Vaticano

Bispo Fernando Vérgez, L.C.: "Precisamos de testemunhas do Evangelho que saibam abalar as consciências".

Nesta entrevista com Omnes, D. Vérgez Alzaga fala do funcionamento do pequeno Estado do Vaticano, da missão daqueles que nele trabalham, das consequências da pandemia, do desejo de paz mundial, do desafio ecológico e da reforma da Cúria Romana. Num futuro próximo: "grandes desafios para a Igreja".

Giovanni Tridente-8 de Julho de 2022-Tempo de leitura: 7 acta
Fernando Vergez

Foto: D. Vérgez na sua ordenação episcopal. ©CNS foto/Paul Haring

"Tudo está ao serviço do Pontífice e da Igreja": é assim que o Arcebispo espanhol Fernando Vérgez Alzaga, L.C., Presidente do Governador da Cidade do Vaticano, comenta o facto de que ele será cardeal criado pelo Papa Francisco a 27 de Agosto próximo, o seu serviço na Cúria Romana durante mais de cinquenta anos.

Vossa Excelência, há cinquenta anos que serve na Cúria Romana, tendo ingressado na Congregação dos Religiosos e Institutos Seculares como oficial. Como viveu esta carreira que decorreu paralelamente à sua vocação como Legionário de Cristo?

-No nosso serviço à Cúria Romana nunca devemos perder de vista a razão pela qual fomos chamados ao cargo. Ser os colaboradores mais próximos do Papa a fim de lhe permitir exercer o seu ministério universal sobre a Igreja.

Trabalhar diariamente na Cúria Romana significa, portanto, ser o intérprete dos pedidos provenientes das Igrejas locais de todo o mundo.

Tenho experimentado a responsabilidade como um apelo à missão, vivendo assim a minha consagração religiosa.

O meu campo de apostolado tem estado, em parte, dentro do Cúria Romana. Ao trabalharmos nos vários Dicastérios não perdemos a nossa identidade como bispo, sacerdote, religioso, leigo, mas tudo é colocado ao serviço do Pontífice e da Igreja.

Entre as suas várias tarefas, conduziu vários sectores do Estado do Vaticano, desde a APSA às telecomunicações, até à actual presidência do Governatorato. Que aspecto do serviço que prestou e continua a prestar?

-Trabalhar com paixão é sem dúvida uma das características que deve caracterizar aqueles que participam nos vários organismos da Cúria Romana. No entanto, é natural que existam tarefas para as quais estamos mais aptos de acordo com as nossas capacidades pessoais.

Por vezes, somos chamados a gerir certos escritórios ou agências, tais como a grande estrutura do Governador ou simplesmente a Direcção de Telecomunicações e Sistemas de Informação. Devo dizer que trabalhar nesta última direcção numa altura de profunda transição tecnológica e informática tem sido emocionante e envolvente. Há ainda muitos desafios a enfrentar, mas é precisamente nestes que se cresce e amadurece de um ponto de vista humano e profissional. Basta pensar na defesa contra os ataques de hackers, que se estão a tornar cada vez mais astuciosos e organizados.

Visto de fora, é muitas vezes difícil compreender como esta pequena cidade-estado está organizada. Poderia ilustrar, mesmo com similitudes, o papel que desempenha e como funciona o Vaticano?

-Para compreender o Estado da Cidade do Vaticano, há que considerar a sua natureza: tem sido funcional para a missão do Sucessor de Pedro desde o início. Se se esquecer isto, pensa-se no Estado como uma entidade de registo, devido à sua extensão geográfica, ou como um país de cartão postal, a ser incluído na digressão pela Europa.

O Vaticano, como é simplesmente chamado, é o reflexo de uma realidade enraizada na comunhão eclesial, na universalidade da Igreja.

Se se quiser comparar o meu papel com uma estrutura externa na esfera internacional, devemos pensar num governador de um Estado. Uma figura que está habilitada, por delegação do Papa, a desempenhar o papel de guia e gestor de uma série de realidades diversificadas que dependem da Pontifícia Comissão para o Estado da Cidade do Vaticano, que também promulga o regulamento geral. Gostaria de recordar que as disposições legislativas são emitidas pelo Papa, ou em seu nome, pela Pontifícia Comissão para o Estado da Cidade do Vaticano.

O exercício do poder executivo é delegado ao Presidente da Pontifícia Comissão, que toma o nome do Presidente do Interior.

Quando o Papa Francisco vos consagrou como bispo em 15 de Novembro de 2013, confiou-vos também o cuidado espiritual dos funcionários do Estado. Em que consiste este acompanhamento paterno numa comunidade constituída por muitas almas e diferentes condições de vida?

É natural que a Cidade do Vaticano reflicta a realidade da Igreja universal, de modo a que todos os seus órgãos constituintes estejam nela representados. Cuidar do cuidado espiritual dos empregados significa acompanhá-los na sua jornada de união e fidelidade a Cristo.

Esta porção do Povo de Deus precisa de pastores, tal como todas as partes que compõem a Igreja, pelo que a promoção do cuidado pastoral e da formação não deve ser negligenciada, a fim de motivar as pessoas a imitar o exemplo do Mestre.

Foi também recentemente anunciado que será criado um cardeal no dia 27 de Agosto. Como se sente com esta decisão do Papa Francisco?

Com grande gratidão a Deus e ao Papa por me ter chamado a servi-lo ainda mais de perto. Recebi a notícia com surpresa e gratidão por um presente que me chegou tão subitamente. Contudo, estou consciente de que traz consigo uma maior responsabilidade e uma dedicação cada vez maior ao bem da Igreja universal.

Quanto àqueles que trabalham ao serviço da Sé Apostólica, quão importante é reconhecer a sua contribuição para a evangelização?

Os colaboradores e aqueles que fazem parte da comunidade de trabalho do Vaticano devem, pela sua própria natureza, ser missionários. Isto é exigido pela natureza da estrutura de que fazem parte, pelo que não há dúvida de que todos devem partilhar os seus talentos a fim de os colocar ao serviço da missão do Pontífice.

O novo Constituição Apostólica "Praedicar Evangelium".O título do livro sublinha o aspecto de ad gentes da Cúria Romana, por isso é na própria natureza missionária da Igreja que a recente reforma também encontra o seu cumprimento. Por conseguinte, é importante nunca perder de vista a tensão evangelizadora que o próprio pedido de Cristo aos seus discípulos implica.

Passámos por dois anos de uma pandemia muito dolorosa e, no entanto, é difícil considerá-la terminada. Qual tem sido o impacto no Vaticano e como tem conseguido o desenvolvimento do Covid-19?

Certamente, a pandemia de Covid-19 não foi um desafio fácil, tanto devido à sua gravidade como porque nos apanhou a todos de surpresa.

Tivemos de lidar com uma emergência que passou de uma emergência sanitária para uma emergência social e económica, com repercussões consideráveis também de um ponto de vista humano.

A recrudescência das várias ondas do vírus ainda não foi totalmente extinta, e os danos que deixou para trás têm de ser contabilizados.

 Os últimos anos têm sido particularmente difíceis não só para o pessoal do Covid-19 e pacientes e respectivas famílias, mas também para os trabalhadores e pessoas em situações socioeconómicas desfavorecidas.

Numerosos estudos mostram que a perda de produtividade do trabalho, um dos efeitos do Covid, está entre as principais causas de má saúde mental. Y

Em 31 de Dezembro de 2021, o Papa Francisco irá, durante a Te Deum Na celebração da Acção de Graças do fim do ano, salientou: "Este tempo de pandemia aumentou a sensação de desconcerto em todo o mundo. Após uma primeira fase de reacção, na qual sentimos que estávamos todos no mesmo barco, a tentação de "cada homem por si" espalhou-se. Mas graças a Deus reagimos de novo, com um sentido de responsabilidade.

A pandemia é um teste para demonstrar a nossa responsabilidade para com os outros, para dar testemunho da nossa coerência com os valores evangélicos e para exercer a caridade para com os nossos irmãos e irmãs.

O mundo está actualmente a viver uma "terceira guerra mundial" de facto, como também disse o Papa Francisco. O que pode ser feito para acabar com os conflitos e restaurar a paz?

O Papa Francisco apela constantemente à paz e pede aos governos que tomem decisões para restaurar a paz em países onde existe conflito.

Infelizmente, não existe apenas o guerra na Ucrânia. Há muitas bolsas espalhadas por várias áreas geográficas, onde não se procura outra solução que não seja o uso de armas.

O Papa Francisco em cada um dos seus discursos ou reuniões tenta sempre chamar a atenção para a guerra que assola a Ucrânia. Quer seja para trazer a paz ou uma trégua para silenciar as armas, ou para promover o acolhimento dos refugiados e daqueles que sofrem sob as bombas. Nas suas audiências gerais de quarta-feira, o Pontífice nunca deixa de recordar a situação dramática das populações esgotadas pelas consequências do conflito. Mesmo na quarta-feira 15 de Junho, o Papa pediu para não esquecer o povo atormentado da Ucrânia e para não se habituar a viver como se a guerra fosse algo distante.

Um dos temas também próximo do Papa Francisco é a ecologia, bem desenvolvida na Encíclica "Laudato si". Como é que isto se passa na "gestão" e administração do Estado do Vaticano?

O Estado da Cidade do Vaticano, desde os últimos pontificados, tem estado sempre atento à implementação de energias alternativas e à protecção do ambiente.

Com o pontificado do Papa Francisco e a publicação do Encíclica Laudato sìO compromisso tornou-se ainda mais importante. Recordo a instalação de painéis fotovoltaicos no telhado da Sala Paulo VI para produzir electricidade a partir do sol e também na cantina de serviço do Governador. Também a construção de sistemas de água nos Jardins do Vaticano para optimizar os recursos e eliminar os resíduos e a criação da ilha ecológica que permitiu a recolha selectiva de resíduos que, por ser um custo, se tornou um recurso.

Sublinho também que, enquanto Estado, estamos à frente dos valores de referência estabelecidos para alcançar uma redução das emissões de gases com efeito de estufa de pelo menos 55% em comparação com 1990, tal como estabelecido nos objectivos do Acordo Verde Europeu. Também optámos pelo plástico zero em todo o Vaticano.

Há algumas semanas, entrou em vigor a nova Constituição Apostólica sobre o Praedicado Evangelium da Cúria Romana. Porque é importante esta nova reforma do Papa Francisco e que perspectivas se abre?

Como disse anteriormente, um dos elementos que caracteriza a Constituição Apostólica é o missionário. Isto significa que é necessário ser um missionário tanto em países onde o Evangelho foi proclamado há séculos e onde corre o risco de desaparecer devido à secularização, como naquelas terras que ainda não o aceitaram.

O outro elemento fundamental da Constituição é o sinodalidadePor outras palavras, todos, de acordo com a sua tarefa, são chamados a participar na missão da Igreja. Daí a necessidade de cuidados pastorais para aqueles que trabalham na Cúria. É um apelo à conversão, especialmente para aqueles que trabalham mais de perto com o Papa. A Constituição também tentou eliminar uma certa atitude carreirista a fim de encorajar uma mentalidade de serviço que não exige ser recompensada por uma promoção.

Como próximo cardeal, como vê o futuro da Igreja?

O futuro da Igreja está nas mãos de Deus, por isso não temos nada a temer. Somos apenas cooperadores da Providência, devemos agir como discípulos que mantêm os nossos olhos fixos no Mestre.

O futuro próximo comporta grandes desafios para a Igreja, mas não devemos esquecer que toda a história tem sido caracterizada por períodos dramáticos e complexos. Nunca devemos perder de vista a natureza missionária da Igreja.

Haverá uma necessidade crescente de arautos testemunhas do Evangelho que abalarão as consciências e chamarão a Deus pessoas imersas em sociedades secularizadas onde certos valores são esquecidos, ausentes ou negados.

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