Bento XVI. Cooperador da verdade

A verdade de Deus Criador e Redentor, da qual o Santo Padre Bento XVI foi um buscador incessante, ilumina o crepúsculo dos últimos anos da sua vida passados em oração, silêncio e humildade exemplar.

31 de Dezembro de 2022-Tempo de leitura: 4 acta
benedito xvi

O Papa Emérito Bento XVI morreu. Se algo tem caracterizado a sua longa vida, desde a sua infância e adolescência como seminarista no seminário menor da Arquidiocese de Munique, localizado em Traunstein, nos contrafortes dos Alpes da Baviera, até aos seus últimos anos como Papa Emérito, é sem dúvida a sua vocação de querer ser um "Cooperador da Verdade": da Verdade de Deus, revelada em Cristo para a Salvação da humanidade. 

Foi um cooperador da Verdade, procurando-a com a paixão do seu coração e a lucidez intelectual de uma mente inquieta nos seus estudos teológicos no Seminário Maior de Freissen, que encontrou a sua confirmação na sua tese de doutoramento e na sua qualificação como docente universitário.

A Teologia de Santo Agostinho proporciona-lhe o horizonte teológico para compreender e explicar o ser da Igreja como "Povo e Casa de Deus", e a partir do de São Boaventura, do seu "Itinerário da mente a Deus", recebe a inspiração intelectual para compreender a Verdade do Deus vivo que se revela numa história de Salvação, culminando em Cristo, o Filho de Deus, encarnado no ventre de uma Virgem, Maria, crucificado, morto e ressuscitado.

As suas duas décadas como professor de Teologia em Bonn e Münster, Tübingen e Regensburg, nas quais combinou ensino e pesquisa, palestras e publicações com uma extraordinária fecundidade pedagógica, revelam uma compreensão da busca da verdade revelada em Deus, na qual o diálogo Fé/ Razão se desdobra com uma rigorosa disciplina lógica e, ao mesmo tempo, com uma extraordinária sensibilidade espiritual para as questões dos seus leitores e ouvintes. Quanto o seu fascinante tratado sobre "Introdução ao Cristianismo" ajudou as gerações de jovens estudantes universitários daquele momento histórico dramático a encontrar o caminho para a verdade com uma letra maiúscula: encontrar o Deus vivo além, mas não contra, o Deus dos filósofos! 

As fases seguintes da sua biografia como Arcebispo - apenas cinco anos - e como Prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé - quase vinte e cinco - centraram-se num serviço à fé da Igreja como colaborador próximo e íntimo do Papa São João Paulo II no cumprimento do seu primeiro dever como sucessor de Pedro, que é nada mais nada menos que "confirmar os seus irmãos na fé". O seu método de trabalho seguiu o princípio "Anselmian" de "Fides quaerens intellectum" - "Intellectus quaerens Fidem" ("fé em busca de inteligência" e "inteligência em busca de fé"). Um princípio posto em prática com o cuidado requintado de um diálogo sempre atento e sempre simpático a teses opostas. Todo o debate dos anos oitenta do século passado em torno da Teologia da Libertação é uma ampla evidência disso.

Finalmente, o seu magistério nos oito anos do seu pontificado concentra-se na Verdade de Deus que é Amor (a sua encíclica "Deus Caritas est") e no último fundamento da Esperança que não desilude (a sua encíclica "Spes Salvi"). A última encíclica, "Caritas In Veritate" ("Amor na Verdade", CV), publicada a 29 de Junho de 2009, no meio da crise financeira global com o seu epicentro na Bolsa de Nova Iorque - e que em breve conduziu a uma grave crise social, política e cultural - visa mostrar como a fé no Deus vivo e verdadeiro, revelado em Cristo, abre o caminho para o verdadeiro progresso humano - progresso integral - ou, por outras palavras, abre o caminho para a realização de um verdadeiro e autêntico humanismo. A chamada "viragem antropológica" do pensamento moderno e pós-moderno, que ele conhecia bem, não só é esvaziada de significado, mas, pelo contrário, o seu significado para o bem transcendente da pessoa humana e da sociedade é autenticado e consolidado. 

Não é surpreendente, portanto, que uma das conclusões práticas da encíclica seja que "não há pleno desenvolvimento e nenhum bem comum universal sem o bem espiritual e moral das pessoas, considerado na sua totalidade de alma e corpo" (CV 76), e, ao mesmo tempo, que "o desenvolvimento necessita de cristãos com braços erguidos a Deus em oração, cristãos conscientes de que o amor cheio de verdade, 'caritas in veritate', do qual procede o autêntico desenvolvimento, não é o resultado dos nossos esforços, mas um dom" (CV 79). 

Na sua homilia na Praça Obradoiro, Santiago de Compostela, a 6 de Novembro de 2010 (na sua segunda viagem pastoral a Espanha), disse: "Só Ele - Deus - é amor absoluto, fiel, indeclinável, um objectivo infinito que pode ser visto por detrás de todos os bens, verdades e belezas admiráveis deste mundo: admirável mas insuficiente para o coração do homem. Santa Teresa de Jesus compreendeu isto bem quando escreveu: 'Só Deus é suficiente'".

No final do Dia Mundial da Juventude em Madrid, 21 de Agosto de 2011, quando se despediu de Espanha, disse-nos: "Espanha é uma grande nação que, em coexistência aberta, plural e respeitosa, sabe como e pode progredir sem renunciar à sua alma profundamente cristã e católica", e que "os jovens respondem com diligência quando são sincera e verdadeiramente propostos o encontro com Jesus Cristo, o único Redentor da humanidade".

A verdade de Deus Criador e Redentor do homem, a VERDADE que é Ele e só Ele, da qual o Santo Padre Bento XVI tem sido um incessante buscador, cooperador, testemunha e mestre ao longo de toda uma vida dedicada a Cristo, ilumina o crepúsculo dos últimos anos da sua vida passada em oração, silêncio e humildade exemplar. No prefácio do primeiro volume da sua monografia "Jesus de Nazaré", publicada em 2007, confessa: "Não preciso certamente de dizer expressamente que este livro não é de modo algum um acto magisterial mas apenas uma expressão da minha busca pessoal do rosto do Senhor". Um rosto que ele já encontrou na contemplação eterna da sua Beleza infinita. Por isso rezamos, unidos na oração de toda a Igreja por aquele que sempre se considerou "o seu humilde trabalhador na vinha do Senhor".

O autorAntonio M. Rouco Varela

Cardeal Arcebispo Emérito de Madrid. Presidente da Conferência Episcopal Espanhola de 1999 a 2005 e de 2008 a 2014.

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