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"Deus trabalha através de eventos não programáveis: 'isso' aconteceu-me por acaso", diz o Papa Francisco

O Papa Francisco continua a sua catequese sobre o discernimento. Nesta segunda ocasião ele toma o exemplo de um episódio na vida de Santo Inácio de Loyola.

Javier García-10 de Outubro de 2022-Tempo de leitura: 4 acta
Papa Francisco

Texto original do artigo em espanhol aqui

Traduzido por Charles Connolly

O Papa Francisco iniciou uma catequese sobre o discernimento. A sua catequese é uma reflexão sobre o funcionamento da providência na vida quotidiana. Por detrás da aparente casualidade de muitas acções diárias está a mão de Deus.

Depois de ter sido ferido na perna enquanto defendia a cidade de Pamplona, Inácio teve de convalescer durante vários meses. Na falta de uma televisão ou de um ecrã de cinema para o entreter durante as horas de recuperação, só podia recorrer à leitura como meio de entretenimento e fuga. Assim, pediu aos seus parentes livros de aventuras cavalheirescas, pois gostava muito deles, mas como só havia livros de natureza religiosa na casa, teve de se contentar com este género literário. Graças a esta situação, ele começou a aprender mais sobre a vida de Cristo e dos santos.

O Papa Francisco, um filho espiritual de Santo Inácio, comentou como o fundador dos Jesuítas "ficou fascinado com os perfis de São Francisco e São Domingos, e sentiu o desejo de os imitar. Mas o mundo do cavalheirismo também continuou a exercer o seu fascínio sobre ele. Assim, sentiu dentro de si esta alternância de pensamentos - os de cavalheirismo e os dos santos - que parecem estar em pé de igualdade".

"Mas Inácio também começou a perceber algumas diferenças", continuou o Papa. "Na sua Autobiografia (escrito na terceira pessoa) ele escreveu: "Quando pensou nas coisas mundanas" - e nas coisas de cavalheirismo, é claro - "isso deu-lhe grande prazer; mas depois encontrou-se seco e triste. Mas quando pensou em viajar para Jerusalém, e de viver apenas de ervas e praticar austeridades, encontrou prazer não só ao pensar nelas, mas também quando tinha parado" (n.º 8);" deixaram nele um traço de alegria.

O Papa Francisco explica a acção da graça

Glosando esta história, o Santo Padre sublinhou o contraste entre o vazio deixado no coração humano por certos desejos que se apresentam de uma forma extremamente atraente, e as coisas de Deus, que podem não ser muito apetitosas no início, mas que depois enchem uma pessoa. Algo parecido aconteceu a Santo Inácio quando se entristeceu com a literatura religiosa que lhe foi oferecida.

O Papa citou um famoso texto do Exercícios Espirituais de Santo Inácio em que explica como o diabo age de forma diferente quando confrontado com pessoas diferentes, algumas melhores, e outras piores:

"Nas pessoas que vão de um pecado mortal para outro, o inimigo normalmente propõe-lhes prazeres aparentes," (para lhes assegurar que tudo está bem) "fazendo-as imaginar delícias e prazeres sensuais a fim de se apoderar mais deles e fazê-los crescer nos seus vícios e pecados. Nestas pessoas, o bom espírito usa o método oposto, picando-as e mordendo as suas consciências através do processo da razão" (Exercícios Espirituais, 314).

Ouvir o coração

"Quando Inácio estava deitado ferido na casa do seu pai, não pensava em Deus, nem em como reformar a sua própria vida. Não. Ele teve a sua primeira experiência de Deus escutando o seu próprio coração, o que o apresentou com uma curiosa inversão: coisas que eram atraentes à primeira vista deixaram-no desiludido, enquanto noutros, menos deslumbrantes, ele percebeu uma paz duradoura. Nós também já tivemos esta experiência: muitas vezes começamos a pensar em algo, e ficamos lá, e depois acabamos desapontados. Em vez disso, quando realizamos uma obra de caridade, fazemos algo de bom e sentimos alguma felicidade, um bom pensamento vem até nós, e a felicidade vem até nós, algo alegre. É uma experiência que é inteiramente nossa. Ele, Inácio, teve a sua primeira experiência de Deus ao ouvir o seu próprio coração; isto mostrou-lhe uma curiosa inversão. Isto é o que devemos aprender: ouvir o nosso próprio coração, saber o que está a acontecer, que decisão tomar. Para julgar uma situação, temos de ouvir o nosso próprio coração".

Mas ouvir a voz do coração não é fácil, entre outras coisas porque somos bombardeados por tantos estímulos: "vemos a televisão, ouvimos a rádio, o telemóvel", prosseguiu o Papa, "somos especialistas em ouvir, mas pergunto-vos: sabeis ouvir o vosso coração? Parais para dizer: "Mas como está o meu coração? Está satisfeito, é triste, está à procura de algo?' Para tomar boas decisões, é preciso ouvir o coração".

O aparecimento do acaso

Para nos prepararmos para ouvir a nossa voz interior, temos de ler as biografias dos santos. Neles, é fácil ver como Deus age na vida das pessoas, para que o seu exemplo nos possa guiar nas nossas decisões diárias. Ao interiorizar o Evangelho e a vida dos santos, aprende-se a ver como "Deus trabalha através de acontecimentos imprevisíveis que acontecem por acaso: por acaso isto aconteceu comigo, e por acaso conheci esta pessoa, e por acaso vi este filme. Não foi planeado mas Deus trabalha através de acontecimentos imprevisíveis, e também através de contratempos: 'Mas eu devia ir dar um passeio e tenho um problema com o meu pé, não posso...' Contratempos: o que é que Deus te diz? O que é que a vida te diz lá?

Seguindo esta lógica sobrenatural, o Papa aconselhou os fiéis a estarem "atentos a coisas inesperadas".

"É nos acontecimentos inesperados que Deus fala frequentemente. O que é que a vida te diz aí?... É o Senhor que te fala, ou é o diabo? Alguém está a falar. Mas há ainda algo a ser discernido: como reagir perante o inesperado? Eu estava a relaxar em casa e então, Boom!- minha sogra chega. E como reage à sua sogra? É com amor, ou outra coisa qualquer? É preciso discernir. Eu estava a trabalhar bem no escritório, e um colega vem dizer-me que precisa de algo emprestado: como é que reage? Tomar nota do que acontece quando experimentamos coisas que não esperávamos, e aprender a saber como o nosso coração reage. O discernimento ajuda-nos a reconhecer os sinais com que o Senhor se faz presente em situações imprevistas - mesmo desagradáveis, como foi para Inácio, ferido na sua perna".

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