Mundo

Migrantes transformados em armas políticas

A crise migratória na Polónia põe em evidência o horror do tráfico humano e a sua utilização como arma de desestabilização política.

Concepción Lozano-16 de Novembro de 2021-Tempo de leitura: 4 acta
Migrantes fronteira Polónia

Foto: ©CNS/Leonid Scheglov, Folheto BelTA através da Reuters

Chegam conduzidos como ovelhas e chicoteados com paus como se fossem animais. Cobertos com cobertores e com alguma comida, embarcam nos autocarros organizados pelo regime bielorrusso. Eles não são do país, nem mesmo das proximidades. Vêm do Afeganistão, da Síria ou dos Camarões. Não importa. Alguns chegam mesmo à Bielorrússia de avião, através de mafias organizadas que lhes cobram milhares de euros pelo bilhete em troca de os aproximar do sonho europeu.

Um sonho que desaparece assim que eles se deparam com o arame farpado na fronteira polaca. De um lado, uma coluna de soldados bielorussos que não os deixam voltar (também não é uma opção para eles), do outro, soldados polacos que os enviam de volta "no calor do momento" se tentarem atravessar a cerca de arame farpado, que foi montada e reforçada para impedir a sua passagem.

A UE e a NATO chamaram-lhe "ataque híbrido", um termo que até agora não tem sido utilizado em Bruxelas, apesar de a situação não ser nova. O que distingue este de outros é que talvez a forma de organização, os objectivos e a finalidade de desestabilizar o continente europeu seja mais clara e mais enfática do que nunca. Eles nem sequer o escondem.

 A Bielorrússia actua como retaliação às sanções (económicas e políticas) impostas pela UE em resposta à conduta do regime ditatorial de Alex'ander Lukashenko que foi descrita pelas autoridades da UE como uma "violação dos direitos humanos". A Bielorrússia, apoiada pela Rússia com quem partilha objectivos e metas políticas, decide ripostar enviando hordas, não de soldados, mas de migrantes desesperados para iniciar uma nova vida no continente europeu. Para o efeito, organiza a sua viagem, como se fosse uma operação turística macabra, e através de agências especializadas transporta-os dos seus países de origem, longe da UE, para a fronteira polaca. A fronteira externa da UE

A tensão aumentou tanto que os movimentos militares de tropas, aviões ou soldados de ambos os lados da fronteira se intensificaram, numa demonstração de mostrar os dentes um do outro, a Polónia e a União Europeia, por um lado, e a Bielorrússia e a Rússia, por outro, conscientes do seu poder não só militar mas também estratégico na região. O clube da UE consumiu 394 mil milhões de metros cúbicos de gás em 2020, dos quais 43% foram importados da Rússia, de acordo com o Eurostat. O gasoduto Yamal-Europa, que atravessa a Bielorrússia, tem capacidade para transportar 33 mil milhões de metros cúbicos por ano para a UE. Uma das ameaças de Lukashenko é cortar o trânsito de gás para a Europa no alvorecer do Inverno e no meio de uma crise energética internacional.

Entrevista com o Secretário do COMECE

No contexto da alarmante situação humanitária e política na fronteira entre a Polónia e a Bielorrússia, o COMECEa Conferência Episcopal Europeia emite uma declaração exortando a UE e os seus estados membros a expressar a sua solidariedade prática com os migrantes e os requerentes de asilo. O seu Secretário-Geral, Padre Manuel Enrique Barrios, dá as boas-vindas à Omnes para discutir esta difícil situação.

- Qual é a posição dos bispos da UE sobre o que está a acontecer na Polónia?

Com preocupação. É entristecedor que pessoas em situações vulneráveis estejam a ser utilizadas para fins políticos.

- Combinar a dignidade de cada vida humana com o respeito pela soberania de um Estado é complicado. Pensa que neste caso deve ser adoptada, antes de mais, uma abordagem humanitária?

É isso que é fundamental. O que faz da Europa e da União Europeia o que ela é, não é antes de mais um acordo económico ou mesmo político, mas uma cultura partilhada de valores, e o primeiro destes valores é a dignidade de cada pessoa humana. Portanto, a primeira coisa a salvaguardar é a abordagem humanitária que deve ter precedência sobre todas as outras. Por outro lado, contudo, é também importante respeitar a legalidade e a segurança fronteiriça.

- Acha que a UE está a fazer o suficiente para combater o tráfico de seres humanos e a imigração ilegal?

Penso que ele está a tentar. Em Setembro do ano passado, a Comissão Europeia apresentou um pacote completo de medidas, denominado "Pacto sobre Migração e Asilo"que visa enfrentar a crise da migração e dos requerentes de asilo no respeito pela sua dignidade e legalidade internacional, mas também pelos princípios da ajuda humanitária, do salvamento em perigo e da proposta de fazer tudo repartindo o fardo entre todos os Estados-Membros da União. Sabemos, no entanto, que devido à forma como a União Europeia funciona, onde por vezes são necessários acordos unânimes entre todos os Estados, isto não é fácil de conseguir.

-Pensa que os governos europeus estão a adoptar posições egoístas com uma perspectiva principalmente política que não tem em conta o contexto humanitário e trágico destas situações?

Os governos europeus têm frequentemente de enfrentar vários desafios ao mesmo tempo, tais como, por exemplo, o crescimento de posições populistas na sua opinião pública ou o medo dos cidadãos de perderem a sua identidade, de insegurança e de perderem os seus empregos, especialmente numa situação de crise económica. Tudo isto, porém, não justifica tomar posições egoístas e viradas para o interior e fechar-se sobre si próprio e sobre as suas próprias fronteiras. É também verdade que a verdadeira solução para a crise migratória é ajudar os países de origem para que as pessoas não sejam forçadas a emigrar.

A Europa não pode permitir que as pessoas morram nas suas fronteiras desta forma.

Manuel Barrios. Secretário COMECE

- Neste caso, acha que a Polónia está a agir correctamente ao conter os migrantes nas suas fronteiras, apesar da tragédia humana?

Acredito que a Polónia está a fazer o que pode nesta situação difícil e injusta, e a União Europeia e os outros Estados-Membros devem ajudar a Polónia. Isto, contudo, não nos deve impedir de agir com solidariedade concreta para com estas pessoas, prestando toda a ajuda necessária, porque a Europa não pode permitir que as pessoas morram nas suas fronteiras desta forma.

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