Cultura

Advento: uma espera de mil anos. Entre a história, as escrituras e a astronomia

A época litúrgica do Advento coloca diante dos nossos olhos a expectativa do Salvador e traz à ribalta também a expectativa messiânica da época do nascimento de Cristo.

Gerardo Ferrara-19 de Novembro de 2022-Tempo de leitura: 6 acta
estrela de advento

A Igreja Católica está prestes a celebrar o início de um novo ano litúrgico, marcado pela época do Advento. O termo, derivado do latim adventussignifica a vinda do Senhor e, por extensão, a expectativa dessa vinda.

A época do Advento também é chamada tempus ante natale Domini (tempo antes do Natal) e está estabelecido na liturgia católica desde o século VII d.C. Foi, em particular, o Papa Gregório o Grande que fixou os domingos do Advento como quatro domingos simbolizando os quatro mil anos durante os quais a humanidade, de acordo com a interpretação daquela época, teve de esperar pela vinda do Salvador depois de ter cometido o pecado original.

À espera de um Messias

Numa artigo anterior, ilustrámos a complexidade do mundo judeu no tempo de Cristo, apontando como aquele momento particular da história se caracterizava pela expectativa de um libertador, um ungido do Deus Todo-Poderoso, que, como tinha feito com Moisés, o próprio Deus levantaria para libertar o seu povo da escravatura e do domínio estrangeiro. Ao contrário de Moisés, porém, o reinado deste ungido de Deus, este Messias (מָשִׁיחַ, Mašīaḥ em hebraico e Χριστός, Christós em grego: ambos os termos que significam "ungido", como ungido pelo Senhor, tal como os reis, começando por Saul e o seu sucessor David) não teriam fim e ele não seria apenas um profeta, mas, como evidenciado nos Manuscritos do Mar Morto e nas expectativas dos Essénios de Qumran, um pastor-rei e um padre.

Esta expectativa, nos anos imediatamente anteriores ao nascimento de Cristo, tornou-se cada vez mais ansiosa: supostos messias floresceram por toda a parte e, com elas, revoltas que foram sistematicamente suprimidas com sangue (recorde-se a de Judas, o Galileu (anos 6-7 a.C.); mas também comunidades piedosas floresceram que, em virtude de uma profecia muito precisa, esperavam o advento de um libertador. Sabemos, contudo, que naquela época de grande estabilidade para o Império Romano, mas de fervorosa expectativa para o povo de Israel, a atenção de todos naquele pequeno canto do mundo estava concentrada na chegada iminente de um libertador: teria sido sempre assim?

Na verdade, a espera por um governante mundial durou vários séculos. A primeira pista encontra-se mesmo no livro de Génesis (49:10) onde Jacob proclama aos seus filhos que

O ceptro não se afastará de Judá, nem a vara de entre os seus pés, até que chegue aquele a quem pertence, e a ele irá a obediência dos povos.

Com o tempo, portanto, a ideia de um ungido do Senhor que governaria sobre Israel intensificou-se e tornou-se cada vez mais precisa: este ungido, este Messias, seria um descendente de Judá, através do Rei David. Contudo, em 587 a.C. ocorre a primeira grande desilusão: a captura de Jerusalém por Nabucodonosor, que destrói o templo, saqueia o mobiliário sagrado, deporta o povo de Judá para a Babilónia e põe fim à dinastia dos reis descendentes de David. Contudo, aqui um profeta chamado Daniel, o último profeta do Antigo Testamento, profetiza que o Messias virá. De facto, a sua é chamada a Profecia Magna: nela (cap. 2) ele proclama que

O Deus do céu criará um reino que nunca será destruído e não passará a outros povos: esmagará e aniquilará todos os outros reinos, enquanto este durará para sempre.

Não só isso: no capítulo 7 especifica-se que aquele que virá será "como o Filho do Homem" (no Evangelho de Mateus, aquele destinado às comunidades judaicas na Palestina, Jesus usa uma expressão semelhante, "filho do Homem", cerca de 30 vezes, que anteriormente tinha sido usada única e exclusivamente por Daniel).

No capítulo 9, então, a profecia é também realizada em termos temporais:

Setenta semanas são designadas para o seu povo e para a sua cidade santa, para pôr fim à impiedade, para selar os pecados, para expiar a iniquidade, para estabelecer a justiça eterna, para selar a visão e a profecia, e para ungir o Santo dos Santos. Saiba isto e compreenda-o bem: a partir do momento em que a palavra foi dita sobre o regresso e reconstrução de Jerusalém a um príncipe ungido, haverá sete semanas.

Como podemos ver, a profecia que acabámos de citar é extremamente exacta. No entanto, a tradução italiana exacta do termo hebraico שָׁבֻעִ֨ים (šavū‛īm, "šavū‛" indicando o número 7 e "īm" como o plural masculino) não deve ser "semanas" (que é em vez disso שבועות, i.e. šavū‛ōt, onde "ōt" representa o final plural feminino), mas "septeniais": "na prática, setenta vezes sete anos".

Os contemporâneos judeus de Jesus compreenderam correctamente a passagem, mas os estudiosos contemporâneos não conseguiram compreender a contagem exacta dos tempos de Daniel: desde quando começou a contagem dos setenta e sete anos?

Descobertas recentes em Qumran mostraram que não só as escrituras hebraicas já estavam perfeitamente formadas no primeiro século AD e idênticas às que lemos hoje, mas também que os Essénios, como muitos dos seus contemporâneos, tinham calculado os tempos da Profecia Magna: segundo Hugh Schonfield, um grande especialista no estudo dos Pergaminhos do Mar Morto, os Essénios teriam calculado os setenta septeniais (490 anos) a partir de 586 AC, o ano do início do exílio da Babilónia.

O culminar teria ocorrido em 26 a.C., o início, segundo eles, da era Messiânica e a razão pela qual, a partir dessa data, as escavações arqueológicas mostram um aumento da actividade de vida e construção em Qumran, indicando que muitas pessoas se deslocaram para lá para aguardar a vinda do Messias.

No entanto, não foram apenas os judeus da terra de Israel que conspiraram literalmente uma expectativa que os encheu de esperança e fermentou. Tacitus e Suetonius, também, o primeiro na sua Historiæ e o segundo na sua Life of Vespasian, relatam que muitos no Oriente esperavam, de acordo com os seus escritos, que um governante viesse da Judeia.

Uma estrela no Oriente

E é precisamente no Oriente que encontramos outro elemento que nos ajuda a compreender por que razão a expectativa messiânica era tão fervorosa na viragem do século: o facto de que também noutras culturas se aguardava o advento daquele "governante" de quem até Roma tinha ouvido falar.

Os astrólogos babilónicos e persas, de facto, esperavam-no por volta de 7 ou 6 a.C. (hoje, os estudiosos aceitam quase universalmente que o ano do nascimento de Jesus foi 6 a.C., devido a um erro cometido pelo monge Dionísio o Menos, que, em 533, calculou o início da Era Vulgar a partir do nascimento de Cristo, mas atrasou-o em cerca de seis anos).

Porquê precisamente nesse intervalo de tempo? Por causa da ascensão de uma estrela, sabemos pelo Evangelho de Mateus (cap. 2). Mas será que surgiu realmente uma estrela? Esta pergunta parece ter sido respondida inicialmente pelo astrónomo Kepler, que, em 1603, observou um fenómeno muito luminoso: a abordagem, ou conjunção, dos planetas Júpiter e Saturno na constelação Pisces. Kepler faz então alguns cálculos e estabelece que a mesma conjunção teria ocorrido no ano 7 AC. Ele encontra então um antigo comentário rabínico, que sublinha que a vinda do Messias teria ocorrido precisamente na altura dessa mesma conjunção astral.

No entanto, ninguém acreditou na intuição de Kepler, até porque nessa altura ainda se pensava que Jesus tinha nascido no ano 0, pelo que 7 a.C. não causou impressão em ninguém. Apenas no século XVIII outro estudioso, Friederich Christian Münter, luterano e maçon, decifrou um comentário sobre o livro de Daniel, o mesmo que os "setenta septenários", o que confirmou a crença judaica já trazida à luz por Kepler de outra fonte.

Calendário Sippar Star

No entanto, só no século XIX é que o fenómeno astronómico observado por Kepler foi confirmado, primeiro pelos astrónomos do século XIX e depois graças à publicação de dois importantes documentos a Tábua Planetária, em 1902, um papiro egípcio em que os movimentos planetários são registados com precisão, onde estudiosos da época relataram, por observação directa, a conjunção Júpiter-Saturn na constelação de Peixes, que eles disseram ser extremamente brilhante; o Calendário Estelar Sippar, uma tábua de terra escrita em caracteres cuneiformes, de origem babilónica, relatando os movimentos das estrelas no ano 7 a.C., que se dizia ser extremamente brilhante.C., com precisão. C., visto que, segundo os astrónomos babilónicos, esta conjunção teria ocorrido três vezes nesse ano (em 29 de Maio, 1 de Outubro e 5 de Dezembro), enquanto que, segundo os cálculos, o mesmo acontecimento ocorreria normalmente uma vez em cada 794 anos.

Assim, no simbolismo babilónico, Júpiter representava o planeta dos governantes do mundo, Saturno o planeta protector de Israel, e a constelação de Peixes era o sinal do fim dos tempos. Não é assim tão absurdo pensar que os Magos (ou Mazdeitas) do Oriente esperavam, tendo sido capazes de prever com espantosa clarividência, a chegada de algo especial.

O autorGerardo Ferrara

Escritor, historiador e especialista em história, política e cultura do Médio Oriente.

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