Evangelização

Edinson FarfanA pessoa leiga não é de segunda classe, todos nós fazemos parte do Povo de Deus".

A Igreja está a caminho de um Sínodo dos Bispos a realizar em Roma, em Outubro de 2023. Em cada país, as conclusões dos sínodos regionais estão a ser ultimadas. Entrevistámos Monsenhor Farfán, que é responsável por esta tarefa no Peru. 

Jesus Colquepisco-12 de Agosto de 2022-Tempo de leitura: 10 acta

Foto: Monsenhor Farfán numa visita pastoral.

Monsenhor Edinson Farfán Córdova, OSA, é o Bispo da Prelatura de Chuquibambilla (Apurímac, Peru) e Coordenador do Sínodo na Conferência Episcopal Peruana. Nasceu em Tambo Grande (Piura, 1974). Entrou na Ordem de Santo Agostinho em 1998. Fez a sua profissão religiosa a 11 de Janeiro de 2003 e foi ordenado sacerdote a 26 de Julho de 2008. É licenciado em teologia espiritual e pedagogia pela Universidade Católica de São Paulo de Cochabamba (Bolívia). 

Foi coordenador da Comissão Internacional de comunicações e publicações da organização dos Agostinianos da América Latina (OALA-2006-2014); mestre dos pré-noviços da Ordem Agostiniana (2011-2012); pároco de Nossa Senhora de Montserrat na arquidiocese de Trujillo (2012-2013); professor de teologia na Universidade Católica Bento XVI na arquidiocese de Trujillo (2013-2015); prior e mestre dos professos da Ordem dos Agostinianos (2013-2017) e secretário-geral da Organização dos Agostinianos da América Latina (OALA-2015-2019). Desde Abril de 2018 foi Administrador Apostólico da Prelatura Territorial de Chuquibambilla; e a 7 de Dezembro de 2019 foi nomeado Bispo da referida Prelatura, em Janeiro de 2022 foi eleito Presidente da Comissão Episcopal de Comunicação da Conferência Episcopal Peruana.

Monsenhor, preside à Comissão Episcopal para o Sínodo no Peru. Como foi recebido o presente Sínodo em todas as dioceses do Peru, tem havido trabalho organizado e participativo durante o processo? 

- Tivemos uma boa resposta, o processo sinodal foi levado a cabo nas 46 jurisdições eclesiásticas do Peru. Primeiro o Conselho Permanente da Conferência Episcopal Peruana (CEP) criou a Comissão Nacional que animaria o Sínodo do Sínodo no Peru, e recolhemos todas as orientações e documentos preparados pela Secretaria Geral do Sínodo e adaptámo-los à realidade do país. Depois convidámos cada jurisdição eclesiástica a lançar o Sínodo, cada uma a partir da sua própria realidade e contexto; e depois convidámos o bispo a formar a sua comissão diocesana, que animou o processo sinodal no seu território. Foi também solicitada a existência de uma comissão sinodal paroquial para o processo de escuta.

Qual foi o objectivo de todo este processo?

- O objectivo era chegar a todos os lugares, os 95% das jurisdições formaram a sua Comissão Diocesana. Temos trabalhado de forma organizada, com reuniões mensais de coordenação. O Peru respondeu ao Sínodo, é um povo católico e ama muito os seus missionários, sentiu-se acompanhado pelos seus bispos, padres, religiosos e religiosas e leigos empenhados.

Neste processo de escuta, o povo respondeu com gratidão e generosidade, os fiéis sentem que as suas vozes foram ouvidas e valorizadas. Também tem sido um tempo para curar feridas, a certa altura os fiéis disseram que elas não estavam a ser tidas em conta e agora, neste tempo, puderam expressar as suas necessidades, queixas ou esperanças. Poderíamos dizer que o Sínodo está a caminho e a Igreja peruana assumiu o compromisso de caminhar em conjunto com os desafios que certamente surgirão ao longo do caminho.

Depois de ouvir o inquérito nacional, que questões são de interesse ou preocupação para os fiéis católicos peruanos?

- Revendo as sínteses das jurisdições, há temas constantes e prioritários que se têm destacado nesta fase de escuta, e são os seguintes: a formação permanente dos baptizados para assumir um compromisso eclesial, o cuidado pastoral das famílias através da formação catequética, a formação dos leigos no campo da política, a dimensão profética iluminada pela doutrina social da Igreja, a evangelização através dos meios de comunicação social e a formação de professores de religião através do Gabinete de Educação Católica.

Houve também preocupação pela celebração da liturgia, maior clareza e concretude nos ministérios leigos, o valor da piedade popular, a experiência de fé do povo de acordo com a sua realidade, a falta de missionários em aldeias remotas, a promoção vocacional, a opção pelos pobres sem excluir ninguém, um papel maior para as mulheres e os jovens na Igreja e na sociedade, as consequências da covida 19 e do diálogo ecuménico.

Houve também reflexões sobre o clericalismo que afecta a vida dos fiéis, abusos sexuais na esfera eclesial, acompanhamento de idosos, tráfico de seres humanos e migrantes, a necessidade de um plano pastoral orgânico e estruturado em cada jurisdição, formação em sinodalidade para futuros sacerdotes, conflitos mineiros, cuidados com o lar comum e a Amazônia, cuidados com as culturas indígenas, e acolhimento de pessoas excluídas.

Estes são os temas constantes que se manifestam na maioria das jurisdições eclesiásticas, sobre os quais o povo de Deus tem reflectido.

Sobre esta leitura, quais são os desafios para a Igreja no Peru?

- Em primeiro lugar, a formação permanente dos leigos. Isto surgiu em todas as jurisdições eclesiásticas. Perguntamo-nos que tipo de formação os nossos fiéis querem e realmente precisam: quais são as questões fundamentais em que o povo de Deus precisa de ser formado? Este é o discernimento que a Igreja deve fazer, obviamente, tendo sempre em mente a centralidade do mistério de Jesus Cristo; neste sentido, o processo de escuta é muito útil.

Esta formação deve também conduzir a um compromisso eclesial. Em Aparecida era evidente uma fé fraca do povo com pouco empenho eclesial; e isto deve-se à falta de formação. Esta questão é muito importante e deve ser abordada com profundo discernimento.

Estou a ver, e que outras questões são levantadas?

- Outra questão importante é a formação de leigos em política. Como Igreja temos um grande tesouro de conhecimento no Magistério, o Papa Francisco publicou a sua terceira encíclica "Fratelli Tutti" que nos convida a entrar no campo da política, temos de formar os nossos fiéis e ensiná-los que a política é boa, a política em si mesma é procurar o bem comum. Como encorajar os nossos fiéis a entrar neste campo é certamente um grande desafio.

A Igreja tem de estar atenta às necessidades do mundo, discernir os sinais dos tempos, dar a conhecer o Magistério da Doutrina Social da Igreja. Os leigos devem participar no campo da política; é uma grande oportunidade para o crescimento integral dos nossos povos. Em política, o bem comum será sempre procurado e estou convencido que um leigo bem treinado pode contribuir muito para o desenvolvimento da sociedade e da pessoa humana.

E a piedade popular?

Piedade popular é uma força para o nosso país, mas, ao mesmo tempo, um desafio. Cabe-nos a nós, como bispos, acompanhar o Povo de Deus, tendo em conta a cultura do povo, devemos também respeitá-la e valorizá-la. Antes falava-se em purificar e extirpar, agora temos de acompanhar e aprender com esta expressão de fé. Obviamente, devemos também cuidar do essencial: a fé do povo, a formação doutrinal; ou seja, a piedade popular deve também conduzir-nos à vida sacramental e ao compromisso eclesial.

Como pastores, é nossa tarefa acompanhar o povo santo de Deus, do qual também fazemos parte como povo baptizado, e formá-los nas Sagradas Escrituras, Tradição, Magistério e Fidei do Sensus. Valorizando sempre a riqueza que existe em cada povo. A piedade popular é o tesouro da Igreja. Na América Latina, no Peru, o nosso povo tem mantido a sua fé através da piedade popular, através da fé simples. É um desafio como acompanhar estas experiências de fé para que nos conduzam sempre a um encontro pessoal com o Senhor, à prática da vida sacramental e ao compromisso eclesial.

Foto: Monsenhor Farfán numa procissão mariana em Chuquibambilla

Nos últimos anos tem-se falado muito do cuidado das culturas nativas. Qual é a situação no Peru?

- A Amazônia e o cuidado do lar comum e das culturas nativas é um apelo urgente. O Papa Francisco convida-nos repetidamente a uma maior consciência do cuidado da nossa casa comum. Pode ser visto em "Laudato Si", "Querida Amazónia", "Fratelli Tuti", também no Magistério latino-americano: Medellín, Puebla, Santo Domingo, Aparecida e ultimamente na voz profética da Primeira Assembleia Eclesial da América Latina e das Caraíbas, não podemos fechar os olhos: a natureza continua a ser atacada.

Em 2019 houve o Sínodo da Amazónia, os nossos bispos da Amazónia são uma voz profética para os nossos povos amazónicos, sentem na sua própria carne os maus tratos da terra, a preocupação com as águas contaminadas, a dor de algumas comunidades indígenas que estão fora das suas terras porque estas foram degradadas. Os bispos da Amazónia caminham com o seu povo e conhecem as suas necessidades. No entanto, no que diz respeito a todos, não basta dizer que "devemos cuidar" ou "devemos valorizar e cuidar das culturas nativas ou indígenas", precisamos de nos formar em sensibilidade para podermos agir. É da responsabilidade de todos poder assumir um maior compromisso nas várias áreas de acção.

Poderia dar um exemplo concreto?

Vivo num local onde existem constantes conflitos mineiros em relação à questão da poluição ambiental. É a região Apurímac, onde se encontra a maior empresa mineira de cobre do Peru, "Las Bambas". Existem conflitos constantes entre as comunidades camponesas e a empresa mineira. No entanto, um dos principais problemas nesta região é o aumento da mineração informal. A poluição ambiental é alarmante, as colinas estão em colapso, a água está contaminada e as pessoas estão a adoecer diariamente.

O que devemos fazer face a esta dura realidade? É nossa responsabilidade moral tomar medidas concretas para cuidar da nossa casa comum; é um grito da costa peruana, da selva e das terras altas. O processo de escuta do sínodo permitiu ao povo de Deus dialogar sobre esta realidade alarmante que deveria levar-nos a assumir orientações pastorais concretas.

Vamos mudar de assunto. O clericalismo é outra questão que preocupa o Papa Francisco.

- Sim, e tem sido também uma questão que tem surgido constantemente, é um desafio porque não podemos manter os leigos numa fase infantil, relegando-os e não os tendo em conta nas decisões. Hoje precisamos realmente de caminhar juntos. Somos todos parte do Povo de Deus porque recebemos o sacramento do baptismo: bispos, clérigos, religiosos e religiosas, e fiéis leigos. O padre não deve ter de comandar e comandar sempre, temos de aprender a distribuir e delegar responsabilidades como o Povo de Deus. Não se trata de os leigos fazerem o que o padre faz, e o padre fazer o que os leigos fazem, mas sim de juntos, a partir da nossa vocação e ministério, contribuirmos para o crescimento da Igreja e da sua missão. 

O que quer dizer o Papa Francisco quando fala do Povo de Deus ou do povo santo de Deus?

- A resposta pode ser encontrada na Eclesiologia do Concílio Vaticano II, no capítulo II: "O Povo de Deus" da Constituição Dogmática sobre a Igreja "Lumen Gentium" Quem compõe o Povo de Deus? Todos os baptizados, ou seja, antes de sermos bispos, sacerdotes, somos antes de mais o povo de Deus, o nosso cartão de identidade é o nosso baptismo. Tem sido muitas vezes erradamente compreendido que o Povo de Deus é apenas o laicato. Esta é uma questão que precisa de ser mais explorada. Nos desafios e orientações pastorais da Primeira Assembleia Eclesial da América Latina e das Caraíbas, surgiu como uma prioridade a ser abordada com urgência.

Como vai abordar a questão do abuso?

- Outro desafio actual para toda a Igreja é o abuso na esfera eclesial. Todas as Conferências Episcopais do mundo estão a tomar medidas através de Gabinetes de Escuta. O povo pede para ser escutado e, claro, as pessoas que foram afectadas precisam de ser acompanhadas. Penso que isto tem de ser feito de uma forma mais séria e responsável. Estamos a tomar medidas como Igreja no Peru. Como Conferência Episcopal, reconhecemos a importância deste problema como uma prioridade: acompanhar a todo o momento as pessoas que foram afectadas e maltratadas.

É também necessária ajuda profissional para poder acompanhar casos específicos. Temos reflectido muito sobre esta questão, não podemos fechar os olhos a esta dolorosa realidade. Algumas situações dolorosas são evidentes, razão pela qual este espaço de acompanhamento é necessário para curar feridas, incluindo as do perpetrador. 

Como tem sido realizada a experiência de sinodalidade durante o processo? Que oportunidades futuras se abrem sob esta modalidade de trabalho na Igreja?

- Fizemos o que o Papa Francisco nos pediu para fazer na sua homilia na inauguração do Sínodo para toda a IgrejaA principal coisa que se destacou nesta experiência sinodal foi o encontro de pessoas, quer virtuais quer presenciais. Nesta experiência sinodal, o que foi mais marcante foi o encontro de pessoas, quer virtuais quer presenciais, em espaços de comunhão. Este encontro permitiu que as pessoas se expressassem, expressassem os seus pontos de vista, se sentissem ouvidas.

A escuta faz-nos amadurecer na nossa fé, nos nossos compromissos, sábio é aquele que escuta e pede conselhos. Estes espaços de encontro fizeram-nos olhar para vários temas de acordo com a realidade local. Embora seja verdade que o Sínodo nos colocou alguns temas, muitos outros se tornaram evidentes. No nosso país, com a sua rica diversidade, estes espaços têm favorecido a comunhão. Este é também o desafio; é difícil para todos nós caminharmos juntos, sentarmo-nos e ouvirmo-nos uns aos outros, e é necessária muita paciência.

É também importante compreender a dimensão espiritual do Sínodo. É o Espírito que guia e acompanha a sua Igreja. Ele leva-nos por novos caminhos, para novas questões desafiantes, onde há espaço para reflexão e mesmo para reclamação ou reclamação. Sempre com plena confiança de que se nos colocarmos nas suas mãos, ele certamente nos levará a uma conclusão bem sucedida.

A sinodalidade é um grande desafio para a nossa Igreja no Peru.

- Neste tempo sinodal da Primeira Assembleia Eclesial da América Latina e das Caraíbas e do processo de escuta do Sínodo, o desejo de caminhar juntos tem sido evidente. Vejo os bispos do Peru muito unidos, reflectindo sobre questões de grande actualidade. A virtualidade neste sentido ajudou-nos muito, há uma boa comunicação, estamos convencidos de que a sinodalidade deve permanecer sempre.

Embora seja verdade que a realidade do Peru é muito diversa - costa, terras altas e selva - há um grande empenho na comunhão. Um dos desafios que já foi discutido em várias Assembleias do CEP, e que estou certo de que em breve tomará medidas concretas, é o apoio material entre as Jurisdições Eclesiásticas, tanto em termos da presença de missionários como em termos financeiros. Há jurisdições que se podem sustentar financeiramente e outras que são muito pobres financeiramente. Outros têm clero suficiente e outros carecem de sacerdotes. Em suma, este é um grande desafio para trabalhar em conjunto neste sentido, dando uma ajuda uns aos outros a partir das possibilidades de cada jurisdição. 

Como será concluído o Sínodo no Peru?

- Estamos agora a trabalhar na síntese final, uma riqueza para a Igreja no Peru. É bom ler as simples palavras dos fiéis. Tal como foi expresso nas reuniões, também foi escrito. A Comissão Nacional tem agora a missão, num clima de oração e discernimento, de produzir uma síntese nacional. Com a informação que recebeu das jurisdições e com as impressões que pôde recolher durante as reuniões pré-sinodais ou preparatórias. Tudo está a ser tido em conta para a Síntese Nacional.

A 5 de Agosto temos de submeter a síntese nacional ao Conselho Permanente do PEC para aprovação. Depois, antes de 15 de Agosto, deve ser submetido à Secretaria Geral do Sínodo. Estamos no bom caminho, já organizámos o horário. Enviaremos também as sínteses diocesanas das jurisdições para servir de apoio técnico de informação e referência, o que constitui prova de um trabalho sério e responsável. 

O próximo passo será a fase continental, o CELAM juntamente com a Secretaria Geral do Sínodo, estão a fazer as respectivas coordenações. A sinodalidade deve ser sempre mantida. Da América Latina, temos de continuar a trabalhar nos desafios e orientações pastorais que a Primeira Assembleia Eclesial nos deixou.

Em conclusão, qual é a sua reflexão final sobre este processo sinodal?

- A minha reflexão final é que nos deixamos conduzir pelo Espírito Santo. Por vezes a tentação é querer controlar tudo, mas acontece que o Espírito nos transborda e nos desinstala do nosso lugar de conforto, conduzindo a sua Igreja por caminhos novos e surpreendentes. É precisamente por termos esta confiança plena no Senhor, que caminha com a sua Igreja e a ama, que temos de avançar. Não basta dizer que acredito na sinodalidade, temos de dar passos concretos, passos em que este espírito sinodal é mostrado na Igreja.

Grandes desafios surgem, a fim de continuar a crescer como uma Igreja de comunhão, participação e missão; isto é conseguido quando fazemos uma viagem juntos.

O autorJesus Colquepisco

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