Cultura

Viktor Frankl (1905-1997) "Pai, porque dizemos 'bom Deus'"?

À medida que os anos passam e o horror do Holocausto é deixado para trás, a leitura da Procura de Significado do Homem é decisiva para muitos jovens da nossa sociedade que procuram um sentido para as suas vidas. É um livro que se está a tornar mais actual a cada dia.

Graciela Jatib e Jaime Nubiola-21 de Junho de 2021-Tempo de leitura: 4 acta
A mão de uma criança a tocar no arame farpado do campo de concentração de Auschwitz.

Viktor Frankl, o fundador do terapia da falaé uma grande referência na psicologia do século XX. A sua vida é marcada por experiências incompreensíveis, mas cheias de uma convicção e força chocantes. Talvez seja por isso que nos deixa vestígios que nos inspiram e nos movem. No seu trabalho A procura de sentido pelo homem (Herder, Barcelona, 2018, 3ª ed.) relata um diálogo colorido com a sua jovem filha - com apenas 6 anos de idade - que aponta para um problema contínuo tanto na filosofia como no ensino da religião. A menina pergunta-lhe: "Pai, porque dizemos 'bom Deus'"?". A resposta parece ser contundente, mas não é: "Há algumas semanas atrás, teve sarampo e o bom Deus curou-o", Eu respondi. A rapariga não ficou satisfeita e respondeu: "Sim, pai, mas não te esqueças que ele me enviou primeiro". (p. 146). Esta abordagem ingénua é uma boa ilustração da questão que sempre levantou questões para os seres humanos: a presença do mal no mundo que parece antagónica à ideia de um Deus que ama e cuida das suas criaturas. "Que ninguém se reduza a lágrimas ou censura / esta declaração do domínio / de Deus, que com magnífica ironia / me deu tanto os livros como a noite".Jorge Luis Borges dirá - talvez com sarcasmo perante a realidade da sua cegueira - no seu Poema de los dones (Poema dos Presentes).

Frankl reconhece um longo niilismo existencial na sua juventude e tendo sofrido rupturas de coração dentro de semanas após ter entrado em Auschwitz. Também experimentou uma angústia severa poucos meses após a sua libertação em Abril de 1945: os campos de concentração tinham-no feito perder a sua capacidade de felicidade. 

Uma das suas passagens mais inspiradoras é aquela em que ele reconta, pouco depois da sua libertação, um passeio por um campo florido, uma bela paisagem natural e a liberdade por que ansiava. Uma liberdade minada pelo registo de indignidade e perda a que foi sujeito, a morte dos seus pais e da sua mulher grávida, a destruição perversa do seu trabalho na Lager... Agora, "Não havia ninguém para ser visto durante quilómetros à volta, não havia nada a não ser o céu e a terra e a alegria das cotovias, a liberdade do espaço. Eu parei, olhei à minha volta, depois para o céu, e caí de joelhos. Naquele momento eu sabia muito pouco sobre mim e sobre o mundo, tinha apenas uma única frase na minha cabeça: 'Na angústia clamei ao Senhor e Ele respondeu-me do espaço em liberdade'. Eu não me lembro". -conclui ele... "Quanto tempo lá fiquei, repetindo a minha oração. Mas estou certo de que nesse dia, nesse instante, a minha vida recomeçou. Fui avançando, pouco a pouco, até me tornar novamente um ser humano". (p. 119).

A tarefa de Frankl neste livro impressionante é mostrar um caminho de salvação que é possível depois de ter passado pelo inferno dos campos e de ter sofrido fadiga extrema, fome, sujidade, doenças, maus-tratos de todo o tipo; apesar de tudo, pode-se sair da esperança para uma vida que nos reencontra com um profundo significado a decifrar; em oposição ao existencialismo ateu de Sartre, para quem o homem se inventa a si próprio e cria o seu significado, Frankl irá exprimir: "Por outro lado, afirmo que o homem não inventa o sentido da sua vida, mas que o descobre". (p. 128). Esta é talvez a razão "O homem não deve questionar-se sobre o sentido da vida, mas compreender que é ele quem a vida questiona". (p. 137). Porque o ser humano é animado por "uma vontade de sentido".É o mesmo que permitiu a Viktor Frankl vaguear pelos campos de concentração sem perder um pingo de dignidade.

Lemos no Evangelho de João: "Não sabeis que tenho autoridade para vos crucificar, assim como para vos libertar? Então Jesus respondeu-lhe: "Não teríeis autoridade sobre mim, se Deus não vos tivesse permitido fazê-lo". (Jo 19,10-11). Estas palavras abençoadas abrem questões cruciais sobre a presença do mal na vida das pessoas.

Encontrámos um vestígio do caminho que conduz à verdade nas palavras de Adolfo Pérez Esquivel, Prémio Nobel da Paz (1980) e amigo do Papa Francisco, que na sua obra Resistir na esperança (2011) relata a descoberta de uma grande mancha de sangue nas paredes da prisão onde foi sujeito a abusos e torturas; o prisioneiro tinha escrito com esse mesmo sangue "Deus não mata".. Esta expressão encheu-o de pesar ao perceber que alguém tinha tido a capacidade de escrever isto no seu próprio sangue e no meio do mais puro desespero. Esquivel considera-o um grito de humanidade: "Deus não mata".no contexto em que foi escrito, "é um dos maiores actos de fé que eu conheço"..

O mal tem mostrado a sua face mais dura em momentos cruciais da história, tais como guerras e regimes totalitários que espezinharam a dignidade dos seres humanos, restringindo as suas liberdades individuais e colectivas. "A história -escreve Frankl, "Deu-nos a possibilidade de conhecer a natureza humana talvez como nenhuma outra geração. O que é, de facto, o homem? (p. 115), e concluirá o livro com esta impressionante resposta: "O homem é o ser capaz de inventar as câmaras de gás de Auschwitz, mas é também o ser que entrou nessas mesmas câmaras com a cabeça erguida e o Pai Nosso ou o Shema Israel nos lábios". (p. 160). 

A leitura de O homem em busca de significado continua a deixar a sua marca em todos aqueles que se aproximam deste livro porque nos mostra radicalmente as profundezas do ser humano.

O autorGraciela Jatib e Jaime Nubiola

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