Artigos

O que já aconteceu e o que pode acontecer agora na crise nicaraguense?

A crise social e política na Nicarágua agravou-se consideravelmente este Verão, especialmente no que diz respeito ao assédio da Igreja. Explicamos porque é que a voz da Igreja passou a ser tão respeitada entre as pessoas e fazemos uma breve revisão dos principais acontecimentos que tiveram lugar.

Javier García-1 de Setembro de 2022-Tempo de leitura: 4 acta

Foto: Cardeal Brenes e Monsenhor Silvio Baez chegam a Diriamba em 9 de Julho de 2018 para protestos anti-governamentais. Nesse dia, os dois prelados foram atacados por grupos armados alinhados com o governo da cidade. ©CNS/Oswaldo Rivas, Reuters

Texto original do artigo em espanhol aqui

No final de Junho deste ano, os meios de comunicação internacionais ficaram confusos com a decisão do governo nicaraguense de expulsar do país as inofensivas Irmãs da Caridade. Como foi possível que freiras conhecidas no mundo inteiro pelo seu trabalho pacífico e abnegado fossem expulsas? A resposta é muito simples: nos seus pequenos dispensários médicos estavam a tratar pacientes feridos pela polícia que tentavam abater os protestos de rua. Uma vez que o governo tinha impedido os hospitais públicos de tratar os manifestantes, a única opção das pessoas era ir ter com aqueles que nunca fazem orelhas moucas aos necessitados. E só a coragem destas mulheres foi capaz de atenuar os efeitos dos danos causados. A crise nicaraguense tinha atingido uma fase ainda mais elevada.

Estes graves protestos remontam a 2018 após a decisão do governo de baixar as pensões em 5% e aumentar os impostos sobre as empresas. Depois, a violência policial causou 300 mortos e 2000 feridos, e o único local onde os manifestantes puderam encontrar refúgio foram as igrejas. A maioria dos párocos de todo o país abriram as portas das suas igrejas. O relatório das Nações Unidas prestou contas do grave ataque aos direitos humanos.

Um bispo preso

Estes dois eventos mostram como o presidente, Daniel Ortega, tem tentado desde então e ainda hoje silenciar a voz da Igreja. Na sexta-feira 19th Agosto A Nicarágua voltou a ser notícia em todos os meios de comunicação social internacionais. O bispo Rolando Alvarez da diocese de Matagalpa foi detido a meio da noite no palácio do arcebispo, juntamente com vários outros sacerdotes e seminaristas. Neste momento encontra-se novamente em prisão domiciliária.

É assim que o governo está a usar a pressão da força contra uma das principais vozes de protesto contra o regime, esperando certamente que ele deixe o país tal como muitos outros padres e pastores se sentiram obrigados a partir.

Novo assédio contra a Igreja

Nas últimas semanas, o governo reforçou a sua vigilância das paróquias. Muitos deles têm agora patrulhas policiais à porta durante a missa dominical. Se o padre não manter um equilíbrio delicado ao falar sobre a situação no país, os fiéis não são autorizados a entrar. É por isso que nos últimos dias temos visto muitas fotos e vídeos nas redes sociais em que os fiéis estão a receber a Sagrada Comunhão através dos grelhadores dos complexos paroquiais, sob o olhar atento da polícia.

É assim que o governo está a tentar pressionar os padres a não denunciar os abusos cometidos, dando assim origem a causas da crise social e política que tem vindo a manter o país de volta nos últimos quinze anos. Isto trouxe mais de 150.000 refugiados, a maioria dos quais estão deslocados na vizinha Costa Rica.

Eliminação de dissidentes

Poder-se-á perguntar porque é que a Igreja está a desempenhar um papel tão importante para se tornar o alvo número um do governo. Ao longo dos últimos dez anos mais ou menos, a repressão política tem sido extrema, dando origem a vários líderes da oposição no exílio ou encarcerados (só no último ano, puseram 18 membros da oposição na prisão). O poder judicial cedeu ao governo de tal forma que a separação de poderes já não existe de facto. 

A Nicarágua é um país com menos de 7 milhões de habitantes e nove bispos. Um deles, D. Silvio Baez foi forçado a exilar-se em 2019. Mas a pressão governamental não afecta apenas a hierarquia, mas nos últimos meses também fechou estações católicas de rádio e televisão.        

A Igreja tem tentado desempenhar um papel construtivo na medida em que tal é possível numa situação tensa e politicamente instável, mas com o tempo tornou-se a única voz pública com autoridade suficiente para denunciar os ataques aos direitos humanos. E muitas pessoas têm vindo a respeitar e a apreciar a sua coragem. Acrescentando a isto a tradição católica do país, é óbvio que a Igreja será vista favoravelmente pela maioria do povo, mas não pelo governo.              

Cronologia da crise e da repressão contra a Igreja.        

  • 1985-1990. Daniel Ortega é presidente da Nicarágua.
  • Janeiro de 2007. Daniel Ortega ganha novamente as eleições. O governo é esquerdista, sandinista e cada vez mais comunista.
  • Outubro de 2009. O Supremo Tribunal da Nicarágua autoriza Ortega a concorrer novamente às eleições, apesar da proibição da constituição. A separação de poderes está cada vez mais comprometida.

2018

  • Abril de 2018. Ortega reduz as pensões em 5% e aumenta as contribuições das empresas e dos trabalhadores. Começam manifestações e protestos sociais, violentamente reprimidos pelo regime. Sacerdotes de todo o país abrem as portas das igrejas para abrigar os manifestantes a serem atacados pela polícia e paramilitares.
  • Junho de 2018. Os principais bispos do país levam o Santíssimo Sacramento em procissão entre as multidões, graças ao qual não há massacre policial. Os bispos pedem ao governo que antecipe as eleições para trazer a paz entre a população, depois de terem sido manipuladas em 2017.
  • Julho de 2018. Os apoiantes do governo assediam o bispo Silvio Baez, que fica ligeiramente ferido, quando este tenta denunciar a violência causada pelas forças de segurança do país.
  • Agosto de 2018. As Nações Unidas publicam um relatório sobre a situação do país. Aponta a grave crise dos direitos humanos que deu origem aos protestos sociais que deixaram cerca de 300 mortos e 2000 feridos.
  • Dezembro de 2018. Os Estados Unidos impõem sanções económicas.

2019-2022

  • Abril de 2019. O Bispo Silvio Baez exila-se a pedido do Papa Francisco, na sequência de pressões governamentais sobre a Santa Sé.
  •  Julho de 2020. A catedral de Manágua é atacada e incendiada.
  • Novembro de 2021. Ortega ganha eleições muito fraudulentas. A Venezuela, Cuba, Bolívia e Rússia são os únicos países que aceitam os resultados sem questionar.
  • Março de 2022. O governo expulsa o Núncio.
  • Maio de 2022. O governo encerra o Canal 51, propriedade da Conferência Episcopal.
  • Junho de 2022. O governo proíbe mais de uma centena de ONG, tanto religiosas como seculares.
  • Junho de 2022. Os Missionários da Caridade são expulsos. A razão dada oficialmente é que estavam a receber doações do estrangeiro e o dinheiro estava a ser utilizado para comprar armamento e desestabilizar o país. Não foram dadas provas.
  • Julho e Agosto de 2022. Vários padres são presos. O governo fecha 13 estações de rádio católicas.

Agosto 2022

  • Monsenhor Rolando Alvarez, bispo de Matagalpa e o principal crítico da falta de direitos humanos é preso na sua residência juntamente com outros padres e seminaristas.
  • O governo acusa as organizações católicas de desobedecer à lei contra a lavagem de dinheiro e o Financiamento do Terrorismo. A razão dada é que eles ajudam os opositores do regime e assim fomentam divisões, protestos, violência e terrorismo contra o Estado.
  • Sucessivos relatórios das Nações Unidas mostram mais repressão e falta de liberdades na Nicarágua.
  • O Secretário da Pontifícia Comissão para a América Latina, Rodrigo Guerra, explica que uma enxurrada de actividade diplomática está a decorrer sob o olhar atento da Santa Sé.
Boletim informativo La Brújula Deixe-nos o seu e-mail e receba todas as semanas as últimas notícias curadas com um ponto de vista católico.
Banner publicitário
Banner publicitário