Cultura

Natal. História ou tradição?

As datas de Natal não são apenas uma tradição, as descobertas em Qumran indicam que podem, de facto, ser uma realidade histórica.

Gerardo Ferrara-21 de Dezembro de 2022-Tempo de leitura: 6 acta
Belén

Interior da igreja no local onde, segundo a tradição, Jesus nasceu (Foto: Gerardo Ferrara)

Porque é que os cristãos celebram o nascimento de Jesus Cristo no dia 25 de Dezembro? Desde a Renascença, tem sido amplamente acreditado que esta data foi escolhida apenas para substituir o antigo culto do "Sol Invictus", cuja solenidade caiu precisamente nessa data ("dies Solis Invicti") que, no calendário juliano, correspondia ao solstício de Inverno, ou seja, o casamento da noite mais longa e do dia mais curto do ano.

O quê, ou melhor, quem era este "Sol Invictus"? Ele era precisamente a personificação do sol, identificado com Helios, Gebal e finalmente com Mithras, numa espécie de assimilação monoteísta entre a divindade e o sol. O culto do "Sol Invictus" teve origem no Oriente (particularmente no Egipto e na Síria), onde as celebrações do rito do nascimento do Sol envolveram os fiéis que saíam à meia-noite dos santuários onde se reuniam para anunciar que a Virgem tinha dado à luz o Sol, representada quando criança. Do Oriente, o culto estendeu-se a Roma e ao Ocidente.

Será esta realmente a única razão pela qual celebramos o Natal nesta época do ano? Talvez não. De facto, as descobertas em Qumran estabeleceram que temos razões para celebrar o Natal a 25 de Dezembro.

O ano e o dia do nascimento de Jesus

Recordemos, antes de mais, que Dionísio, o Menos, o monge que em 533 calculou o ano do início da era cristã, adiou o nascimento de Cristo por cerca de seis anos, que por isso teria vindo ao mundo por volta do ano 6 a.C. Temos mais alguma pista sobre isto? Sim, a morte de Herodes, o Grande, em 4 AC, uma vez que ele morreu nessa altura e sabemos que cerca de dois anos tiveram de passar entre o nascimento de Jesus e a morte do rei, que coincidiria com o ano 6 AC.

Sabemos, então, novamente do Evangelista Lucas (o relato mais detalhado do nascimento de Jesus) que Maria ficou grávida quando a sua prima Isabel já estava grávida de seis meses. Os cristãos ocidentais celebraram sempre a Anunciação a Maria a 25 de Março, ou seja, nove meses antes do Natal. Os cristãos orientais, por outro lado, também celebram a Anunciação a Zacarias (pai de João Baptista e o marido de Elizabeth) a 23 de Setembro. Luke entra em mais detalhes, dizendo-nos que, no momento em que Zachariah soube que a sua esposa, agora tão velha como ele, ficaria grávida, servia no Templo, sendo de casta sacerdotal, de acordo com a classe de Abia. No entanto, o próprio Lucas, escrevendo numa altura em que o Templo ainda funcionava e as classes sacerdotais continuavam as suas rotações perenes, não explicita, tomando-a como certa, a altura em que a classe Abia serviu. Bem, numerosos fragmentos do Livro dos Jubileus, encontrados precisamente em Qumran, permitiram a estudiosos como Annie Jaubert e o judeu israelita Shemarjahu Talmon reconstruírem com precisão que a rotação Abia teve lugar duas vezes por ano: o primeiro de 8 a 14 do terceiro mês do calendário hebraico, o segundo de 24 a 30 do oitavo mês do mesmo calendário, correspondendo assim aos últimos dez dias de Setembro, em perfeita harmonia com a festa oriental de 23 de Setembro e seis meses a partir de 25 de Março, o que sugere que o nascimento de Jesus teve realmente lugar nos últimos dez dias de Dezembro e que, portanto, faz sentido celebrar o Natal nesta época do ano, se não neste dia!

O censo de César Augusto

Do Evangelho de Lucas (cap. 2) sabemos que o nascimento de Jesus coincidiu com um recenseamento feito em toda a terra por César Augusto:

"Naqueles dias, um decreto de César Augusto ordenou que se fizesse um censo de toda a terra. Este primeiro censo foi feito quando Quirinus era governador da Síria. Cada um foi registar-se, cada um na sua própria cidade".

O que sabemos sobre o assunto? Do que lemos nas linhas VII, VIII e X da transcrição da "Res gestae" de Augusto encontrada na "Ara Pacis" em Roma, ficamos a saber que César Octávio Augusto fez um censo de toda a população romana três vezes, nos anos 28 AC, 8 AC e 14 DC. É neste contexto que o famoso censo relatado no Evangelho de Lucas (Lc 2,1) deve ser colocado.

Nos tempos antigos, a realização de um censo de toda a terra tinha obviamente de demorar algum tempo até que o censo estivesse concluído. E aqui outro esclarecimento do evangelista Lucas dá-nos uma pista: Quirinius era o governador da Síria quando este "primeiro" recenseamento foi feito. Sulpicius Quirinius foi governador da Síria provavelmente de 6-7 DC. Existem opiniões divergentes dos historiadores sobre esta questão: alguns supõem, de facto, de acordo com o chamado Tivoli Tombstone (em latim "Lapis" ou "Titulus Tiburtinus") que o próprio Quirinius teve um mandato anterior nos anos 8-6 a.C. (que seria compatível tanto com a data do censo de Augusto como com o nascimento de Jesus); outros, contudo, traduzem o termo "primeiro" (que em latim e grego, sendo neutro, também pode ter valor adverbial) como "antes de Quirinius ser governador da Síria". Ambas as hipóteses são admissíveis, de modo que o que é narrado nos Evangelhos sobre a realização do recenseamento no momento do nascimento de Jesus é plausível.

Em Belém da Judeia

Belém é hoje uma cidade na Cisjordânia e não tem nada de bucólico ou de manjedoura. No entanto, há dois mil anos atrás, era uma pequena cidade, conhecida, no entanto, como a casa do rei David. Daqui, diziam as escrituras, viria o Messias esperado pelo povo de Israel (Miqueias, cap. 5).

Para além do tempo, portanto, também se sabia onde este messias, esperado, como vimos, pelo povo judeu e seus vizinhos no Oriente, iria nascer. 

É curioso que o nome deste lugar, composto de dois termos hebraicos diferentes, significa: 'casa do pão' em hebraico (בֵּֽית = bayt ou beṯ: house; לֶ֣חֶם = leḥem: pão); 'casa de carne' em árabe (ﺑﻴﺖ = bayt ou beyt, casa; لَحْمٍ = laḥm, carne); 'casa de peixe' nas antigas línguas árabes do Sul. Todas as línguas mencionadas são de origem semiótica, e nestas línguas, a partir da mesma raiz de três letras, é possível derivar um grande número de palavras relacionadas com o significado original da raiz de origem. No nosso caso, o do substantivo composto Beléntemos duas raízes: b-y-t que dá origem a Bayt ou Beth; l-ḥ-m que dá origem a Leḥem ou Laḥm.

Em todos os casos Bayt/Beth significa casa, mas Laḥm/Leḥem muda o seu significado de acordo com a língua. 

A resposta reside na origem das populações a que estas línguas pertencem. Os Hebreus, tal como os Aramaeans e outros povos semitas do noroeste, viviam no chamado "Crescente Fértil", ou seja, uma vasta área entre a Palestina e a Mesopotâmia onde a agricultura podia ser praticada, tornando-os um povo sedentário. O seu principal meio de subsistência era, portanto, o pão. Os árabes, um povo nómada ou semi-nómada do norte e centro da Península Arábica predominantemente desértica, derivaram o seu principal sustento da caça e da agricultura, fazendo da carne o seu alimento por excelência. Finalmente, os Árabes do Sul, que viviam nas costas meridionais da Península Arábica, tinham o peixe como seu alimento principal. Assim, podemos compreender porque é que a mesma palavra, em três línguas semíticas diferentes, significa três alimentos diferentes.

Consequentemente, podemos ver como Belén tem, para diferentes povos, um significado aparentemente diferente mas de facto unívoco, pois indicaria não tanto o lar do pão, da carne ou do peixe, mas o lar da verdadeira comida, aquilo de que não se pode prescindir, aquilo de que depende a própria subsistência, aquilo sem o qual não se pode viver. 

Curiosamente, Jesus, falando de si próprio, disse: "A minha carne é verdadeira comida e o meu sangue é verdadeira bebida" (Jo 6,51-58). 

A história contou-nos que já em meados do século II, São Justino e mais tarde Orígenes, um autor do século III, confirmaram que em Belém, tanto cristãos como não-cristãos sabiam a localização exacta da gruta e do presépio, porque o Imperador Adriano, em 135 DC, com a intenção de apagar da memória os locais judeus e judaico-cristãos na nova província da Palestina, queria que os templos pagãos fossem construídos exactamente no local dos da antiga fé na região. Isto é confirmado por São Jerônimo e São Cirilo de Jerusalém.

Tal como em Jerusalém, no local dos santuários em honra da morte e ressurreição de Jesus, Adriano mandou construir estátuas de Júpiter e Vénus (Jerusalém tinha entretanto sido reconstruída como "Aelia Capitolina"), assim também em Belém tinha sido plantada uma floresta sagrada para Tamuz, ou seja, Adónis. No entanto, graças ao conhecimento do estratagema de Adriano, o primeiro imperador cristão, Constantino e a sua mãe Helena conseguiram encontrar os locais exactos da primitiva "domus ecclesiæ", que mais tarde se tornaram pequenas igrejas, onde as memórias e relíquias da vida de Jesus de Nazaré eram veneradas e guardadas.

O autorGerardo Ferrara

Escritor, historiador e especialista em história, política e cultura do Médio Oriente.

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