TribunaLeandro M. Gaitán

Menos futuro e mais futuro

O escritor português Fernando Pessoa disse que "A qualquer momento, pode surgir algo que nos mude completamente". Foi o que aconteceu com a pandemia. Ninguém o viu chegar. Nem a OMS, nem a União Europeia, nem o governo, nem certamente o cidadão comum.

13 de Maio de 2020-Tempo de leitura: 3 acta

Todos pensávamos que era um conto alto, ou na melhor das hipóteses, uma praga auto-confinadora dentro das fronteiras da terra da Grande Muralha, guerreiros de terracota e Kung Fu. Mas não era para ser. Dotado de uma clara vocação imperialista (ele tinha de ser chinês!), o pequeno dragão-vírus da coroa conquistou o mundo em poucos meses. Depois de algumas escaramuças - quase como um ensaio - no Irão, Coreia e Singapura, avançou firmemente sobre os Estados membros da NATO (e países adjacentes), ocupando-os quase sem encontrar resistência. Não poderia ter sido de outra forma; ocidentais, cegos pelos nossos "delírio de omnipotência". (Raniero Cantalamessa dixit), subestimamos o oriental microscópico ao ponto de causar náuseas, e tal arrogância teve o seu preço. O vírus chegou de repente, expôs a nossa vulnerabilidade e, isolando-nos nas nossas casas (sim, tal como os vírus são isolados nos laboratórios), enviou-nos para o canto do pensamento.

Enviou-nos para o canto do pensamento e tirou-nos o futuroporque deitou fora todos os nossos projectos, planos, agendas, e cálculos como sendo auto-suficientes, hiperactividade - ocidentais desordenados. O futuro, com efeito, é uma tensão para a frente, um movimento do que é para o que vai ser. O futuro é expresso em frases como "no próximo domingo irei à manifestação" ou "nunca escaparei ao confinamento", e está relacionado com o que é previsível, com o que está programado, com a orientação das nossas acções. O futuro é, em última análise, sobre o que podemos controlar. A civilização ocidental, nos seus esforços para controlar a realidade, pensava apenas em termos de futuro. Políticas anti-natalistas e de género, assim como a eutanásia, são exemplos desta obsessão com o controlo. Uma obsessão que atinge níveis extremos com o projecto transhumanista que aspira a transformar-nos em pós-humanos (seres mais semelhantes a uma divindade do que ao homem). 

A civilização ocidental encerrou a realidade nos seus próprios esquemas mentais, partindo do dogma de que tudo é uma construção humana, um produto cultural... e embebedou-se com o futuro. Inventou utopias/ideologias como o cientismo, liberalismo, comunismo, nacionalismo, a ideia de "progresso", etc., todas elas substitutas da religião, e visava a construção de uma espécie de paraíso na Terra. Matou Deus, negou a natureza, e insistiu em salvar-se por si próprio, e de si próprio. Por outras palavras, agarrou-se ao futuro sem mais delongas.  

E no meio desta agitação infernal de agendas e programas que iam e vinham - por vezes aliados, por vezes confrontados - o pequeno dragão coronaviral irrompeu subitamente para nos arrancar o futuro e nos deixar nus antes do futuro. Nu e estupefacto como Adão depois de comer a sua tarte de maçã. E porque nos deixou este sentimento de nudez? Porque na tentativa desesperada de controlar o nosso destino tínhamos condenado o futuro ao ostracismo. Tínhamos rejeitado aquilo que nos coloca perante o horizonte do imprevisto e do descontrolado. Pois esse é o futuro, o que vem na nossa direcção, o que nos encontra. O futuro é o que irrompe nas nossas vidas. "...como o relâmpago em qualquer tempestade, fraturando a noite".segundo o filósofo Fabrice Hadjadj. 

Foi assim que a pandemia nos conheceu. Entrou abruptamente neste templo de adoração da humanidade que o Ocidente se tornou (como a polícia faz nos templos católicos europeus para suspender massas), e lembrou-nos, de uma forma muito dolorosa, que o futuro também existe. Que a nossa história é o resultado de um sofisticado jogo dialéctico entre o futuro e o futuro. Entre os nossos cálculos e previsões, e o que nos acontece a partir de um excedente de realidade que não controlamos. Precisamente por esta razão, as pessoas de fé são instadas a dizer "amanhã irei a tal e tal lugar" ou "no próximo semestre farei tal e tal coisa", mas com a adição de "se Deus quiser" ou "se Deus quiser" ou "se Deus quiser". Pois não se trata certamente de escolher entre o futuro ou o futuro, mas de compreender que eles estão mutuamente implicados, embora com uma advertência, como Hadjadj observa: é o futuro que está subordinado ao futuro, e não o contrário. Talvez desta vez no canto do pensamento nos ajude a compreender que uma civilização que se agarra ao futuro, uma civilização que nega o que vem para além das suas próprias estimativas, como aquela pessoa que cobre os seus ouvidos e canta alto para não ouvir o que pode perturbar os seus esquemas; disse ele, talvez possamos compreender que tal civilização está condenada ao fracasso. E no melhor dos casos, talvez possamos superar o amargo secularismo que nos corrói por dentro, abrindo uma janela para Deus, que não está no futuro, mas é o futuro absoluto.

O autorLeandro M. Gaitán

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