Mundo

Refugiados; o coração da Europa em julgamento

Quem pensa que o afluxo de refugiados principalmente da Síria e de outras partes do Médio Oriente é uma situação temporária, está enganado. As pessoas continuarão a fugir da Síria enquanto a guerra continuar. Como devem os países europeus reagir? Estamos a dar a resposta humanitária certa?

Miguel Pérez Pichel-13 de Abril de 2016-Tempo de leitura: 5 acta

Nada parece indicar que a guerra na Síria irá terminar em breve. Mesmo um possível pacto entre Al-Assad e a oposição síria não porá fim à guerra, pois Daesh, que está empenhada numa guerra particular contra todos (regime, oposição, regimes ocidentais, governos islâmicos...), ainda precisa de ser derrotada.

A situação permanecerá altamente instável mesmo que a guerra termine e Daesh seja erradicada. A Síria e o Iraque têm grande dificuldade em recuperar o controlo sobre o seu território. A reconstrução das suas estruturas administrativas exigirá um longo processo de reconciliação e um salvamento económico para trazer estabilidade ao país.

Refugiados

Enquanto não houver paz na Síria e o país não for reconstruído, centenas de milhares de refugiados continuarão a chegar à Europa. A Europa tem uma vasta fronteira com algumas das regiões mais pobres do mundo, ditaduras e países em guerra. Ao mesmo tempo, o território da União Europeia goza de níveis de bem-estar e liberdade que são a inveja de milhões de pessoas em África e no Médio Oriente. Dada esta realidade, o que é surpreendente é que os políticos europeus estejam surpreendidos com a chegada de milhões de refugiados da Síria (localizados apenas a algumas horas de avião de qualquer capital europeia) e que, após cinco anos de guerra no Médio Oriente, não tenham previsto um processo migratório.

Mas para compreender a magnitude do desafio que a Europa enfrenta, é necessário ter em conta um facto chave. Eurostat (o Serviço Europeu de Estatística): os sírios representam apenas 31 % de requerentes de asilo na União Europeia desde 2014. Os restantes são refugiados do Irão, Afeganistão, Paquistão..., ou de países africanos como a Eritreia, Somália, Nigéria e muitos outros. No total, 1.500.000 requerentes de asilo. Se acrescentarmos a eles todos aqueles que entraram sem se registarem nas fronteiras, temos mais de dois milhões de pessoas que entraram na Europa fugindo da guerra, perseguição e miséria em 2014 e 2015.

Em 2015, mais de um milhão de migrantes (na sua maioria refugiados) chegaram às costas gregas e italianas atravessando o mar em precárias balsas de borracha, como indicado por Frontex (a agência europeia encarregada da gestão das fronteiras externas). Desses milhões, mais de 870.000 utilizaram a rota do Mediterrâneo oriental. A maioria são sírios, iraquianos e afegãos. A distância entre a costa turca e a ilha grega de Lesbos é de dez quilómetros. Esta distância é curta, mas os frágeis barcos sobrelotados (cada barco transporta entre 40 e 60 migrantes) nem sempre conseguem suportar a travessia e acabam naufragados. Todos nos lembramos das imagens de refugiados que se afogam nas praias da Turquia. 

Migrantes e refugiados pagam grandes somas de dinheiro a máfias em troca de transporte, conselhos sobre como pedir asilo e documentação. O custo médio de passagem para uma família num bote de borracha que pode afundar é de 10.000 euros. A fronteira terrestre turco-grega e turco-búlgara é outro ponto de acesso à UE.

Espaço Schengen

O afluxo maciço de refugiados tem sobrecarregado as autoridades nacionais. Alguns países decidiram suspender parcialmente o Acordo de Schengen (adoptado em 1985 e que criou um espaço europeu sem fronteiras). Esta suspensão deixou centenas de milhares de refugiados encalhados nas zonas fronteiriças da Macedónia, Croácia, Áustria e Hungria, a viverem à vista desarmada.

A falta de coordenação entre os Estados europeus levou ao caos. No início, os governos europeus estavam inclinados a ajudar os refugiados. A Chanceler alemã Angela Merkel recusou-se a limitar o número de requerentes de asilo em território alemão. O destino final dos requerentes de asilo é principalmente a Alemanha. Em Setembro de 2015, a União Europeia adoptou um acordo que permite o acolhimento de 120.000 refugiados em diferentes países. Contudo, este acordo continua por cumprir e os refugiados continuam a viver em campos de refugiados na Grécia, ou em centros desportivos e centros de acolhimento na Alemanha, Áustria, Dinamarca e outros países.

Acordo com a Turquia

A pressão de uma parte da opinião pública, que teme a chegada de refugiados, e a convicção de que o êxodo não irá parar a curto prazo, levou os governos da UE a procurar um acordo com a Turquia para agir como um "Estado tampão". Angela Merkel defendeu a negociação com o argumento de que a Europa não poderia agir unilateralmente. "Se não conseguirmos chegar a um acordo com a Turquia, a Grécia não conseguirá suportar o fardo por muito tempo".disse ele.

O acordo alcançado entre a UE e a Turquia em Março significa que a partir de agora os refugiados terão de requerer asilo na Europa a partir do território turco. Aqueles que chegam ao solo europeu sem o terem feito serão devolvidos ao território turco. Esta medida não afectará os refugiados que já se encontravam na Europa antes do acordo. Em troca, a Turquia obteve um compromisso da União Europeia de que irá impulsionar a adesão da Turquia à União e de que o processo para os cidadãos turcos obterem o acesso sem visto ao espaço Schengen será acelerado. Os países europeus também darão à Turquia 6 mil milhões de euros de ajuda para a ajudar a lidar com os refugiados.

O objectivo é tornar menos atractiva a opção de atravessar o Mediterrâneo de barco e encorajar os migrantes a chegarem à Europa com o seu estatuto regularizado. A grande questão é se este acordo respeita a legislação europeia sobre o direito de asilo. A Directiva 2013/32/UE estabelece que "um Estado-Membro só pode extraditar um requerente para um país terceiro [...] se as autoridades competentes estiverem convencidas de que uma decisão de extradição não dará origem a uma repulsão directa ou indirecta em violação das obrigações internacionais e da União desse Estado-Membro". (Artigo 9(3)).

A Convenção de Genebra prevê no nº 1 do artigo 33º que "Nenhum Estado Contratante expulsará ou devolverá um refugiado, seja de que forma for, às fronteiras de territórios onde a sua vida ou liberdade estejam ameaçadas devido à sua raça, religião, nacionalidade, pertença a um determinado grupo social ou opinião política..

Reacções

As organizações sociais católicas em Espanha (Cáritas, CONFER, Sector Social da Companhia de Jesus, Justiça e Paz, Manos Unidas...), como as de outros países, expressaram "a sua consternação e a sua rejeição absoluta". ao acordo entre a União Europeia e a Turquia. Para estas organizações, o acordo significa "um sério passo atrás em matéria de direitos humanos".. Numa declaração oficial, o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR), não rejeitou o acordo, mas advertiu que quando este for implementado, deverá "respeitando o direito internacional e europeu".. O Presidente do Conselho Europeu, Donald Tusk, expressou-se no mesmo sentido: "O mais importante, e isto é algo que não vamos comprometer, é a necessidade absoluta de respeitar tanto o nosso direito europeu como o direito internacional. Isto é indispensável, caso contrário a Europa já não pode ser a Europa.. Neste sentido, muitas vozes têm advertido que a expulsão de refugiados viola o espírito fundador da União Europeia.

Na sua homilia durante a Missa de Domingo de Ramos na Praça de São Pedro em Roma, o Papa Francisco referiu-se à situação dos refugiados. "Penso agora em tantas pessoas, tantos imigrantes, tantos refugiados, tantos refugiados, muitos dos quais não querem assumir a responsabilidade pelo seu destino".O Santo Padre disse, depois de ter afirmado que Jesus sofreu "indiferença, porque ninguém quis assumir a responsabilidade pelo seu destino"..

Solução

O acordo com a Turquia pode aliviar alguma da pressão migratória sobre o sudeste da UE, mas não resolverá de forma alguma o problema. À medida que a rota dos Balcãs se fecha, outras rotas podem abrir-se nos próximos meses.

A solução está em pôr fim às guerras nos Estados vizinhos (especialmente na Síria), em parar a acção de grupos jihadistas como Daesh e Al Qaeda, e em desenvolver um plano que permita o desenvolvimento dos países vizinhos. A UE, prejudicada pelos interesses especiais dos seus estados membros, não parece ter a capacidade de atingir estes objectivos. Até agora, a reacção da Europa aos desafios da migração e do jihadismo tem sido lenta, descoordenada e ineficaz. O desafio agora consiste em garantir os direitos humanos dos requerentes de asilo que chegam ao território da UE.

O autorMiguel Pérez Pichel

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