e a dos discípulos um ao outro. 

Mas o escasso uso desse verbo na primeira parte é compensado neste primeiro verso, uma vez que o particípio passado "ter amado", que resume a manifestação de Jesus para o mundo como Messias através dos seus sinais e palavras (capítulos 1-12). Este amor terá uma continuidade num culminar final, por agora, "sabendo que a sua hora tinha chegado deste mundo para o Pai".Jesus dará a sua vida pelos seus. 

O todo

A expressão "ao extremo". (εἰς τέλος) poderia ser interpretado em dois sentidos: um bastante quantitativo temporal, "até ao fim". Assim se diz, por exemplo, de Moisés, quando ele tinha terminado de escrever a lei "até ao fim". (ἕως εἰς τέλος, Dt 31, 24), e outra bastante qualitativa, "absolutamente, ao todo". É possível que o evangelista queira expressar ambos os sentidos, que de facto se complementam ou quase se identificam mutuamente. Por um lado, o facto temporal de amar até ao fim é expressar que esta rendição é voluntária, segundo o que Jesus diz no discurso do "Bom Pastor": "Por esta razão, o Pai ama-me, porque dou a minha vida para que a possa retomar". Ninguém ma tira de mim, mas eu dou-a por minha livre vontade". (Jo 10, 17). Esta união de Jesus à vontade do seu Pai celestial é muitas vezes indicada no Evangelho pela expressão de que as coisas estão para acontecer "de acordo com as Escrituras".

Por exemplo, quando Jesus estava com os seus discípulos no Getsémani, Jesus disse ao servo do sumo sacerdote quando este foi atacado: "Embainha a espada: porque todos os que desembainharem a espada morrerão à espada; pensas tu que eu não posso ir ter com o meu Pai? ele enviar-me-ia imediatamente mais de doze legiões de anjos: como se cumprirão então as escrituras que dizem que isto tem de acontecer"? (Mt 26, 51-54). A resposta de Jesus a Pedro no quarto Evangelho segue a mesma linha: "Ponha a espada na bainha. O cálice que o meu Pai me deu, não o beberei eu?" (Jo 18:11).

A obediência e o amor fundem-se, de tal forma que o termo τέλος adquire um valor máximo no coração de Jesus, pois quando este amor alcança o fim, atingiu de facto a perfeição, o fim perfeito. Esse fim é a morte na cruz, quando Jesus diz: "Está realizado" (τετέλεσται, verbo da mesma raiz que τέλος, Jo 21:30). É a modalidade de "passando deste mundo para o Pai", através do amor supremo manifestado na auto doação até à morte na cruz.

A lavagem dos pés e a Eucaristia

João não reconta a instituição da Eucaristia (os quatro relatos estão no Primeira Carta aos Coríntios e nos três Evangelhos sinópticos) mas o contexto em que os capítulos 13 a 17 têm lugar é o da Última Ceia: isto é dito em 13:2: "Eles estavam a jantar. Portanto, a expressão "ele amou-os até ao fim". também deve ser entendida num contexto litúrgico-Eucarístico. De facto, se retirarmos as frases subordinadas que estão intercaladas no verso, a frase é tão clara como isso: "Antes da festa da Páscoa [...] ele amava-os até ao fim". A instituição da Eucaristia será "antes" da Páscoa, antes da imolação dos cordeiros, será uma "antecipação" da doação de Cristo na Cruz. 

Além disso, o relato da lavagem dos pés (13:4-12) é introduzido por outra afirmação solene que expressa o culminar da relação de amor e união de vontades entre Jesus e o Pai: "Jesus, sabendo que o Pai tinha colocado tudo nas suas mãos, que tinha vindo de Deus e regressado a Deus, levanta-se da mesa, tira o seu manto..." (13, 3-4). A união entre o Filho e o Pai dá lugar a um gesto material. É um sinal de que este gesto tem um forte significado: é uma expressão deste amor ao extremo, um amor que purifica, que torna limpo aquele que o recebe ("você está limpo", Jo 13,10) e que é sacramentalmente antecipada na Eucaristia que Jesus institui nessa ceia. Há uma nova pureza, superior à pureza meramente ritual e externa. 

Ensinando na sinagoga em Cafarnaum, dirá Jesus: "Aquele que come a minha carne e bebe o meu sangue habita em mim, e eu nele". (Jo 6:56). Assim, nas palavras de Joseph Ratzinger em Jesus de NazaréJesus, "que é Deus e Homem ao mesmo tempo, torna-nos capazes de Deus". O que é essencial é estar no seu Corpo, ser penetrado pela sua presença". Os antigos sacrifícios olhavam para o futuro, eles eram sacramentum futuri. Com o mistério pascal, sacramentalmente antecipado na Eucaristia, chegou a hora da novidade, e poderia dizer-se que "o amor ao extremo" chegou. Por esta razão, São João Paulo II pode dizer na sua encíclica Ecclesia de Eucharistia: "Um grande mistério, um mistério de misericórdia, que mais poderia Jesus fazer por nós? Na verdade, na Eucaristia ele mostra-nos um amor que vai "até ao fim" (Jo 13,1), um amor que não conhece medida alguma" (Jo 13,1). (n. 11). E este amor será o modelo de conduta para a existência dos discípulos: "Também deviam lavar os pés uns aos outros: dei-vos um exemplo..." (Jo 13, 14-15), para que o cristão, de alguma forma, tenha de ser pão para outros.

Esta relação entre "amor até ao fim" e a Eucaristia revela outro significado desta expressão: "para sempre", ou "continuamente". A Eucaristia é o amor de Jesus pelos seus para sempre, sem interrupção, manifestado na celebração do sacramento eucarístico, que torna presente o sacrifício de Jesus na cruz, e na sua presença real nos tabernáculos sob as espécies eucarísticas. Este sentido aparece também no Antigo Testamento, por exemplo, no testamento de David ao seu filho Salomão, no qual ele lhe diz que se ele abandonar o Senhor, o Senhor o abandonará. "para sempre". (εἰς τέλος, 1Chr 28:9; cf. também Est 3:13g).

Conclusão

O amor de Jesus é incondicional. Para aqueles "seus" que não o receberam, Jesus dá a sua vida vindo à sua casa em carne e osso (cf. Jo 1, 11.14), e manifestando-se em sinais e palavras (cap. 1-12) e depois de forma total e definitiva com a entrega da sua vida na cruz e com a sua presença sacramental entre nós, dando também um exemplo de conduta: o discípulo deve manter uma atitude de serviço desinteressado para com o seu irmão, fazendo-se pão para os outros.

O autorJosep Boira

Professor da Sagrada Escritura

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