Vaticano

A perseguição dos judeus durante o pontificado de Pio XII

O historiador Johan Ickx (Arquivo da Secção de Relações do Estado da Secretaria de Estado) explica a decisão do Papa Francisco de digitalizar a série "Judeus".

Antonino Piccione-8 de Dezembro de 2022-Tempo de leitura: 4 acta
pius XII

Foto: Pio XII ©CNS foto

Pio XII é uma figura controversa. Por um lado, foi protagonista de acções reconhecidas para proteger as vítimas do nazi-fascismo, especialmente nos meses dramáticos da ocupação de Roma; por outro lado, foi acusado de demasiados "silêncios" face às dramáticas notícias que chegaram ao Vaticano, já em 1939, a partir dos territórios ocupados por Hitler, a começar pela Polónia.

Em 2020, o Arquivo Apostólico do Vaticano colocou os documentos do pontificado de Pio XII à disposição dos estudiosos. Graças a esta extraordinária oportunidade de investigação, é agora possível uma análise mais completa e uma interpretação mais precisa de uma passagem crucial na história do século XX.

Por vontade do Papa Francisco, desde 23 de Junho último, este precioso património de documentos, que inclui 170 volumes, está largamente disponível na Internet numa versão digital, livremente acessível a todos.

Para além da fotocópia de cada documento individual, o arquivo disponibilizou um ficheiro com o inventário analítico da série, no qual foram transcritos os nomes dos beneficiários da ajuda contida nos documentos. Até agora, 70% do material total pode ser consultado, o qual será completado mais tarde com os últimos volumes.

Durante um encontro promovido pela Associação ISCOM sobre a Perseguição dos Judeus durante o pontificado de Pio XII (encontro em que participaram mais de 30 vaticanistas), Johan Ickx, chefe do Arquivo Histórico da Secção para as Relações com os Estados da Secretaria de Estado, explicou as razões da decisão do Papa Francisco de digitalizar a série de arquivos judaicos, tornando-a acessível a todos.

A decisão do Papa, além de dar um novo impulso à investigação historiográfica, facilitará às famílias dos perseguidos a reconstrução das histórias dos seus familiares que procuraram ajuda da Santa Sé durante a Segunda Guerra Mundial.

"A série judaica é um pouco especial", salienta Ickx, "porque normalmente as séries do nosso arquivo histórico da Secretaria de Estado distinguem-se pelo nome de um Estado, com o qual a Santa Sé teve relações bilaterais normais num determinado período histórico.

Sob o pontificado do Papa Pacelli, por volta de 1938, foi subitamente criado uma série de ficheiros com este nome - "Judeus"- como se, para a Santa Sé, se tratasse de uma nação específica. A série permaneceu aberta até 1946 e depois, com o fim da Segunda Guerra Mundial, foi encerrada".

Esta não é a primeira vez que o Papa Francisco promove tais iniciativas. No passado, quis abrir antecipadamente os arquivos do Vaticano sobre os anos da ditadura na Argentina, para ajudar as famílias das vítimas a descobrir as verdades que os próprios arquivos possam ter ocultado.

O Vaticano já tinha dado um passo nesta direcção nos anos 70, durante o pontificado de Paulo VI, com a publicação das Actas e documentos do Santuário relativos ao período da Segunda Guerra Mundial.

É agora possível a qualquer utilizador da Internet visualizar, em formato pdf, todos os pedidos de ajuda dirigidos à Santa Sé pelos perseguidos, seguidos dos ficheiros resultantes sobre os indivíduos, famílias ou grupos que pediram ajuda ao Papa Pio XII.

De acordo com Ickx, "será interessante ver como as universidades, associações que lidam com este tipo de investigação, mas também os Museus Shoah em todas as cidades europeias, trabalharão nestes documentos. Estes centros de documentação poderão agora utilizar este material mais facilmente e em tempo real.

No seu livro "Pio XII e os Judeus" de 2021, Ickx demonstra a vontade da Santa Sé de ajudar os perseguidos pelo nazi-fascismo. Mas também a sua incapacidade frequentemente, porque a Santa Sé era frequentemente impedida: "Os nazis estavam presentes em metade da Europa naquela altura e impediram qualquer iniciativa de ajuda. Mas também o regime fascista em Itália levou a cabo perseguições e, por conseguinte, impediu frequentemente as acções de salvamento do Vaticano. Muitas vezes até os governos nacionais não cooperaram".

A ideia de que recorrer ao Papa era uma forma possível de salvação é ainda mais substanciada pelo conteúdo e teor das próprias cartas: 2.800 pedidos de ajuda ou intervenção para cerca de 4.000 judeus entre 1938 e 1944. Entre eles, o livro refere-se a Mario Finzi, então chefe da delegação de assistência aos emigrantes judeus em Bolonha, que escreveu ao Papa Pio XII, referindo-se a um pedido específico de ajuda de uma família: "Você é o último que pode fazer algo por esta família". Hoje sabemos que parte desta família, cujos membros, como era frequentemente o caso, estavam espalhados por todo o território, foi salva.

Um dos documentos mais interessantes do livro é uma carta do Cardeal Gasparri, datada de 9 de Fevereiro de 1916, na qual ele responde a um pedido do Comité Judaico Americano de Nova Iorque. Uma carta, argumenta Ickx, inspirada precisamente por Eugenio Pacelli, então Ministro dos Negócios Estrangeiros da Secretaria de Estado: "Nesse caso, os judeus americanos pediram ao Vaticano uma posição do Papa Bento XV sobre a perseguição racial que já tinha começado durante a Primeira Guerra Mundial.

O Secretário de Estado Gasparri respondeu com este texto, autorizando explicitamente a sua publicação. Os jornais das comunidades judaicas americanas fizeram-lhe eco, chamando-lhe com satisfação uma verdadeira "encíclica". No texto, os judeus são literalmente definidos como "irmãos" e é afirmado que os seus direitos devem ser protegidos como os de todos os povos.

É o primeiro documento na história da Igreja Católica e da Santa Sé a expressar este princípio. Estas são as palavras", conclui Ickx, "que encontramos no documento Nostra Aetate of the Second Vatican Council, publicado em 1965. Estes são precisamente os princípios que Pio XII aplicou durante décadas durante o seu pontificado face ao grande desafio do nazismo e depois do comunismo".

O autorAntonino Piccione

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